8. Jurisdição e Competência: foro de responsabilização no âmbito virtual
A jurisdição é a função cabível ao Estado para prover a garantia e atuação do direito, com a finalidade de composição da lide a ele apresentado. O comando normativo é administrado e aplicado pelo Estado de forma a garantir a paz social. Relacionando-se esta à Internet, observa-se que há pelo menos um princípio elementar da jurisdição que se contrapõe ao direito internáutico: o da aderência ao território. Afinal, esta rede virtual não possui fronteiras e não conhece seus próprios limites.
O princípio da aderência ao território propõe que, a execução da jurisdição depende da correlação com um território. Assim, preceitua Alvim que:
Não se pode falar de jurisdição, senão enquanto correlata com determinada área territorial do Estado. Tal limite estabelece, inclusive, limite à atividade jurisdicional dos juízes, que, fora do território sujeito por lei à sua autoridade, não podem exercê-la.47
Cintra, Grinover e Dinamarco, também ministram que:
No princípio da aderência ao território manifesta-se, em primeiro lugar, a limitação da própria soberania nacional ao território do país: assim como órgãos do Poder Executivo ou do Legislativo, também os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado.48
De outro lado, temos a competência, que nada mais é que a distribuição de atribuições, esta necessária ao completo desempenho do Estado no exercício de sua função jurisdicional. Liebman já conceituava a competência como sendo a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos. Salutar também, destacar a inteligência de Varela que leciona:
A competência territorial ou competência em razão do território é a que resulta de aos vários tribunais da mesma espécie e do mesmo grau de jurisdição ser atribuída uma circunscrição, ou seja, uma área geográfica própria de competência, e de a lei focalizar as ações nas diferentes circunscrições, mediante o elemento de conexão que para esse efeito reputa decisivo.49
Após verificarmos esta breve conceituação doutrinária da jurisdição e competência, passamos a expor como ficam estes institutos perante a internet. E para isto destacamos dois pontos relativos a natureza do contrato, isto é, contratual ou extracontratual. Se a forma da relação processual entre as partes for contratual, então estaremos diante de um interesse individual, portanto privado e relativo, devendo aí ser obedecido o foro elegido pelas partes no contrato para solução de qualquer divergências advindo daquele contrato. Noutro lado, se extracontratual, ficarão as partes atreladas ao disciplinamento conforme a matéria de cada país, desde que, respeitadas as convenções firmadas.
Como a Internet possibilita o acesso a pontos de venda infinitos e até mesmo sem identidade geográfica, quando nos depararmos com uma situação em que um provedor ou infrator necessite ser responsabilizado, a melhor medida jurídica em nosso ordenamento é valer-nos do disposto no art. 9º da LICC, que assim preconiza: "Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem", e do art. 435 do novel Código Civil, que assim preceitua: "reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto." Destarte, consideramos que o disposto no artigo 88, II, do CPC melhor albergaria a proteção do autor brasileiro, in verbis: "É competente a autoridade judiciária brasileira quando: II- no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação".
De qualquer sorte, por maiores discussões que a questão suscite, indiscutível que o Estado terá o dever de conhecer todas as causas, devendo julgar e executar o direito, pois a ele cabe a missão de manter a paz social, independentemente se há ou não normas pertinentes ao âmbito virtual, devendo, logicamente, respeitar as convenções firmadas com outros países. O acesso à justiça está garantido a todos, independente de tribunal, não podendo este se negar a aceitar a lide, fato este já pacificado entre os países. O que poderá ser feito é o declínio de competência, por se achar incompetente para julgar determinada matéria, transferindo esta ao órgão considerado competente para tal.
Referências
ALVIM, J.E. Carreira. Elementos de Teoria Geral do Processo. 7. ed. Rio de Janeiro: 2000.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 136.
ELIAS, Paulo Sá. Novas Tecnologias, Telemáticas e os
Direitos Autorais. Disponível em:
FACHIN, Zulmar Antônio. A Proteção Jurídica da Imagem. São Paulo: Celso Bastos: IBDC, 1999.
GANDELMAN, Sílvia Regina Dain. A Propriedade Intelectual
na Era Digital a Difícil Relação entre a Internet e a Lei. Disponível em:
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale
Civile. 1992. Apud MENEZES, Glauco Cidrack do Vale. Questões
processuais de jurisdição e competência em torno da Internet. Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 61, jan.2003. Disponível em:
OLIVEIRA, Mauricio Lopes de. Internet: a responsabilidade civil do fornecedor de acesso. In: Revista Jurídica Consulex, ano II, n.º 19, 31.01.1998.
