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Acidente do trabalho e doença profissional. Competência do juízo cível.

Novo entendimento do STF (RE nº 440.699, DJ de 08/11/2005)

Leia nesta página:

Em recente pronunciamento, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o E. Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu nos RE-440.699-MG, RE-391.875-SP e AI-552.292-SP, publicados no Diário da Justiça de 8 e 9 de novembro de 2005, que as ações indenizatórias por danos resultantes de acidente de trabalho, propostas contra o empregador e ajuizadas antes de 8/12/2004, data da Emenda Constitucional nº 45, devem permanecer sob competência da Justiça Comum, nos termos da jurisprudência anteriormente àquela data.

Tal pronunciamento vem colocar um ponto e vírgula na tormentosa questão da competência, seja da Justiça do Trabalho, seja da Justiça Comum, para processar e julgar tais indenizatórias. Disse ponto e vírgula, porque, pelo menos, haverá um sossego no que diz respeito ao vai-e-volta dos processos ajuizados até 8 de dezembro de 2004. É que mesmo após a decisão proferida no Conflito de Competência n° 7204-1-MG, de 29 de junho de 2005, a questão ainda não se tornara pacífica, nem ainda se encontrava assentada a jurisprudência, pois algumas Câmaras do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, depois desse julgado ainda não estavam decidindo no mesmo sentido da CC 7204-1-MG (vide os julgados de Apelação com revisão n° 838.740-0/5 – 32ª Câmara 14/07/05), e outras decidindo por maioria (vide Apelação c/ revisão n° 864.671-0/3; 757.824-0/6; 701.180-0/6; 765.881-0/7; 720.256-0/8; 722.156-0/5; 788.048-0/4 e AI-964.293-0/6).

Além disso, o momento ou estágio processual a partir do qual deveria incidir o novo texto constitucional, também era questão polêmica, como se pode constatar do julgamento do CC-51.712-SP do E. Superior Tribunal de Justiça, em que foi relator o Ministro Barros Monteiro, além de inúmeros outros julgados em igual sentido que o seguiram, entendendo que as indenizatórias que já tivessem sido sentenciadas antes de 8 de dezembro de 2005, permaneceriam de competência da Justiça Comum.

Agora o E. STF, nos termos dos julgados mencionados acima, colocou uma pá de cal no que se refere ao estágio processual. Ficou esclarecido que a decisão proferida na CC 7204-1-MG assentou a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações de indenização por danos, morais ou materiais, decorrentes de acidente do trabalho ajuizadas apenas após 8 de dezembro de 2004, data da EC 45/04. Assim sendo, e segundo o esclarecimento agora adotado, as ações ajuizadas antes dessa data permanecem de competência do Juízo Cível ou Comum. Portanto, devem retornar ao Juízo Cível todas as ações que foram transferidas para a Justiça do Trabalho e que foram ajuizadas antes de 8 de dezembro de 2004. Deve se entender a ação como ajuizada segundo o disposto no artigo 263 do CPC, que diz: considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara.

Lamentável foi assistir a uma enorme sucessão de decisões que se contrariaram, os errores in procedendo e as inversões tumultuárias como resultado da incerteza estabelecida pelo E. Supremo Tribunal Federal em conseqüência da posição tomada quando do julgado CC-7204-1, alterando a posição anteriormente firmada no julgamento do RE-438.639, este decidindo ser competente o juízo cível para processar e julgar as indenizatórias decorrentes de acidente ou doença profissional propostas contra o empregador propostas a qualquer tempo.

Lamentável a verdadeira balbúrdia, tumulto e desordem, que se instalou nos Juízos, principalmente de primeira instância e que necessitava urgentemente de um direcionamento. O barco estava sem rumo em águas turbulentas.

Cartas precatórias em cumprimento estavam sendo transferidas pelo Juízo Cível deprecado, para o Juízo Trabalhista, deixando o magistrado deste último sem saber o que fazer. Não sabia ele se aguardava que a confusão se esclarecesse ou se determinava a oitiva da testemunha, como também não sabia a quem após devolver os autos, se ao juízo deprecado cível ou juízo deprecante cível, ou ainda ao juízo trabalhista da comarca do deprecante, caso este também já tivesse declinado sua competência.

Provas periciais em curso não eram concluídas, deixando as partes e os expertos atônitos. Laudos apresentados ao juízo determinante da perícia ficavam perdidos nos cartórios pois os autos correspondentes haviam sido inesperadamente enviados ao Juízo Trabalhista.

Testemunhas já intimadas compareciam para audiência e eram informadas de que o processo havia sido enviado à Justiça do Trabalho.

