A tutela da probidade aplicada aos cartórios.

Reflexos da probidade administrativa na nova responsabilidade civil dos cartórios firmada pelo STF em 2019

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25/10/2019 às 19:49
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Este artigo visa a demonstrar a relação entre atos de improbidade administrativa e a normativa da responsabilidade civil aplicada aos cartórios. Demonstra-se, ademais, que dos atos lesivos provocados pelos cartórios decorre o dever de indenizar.

 

INTRODUÇÃO

          Acredita-se que o tema da probidade nunca esteve tão em voga quanto neste momento histórico pelo qual passa o Brasil. Reconhecido é por todos o fato de o novo governo empossado em janeiro de 2019, ter tido sua campanha eleitoral pautada pelo combate à corrupção. Com efeito, a probidade administrativa está na ordem do dia e a agenda governamental também vem sendo estruturada com essa preocupação. Tanto é verdade, que nunca se discutiu tanto na mídia a organização administrativa de um órgão tal qual ocorreu com o Ministério da Justiça e Segurança Pública,  quanto à proposta do governo de anexar o COAF à sua estrutura. O COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras - é um órgão administrativo que foi criado pela Lei nº 9.613/98, durante as reformas econômicas feitas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.

Uma das primeiras medidas do atual governo foi editar uma Medida Provisória para retirar o COAF do Ministério da Economia e o anexar ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.[1] Contra a vontade do atual governo, o COAF acabou, depois de muita discussão no Congresso Nacional, sendo anexado ao Banco Central e mudou seu nome para UIF – Unidade de Inteligência Financeira.

          Há uma promessa política de se implantar políticas públicas visando ao controle e à fiscalização da probidade administrativa, entendendo-se que essa política pública seria capaz de prevenir e combater a corrupção no Brasil.

          Assim, o tema da probidade administrativa vem sendo estudado e discutido também pela classe acadêmica, fato que tem estimulado a produção de muitos artigos científicos recentemente. Com o presente artigo, espera-se contribuir com esse compêndio de iniciativas, incitar a reflexão crítica e trocar experiências com os leitores.

Considerando todo esse contexto atual, o objetivo desse trabalho é apresentar um estudo sobre a responsabilidade civil dos cartórios e sua necessária relação com o dever de probidade. Assevera-se que existe uma relação intrínseca entre os estudos da responsabilidade civil e da improbidade administrativa. Os cartórios, ou serventias extrajudiciais, são o objeto deste estudo e o ambiente dentro do qual se dão as relações jurídicas controladas sob o manto da probidade administrativa.

          Foi dedicado, ainda, um espaço especial para o estudo dos cartórios, posto que se entende necessário ao desenvolvimento do tema. Nesta seara, serão analisados os aspectos normativos, funcionais e práticos que envolvem a atividade notarial e registral. Por fim, este artigo traz uma breve análise da aplicação das diversas espécies de responsabilidade e sua relação com os atos de improbidade dos cartórios.

 

1.      Panorama legal dos cartórios

 

Nos termos do art. 1º da Lei n.8.935/94, serviços notariais e de registro, tecnicamente intitulados serventias extrajudiciais, mas popularmente conhecidos simplesmente como cartórios, são aqueles serviços de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. De acordo com o disposto no art. 3º da mesma Lei, notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do Direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Por serem os notários e registradores profissionais dotados de fé pública, ocupantes de cargos criados por lei e providos mediante concurso público de provas e títulos, estão sujeitos à fiscalização disciplinar do Poder Judiciário e só perdem essa condição mediante processo administrativo ou sentença judicial transitada em julgado. A atividade é remunerada por emolumentos, que têm natureza jurídica de taxa, cuja fixação tem seus parâmetros previstos em lei federal regulamentada por leis estaduais[2].  Por fim, é consenso na doutrina e na jurisprudência que os agentes delegatários, notários e registradores, equiparam-se a agentes públicos.

Hely Lopes Meirelles situa os tabeliães e registradores entre os agentes públicos delegados, ao lado dos concessionários e permissionários de obras e de serviços públicos, dos leiloeiros e dos tradutores, caracterizando-os como particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante, constituindo uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público[3].

