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A experiência americana no impeachment: o caso Trump

04/10/2019 às 09:00

Resumo:


  • Andrew Johnson e Bill Clinton foram os dois presidentes dos EUA que sofreram impeachment.

  • Johnson foi destituído em 1868 por violar a Tenure of Office Act, enquanto Clinton foi envolvido em um escândalo sexual com Monica Lewinsky.

  • Johnson foi absolvido no Senado por um voto, enquanto Clinton foi absolvido em 1999, após a Câmara votar pelo impeachment em 1998.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O caso se iniciou por denúncia anônima feita por um funcionário do serviço de inteligência americano que acusa Trump de ter pressionado o governo da Ucrânia para investigar Hunter Biden, filho de Joe Biden — ex-vice-presidente dos EUA e possível adversário do republicano nas eleições de 2020.

Nos EUA dois presidentes sofreram processo de impeachment: Andrew Johnson e Bill Clinton. 

Andrew Johnson, o 17º Presidente dos Estados Unidos, foi destituído de seu cargo em 1868 por ter violado a Tenure of Office Act.

O motivo formal para "justificar" o impeachment foi a demissão abrupta do então secretário da Guerra, Edwin Stanton. O partido Republicano, de oposição, usou o argumento de que a demissão contrariava uma lei que proibia o presidente de demitir o secretário de Estado sem prévia consulta ao Senado. No entanto, a razão real do impeachment tinha a ver com o projeto de reconstrução, como veio a ser chamado o processo de reunificação do país, no pós-Guerra Civil.

Johnson assumiu o poder após a morte de Lincoln em 1865.

Tensas desde o princípio, as relações políticas entre presidente e Congresso chegaram ao extremo do impeachment, que  foi aprovado na Câmara, em 24 de fevereiro de 1868 por 124 votos a 46. No senado, então com 54 integrantes - 42 republicanos e 12 democratas, eram necessários 36 votos para apear Johnson do poder. O julgamento começou em 30 de março de 1868 e a votação final, ocorrida em 26 de maio, mostrou 35 senadores a favor do impeachment. A vitória a Johnson foi assegurada pelo voto de Edmund Ross, republicano de Kansas, crítico ardoroso de Johnson. A razão pelo voto inesperado foi a recusa a "ferir de morte a presidência".:m 1974, Richard Nixon, o 37º presidente do país, renunciou de seu cargo para evitar um impeachment devido a seu envolvimento no escândalo de Watergate.

Em 1999, o 42º presidente americano, Bill Clinton, envolveu-se num escândalo sexual com sua estagiária Monica Lewinsky. Porém, a razão de impugnação de mandato não foi o escândalo, mas, sim, um falso testemunho de Clinton, confirmado por Monica. Apesar das acusações, o processo de impugnação foi arquivado pelo Congresso norte-americano.

 Clinton sofreu um processo de impeachment pela Câmara dos Representantes sob duas acusações, uma de perjúrio e uma de obstrução da justiça, em 19 de dezembro de 1998. Dois outros artigos do impeachment (uma segunda acusação de perjúrio e uma acusação de abuso de poder) não foram aceitos pela Câmara. As acusações surgiram após o escândalo Lewinsky e a ação judicial movida por Paula Jones.

Clinton foi absolvido pelo Senado em 12 de fevereiro de 1999. Exigindo uma maioria de dois terços para a condenação, apenas 50 senadores (de 100) votaram pela acusação de obstrução e 45 pela acusação de perjúrio.

A votação na Câmara e no Senado foi amplamente partidária. Na Câmara, apenas cinco representantes democratas votaram pelo impeachment. No Senado, que tinha 55 senadores republicanos, nenhum dos senadores democratas votaram pela condenação.

Pelo sistema europeu, vinculado à tradição jurídica britânica, além das penas de caráter político-administrativo, ocorre também aplicação de penalidades civis e criminais, razão pela qual é ele reputado por Duguit como um processo de natureza mista, isto é, político-penal. Essa é a linha adotada no Brasil.

Como citado por Paulo Brossard (Impeachment): “Strory já ensinava que o ‘impeachment’ é um processo de natureza puramente política”. No ensinamento de Brossard, Lawrence, tantas vezes citado pelas maiores autoridades, faz suas as palavras de Bayard, no julgamento de Blount: “o ‘impeachment’, sob a Constituição dos Estados Unidos, é um processo exclusivamente político. Não visa a punir delinquentes, mas proteger o Estado. Não atinge a pessoa nem seus bens, mas simplesmente desveste a autoridade de sua capacidade política”.

