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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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Resumo:


  • O Direito Internacional Privado (DIP) é o ramo da ciência jurídica que estabelece princípios e regras para determinar a lei aplicável às relações jurídico-privadas internacionais, assegurando o reconhecimento e a aplicação de situações jurídicas constituídas sob a égide de um sistema de direito estrangeiro.

  • A regra de conflitos é o instrumento utilizado pelo DIP para coordenar a aplicação de diferentes sistemas jurídicos, indicando a lei competente para reger determinada relação jurídica internacional, com base em elementos de conexão como a nacionalidade, o domicílio ou a residência das partes envolvidas.

  • A qualificação é um processo fundamental no DIP que visa determinar quais normas jurídicas materiais de um ordenamento jurídico competente se subsumem ao conceito-quadro da regra de conflitos, levando em conta o conteúdo e função que essas normas assumem no sistema jurídico em questão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Casos práticos

4.1. Caso 1

A, português, residente na Irlanda, morreu em Lisboa solteiro. B, irlandesa, invocando a circunstância de viver há mais de 2 (dois) anos com A, inicialmente em Portugal e, depois, na Irlanda, como se fossem casados, invoca o disposto no art. 2020º do CC. «Quid iuris» sabendo que o direito irlandês não reconhece quaisquer direitos à união de facto. Mobilize as seguintes regras de conflitos: arts. 52º, 53º, e 72º do CC.

Resposta:

Estamos aqui perante uma questão de aplicação / realização da regra de conflitos. O passo inicial nesta matéria está na utilização do princípio da não transactividade (o que demonstra que o DIP não é um mero somatório de regras de conflitos ― as regras de conflitos não são o «prius» metodológico em torno do qual o DIP gravita), princípio este que recorta âmbito dos ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis.

Os ordenamentos jurídicos em contacto nesta situação são:


Lei portuguesa

lei da nacionalidade de A;

lei da residência comum ao início da união de facto

«lex fori».

Lei irlandesa

Lei da residência comum à data do óbito

Este primeiro passo arreda e prova a desnecessidade de recorrer à qualificação primária utilizada pela doutrina tradicional para designar o ordenamento jurídico definitivamente competente (AGO; ROBERTSON). Atendemos, mais especificamente à regra de conflitos que somos chamados a mobilizar para resolver esta questão jurídica.

- Temos o artigo 72º do Cód. Civ. que rege as relações sucessórias e chama a lei nacional do «de cujus» ao tempo da sua morte (lei portuguesa).

- O artigo 52º do Cód. Civ. rege o estatuto pessoal e patrimonial primário matrimonial e chama, na falta de nacionalidade comum, a lei irlandesa. Trata-se de uma regra de conflitos de conexão múltipla subsidiária, pois só no caso de não se preencher a primeira conexão é que se irá aplicar a segunda; é também uma regra de conflitos de conexão móvel, pois o que releva é sempre a lei da residência comum actual ― e esta pode mudar a qualquer altura).

- O artigo 53º do Cód. Civ., por fim, regula o regime patrimonial secundário e chama a lei da nacionalidade comum e, na falta desta, a lei da residência comum ao tempo do casamento (contudo, no nosso caso, não há casamento, mas uma simples união de facto) ― chama a lei portuguesa. Trata-se de uma regra de conflitos de conexão múltipla subsidiária fixa (concretiza-se num determinado tempo).

Este exercício de interpretação do conceito-quadro das regras de conflitos, isto é, de determinação do seu âmbito normativo (que questões jurídicas é que ele engloba) designado por critérios de qualificação é um passo imprescindível para a resolução de qualquer questão de qualificação no seu todo, muito embora não decorra especificamente do disposto no artigo 15º do Cód. Civ. (e não consta, pois o legislador entendeu que era um passo lógico do processo de qualificação):

- ZITELMANN ? questões jurídicas;

- SAVIGNY → meras relações jurídicas; e

- AGO → situações de facto.