No mesmo sentido, é o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello[4]; e, ainda, o de Toshio Mukai, que os inclui entre os agentes privados em cooperação com o Poder Público[5]. A orientação doutrinária foi reiteradamente confirmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF, que, ainda sob a égide da Constituição de  1969, considerava estarem os notários e oficiais de registro incluídos na expressão “funcionários”, constante de seu art. 107[6], expressão que abrange todo e qualquer agente que atue em nome do Estado[7].

Já há muito tempo, na vigência da Carta de 1988, o Pleno do STF extinguiu todas as dúvidas imagináveis a respeito da natureza da atuação dos notários e registradores, na apreciação do RE n. 178.236/RJ, Relator Min. Octávio Gallotti, DJ de 11/4/1997. Neste precedente, com base na investigação da natureza das funções desempenhadas pelos notários e registradores e das condições da prestação do serviço, anotou o Min. Celso de Mello em seu voto que: “(...) Os emolumentos, na realidade, representam modalidade de remuneração de serviços estatais prestados por agentes públicos (os Tabeliães e os oficiais registradores), no desempenho de delegação outorgada pelo Poder Público, com fundamento no texto constitucional (art. 236).”[8].

Impõe-se enfatizar que as serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas e destinadas “a garantir a publicidade, eficácia e segurança dos atos jurídicos” (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Não se pode desconsiderar, nesse ponto, a communis opinio doctorum, que classifica os serventuários entre os servidores públicos, eis que – conforme adverte Aguiar Dias – “(...) só por supersticioso apego a essa tradição abandonada (a da atribuição dos cartórios a título de propriedade), continuaríamos a negar ao serventuário de Justiça a condição de funcionário público.”[9].

Vale transcrever a decisão do STF sobre o tema: “(...) O Pleno do Supremo Tribunal Federal, refletindo em seu magistério jurisprudencial esse entendimento, deixou positivado que os notários públicos e os oficiais registradores “são órgãos da fé pública instituídos pelo Estado” desempenham, nesse contexto, “função eminentemente pública”, qualificando-se, em consequência, “como servidores públicos”[10].

Pelo próprio exame do vigente texto constitucional, permite-se concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais, autorizando-se, ainda, o reconhecimento de que os serventuários incumbidos do desempenho dessas relevantes funções qualificam-se como típicos servidores públicos, pois: só podem exercer as atividades em questão por delegação do Poder Público (CF, art. 236, caput); estão sujeitos, no desempenho de suas atribuições funcionais, à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º); e dependem, para o ingresso na atividade notarial e de registro, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (CF, Art. 236, § 3º).

Os serviços notariais e de registro, sobretudo por sua relevante função social de formalizar e conferir autenticidade a instrumentos que consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais dos interesses dos solicitantes, bem como de assentar títulos de interesse privado ou público para garantir oponibilidade a todos os terceiros, podem, eventualmente, causar danos a terceiros particulares e ao Poder Público[11] .

 

2.      O dever de probidade dos Oficiais de cartório e suas repercussões jurídicas

 

A responsabilidade do agente público, de acordo com a doutrina administrativista, vem sendo analisada por 3 prismas: a civil, a criminal e a administrativa. Ao lado desta classificação, é possível identificar uma quarta esfera de responsabilidade do agente público, aquela decorrente da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa – LIA, Lei nº 8.429/1992, lei regulamentadora do Art. 37, § 4º, da Constituição Federal: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

De acordo com o Art. 2º da Lei nº 8.429/1992, podem praticar atos de improbidade administrativa todos aqueles considerados agentes públicos. Como foi explanado acima, os titulares de cartório e os responsáveis (não concursados que respondem pelo cartório) são considerados agentes públicos, logo estão submetidos a  LIA.

A LIA indica quem pode ser sujeito passivo das práticas de improbidade em seu Art. 1º: “(...) a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.”, O parágrafo único deste artigo também inclui como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa, as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público e, ainda, empresa incorporada ao patrimônio público. Contudo, o sujeito passivo direto será sempre o Estado.

