O FLAGRANTE PREPARADO E A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
Rogério Tadeu Romano
Observe-se a redação do artigo 26 da Lei de Abuso de Autoridade que foi objeto de veto pelo presidente da República:
Artigo 26 (veto ao artigo e aos dois parágrafos): esse artigo puniria agentes que induzissem ou instigassem pessoas a praticar um crime, para forçar uma captura em flagrante delito, fora das hipóteses já previstas em lei -- flagrante esperado, retardado, prorrogado e diferido. A pena, neste artigo, seria de seis meses a dois anos. Mas poderia ser dobrada, caso a vítima fosse, de fato, capturada no flagrante forjado.
Ficou assim aquele artigo 26:
Art. 26.
Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado, prorrogado ou diferido.
Aquele artigo 26 foi vetado.
Parece-nos claro que o dispositivo atacado queria punir apenas o agente público que pratica o flagrante preparado, havendo inclusive ressalva expressa em relação ao flagrante esperado. Logo, não vemos justificativa plausível para o veto ao artigo 26.
.O flagrante preparado é um arremedo de flagrante, como bem disse Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, RT, pág. 631), ocorrendo quando o agente provocador induz ou instiga alguém a cometer uma infração penal, somente para, assim, poder prendê-lo. É hipótese de um crime impossível (artigo 17 do Código Penal).
No flagrante preparado, o agente é induzido ou instigado a cometer o delito, e, neste momento, acaba sendo preso em flagrante. Na verdade, é um artifício em que a verdadeira armadilha é maquinada com intuito de prender em flagrante aquele que cede à tentação e acaba praticando a infração.
Na matéria tem-se a disciplina da Súmula 145 do Supremo Tribunal, na qual se diz que ¨não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação¨.
O flagrante preparado é uma modalidade de crime impossível, pois, embora o meio empregado e o objeto material sejam idôneos, há um conjunto de circunstâncias previamente preparadas que eliminam totalmente a possibilidade da produção do resultado.
Há o flagrante esperado quando a atividade do policial ou de terceiros consiste em simples aguardo do momento do cometimento do crime, sem qualquer atitude de induzimento ou instigação para o autor. No flagrante esperado não haveria que se falar em crime impossível.
É certo que Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, 2008, pág. 427) ensina que não existe diferença real entre os dois tipos de flagrante e é incoerente que um ordenamento jurídico considere um legal e outro não. Eugênio Pacelli questiona ainda que, embora os tribunais formalmente se posicionem contra o flagrante preparado, não são raras as situações em que o Judiciário aceita flagrantes preparados pela empresa, por exemplo.
Júlio Fabbrini Mirabete (Manuel de Direito Penal, 2008) também se filia à corrente daqueles que entendem que não importa se o flagrante é provocado ou esperado, permitindo que a prisão se dê em qualquer das hipóteses em que há possibilidade de consumação, caso contrário, a prisão não poderia ser efetuada.
Sabe-se que o Congresso Nacional conseguiu derrubar vários vetos. Mas, no entanto, há veto mantido, para dispositivo penal mencionado.
Assim se tem:
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“caput” do art. 26
Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa. -
§ 1º do art. 26
Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. -
§ 2º do art. 26
Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado, prorrogado ou diferido.
Perdeu o Congresso Nacional uma boa ocasião em tratar como delito penal de responsabilidade de agente público a hipótese daquele caso de flagrante tão censurado.