Esta interpretação deve ser autónoma e teleológica de acordo com o critério «lex formalis foris», isto é, de acordo com as específicas valorações e finalidades subjacentes ao direito de conflitos, de modo a permitir a absorção de institutos jurídicos análogos aos do direito material do foro (cfr., o artigo 30º do Cód. Civ.), de forma a englobar, neste caso particular, as relações para-familiares (união de facto).

Não temos nenhuma norma para a união de facto, sendo assim, temos que subsumir esta questão a uma outra norma (familiar).

No nosso caso, se interpretarmos o conceito quadro do artigo 52º como apenas se referindo às normas materiais especiais sobre o casamento, estaríamos a fazer uma interpretação «legis materialis foris», nunca poderíamos englobar neste conceito-quadro a união de facto (cônjuges). Igualmente ilógico revelar-se-ia o recurso à «lex causae» para interpretar o conceito-quadro da regra de conflitos, uma vez que só após o exercício da qualificação é que se chega ao ordenamento jurídico competente.

Profundamente interligado com este problema e, logicamente, deste indissociável, coloca-se-nos o problema do objecto da qualificação (cfr. o artigo 15º do Cód. Civ.) que consiste na subsunção de normas materiais do ordenamento jurídico competente de acordo com o conteúdo e função que assumem as mesmas no conceito-quadro da regra de conflitos que as chama. Este chamamento é um chamamento discriminado (diferentemente do que sustenta AGO), só se subsumindo as normas materiais que dêem resposta à tarefa normativo-problemática enunciada no conceito-quadro.

Será então que o art. 2020º do CC. tem uma natureza sucessória ou familiar?

Quanto a nós, defendemos que tem natureza familiar. Parece não ter natureza sucessória, já que B não é chamado a herdar, pois não se integra em nenhuma classe sucessória. É certo que o direito a alimentos tem efeitos sucessórios, mas é uma questão meramente reflexa. O essencial é a configuração do próprio direito a alimentos que decorre da prévia existência de uma relação familiar ou para-familiar.

Esta norma do artigo 2020º do Cód. Civ. subsumir-se-á ao artigo 52º ou ao art. 72º do Cód. Civ.?

Este direito a alimentos é visionado não como um direito patrimonial e, muito menos, como um direito patrimonial dependente de um específico regime de bens que nem sequer existe, mas como um direito de natureza pessoal que encontra o seu fundamento no direito à assistência entre as pessoas que fazem parte dessa união. Logo, subsume-se ao conceito-quadro do artigo 52º do Cód. Civ. e, como este artigo chama a lei irlandesa para intervir na regulamentação de questão jurídica em causa, o artigo 2020º do nosso Código Civil não pode ser mobilizado para resolver esta questão. Como o ordenamento jurídico irlandês (chamado por força do artigo 52º do Cód. Civ.) não conhece este instituto, o juiz português, com base nesse facto, nunca poderia deferir o direito a alimentos.

4.2. Caso 2

A, suíça, morreu em Portugal tendo deixado em testamento todos os seus bens aos médicos (portugueses) que a assistiram. Aberta a sucessão, os familiares suíços, residentes na Suíça, invocam a invalidade do testamento com base no artigo 2194º do Código Civil português. O direito suíço não se opõe à validade do testamento. «Quid iuris». Mobilize as regras de conflitos dos artigos 25º e 62º, ambos do Cód. Civ.

Resposta:

- O artigo 25º do Cód. Civ. dispõe: «o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei pessoal dos respectivos sujeitos...». Mas pergunta-se: capacidade de quem? Dos médicos (capacidade de receber ― capacidade passiva). Por aqui, seria competente a lei portuguesa.

- O artigo 62º do Cód. Civ. estabelece: «a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário». Este preceito legal, portanto, declara competente a lei nacional do «de cujus» ao tempo da sua morte, por esta via, competente seria a lei suíça.

Resta-nos agora apurar da natureza do artigo 2194º do Cód. Civ. Terá este uma natureza pessoal ou, antes, uma natureza sucessória? O que se pretende proteger?

