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Cartilha de prerrogativas e direitos do advogado

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01/01/2006 às 00:00
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E

Empregado: o advogado empregado submete-se ao regime celetista, merecendo registro do contrato de trabalho em carteira e demais direitos trabalhistas [91]. Mas a "subordinação" inerente à relação de emprego encontra limitações, tendo em vista a isenção técnica e a independência profissional inerentes à advocacia [92]. Assim, o advogado não é obrigado à defesa de interesses pessoais de seus empregadores [93], sendo-lhe ainda permitido recusar-se a advogar contra disposição de lei, ou posicionamento jurídico próprio [94]. É defeso e antiético figurar, ao mesmo tempo, como patrono e preposto do empregador [95], por limitar a liberdade da atuação profissional. Os direitos trabalhistas são: a) salário mínimo profissional fixado em sentença normativa, acordo ou convenção coletiva; b) jornada de trabalho de quatro horas diárias e vinte semanais, salvo regime de dedicação exclusiva [96], o que não impede o exercício de outras atividades remuneradas [97], considerando-se como período trabalhado o tempo colocado à disposição do empregador; c) horas extras com adicional não inferior a 100% da hora normal e adicional noturno não inferior a 25% da hora normal; d) reembolso das despesas feitas no interesse no empregador com transporte, hospedagem e alimentação; d) honorários de sucumbência, independente do salário contratual [98], que por outro lado não integrarão as verbas salariais, para fins trabalhistas ou previdenciários [99], sendo lícito ao advogado dispor desta verba por convenção individual ou coletiva [100]. Tais direitos não se aplicam aos membros da advocacia pública, eis que derrogados pela Lei nº 9.527/97. Os honorários de sucumbência, estipulados ou não em contrato escrito, são devidos exclusivamente ao advogado empregado [101], cabendo a este a livre escolha dos meios de cobrança dos mesmos (v. honorários advocatícios).

Estagiário: o estagiário pode praticar todos os atos privativos da advocacia [102], desde que em conjunto com o advogado e sob sua responsabilidade [103]. Se constar do instrumento de mandato pode, isoladamente, assinar petições de juntada, retirar autos de cartório, assinando a respectiva carga, obter certidões e cópias de processos em curso, ou findos [104], bem como praticar atos extrajudiciais, quando munido de substabelecimento [105]. Para que tenha estes direitos, o estagiário, a exemplo do advogado, deve estar regularmente inscrito na OAB [106].

Exposição oral: o advogado não pode sustentar oralmente as razões de recurso ou processo nas sessões de julgamento, após o voto do relator [107], pois desrespeita a seqüência lógica do processo [108] e nos processos em que há atuação do Ministério Público, fere o princípio do contraditório, visto que não há lei dando o mesmo direito ao promotor de justiça [109].


F

Fé pública: com o advento do Novo Código Civil, as cópias não autenticadas são verdadeiras até que se alegue o contrário [110]. O advogado tem fé pública ao declarar a autenticidade de cópias de documentos oriundos de processos, mediante a afirmação de que a cópia confere com o original, acompanhada do número da página, do número dos autos e respectiva Vara Judicial, além da assinatura do advogado, acompanhada de seu número de inscrição na OAB [111]. O princípio também é aplicável na Justiça do Trabalho [112]. Modelo de declaração: "Declaro e dou fé que esta cópia confere com o original: proc. nº …/… - …ª Vara de (cidade) – fls. … - Data – Assinatura – nome do advogado – OAB/… nº …".

Flagrante: quando decorrente do exercício da profissão, a prisão em flagrante do advogado só pode ocorrer na hipótese de crime inafiançável [113] e requer a presença de representante da OAB, sob pena de nulidade [114]. Se a OAB não enviar representante em tempo hábil, mantém-se a validade da prisão em flagrante [115]. (v. prisão do advogado).

Funcionário público para fins penais: o advogado, atuando como defensor dativo, administrador judicial (falência), inventariante dativo, tutor ou curador dativo, representante classista, exerce munus publicum (um favor), ou seja, pode recusar a nomeação. Portanto, não é considerado funcionário público para fins penais, porque não tem vínculo obrigacional [116] (v. ad hoc, assistência judiciária e imunidade).