Observe-se que Munro (The government, pág. 288) refere-se ao caso do secretário de Estado Belknap, que, apesar de haver o presidente Grant, em 1876, aceito a demissão, o processo de impeachment prosseguiu no Senado, concluindo que o processo tinha a natureza mista, nos Estados Unidos, e não puramente política.

Surge, no momento, a notícia de que será pedido o impeachment do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, anunciou nesta terça-feira, dia 24 de setembro, que a Câmara está abrindo um processo de impeachment contra Donald Trump, o presidente norte-americano.

“As ações de hoje do presidente mostram que ele violou a nossa Constituição”, disse a presidente da Câmara em pronunciamento. “Ele admitiu ter pedido ao presidente da Ucrânia que tomasse medidas que iriam beneficiá-lo”, continuou.

Para Pelosi, a atitude de Trump “traiu a integridade das eleições”, o que justifica o início de um processo de impeachment. “O presidente precisa ser responsabilizado. Ninguém está acima da lei”, finalizou.

Segundo sondagem da rede de notícias CNN, 161 dos 235 democratas na Câmara dos Representantes já se manifestaram a favor do impeachment. A casa reúne 435 assentos e é hoje controlada pelos democratas.

Fala-se que a Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos divulgou a íntegra do documento que fundamentou a abertura formal do processo de impeachment contra Donald Trump.

Trata-se da denúncia anônima feita por um funcionário do serviço de inteligência americano que acusa Trump de ter pressionado o governo da Ucrânia para investigar Hunter Biden, filho de Joe Biden — ex-vice-presidente dos EUA e possível adversário do republicano nas eleições de 2020.

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O governo com frequência faz promessas de ajuda a potências estrangeiras em troca de alguma coisa que os EUA precisam. O caso da Ucrânia é diferente. Os EUA têm interesse em garantir que a Ucrânia seja capaz de se defender contra a agressão russa, e é por esta razão que o Congresso aprovou um pacote de ajuda militar de US$ 391 milhões para o país recentemente.

Trump agiu contra o interesse nacional ao colocar em suspenso essa ajuda e pressionar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, para investigar Hunter Biden, que mantém negócios na Ucrânia e é filho de Joe Biden, que disputa a candidatura democrata para as eleições presidenciais. Se não estivesse claro o bastante, Trump também enviou seu advogado particular para se reunir com um assessor de Zelenski e reafirmar a mensagem.

Num país tão corrupto e vulnerável como a Ucrânia, o elo entre o apoio americano e uma investigação de membros da família Biden – você nos fornece informações sobre “atividades ilícitas” de Joe e eu lhe darei armas e dinheiro – não precisa ser mais explícito para ser entendido. “Quero também garantir que levaremos muito a sério o caso e trabalharemos na investigação”, Zelenski disse a Trump no telefonema de 25 de julho.

Mas o processo de impeachment é político.

Mesmo na hipótese de a proposta prosperar na Câmara, o julgamento é atribuição do Senado. A Casa, que tem maioria republicana, precisa de dois terços dos votos para concretizar o afastamento. 

A denúncia anônima é meio de prova?

Veja-se uma experiência no Brasil.

Em decisão em julgamento pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, foi negado Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC 117.988), por se entender que a delação anônima, que deu inicio a persecução penal, foi seguida de diligências investigativas.

Era o caso de investigação, que envolvia crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. O condenado, flagrado com 1,6 gramas de maconha, alegava que a investigação seria ilegal por ser deflagrada com base apenas em  denúncia anônima.

Naquele julgamento, a Ministra Cármen Lúcia acompanhou os Ministros Lewandowski e Celso de Mello pelo desprovimento do RHC. Em seu voto, disse a Ministra  Cármen Lúcia que nada impede a deflagração de investigação a partir da denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados.

Ensinou Eugênio Pacceli (Curso  de Processo Penal, 16ª edição, pág. 37), que  a chamada delação anônima, “não pode ser submetida a critérios rígidos e abstratos”. Disse ele que o único dado objetivo que se pode extrair dela é a vedação à instauração de ação penal com base, exclusivamente, em documento apócrifo.

A conclusão que se tem é de que, de fato, faltaria justa causa à ação, diante da impossibilidade, demonstrada a priori, de indicação do material probatório a ser desenvolvido no curso dela.

Bem disse Eugênio Pacceli (obra citada, pág. 57): “no que diz respeita à fase investigatória, observa-se que, diante da gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da informação, a autoridade policial deve encetar diligências informais, isto é, ainda no plano da apuração da existência do fato – e não da autoria- para comprovação da idoneidade da notícia”. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A experiência americana no impeachment: o caso Trump. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5938, 4 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76817. Acesso em: 18 dez. 2024.

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