Pretende-se proteger os interesses sucessórios, ou seja, o próprio património do «de cujus»; pretende-se evitar uma pressão sobre o «de cujus». Os médicos têm uma indisponibilidade relativa para receber.

O preceito legal em causa, assim, possui uma natureza sucessória, integrando-se, portanto, no artigo 62º do Cód. Civ. que chama a aplicar a lei suíça. Logo, o testamento é válido, pois não existe qualquer indisponibilidade dos médicos face ao direito suíço.

4.3. Caso 3

A, francês, residente em França, encarregou B, também francês e residente em França, nos termos de uma relação jurídica contratual, de transporte de determinados bens para Portugal. Perto de Viseu ocorreu um acidente de viação por exclusiva culpa de B. C, português, sofreu danos avultados. Invocando o artigo 500º do Cód. Civ., este último vem demandar A e B nos tribunais portugueses.

Na contestação, A pretende não ser responsabilizado pelos actos culposos de B, uma vez que, segundo o direito material francês que regularia as relações entre comitente e comissário, aquele não responderia pelos actos deste.

Resposta:

- Nos termos do artigo 41º do Cód. Civ.: «as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista». Contudo, no enunciado, nada é dito relativamente à questão da escolha da lei pelas partes. Deste modo, aplicar-se-á, a regra de conflitos subsidiária constante do artigo seguinte.

- Prescreve o artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de determinação da lei competente..., nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes».

- O artigo 45º do Cód. Civ., por sua vez, prevendo a hipótese da lei competente para regular as situações de responsabilidade extracontratual, estabelece: «a responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta ilícita, é regulada pela lei do estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo...». Por esta via, competente seria a lei portuguesa.

Resta-nos, agora, apreciar a natureza do artigo 500º do Cód. Civ.; nos termos deste preceito legal: «aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar». Este preceito do Código Civil português possui uma natureza extracontratual, já que se trata de uma questão de responsabilidade pelo risco, que é uma responsabilidade objectiva. Ela destina-se a proteger não a relação contratual, mas os interesses de um terceiro (lesado).

Aqui conclui-se que dever-se-á aplicar o artigo 45º do Cód. Civ. que chama a aplicar a lei portuguesa. Deste modo, a regra material que irá regular o caso consta do artigo 500º do Cód. Civ., nos termos do qual o lesado, C, poderá demandar os dois e obter a responsabilização de A, sendo que depois, a nível interno (ou seja, a nível da relação contratual existente entre A e B) será competente a lei francesa, havendo ou não direito de regresso consoante o ordenamento jurídico francês.

4.4. Caso 4

A, português e B, italiana, casaram-se em 1985 em Milão. Quando casaram, A tinha 77 anos e B apenas 35. Em 1986 fixaram residência com carácter estável e permanente em Barcelona. Em 1990, na comemoração do 5º aniversário de casamento, A ofereceu a B um jipe que havia adquirido meses antes em Coimbra. A doação realizou-se em Espanha.

C, filho de A pretende invalidar a doação invocando para tal os artigos 1720º e 1762º do Cód. Civ. Deveria o juiz dar razão a C sabendo que a doação é válida face ao direito espanhol que chama para reger a doação entre casados a «lex locit celebrationis»?

Resposta:

- O artigo 25º do Cód. Civ., que regula a capacidade, chama a lei portuguesa;

- o artigo 42º do Cód. Civ. que disciplina as obrigações chama a lei da residência e, portanto, a lei espanhola;

- o artigo 52º do Cód. Civ. que regula as relações entre os cônjuges, atribui competência à lei da residência comum habitual e, portanto, também atribui competência à lei espanhola; e

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- o artigo 53º do Cód. Civ. que dispõe sobre as convenções antenupciais e regime de bens, chama a aplicar a lei da primeira residência comum do casal e, portanto, também a lei espanhola.