G

Greve: com exceção da esfera federal [117], a greve dos funcionários públicos é ilícita, pois não há lei regulamentando o art. 37, VII, da Constituição Federal, de eficácia limitada. O funcionário público que se encontra no local de trabalho e recusa-se a trabalhar não está de fato aderindo à greve instalada, mas sim cometendo falta grave funcional e pode sofrer punições disciplinares, civis e penais, pois o exercício do direito a greve não afasta a responsabilidade pela ofensa de interesses penalmente tutelados [118]. Desde que haja funcionário no cartório judicial, ou extrajudicial, o advogado deve ser atendido [119]. A negativa do serventuário presente em entregar ao advogado os autos de procedimento judicial consiste em crime de prevaricação [120], ou ainda de sonegação de documento [121], já que incumbe àquele ter a guarda dos autos [122]. Impedir a entrada do advogado no fórum ainda configura piquete, que é crime de atentado contra a liberdade do trabalho [123]. A paralisação dos serventuários da justiça não impede a realização de audiências, já que cabe pessoalmente ao juiz dirigi-las e realizar a colheita das provas [124]. Assim, para o registro dos atos da audiência e a realização do pregão, o juiz pode se valer de qualquer funcionário presente, já que não há hierarquia entre os serventuários da justiça [125]. E caso haja ausência total de serventuário, pode o juiz nomear pessoa idônea para este mister [126], pois a lei processual autoriza a substituição do escrevente e a utilização de qualquer meio idôneo de registro dos atos judiciais [127], mesmo porque os atos e termos processuais realizados de modo diferente da previsão legal também são considerados válidos, quando preenchem sua finalidade essencial [128]. A lei que concede o direito de greve no setor privado, aplicada subsidiariamente [129], permite a contratação de strikebreakers para a realização de serviços ou atividades essenciais à população [130]. A inércia do juiz pode ser entendida como greve de solidariedade, pois comparece ao trabalho, mas não cumpre suas obrigações: "não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais; exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;" [131]. Contra tal atitude pode-se representar ao Tribunal de Justiça pelos excessos de prazo [132], sem prejuízo das implicações civis que cada advogado perseguirá nos autos em que observar qualquer dano daí decorrente [133].


H

Hierarquia: não há hierarquia entre advogados, juízes e membros do Ministério Público, devendo ser observado o respeito mútuo [134]. As autoridades devem tratar o advogado com dignidade e permitir o bom desempenho da advocacia [135]; o juiz tem o dever legal de tratar o advogado com respeito [136]. Como instituição, a OAB tem independência funcional e orçamentária, não guarda hierarquia com os demais órgãos da Administração Pública, tem personalidade jurídica e forma federativa [137]. É responsável pela defesa da classe dos advogados no território nacional, da Constituição, do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e da justiça social (v. desagravo, detector de metais e OAB).

Honorários advocatícios: o advogado tem direito a honorários convencionais e arbitrados judicialmente [138]. Quando os honorários convencionais são estipulados independente da sucumbência, se não for o caso de jurisdição voluntária, o juiz arbitrará em favor do advogado da parte vencedora honorários de 10% a 20% do valor da demanda, apurado em sentença [139], que poderá ser executado nos próprios autos [140]. Caso o patrocínio se dê de forma dadivosa, através de convênio com a Procuradoria Geral do Estado, os honorários serão arbitrados judicialmente, respeitada tabela própria. Ao advogado dativo também são devidos honorários em razão da sucumbência, quando representar beneficiário da assistência judiciária vencedor da demanda [141]. Em causas de valor inestimável o arbitramento deve ter por base a quantia de 12 vezes o valor mensal pleiteado pela parte [142]. Nas ações penais (pública e privada), o vencido pode ser condenado em honorários advocatícios em favor do assistente de acusação, ou do querelante, aplicando-se, por analogia, o dispositivo equivalente do processo civil [143]. Há corrente doutrinária que não admite o arbitramento de honorários na hipótese acima, mas entende que o vencedor na ação criminal pode incluir no pedido da ação ex delicto o valor gasto com os honorários do assistente de acusação. No caso de substabelecimento com reserva de iguais poderes, o substabelecido só pode cobrar honorários do cliente com a invervenção do advogado substabelescente [144]. "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas" [145]. Os honorários advocatícios, seja de origem contratual ou de sucumbência judicial, têm natureza alimentar, portanto, são impenhoráveis [146]. Os advogados empregados de entidades componentes da administração pública indireta, que exploram atividade econômica [147], fazem jus aos honorários de sucumbência, pois não são abrangidos pelo art. 4º, da Lei nº 9.527/97, que revoga para os funcionários ali referidos, os direitos trabalhistas previstos no capítulo V, do EAOAB [148] (v. empregado).


