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A fragilidade da legislação concernente à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil

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21/12/2005 às 00:00
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5. Da ausência da figura do cliente nos crimes de lenocínio

Dentro do contexto da exploração sexual infanto-juvenil, o Código Penal brasileiro também visa o resguardo da criança e do adolescente através de artigos que tipificam a conduta do aliciador, sujeitos a majorantes - embora, como ilustrado anteriormente, a de presunção de violência não tenha absoluta acolhida em nossos julgados.

A conduta do agente que incorre no crime de lenocínio remete a quatro tipos penais contidos no título sexto, capítulo quinto, do Código Penal, quais sejam: a mediação para servir a lascívia de outrem, o favorecimento da prostituição, a manutenção de casa de prostituição e o rufianismo.

Não há um entre estes que deixe de tipificar a conduta praticada por aliciadores e gigolôs, figuras ativas na exploração sexual de crianças e adolescentes. Porém, não é possível dizer o mesmo sobre a criminalização da conduta do cliente; na melhor das hipóteses, esta poderá ser enquadrada através da interpretação da norma. São os seguintes artigos:

Mediação para servir a lascívia de outrem

Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

Pena - reclusão, de dois a cinco anos.

§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Favorecimento da prostituição

Art. 228 - Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone:

Pena - reclusão, de dois a cinco anos.

§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do artigo anterior:

Pena - reclusão, de três a oito anos.

§ 2º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Casa de prostituição

Art. 229 - Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Rufianismo

Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:

Pena - reclusão, de três a seis anos, além da multa.

§ 2º - Se há emprego de violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da multa e sem prejuízo da pena correspondente à violência.

Os núcleos penais contidos nos artigos supra são nitidamente direcionados à conduta do aliciador, intermediário na relação a ser estabelecida entre a vítima e o usufrutuário.

Digna de nota, porém, a redação do artigo 228, formada por quatro núcleos verbais que, se apreciados em seu mais puro significado, podem incluir a figura do cliente no pólo ativo da conduta. São eles: induzir, atrair, facilitar, ou impedir o abandono da prostituição.

Embora seja este mais um dispositivo direcionado ao aliciador, parece razoável entender os núcleos verbais formalizados pelas expressões "atrair" e "impedir" como condutas próprias do cliente.

Do ponto de vista prático, tal proceder funciona como estímulo à permanência da criança ou do adolescente no mercado do sexo pago, através do pagamento pelos serviços sexuais prestados.

Da mesma forma que na prostituição exercida por adultos, a figura do cliente, que paga pelos serviços sexuais de crianças e adolescente, passa despercebida, numa clara demonstração de conivência da legislação com a cultura machista e preconceituosa que impregna a sociedade como um todo [05].

É nitidamente lógica a correlação entre oferta e demanda no mercado do sexo pago; por conseguinte, não há dúvida de que não existiria a prostituição infantil se não houvesse pessoas dispostas a pagar pela degradação moral destes jovens.


6. Da suspensão condicional do processo

Como instituto despenalizador previsto pelo art. 89, da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, a suspensão condicional do processo permite aos acusados de crimes cujas penas mínimas não excedam a um ano, a sustação do curso de seus processos por um lapso temporal compreendido entre dois e quatro anos, mediante o cumprimento de exigências legais. Findo esse período e preenchidas as condições, o processo é extinto sem que seu mérito seja julgado.

Em tese, sua proposição cabe exclusivamente ao Ministério Público, apesar de sua iminente natureza jurídica de direito penal público subjetivo de liberdade. Nesse liame, o professor Damásio de Jesus preconiza que, desde que preenchidas as condições determinadas em lei, a suspensão condicional do processo configura-se como direito do acusado, deixando de ser mera faculdade do parquet [06].

Da maneira como foi ditado, tal instituto incide sobre diversos tipos penais, inclusive naqueles elencados em leis penais extravagantes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.

E, como é possível observar em todo o acima exposto, muitos dos crimes tratados neste trabalho possuem pena mínima cominada em um ano ou menos, o que os coloca na área de abrangência do art. 89 da Lei 9.099/95.

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Criado para ampliar o rol de possibilidades de penas alternativas às privativas de liberdade – indiscutivelmente uma evolução no direito penal - o instituto da suspensão condicional do processo acaba por ser prejudicial ao combate da exploração sexual infanto-juvenil, na medida em que grande parte dos processos por crimes correlacionados à sua prática torna-se passível de ser suspensa, fato que incrementa ainda mais a cultura de impunidade que impregna tais atos delituosos.


BIBLIOGRAFIA

  • BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 1940. São Paulo: Saraiva, 2005.

  • BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 1990. 5º ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2002

  • Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. [S.l], 2002. Disponível em <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/2003pestraf.pdf>.

  • JESUS, Damásio Evangelista de. Tráfico internacional de mulheres e de crianças – Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.

  • ___________. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996.

  • Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte geral v.1.18. ed. Revista e atualizada até 31/12/2001. São Paulo: Ed. Atlas S.A, 2002.

  • __________. Manual de Direito Penal – Parte especial – art. 121 à 234 v.2.19. ed. Revista e atualizada até janeiro/2002. São Paulo: Ed. Atlas S.A, 2002.

  • REVISTA CEJ, Tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: Divisão de Serviços Gráficos do CJF, ano VII, nº 23, p. 5-25, dez/2003.


NOTAS

  1. Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte especial – art. 121 à 234 v.2.19. ed. Revista e atualizada até janeiro/2002. São Paulo: Ed. Atlas S.A, 2002, p. 411.

  2. JESUS, Damásio de. A Confusa Legislação Sobre o Tráfico Internacional de Crianças no Brasil. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, out. 2002. Disponível em: <https://www.sedep.com.br/artigos/a-confusa-legislacao-sobre-o-trafico-internacional-de-criancas-no-brasil/>. Acesso em 20 julho 2005.

  3. Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte geral v.1.18. ed. Revista e atualizada até 31/12/2001. São Paulo: Ed. Atlas S.A, 2002.

  4. Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. [S.l], 2002. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/2003pestraf.pdf>. Acesso em 20 julho 2005.

  5. NAVES, Nilson. REVISTA CEJ, Tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: Divisão de Serviços Gráficos do CJF, ano VII, nº 23, dez/2003, p. 7

  6. JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996.

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Sobre o autor
Tiago Emboava Dias

bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Tiago Emboava. A fragilidade da legislação concernente à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 903, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7681. Acesso em: 30 abr. 2024.

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