RUCKER, Bernardo. Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. Disponível em: http:// www.faroljuridico.adv.br/novo_site/ article.php?sid=363&modethreaded&order=0>. Acesso em: 24 nov. 2002.
VARELA, Antunes; NORA, J. Miguel Bezerra e Sampaio. Manual de Processo Civil. 2. ed. Coimbra: Coimbra. 1985.
Notas
1 ELIAS, Paulo Sá. Novas Tecnologias, Telemáticas e
os Direitos Autorais. Disponível em:
2 FACHIN, Zulmar Antônio. A Proteção Jurídica da Imagem. São Paulo: Celso Bastos: IBDC, 1999, p. 21.
3 Ib Ibid.
4 Segundo Zulmar A. Fachin (op. cit., p. 47 seq): "Há duas imagens: a imagem-retrato e a imagem-atributo. Aquela, objetiva, é a imagem decorrente da expressão física do indivíduo; esta, subjetiva, é o conjunto de características apresentadas socialmente por determinado indivíduo".
5 BITTAR, C. A. Apud. ELIAS, Paulo Sá. Novas
Tecnologias, Telemáticas e os Direitos Autorais. Disponível em:
6 Cf. ELIAS, Paulo Sá. loc. cit.
7 ELIAS, Paulo Sá. loc. cit.
8 ELIAS, Paulo Sá. loc. cit.
9 Id Ibid.
10 NIMMER, D. Apud GANDELMAN, Sílvia Regina Dain. A
Propriedade Intelectual na Era Digital a Difícil Relação entre a Internet e a
Lei. Disponível em:
11 GANDELMAN, Sílvia Regina Dain. A Propriedade
Intelectual na Era Digital a Difícil Relação entre a Internet e a Lei.
Disponível em:
12 ELIAS, Paulo Sá. loc. cit.
13 Id Ibid.
14 GANDELMAN, Sílvia R. Daing. loc. cit.
15 ELIAS, Paulo Sá. loc. cit.
16 GANDELMAN, Sílvia R. Daing. loc. cit.
17 Segundo o artigo 17, "caput", único vigente da Lei n.º 5.988/73: "Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la, conforme sua natureza na, Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional de Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia."
18 GANDELMAN, Sílvia R. Daing. loc. cit.
19 Sobre a temática da proteção da imagem, é de fundamental leitura a tese de doutoramento do professor constitucionalista, Dr. Zulmar Antônio Fachin, A Proteção Jurídica da Imagem, editada pela Celso Bastos e Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, em 1999, que retrata com propriedade a imagem-retrato.
20 FACHIN, op. cit., p. 58.
21 Id Ibid.
22 Id Ibid.
23 Id Ibid.
24 FACHIN, op. cit., p. 59.
25 Ibid, p. 60.
26 Ibid, p. 61.
27 Ibid, p. 63.
28 Id Ibid.
29 Cf. FACHIN, op. cit., p. 64.
30 Id Ibid.
31 Ibid, p. 65.
32 Ibid, p. 66.
33 FACHIN, op. cit., p. 67.
34 Id Ibid.
35 Ibid, p. 67 seq.
36 Cf. FACHIN, op. cit., p. 68.
37 Ibid, p. 69.
38 Ibid, p. 87.
39 FACHIN, op. cit., p. 89.
40 FACHIN, op. cit., p. 110.
41 Ibid, p. 114.
42 Ibid, p. 114 seq.
43 FACHIN, op. cit., p. 117.
44 OLIVEIRA, Mauricio Lopes de. Internet: a responsabilidade civil do fornecedor de acesso. Revista Jurídica Consulex, ano II, n.º 19, 31 jan. 1998.
45 RUCKER, Bernardo. Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. Disponível em: http:// www.faroljuridico.adv.br/novo_site/article.php?sid=363&modethreaded&order =0>. Acesso em: 24 nov. 2002.
46 Id Ibid.
47 ALVIM, J.E. Carreira. Elementos de Teoria Geral do Processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 61.
48 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 136.
49 VARELA, Antunes; NORA, J. Miguel Bezerra e Sampaio. Manual de Processo Civil. 2. ed. Coimbra: Coimbra. 1985.