Verdadeiro delírio e impetuosidade de esvaziar prateleiras impediam a adequada formulação do processo e muitas vezes impediam até o recurso oportuno. A autoridade do artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil era cumprida à risca e às cegas, como se qualquer ato processual fosse decisório e portanto nulo, prevalecendo o conforto contra a melhor análise.

Chegando os autos ao Juízo Trabalhista começavam lá também outros desencontros. A argüição de prescrição constitucional da ação com base no artigo 7º, inciso XXIX, vinha sendo acolhida, fazendo prevalecer a Lei Maior em relação à Lei Civil, face ao princípio da hierarquia das normas, prejudicando o trabalhador, que tendo ingressado com a ação indenizatória em prazo acolhido pela lei civil, de uma hora para outra, via seu processo extinto com julgamento de mérito, como se fosse a ele possível saber, três anos antes, que o prolator de sua esperada decisão viria se tornar incompetente e com isso sua ação fosse passar a estar prescrita.

No lado oposto, o empregador passava a ser obrigado a um esforço hercúleo para em certos casos tentar mudar a mentalidade de alguns, felizmente poucos, magistrados trabalhistas que entendiam de aplicar a culpa objetiva, sob a regra de que o empregado está no emprego para trabalhar e não para se machucar, louvando-se em laudos da ação acidentária contra o INSS que serve de fundamento tão só pela prova do nexo do dano com o trabalho, sem adentrar na teoria da culpa subjetiva em relação às perdas e danos, prejuízos efetivos e lucros cessantes efetivamente provados e decorrentes de efeito direto e imediato do ato ilícito ou decorrentes da inexecução de obrigação exaustivamente provada, considerando ainda as concausas e efeitos reflexos.

Advogados e jurisdicionados estabelecidos em comarcas desprovidas ou insuficientes de Varas Trabalhistas, se queixavam e vão continuar se queixando da necessária locomoção por longos quilômetros em busca da esperada jurisdição que compete ao Estado proporcionar.

O novo e atual posicionamento, que pode ser entendido como esclarecimento, irá, pelo menos, evitar os desencontros que estavam se verificando nos foros, sem, contudo, solucionar por inteiro a questão constitucional.

Em relação à interpretação e aplicação das alterações realizadas pela Emenda Constitucional nº 45, a interpretação dada ao artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, tal como decidido no CC-7204-1, por outro lado, fere a vontade do legislador, e por esse motivo, entendemos, ainda subsiste a competência do Juízo Cível, mesmo para as ações ajuizadas após 8 de dezembro de 2004.

Seguindo a vontade do legislador, isto é, do poder reformador que deu origem à Emenda Constitucional nº 45, o Juízo Cível continua sendo o competente em razão da matéria, eis que, por essa vontade, se manteve intacto o inciso I do artigo 109 da Constituição Federal, e retirou-se do texto do inciso VI, do artigo 114, a expressão "acidentes do trabalho e doença profissional" que constava dos Projetos 92/1996 e 29/2000.

O v. acórdão do CC-7204-1 decidiu frontalmente contra a vontade do legislador, pois como se verifica do Diário da Câmara dos Deputados, por ocasião da discussão do Projeto de Emenda Constitucional n° 96/92 e 29/200, ficou bem claro que o legislador não quis atribuir competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização relativas a acidentes do trabalho e doença profissional. (vide Diário da Câmara dos Deputados de 23/02/2000, págs. 9072 a 9079) (acesse: http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp), em seguida coloque a data de 23/02/2000 e a página inicial do texto, 9072.

Analisando-se a votação, destaca-se o seguinte texto do Diário da Câmara dos Deputados de 23/2/2000, pág. 09074:

"O Sr. Presidente (Michel Temer) – Como vota o Partido dos Trabalhadores?

"O Sr. Marcelo Deda (PT-SE – sem revisão do orador) Sr. Presidente, Sras e Srs Deputados, O Partido dos Trabalhadores, ao ofertar sua colaboração à reforma do Judiciário, por meio de sua emenda global substitutiva, teve a posição doutrinária de fortalecer a especialização do Judiciário trabalhista, passando a atribuição para o julgamento das ações relativas a acidente de trabalho para competência da Justiça do Trabalho.

Entretanto, ao longo das discussões que ocorreram no Colégio de Líderes, e ouvindo a opinião de advogados trabalhistas e de companheiros sindicalistas como o Deputado Jair Meneguelli e outros do núcleo do trabalho, que trouxeram as angústias de suas bases com possibilidades de que essa mudança viesse a trazer mais transtornos que solução, reavaliamos nossa posição e hoje, no Colégio de Lideres, nós nos manifestamos a favor do acordo."