A LIA estabelece 3 categorias de improbidade administrativa. O Art. 9º tipifica os atos que importam em enriquecimento ilícito; o Art. 10 trata dos atos que causam prejuízo ao erário; e o Art. 11 traz os atos que atentam contra os princípios da administração pública. É pacífico na doutrina que o rol das condutas tipificadas nestes artigos é exemplificativo e não taxativo. Ademais, o Art. 11 é interpretado como um tipo subsidiário ou de reserva, incidindo apenas se não ocorrer enriquecimento ilícito (Art. 9º) ou lesão ao patrimônio público (Art. 10). Cumpre notar, ainda, que há grande debate na doutrina quanto à possibilidade de os atos de improbidade exigirem culpa ou dolo, sobretudo porque somente o Art. 10 da LIA menciona expressamente estes requisitos.

Em artigo intitulado A Incidência da Lei de Improbidade Administrativa nas Notas e nos Registros Públicos, o titular de cartório Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro colaciona alguns exemplos de julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto ao enquadramento de atos de improbidade no serviço extrajudicial, dos quais dois merecem ser citados: fraudes praticadas por cartorário sobre as guias de ITBI e fraude praticada por interino nos processos de habilitação para casamento para reter fraudulentamente o valor pago pelos nubentes e declarando o casamento como gratuito[12]

 

2.1 Fraudes de guias de ITBI

 

Este caso traz um exemplo de como é importante o “olho” do titular sobre todas as atividades de sua serventia:

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FRAUDES DE GUIAS DE ITBI NÃO ERAM FACILMENTE CONSTATÁVEIS PELO TABELIÃO. A conduta que leva à culpa in vigilando, naturalmente, apura-se depois de ocorrida a irregularidade. Mas o que se deve perquirir é se a omissão ou deficiência no dever de supervisão era tal que permitiria antever a possibilidade de prática não detectada de ilícitos. (...) O dever de vigilância não significa dever de onisciência. (TJSP, apelação cível n° 0003476.2014.8.26.0575).

 

O trecho acima se refere à Decisão da 2ª Câmara de Direito Público do TJSP, de 13 de setembro de 2016, em sede de Ação de Improbidade Administrativa, que abordou com excelência a responsabilidade de tabelião por ato de preposto seu. Conforme o relatório nos Autos, o preposto (empregado do titular) recebia o valor dos interessados para pagar as guias de ITBI que eram  regularmente emitidas pelo sistema eletrônico do Município e, em momento posterior, requeria no mesmo sistema o seu cancelamento, apropriando-se indevidamente das importâncias. Na decisão acima, se decidiu que o titular não cometeu ato de improbidade, pois restou provado que não tinha como detectar a fraude de seu preposto. Nos Autos, se analisou a condição do preposto que era funcionário antigo do cartório, sem histórico algum de comportamento duvidoso que motivasse a desconfiança no titular. Além disso, a fiscalização realizada pelo titular sobre as guias de ITBI pagas detectava legalidade, já que a fraude praticada pelo preposto consistia em solicitar o cancelamento do pagamento destas guias a posteriori. A decisão aborda com exaustão os tipos de culpa, de dolo, e de tipicidade da conduta de improbidade, apresentando-se como uma fonte de estudo relevante para o estudo da improbidade administrativa aplicada aos titulares de cartório.