I

Imunidade: O advogado tem imunidade material quanto ao abuso do direito de expressão "nos limites da lei" [149], desde que no exercício de sua profissão e em proveito da causa [150], mas não mais abrange o desacato, segundo interpretação do STF [151], sob o fundamento de que o advogado não pode ficar sujeito apenas à punição disciplinar pelo seu órgão de classe, sob pena de contrariar o monopólio de jurisdição do Estado [152] e o acesso à justiça [153] dos ofendidos em sua honra [154]. O tratamento diferenciado dado pelo STF ao desacato, em relação à imunidade garantida ao advogado nos casos de injúria e difamação, justifica-se pelo fato de que estas últimas ofendem a pessoa e aquela, a função pública [155]. Mas não configura desacato, injúria ou difamação a justa repulsa, ou a retorsão imediata a ofensa a que deu causa a própria autoridade, desde que não desprestigie sua função pública [156] e ausente o animus injuriandi vel diffamandi [157]. A autoridade policial ou judiciária não pode prender o advogado em flagrante por desacato, por ser crime de menor potencial ofensivo e passível de fiança [158], que pode ser até dispensada [159]. A autoridade que determinar e a que cumprir a prisão do advogado por abuso do direito de expressão estará cometendo crime de abuso de autoridade [160]. Não fosse isso, há disposição expressa de lei excluindo a ilicitude da ofensa irrogada em juízo, oral ou por escrito, desde que na discussão da causa [161], mas essa imunidade não abrange as ofensas dirigidas ao juiz, à testemunha e ao Promotor de Justiça enquanto custos legis, pois não têm interesse na causa. O juiz do trabalho não tem competência penal [162], portanto, não pode ordenar prisão valendo-se da função [163] (v. abuso de autoridade e desagravo público).

Inadimplência: segundo o EAOAB, o não pagamento da contribuição anual à OAB é infração disciplinar [164] e sujeita o advogado à suspensão do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses [165] e até que satisfaça integralmente a dívida, atualizada monetariamente [166], podendo ainda ser excluído dos quadros da OAB, por decisão de dois terços dos membros do Conselho Seccional [167]. Mas estas disposições são inconstitucionais, pois ofendem o princípio da liberdade profissional [168], que só é limitada pela exigência de qualificações profissionais [169], tendo em vista o valor social do trabalho como estrutura da ordem constitucional estabelecida [170]. São, portanto, sanções políticas utilizadas para a cobrança da anuidade, expressamente vedadas segundo o entendimento do STF [171], já que possível a cobrança judicial. A inconstitucionalidade é passível de controle difuso, através de mandado de segurança [172].

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Incompatibilidade: não podem advogar, mesmo que em causa própria, e mesmo que afastados temporariamente de suas funções [173], as pessoas elencadas nos incisos I a VIII, do art. 28, do EAOAB, ressalvadas as ocupantes de cargos de direção em órgãos da Administração Pública direta e indireta que não tenham poder de decisão relevante sobre direito de terceiro, as que administram cursos jurídicos [174] e os juízes eleitorais e seus suplentes [175].

Inquérito policial: o advogado pode examinar autos de flagrante e de inquérito, mesmo sem procuração e ainda que estejam conclusos à autoridade policial, podendo tomar nota e copiar peças [176], salvo em caso de decretação de sigilo, que será exigida procuração outorgada pelo investigado. O "sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade" [177] não tem o condão de coibir o exame dos autos pelo defensor do investigado [178], mas o exame dos autos limita-se às informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e execução de diligências em curso, como por exemplo, interceptações telefônicas [179]. Deve ser respeitada a privacidade do advogado ao atender seu cliente nas dependências de estabelecimentos prisionais civis ou militares, em local destinado a este mister, quando houver [180], não havendo em nosso ordenamento jurídico a figura do preso incomunicável [181] (v. defesa técnica).

INSS: embora a legislação estabeleça que o próprio interessado possa cuidar de seus direitos previdenciários, não existe nenhuma lei que o impeça de ser representado por um advogado, desde o protocolo dos pedidos até a decisão final no processo administrativo [182], podendo o advogado ter vista dos autos em balcão, independente de petição [183] (v. atividade privativa).

Inviolabilidade do escritório: o local de trabalho, os arquivos, os dados, as correspondências e as comunicações do advogado são invioláveis, salvo em caso de busca e apreensão judicial [184], que deve cingir-se aos objetos obtidos por meios criminosos [185] e ser acompanhada por representante da OAB, que será requisitado pelo juiz da causa em caráter confidencial, para garantir a eficácia das diligências [186]. As correspondências entre o advogado e o cliente estão protegidas pelo sigilo imposto na Constituição Federal [187] e sua violação enseja processo criminal [188]. É ilegal o uso de escuta ambiental em escritório de advocacia [189], considerado como casa, para fins penais [190]. (v. abuso de autoridade e busca e apreensão em escritório de advocacia).

ISS: em obediência ao princípio constitucional da capacidade tributária [191] o lançamento do ISS deve ser feito sobre o faturamento do advogado, e não sobre a atividade em si, sendo vedada a horizontalidade, ou seja, a cobrança de uma única alíquota para todos os advogados, podendo a violação deste direito ser remediada através do mandado de segurança [192] (v. COFINS).

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Sobre o autor
Jairo Henrique Scalabrini

advogado, secretário-geral da OAB subsecção Dracena (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCALABRINI, Jairo Henrique. Cartilha de prerrogativas e direitos do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 912, 1 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7761. Acesso em: 29 mar. 2024.

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