Resta agora descobrirmos a natureza dos artigos 1720º e 1762º, ambos do Cód. Civ. Possuem uma natureza familiar que se protege na capacidade. A não tem capacidade para tal doação (possui reflexos secundários sobre o estatuto contratual).

Visa proteger o património de cada um dos cônjuges e pretende evitar o defraudamento do próprio regime de separação de bens.

Sendo assim, ou aplicamos o artigo 52º ou o artigo 53º do Cód. Civ. Por qual deles optar?

O artigo 52º do Cód. Civ. regula as relações pessoais e patrimoniais primárias e aquelas que não dependem de nenhum regime de bens. Já o artigo 53º do Cód. Civ. disciplina as relações patrimoniais (secundárias) dependentes de um regime de bens. Logo, deveremos aplicar o artigo 53º do Cód. Civ., que atribui competência à lei espanhola, segundo a qual a doação é válida.

4.5. Caso 5

A e B, canadianos, residentes em Portugal, celebraram em Coimbra, em 1983, um contrato de mútuo; alguns meses depois casaram-se; em 2000 divorciaram-se e o mutuante A intenta agora, em 2001, em Portugal, uma acção condenatória para o pagamento da dívida. B alega a prescrição da dívida alegando que, segundo o direito canadiano, o prazo de prescrição é de 5 (cinco) anos e não existe no Canadá qualquer causa de suspensão semelhante à do artigo 318º, alínea a) do Cód. Civ.

Resposta:

- O artigo 40º do Cód. Civ., que regula a prescrição e caducidade dos negócios jurídicos dispõe: «a prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere».

- Não podemos aplicar o artigo 41º do Cód. Civ., pois o enunciado não se refere a qualquer declaração tendente a designar a lei competente para regular a respectiva relação jurídica.

- Sendo assim, nos termos do artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de residência comum, é aplicável..., a lei do lugar da celebração», ou seja, a «lex loci celebrationis». Deste modo, no nosso caso, seria aplicável a lei portuguesa.

- O artigo 52º do Cód. Civ., que rege as relações entre os cônjuges, dispõe: «as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum dos cônjuges», ou seja, por esta via seria aplicável a lei canadense.

Resta agora averiguarmos a natureza do artigo 318º, alínea a) do Cód. Civ.

Nos termos deste preceito legal: «a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens». A natureza deste preceito legal não é contratual como, à primeira vista, poderia parecer; esta norma possui uma natureza familiar, já que visa proteger a paz familiar.

Logo, à primeira vista, seria aplicável o artigo 52º do Cód. Civ., preceito este que atribui competência à lei canadense, pois é esta a lei da nacionalidade comum dos cônjuges. Contudo, esta norma não pode ser aplicada, pois nunca se pode aplicar uma norma material que não seja chamada e/ou que não tenha a natureza que se exige; no nosso caso, o artigo 318º tem natureza familiar e o artigo 52º não pode ser aplicado, já que tem uma natureza pessoal e patrimonial primária.

Podemos, contudo, chamar outra norma material com natureza contratual (o artigo 309º do Cód. Civ.) que estipula o prazo normal de prescrição de 20 (vinte) anos.

4.6. Caso 6

Em Fevereiro de 1998, A, português residente em Munique, e B, também português, mas residente em Viena, ambos trabalhavam nas respectivas cidades de residência, celebraram em Roma um contrato de compra e venda de um prédio urbano situado em Berlim, elegendo a lei portuguesa como competente para regular o contrato. Dois meses depois, pretendendo B ocupar o respectivo prédio, A recusou-se a entregá-lo. Em seu favor alega ser ainda o titular da propriedade do mesmo por não se ter ainda verificado o acto de carácter real exigido pelo direito alemão, não se deu ainda a transferência do direito de propriedade. B, por seu turno, contesta alegando os artigos 408º, n.º 1 e 879º, alínea a).

Resposta:

- O estatuto real é regulado pela «lex rei sitae» que, no nosso caso, é a lei alemã (BGB);

- o estatuto contratual, por sua vez, nos termos do artigo 3º da Convenção de Roma, é regulado pela «lex contractus» que, no caso, é a lei portuguesa.