Nesse contexto, vale ilustrar a questão do elemento subjetivo com a menção a entendimento do STJ que merece ser citado, visto que é o posicionamento adotado pelo Tribunais de Justiça/SP, acerca da culpa nos processos de improbidade:

A conduta do agente, nos casos dos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/92, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo; nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/92, cogita-se que possa ser culposa, mas em nenhuma das hipóteses legais se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva (...). Não há, pois, violação culposa dos princípios explicitados no art. 11. Ninguém é desonesto, desleal ou parcial por negligência. Ou o agente público labora movido pelo dolo (e pratica ato de improbidade) ou não se aperfeiçoa a figura do art. 11. Seja in vigilando, seja in comittendo, seja in omittendo, seja in custodiendo, a culpa não cabe na consideração dos atos de improbidade alocados no art. 11, conforme orienta a doutrina.[13]

 

 

2.2 Fraude sobre os emolumento de casamento

 

Outro exemplo, citado pelo competente Oficial e autor, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro, acima mencionado, trata-se de conduta fraudulenta do Interino responsável pela serventia:

 

PREPOSTO INTERINO APRESENTAVA DECLARAÇÕES DE POBREZA PARA OS NUBENTES ASSINAREM, MAS COBRAVA, INDEVIDAMENTE, AS TAXAS E EMITIA RECIBOS FALSOS constando que não houve o pagamento de qualquer valor pelas custas e emolumentos, como também de que encaminhava ao sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo planilhas dos atos gratuitos praticados, instruindo-as com as declarações de pobreza emitidas pelos nubentes e recibos constando que não foram pagas as custas ou emolumentos, atos que ensejou o recebimento[14].

 

No caso acima, foi instaurada uma Ação Civil Pública de Improbidade administrativa pelo Ministério Público de Lucélia, São Paulo, em face de preposto interino - aquele que ocupa interinamente a titularidade do cartório na ausência de concursado -, que respondia pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas e pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas, respectivamente pertencentes ao Município de Lucélia e Pracinha, ambos de jurisdição da Comarca de Lucélia, SP. O Interino, nos procedimentos de casamento, exigia que os nubentes assinassem declarações de pobreza, mas cobrava, indevidamente, dos mesmos os emolumentos integrais e ainda lhes fazia assinar recibos falsos constando que não houve o pagamento de qualquer valor pelo casamento.

Além de receber indevidamente dos nubentes, o Interino ainda encaminhava ao Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG/SP - planilhas dos atos gratuitos praticados, instruindo-as com as declarações de pobreza emitidas pelos nubentes, acompanhadas de recibos constando que o ato fora gratuito. O SINOREG/SP é uma entidade gestora e privada que reembolsa os atos gratuitos praticados pelos cartórios em SP. Desta forma, o Interino recebia duas vezes o valor do casamento: pelos nubentes e depois pelo reembolso do SINOREG. O Interino foi condenado pelo Juízo a quo e ad quem por improbidade administrativa fundada na existência de dolo na conduta fraudulenta do mesmo.

 

2.3 Responsabilidades fracionadas

 

Nos dois exemplos colacionados acima, foram ajuizadas ações que apuravam atos de improbidade à luz da LIA. Cumpre destacar que somente o agente público pode figurar como sujeito ativo para a LIA e, por este motivo, ambas as ações foram propostas em face dos responsáveis pela serventia: a do ITBI em face do titular e a da fraude à gratuidade em face do interino, que na condição de responsável pela serventia, se equipara ao agente público. Na ação proposta em face do titular para apurar a fraude ao ITBI praticada pelo empregado, o titular foi absolvido da condenação por improbidade, já que se reconheceu no processo que não houve dolo ou culpa do mesmo, pois quem cometeu a conduta foi o preposto do titular. Quanto ao interino que fraudou a gratuidade do casamento, foi condenado e apenado pela LIA.

Tanto no caso da fraude ao ITBI quanto na fraude à falsa gratuidade, os lesados ainda poderiam ajuizar uma ação de responsabilidade civil em face do Estado (de acordo com o STF) para reparar seu prejuízo.

Quanto à possibilidade de ação disciplinar, esta seria possível apenas no caso do Interino e do titular e não em face do substituto que fraudou o ITBI. Isto porque o interino responde pela serventia, fazendo a vez do titular. No caso do substituto que fraudou o ITBI, não seria possível apurar esta responsabilidade disciplinar por não estar sujeito ao controle correcional dos Tribunais.

Além destas ações, caberia também ação penal em face do interino que fraudou a gratuidade e do preposto do titular que fraudou o ITBI. Nestes 2 casos colacionados, se pode observar a possibilidade da concomitância e da independência entre as ações.

