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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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Caso 10:

A, cidadã italiana, casou-se com B, português, em 1986, passando ambos a residir em Portugal. Em Fevereiro de 1989 foi aberta a sucessão de C, italiano, que em seu testamento havia nomeado A como sua herdeira. Todavia A, ainda nesse mês, declarou repudiar essa herança. Volvido 1 (um) mês, B veio pedir a anulação desse repúdio invocando para tal os artigos 1683º, n.º 2 e 1687º, n.os 1 e 2 do Cód. Civ., ao que se contrapõem os herdeiros legítimos de C invocando, para tal, que no artigo 519º do Código Civil italiano não havia qualquer disposição idêntica à do referido preceito do Código Civil português.

Aduzindo ainda que A, face ao direito italiano, não padecia de qualquer incapacidade, suponha que o direito italiano adoptava soluções conflituais idênticas à portuguesas.

a) Com base nos artigos 25º, 52º e 62º do Cód. Civ., «quid iuris»?

b) e se seguisse-mos a concepção de AGO?

Resposta:

  • - Nos termos do artigo 25º do Cód. Civ.: «o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei dos respectivos sujeitos...». Este preceito declara competente, no nosso caso, a lei italiana. Tal preceito não se refere a uma incapacidade, mas, antes, a uma mera ilegitimidade conjugal.

  • - estabelece o n.º 2 do artigo 52º do Cód. Civ. que se ambos os cônjuges não tiverem a mesma nacionalidade, «é aplicável a lei da sua residência habitual comum...». Desta forma, relativamente às relações entre os cônjuges e no nosso caso, competente seria a lei portuguesa. A natureza deste preceito legal não é eminentemente sucessória, mas, antes, familiar, dado que visa, em primeira linha, proteger o património familiar.

  • - por fim, preceitua o artigo 62º do Cód. Civ.: «a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste...». Competente, portanto, para regular o estatuto sucessório seria a lei italiana.

Resta-nos agora averiguar a natureza dos artigos 1683º, n.º 2 e 1687º, n.os 1 e 2.

Nos termos do primeiro dos preceitos citados: «o repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que vigore o regime de separação de bens».

O artigo 1687º, por sua vez, nos diz qual o efeito da falta de consentimento e em que termos pode ser exercido.

Vemos, assim, que ambos os preceitos a que nos referimos têm natureza familiar e, deste modo, subsumem-se ao artigo 52º do Cód. Civ., sendo que este preceito declara competente a lei portuguesa, de modo que B poderia invalidar, ou melhor, pedir a anulação da declaração de repúdio por parte de A.

Todo o resto, ou seja, tudo o que disser respeito à matéria sucessória deverá ser regulado pelo direito italiano, assim como se infere do preceituado nos artigos 25º e 62º do Cód. Civ.

Se, contudo, adoptasse-mos a concepção de AGO, assim como já sabemos, deveríamos, antes de mais, proceder à qualificação primária. Nesta, deveríamos descobrir a natureza da questão principal da causa (no nosso caso, a questão principal tem natureza familiar). Posteriormente, iríamos subsumir esta questão (de natureza familiar) à regra de conflitos competente (no nosso caso, o artigo 52º do Cód. Civ., dado que este possui natureza familiar), descobrindo, assim, o ordenamento jurídico competente.

Deste modo, as nossas normas, ou seja, as normas do ordenamento jurídico português deveriam ser aplicadas, não importando, para tal, a natureza das normas, pois, segundo AGO, a regra de conflitos chama todas as normas do ordenamento jurídico declarado competente para a resolução do caso «sub judice».


Caso 11:

A, português e residente em França, casou-se com B, francesa e residente no Luxemburgo. O casamento foi validamente celebrado em Junho de 1994. Como na altura A tinha apenas 16 anos de idade, obteve a necessária autorização dos pais nos termos do artigo 1604º-A do Cód. Civ. Após o referido casamento o casal fixou residência no Luxemburgo. Em Fevereiro de 1995, A desloca-se para Portugal para aí vender uma casa de férias situada no Algarve de que era proprietário desde 1990.

No momento da realização da escritura pública, o notário recusa-se a realizar o acto invocando o facto de que, segundo o direito competente para reger os efeitos do casamento, este não implicava a plena aquisição da capacidade de exercício. Efectivamente, no direito de Luxemburgo não há qualquer disposição com conteúdo idêntico ao dos artigos 132º e 133º do nosso Cód. Civ., e, assim, o casamento não implica a emancipação dos menores. «Quid iuris» considerando os artigos 25º, 47º e 52º do Cód. Civ.

Resposta:

Resta-nos agora apreciar a natureza dos artigos 132º e 133º, ambos do Cód. Civ.

Nos termos do primeiro dos preceitos citados: «o menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento». Assim sendo, o direito português atribui capacidade plena de exercício de direitos em caso de emancipação por casamento.

No mesmo sentido, o artigo 133º do mesmo diploma legal estabelece: «a emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse maior...».

Logo se conclui que ambos os preceitos transcritos têm natureza pessoal, dado que é uma questão de capacidade.

O instituto da emancipação existe porque se entende que uma pessoa que casa com esta idade tem já maturidade e responsabilidade para tratar dos seus assuntos patrimoniais, ou seja, entende a nossa lei que se um dado indivíduo já consegue reger a sua pessoa, então também já tem capacidade para reger o seu património.

Tendo os artigos 132º e 133º do Cód. Civ. natureza pessoal, não poderíamos subsumí-los ao artigo 52º do mesmo diploma legal, pois este tem natureza patrimonial. Deste modo, apenas nos restam os artigos 25º e 47º do Cód. Civ.

O artigo 47º trata de uma capacidade específica para constituir direitos reais, enquanto o artigo 25º trata de uma capacidade em sentido amplo, ou seja, de uma capacidade para a realização de todos e quaisquer negócios jurídicos.

Como a emancipação tem efeitos para todo o tipo de actos que o menor venha a praticar, logo, devemos subsumí-la ao artigo 25º do Cód. Civ.

Sendo assim, o notário não podia recusar-se a praticar o acto, tendo, portanto, que fazer a escritura pública.


Bibliografia:

BOBBIO, Norberto — «Teoria do Ordenamento Jurídico», 10ª edição brasileira, UNB, Brasília—1997.

CORREIA, A. Ferrer ― «Lições de Direito Internacional Privado», 1ª edição, Almedina, Coimbra―2000.

― «Direito Internacional Privado ― Algumas Questões».

MACHADO, João Baptista ―«Lições de Direito Internacional Privado», 3ª edição, Almedina, Coimbra―1999.

RAMOS, Rui Manoel Genz de Moura ― «Direito Internacional Privado e Constituição», Coimbra.

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 6 nov. 2024.

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