Devemos averiguar a natureza dos artigos 408º e 879º do Cód. Civ. Estes preceitos legais não têm natureza contratual, mas sim real. Sendo assim, não podem ser invocados, pois a nossa lei não é a «lex rei sitae»... «lex rei sitae», como já vimos, é a lei alemã.

Deste modo, subsistem as normas do ordenamento jurídico alemão que exigem a tradição para que haja a transferência da propriedade.

B, assim, não tem direito a exigir o prédio, pois ainda não houve entrega, ele tem apenas um direito obrigacional. Será que podemos fazer alguma coisa a favor de B?

Sim, na verdade, B pode exigir, segundo a nossa lei («lex contractus») uma indemnização por parte de A.

4.7. Caso 7

A, portuguesa, e B, nacional da então RFA, casados em regime de comunhão de adquiridos, residem habitualmente em Colónia; encontrando-se em Lisboa, A vende nesta cidade a C, aí residente, um prédio da sua propriedade, sito em Portugal. Junto de tribunais portugueses, B pretende obter a anulação da venda com fundamento no artigo 1682º-A do Cód. Civ.

Resposta:

- Nos termos do artigo 41º do Cód. Civ.: «as obrigações provenientes de negócios jurídicos, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista». Natureza contratual.

- Segundo o artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de determinação da lei competente, atende-se..., nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes» e, «na falta de residência habitual comum, a lei do lugar da celebração», ou seja, no nosso caso, e por esta via, seria competente a lei portuguesa. Natureza contratual.

- Prescreve o artigo 52º, n.º 2 do Cód. Civ. que, não havendo nacionalidade comum, a relação entre os cônjuges é regulada pela lei da residência habitual comum, logo, por esta via, seria competente a lei de Colónia. Natureza pessoal e patrimonial.

Resta-nos averiguar a natureza do artigo 1682º-A do Cód. Civ. Apesar de este preceito possuir reflexos patrimoniais, tem natureza familiar, já que, em último termo visa a protecção do património familiar.

Assim sendo, este preceito não pode aplicar-se, dado que a lei reguladora do casamento é a lei alemã.

4.8. Caso 8

A e B, espanhóis, casados, adoptaram plenamente na Espanha, nos termos do direito espanhol, uma criança de nacionalidade portuguesa. Algum tempo depois, D pretende reconhecer a paternidade de C. A e B invocam o artigo 1987º do Cód. Civ. Para impugnar o reconhecimento, ao que D contrapõe o facto de o direito espanhol não conhecer nenhum preceito análogo àquela disposição. «Quid iuris», movimentando as normas dos artigos 56º e 60º do Cód. Civ.

Resposta:

- Nos termos do n.º 1 do artigo 56º do Cód. Civ.: «à constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação»; assim, por esta via, seria competente a lei portuguesa.

- Estabelece o n.º 2 do artigo 60º do Cód. Civ.: «se a adopção for realizada por marido ou mulher..., é aplicável a lei comum dos cônjuges...»; por tal via, aplicável seria a lei espanhola.

Resta agora apreciarmos a natureza do artigo 1987º do Cód. Civ., nos termos do qual: «depois de decretada a adopção plena não é possível estabelecer a filiação natural do adoptado nem fazer a prova dessa filiação fora do processo preliminar de publicações». Este preceito legal, portanto, visa a protecção da adopção (a família do adoptado e a sua inserção na família adoptante). Daqui resulta que esta norma subsume-se ao artigo 60º do Cód. Civ.

Contudo, não a podemos aplicar, dado que esta regra de conflitos chama, como competente para regular em termos materiais a questão, a lei espanhola.

Podemos, todavia, evitar isto alegando a ordem pública internacional ou pelas normas de aplicação necessária e imediata (NANI).