Conforme prevê a LIA, pode haver ato de improbidade mesmo que não haja enriquecimento ilícito do titular. Por exemplo, supondo que o titular, por motivos de foro íntimo, conferisse a gratuidade no casamento para quem ele sabe não ser pobre; ou, se manipulasse o valor do imóvel em uma operação de compra e venda para conseguir um valor de ITBI mais abaixo.

Em suma, não se pode confundir os procedimentos administrativos de responsabilidade disciplinar do titular com a ação de improbidade administrativa regida pela LIA. Contudo, se o titular cometesse práticas ensejadoras de condenação por improbidade, à luz da LIA, estas práticas, certamente, estariam amoldadas a uma das violações dos deveres funcionais da profissão, dando azo também a um processo disciplinar. Nesse marco, não se pode deixar de mencionar a Lei 8935/94, conhecida como a Lei dos Cartórios, que regula a atividade, sobretudo seu Art. 31 que positiva as infrações disciplinares praticadas pelos titulares ou interinos:

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I – a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II – a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

III – a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;

IV – a violação do sigilo profissional;

V – o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

 

Como argumentado acima, tomando por modelo as duas decisões colacionadas, tanto no primeiro caso, como no segundo estão presentes também as condições que caracterizam infrações disciplinares pelo Art. 31, acima citado. Sendo assim, a mesma conduta pode caracterizar infração disciplinar prevista na Lei 8935/94 e simultaneamente ato de improbidade da LIA.

O que vai diferenciar uma da outra é o procedimento. As infrações disciplinares são apuradas em processo disciplinar judicial de natureza administrativa, presidido pelo Juiz Corregedor Permanente, cuja decisão, malgrado produzida por um juiz, terá natureza administrativa. Quanto aos atos de improbidade, estes devem ser apurados em ações judiciais de improbidade administrativa ou ações civis públicas, ou seja, em processos judiciais stricto sensu.

Desta forma, a probidade é um dever funcional dos Oficiais de cartório e sua inobservância pode ensejar a responsabilidade penal, administrativa disciplinar, judicial por improbidade e civil indenizatória. Pode ainda, ensejar todas ou apenas uma delas. Por esta razão não se pode confundir as espécies de responsabilidade. E, seguindo os estudos sobre o dever de probidade dos Oficiais de cartório, segue, abaixo, um estudo sobre a responsabilidade civil destes profissionais.

Isto porque, utilizando-se mais uma vez dos exemplos acima, e considerando a decisão recente do STF, tanto no caso da fraude do ITBI, quanto no caso da fraude da gratuidade no casamento, o lesado poderia acionar o Estado para reparar seu prejuízo. Existe, portanto, uma interligação necessária nos estudos sobre o dever de probidade, seja na esfera disciplinar, penal, ou de improbidade pela LIA, e todas repercutem na esfera da responsabilidade civil dos cartórios.

O tema da responsabilidade civil dos cartórios é nevrálgico, porque é nesse momento que há a discussão pecuniária de quem vai pagar a conta. Desde sempre, o Estado e o titular vêm se ilidindo da obrigação atribuindo o dever de indenizar um para o outro. Afinal, ninguém quer pagar a conta.

 

3.      A responsabilidade civil dos cartórios

 

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Sobre a autora
Mariangela Ariosi

Sou tabeliã e registradora no interior do estado de São Paulo. Carioca, fiz meus estudos no RJ; mestrado em Direito na UERJ. Cursei o doutorado em Direito na USP, sem concluir a Tese, interrompido pois estava estudando para vários concursos, todos na área de cartório. Cursei algumas Pós na área cartorária e atualmente me preparo para retornar e concluir o doutorado. Também , fui professora de Direito durante quase 20 anos em algumas universidades do RJ como UCAM, São José, Castelo Branco e UNIRIO, dentre outras. Atualmente continuo estudando e escrevendo sobre temas afetos às atividades cartorárias. Estou a sua disposição para conversarmos sobre esses temas e trocar informações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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