Votado o destaque tais palavras "relativas a acidentes do trabalho e doença profissional" foram excluídas, permanecendo o texto tal como se encontra na EC-45, sem aquelas palavras. Votaram 384 parlamentares contra 1, pela não manutenção da expressão em questão no texto da Constituição, de forma que, pelo vontade da nação, permaneceu na Justiça Estadual o processamento e o julgamento das ações acidentárias seja contra o INSS, seja contra o empregador. (vide Diário da Câmara dos Deputados de 23/02/2000, págs. 9078 a 9080).

Não quis, portanto, o Poder Reformador manter no texto do artigo 114, inciso VI, a afirmação de competir à Justiça do Trabalho "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho", tal como constava do Substitutivo, até porque não há como se adotar, para efeito de interpretação em conexão com o art. 109, inciso I, da CF, um órgão de jurisdição para julgar uma ação de acidente do trabalho contra o empregador, e outro órgão de jurisdição diverso para julgar ação de acidente de trabalho contra o INSS. Seria um mesmo acidente sendo julgado por órgãos de jurisdição diferentes. O legislador acabou por não fazer essa distinção, e nem o quis fazer, portanto, não cabe ao intérprete fazê-la.

Em Parecer encomendado pelo Grupo Eternit ao jurista Miguel Reale, o ilustre jurista afirma com convicção e juridicidade que a competência dessas ações é da Justiça Comum e não Trabalhista.

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No citado parecer ficou assim afirmado às suas páginas 30 a 32:

"Pela leitura sistemática do texto pode-se perfeitamente concluir que a harmonia será preservada se:

i) For mantido o entendimento segundo o qual decorre do art. 109, inciso I, a competência da Justiça Comum para as causas fundadas em acidente do trabalho, pois de outra forma o teor desse inciso I não teria sentido, como acima tantas vezes já foi referido;

ii) O inciso VI do art. 114, relativo à indenização por dano decorrente da relação do trabalho, não compreende a indenização por dano moral e patrimonial fundada em acidente de trabalho por uma razão de ordem lógica: é que esse inciso fora introduzido no Projeto de Emenda Constitucional conjuntamente com o inciso suprimido (isto é, antigo inciso IV) que expressamente se referia à competência da Justiça do Trabalho para julgar causas de acidente do trabalho. Havendo dois incisos para tratar de dois temas diversos é logicamente evidente que o atual inciso VU já naquela altura não se referia a causas relativas a acidente do trabalho, tendo objeto próprio diverso."

...

"iv) não é admissível forçar, por interpretação alargadíssima e esdrúxula do inciso VI, a inclusão em seu conteúdo, de matéria expressamente contida em inciso diverso cuja existência foi, além do mais, suprimida no processo legislativo."

E assim concluíram os ilustres pareceristas pátrio:

"Podemos, assim, de modo sintético, emitir a nossa conclusão. (...) Efetivamente, a conjugação dos artigos 109, I, e 114 da Constituição, este seja no texto original ou no reformado, leva lógica e sistematicamente a concluir que a Justiça Comum é a competente para julgar as causas decorrentes de acidentes do trabalho. Os valores constitucionais e a gênese do art. 114, cujo inciso relativo às causas acidentárias foi suprimido no processo legislativo, são outros elementos essenciais para revelar que a correta interpretação da Constituição impõe que se reconheça a competência da Justiça Comum.

É o nosso parecer.

São Paulo, 15 de março de 2005

(ass. Miguel Reale, Judith Martins Costa e Miguel Reale Junior)

Portanto, é contrário à mens legis e à mens legislatoris a decisão em Plenário proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no Conflito de Competência 7204-1, que mudou o entendimento anterior daquela E. Corte em relação ao julgamento do RE 438.639, que havia atribuído competência à Justiça Comum, para as ações indenizatórias de acidente de trabalho ingressadas antes e depois de 8/12/2004, de forma que a competência material deve continuar sendo do Juízo Cível não apenas em relação às ações ingressadas antes dessa data, mas também em relação àquelas propostas a qualquer tempo.

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Sobre o autor
Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos

Advogado formado pela USP em 1970, Professor de Prática Forense na PUC/SP de 1977 a 2006, Mestre e Doutor em Processo Civil pela PUC/SP, Autor de quatro livros de Direito editados pela Editora Saraiva. Palestrante AASP. Frequentou cursos de Processo Civil e Direito Comparado em Paris, Coimbra, Roma e Dallas-USA, titular do escritório Nelson Palaia - Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Nelson Renato Palaia Ribeiro. Acidente do trabalho e doença profissional. Competência do juízo cível.: Novo entendimento do STF (RE nº 440.699, DJ de 08/11/2005). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 909, 29 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7738. Acesso em: 22 nov. 2024.

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