4.9. Caso 9

Em Junho de 1996, James, cidadão inglês domiciliado na Inglaterra, foi atropelado em Coimbra por CARLOS, cidadão português residente na Lousã. Em Outubro JAMES veio a falecer em Coimbra em consequência dos traumatismos causados pelo acidente e após um longo período de hospitalização, solteiro e sem descendentes.

Por morte de JAMES, os seus pais, com base nos artigos 495º, n.º 3 e 496º, ambos do Cód. Civ., reclamam a indemnização por danos não patrimoniais e alimentos que recebiam de JAMES, e apoiados no artigo 2161º, n.º 2 do Cód. Civ. reclamam metade da herança. Agora, ANGELINA, herdeira testamentária reclama ser a única herdeira uma vez que o testamento é válido segundo o direito inglês e que este ordenamento jurídico não reconhece qualquer direito sucessório aos ascendentes. Na verdade, no testamento de JAMES, ANGELINA era considerada a única e universal herdeira.

a)«Quid iuris» considerando os artigos 45º e 62º do Cód. Civ. e o facto de a lei inglesa regular a sucessão pela lei do último domicílio do «de cujus» e considerando ainda que a responsabilidade aquiliana é regulada pela lei do local de ocorrência do facto?

b)Se partilharmos da concepção de AGO, «quid iuris»?

Resposta:

- Segundo o n.º 1 do artigo 45º do Cód. Civ.: «a responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo...»; sendo assim, competente para regular a questão seria a lei portuguesa.

- Estabelece o artigo 62º do Cód. Civ.: «a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário». Logo, este preceito legal estabelece a competência do ordenamento jurídico inglês.

Temos neste caso duas questões para resolver:

a)uma questão de indemnização por responsabilidade civil extracontratual; e

b)uma questão relativa à sucessão.

Relativamente a primeira questão (ou seja, relativamente à indemnização), devemos identificar a natureza dos artigos 495º, n.º 3 e 496º, ambos do Cód. Civ.

Nos termos do primeiro preceito referido, têm direito à indemnização «os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural». Por sua vez, o artigo 496º do Cód. Civ. se refere ao montante da indemnização a prestar.

Vê-se logo, pois, que os preceitos supracitados não têm uma natureza sucessória, antes possuem uma natureza compensatória, já que visa compensar aqueles que mais sofrem com a morte do ente querido. Deste modo, esta norma subsume-se ao conceito-quadro do artigo 45º do Cód. Civ. que tem em vista reparar a situação provocada pelo causante, compensando o prejuízo sofrido pelos entes queridos, tentando, por outras palavras, colocar as coisa em seu «status quo ante». Trata-se de uma sanção compensatória.

Logo, esta norma de conflitos chama a lei portuguesa para ser aplicada ao caso «sub judice», o que permite aos pais de JAMES receberem a indemnização.

No que diz respeito à segunda questão suscitada no caso concreto (ou seja, no que diz respeito à sucessão), temos que analisar a natureza do n.º 2 do artigo 2161º do Cód. Civ.

Nos termos do preceito citado: «se o autor da sucessão não deixar descendentes nem cônjuge sobrevivo, a legítima dos ascendentes é de metade ou de um terço da herança, conforme forem chamados os pais ou os ascendentes de segundo grau e seguintes». Logo se vê, portanto, que tal preceito legal possui uma natureza sucessória (escopo / fim / «ratio legis» e integração / localização sistemática). Esta norma, portanto, subsume-se ao artigo 62º do Cód. Civ., mas não vai poder ser aplicada, dado que esta regra de conflitos declara como competente para reger o estatuto sucessório, assim como o vimos, a lei inglesa e não a portuguesa. Como tal, não reconhecendo a lei inglesa qualquer direito à legítima, ANGELINA deverá ser considerada a única e universal herdeira de JAMES. O pedido dos pais de JAMES seria indeferido pelo juiz português.

Caso compartilhasse-mos da opinião do AGO, deveríamos, antes de mais, recorrer à qualificação primária, de modo a que chegaríamos à seguinte conclusão:

Tratando-se aqui de uma questão sucessória, por força do artigo 62º do Cód. Civ., o único ordenamento jurídico competente seria o inglês e, dentro desse ordenamento jurídico, são chamadas todas as normas jurídicas que o compõem.

Qualificação primária

Situação de facto

O facto predominante tem natureza sucessória

Diferentemente de AGO, ROBERTSON apenas vai chamar as normas jurídicas que possuírem a natureza jurídica da regra de conflitos. Só supletivamente, para evitar o recurso às normas jurídico-materiais da «lex fori» é que vai chamar uma norma jurídico-material do ordenamento jurídico competente com natureza diferente.

4.10. Caso 10

A, cidadã italiana, casou-se com B, português, em 1986, passando ambos a residir em Portugal. Em Fevereiro de 1989 foi aberta a sucessão de C, italiano, que em seu testamento havia nomeado A como sua herdeira. Todavia A, ainda nesse mês, declarou repudiar essa herança. Volvido 1 (um) mês, B veio pedir a anulação desse repúdio invocando para tal os artigos 1683º, n.º 2 e 1687º, n.os 1 e 2 do Cód. Civ., ao que se contrapõem os herdeiros legítimos de C invocando, para tal, que no artigo 519º do Código Civil italiano não havia qualquer disposição idêntica à do referido preceito do Código Civil português.

Aduzindo ainda que A, face ao direito italiano, não padecia de qualquer incapacidade, suponha que o direito italiano adoptava soluções conflituais idênticas à portuguesas.

a) Com base nos artigos 25º, 52º e 62º do Cód. Civ., «quid iuris»?

b) e se seguisse-mos a concepção de AGO?

Resposta:

  • Nos termos do artigo 25º do Cód. Civ.: «o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei dos respectivos sujeitos...». Este preceito declara competente, no nosso caso, a lei italiana. Tal preceito não se refere a uma incapacidade, mas, antes, a uma mera ilegitimidade conjugal.

  • estabelece o n.º 2 do artigo 52º do Cód. Civ. que se ambos os cônjuges não tiverem a mesma nacionalidade, «é aplicável a lei da sua residência habitual comum...». Desta forma, relativamente às relações entre os cônjuges e no nosso caso, competente seria a lei portuguesa. A natureza deste preceito legal não é eminentemente sucessória, mas, antes, familiar, dado que visa, em primeira linha, proteger o património familiar.

  • por fim, preceitua o artigo 62º do Cód. Civ.: «a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste...». Competente, portanto, para regular o estatuto sucessório seria a lei italiana.

Resta-nos agora averiguar a natureza dos artigos 1683º, n.º 2 e 1687º, n.os 1 e 2.

Nos termos do primeiro dos preceitos citados: «o repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que vigore o regime de separação de bens».

O artigo 1687º, por sua vez, nos diz qual o efeito da falta de consentimento e em que termos pode ser exercido.

Vemos, assim, que ambos os preceitos a que nos referimos têm natureza familiar e, deste modo, subsumem-se ao artigo 52º do Cód. Civ., sendo que este preceito declara competente a lei portuguesa, de modo que B poderia invalidar, ou melhor, pedir a anulação da declaração de repúdio por parte de A.

Todo o resto, ou seja, tudo o que disser respeito à matéria sucessória deverá ser regulado pelo direito italiano, assim como se infere do preceituado nos artigos 25º e 62º do Cód. Civ.

Se, contudo, adoptasse-mos a concepção de AGO, assim como já sabemos, deveríamos, antes de mais, proceder à qualificação primária. Nesta, deveríamos descobrir a natureza da questão principal da causa (no nosso caso, a questão principal tem natureza familiar). Posteriormente, iríamos subsumir esta questão (de natureza familiar) à regra de conflitos competente (no nosso caso, o artigo 52º do Cód. Civ., dado que este possui natureza familiar), descobrindo, assim, o ordenamento jurídico competente.

Deste modo, as nossas normas, ou seja, as normas do ordenamento jurídico português deveriam ser aplicadas, não importando, para tal, a natureza das normas, pois, segundo AGO, a regra de conflitos chama todas as normas do ordenamento jurídico declarado competente para a resolução do caso «sub judice».

4.11. Caso 11

A, português e residente em França, casou-se com B, francesa e residente no Luxemburgo. O casamento foi validamente celebrado em Junho de 1994. Como na altura A tinha apenas 16 anos de idade, obteve a necessária autorização dos pais nos termos do artigo 1604º-A do Cód. Civ. Após o referido casamento o casal fixou residência no Luxemburgo. Em Fevereiro de 1995, A desloca-se para Portugal para aí vender uma casa de férias situada no Algarve de que era proprietário desde 1990.

No momento da realização da escritura pública, o notário recusa-se a realizar o acto invocando o facto de que, segundo o direito competente para reger os efeitos do casamento, este não implicava a plena aquisição da capacidade de exercício. Efectivamente, no direito de Luxemburgo não há qualquer disposição com conteúdo idêntico ao dos artigos 132º e 133º do nosso Cód. Civ., e, assim, o casamento não implica a emancipação dos menores. «Quid iuris» considerando os artigos 25º, 47º e 52º do Cód. Civ.

Resposta:

  • Estabelece o artigo 25º do Cód. Civ. relativo ao âmbito da lei pessoal: «o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos...». Tal preceito possui natureza pessoal e declara competente em tais casos a lei portuguesa.

  • Nos termos do artigo 47º do Cód. Civ. é definida pela lei da situação da coisa «a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal».

  • Por fim, preceitua o n.º 2 do artigo 52º do Cód. Civ.: «não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum...». Este preceito tem natureza patrimonial e, no nosso caso, declararia competente a lei de Luxemburgo.

Resta-nos agora apreciar a natureza dos artigos 132º e 133º, ambos do Cód. Civ.

Nos termos do primeiro dos preceitos citados: «o menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento». Assim sendo, o direito português atribui capacidade plena de exercício de direitos em caso de emancipação por casamento.

No mesmo sentido, o artigo 133º do mesmo diploma legal estabelece: «a emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse maior...».

Logo se conclui que ambos os preceitos transcritos têm natureza pessoal, dado que é uma questão de capacidade.

O instituto da emancipação existe porque se entende que uma pessoa que casa com esta idade tem já maturidade e responsabilidade para tratar dos seus assuntos patrimoniais, ou seja, entende a nossa lei que se um dado indivíduo já consegue reger a sua pessoa, então também já tem capacidade para reger o seu património.

Tendo os artigos 132º e 133º do Cód. Civ. natureza pessoal, não poderíamos subsumí-los ao artigo 52º do mesmo diploma legal, pois este tem natureza patrimonial. Deste modo, apenas nos restam os artigos 25º e 47º do Cód. Civ.

O artigo 47º trata de uma capacidade específica para constituir direitos reais, enquanto o artigo 25º trata de uma capacidade em sentido amplo, ou seja, de uma capacidade para a realização de todos e quaisquer negócios jurídicos.

Como a emancipação tem efeitos para todo o tipo de actos que o menor venha a praticar, logo, devemos subsumí-la ao artigo 25º do Cód. Civ.

Sendo assim, o notário não podia recusar-se a praticar o acto, tendo, portanto, que fazer a escritura pública.


Bibliografia

BOBBIO, Norberto — «Teoria do Ordenamento Jurídico», 10ª edição brasileira, UNB, Brasília—1997.

CORREIA, A. Ferrer ― «Lições de Direito Internacional Privado», 1ª edição, Almedina, Coimbra―2000.

____ ― «Direito Internacional Privado ― Algumas Questões».

MACHADO, João Baptista ―«Lições de Direito Internacional Privado», 3ª edição, Almedina, Coimbra―1999.

RAMOS, Rui Manoel Genz de Moura ― «Direito Internacional Privado e Constituição», Coimbra.

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 5 dez. 2025.

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