O patrimônio de afetação como ferramenta para a efetivação das políticas públicas de habitação o patrimônio de afetação como ferramenta para a efetivação das políticas públicas de habitação – análise da incidência do instituto nos registros de imóveis de

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3. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA E PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO NO MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC

Quanto à pesquisa realizada nos Registros de Imóveis de Balneário Camboriu/SC, foram levantados os seguintes números:

 

1º REGISTRO DE IMÓVEIS

2º REGISTRO DE IMÓVEIS

ANO

INCORPORAÇÕES

AFETAÇÕES

INCORPORAÇÕES

AFETAÇÕES

2004

19

00

05

00

2005

09

01

06

00

2006

15

02

18

00

2007

39

03

32

00

2008

24

01

17

01

2009

23

02

18

00

2010

27

01

17

01

2011

28

02

37

02

2012

32

00

21

02

2013

31

09

14

09

2014

22

04

07

02

2015

15

04

09

02

2016

10

09

11

02

2017

03

03

07

03

TOTAL

297

41

219

24

Quadro 02 – Números de incorporações imobiliárias e regime de afetações ocorridas nos Registros de Imóveis de Balneário Camboriu/SC.

Fonte: elaborado pelo autor, nov. 2018.

Portanto, analisando os números, concluímos que no 1º Registro de Imóveis ocorrera o total de 297 incorporações imobiliárias sendo que 41 delas instituíram o patrimônio de afetação, número que representa 13,8%, do total das incorporações.

Por sua vez, no 2º Registro de Imóveis, ocorrera o total de 219 incorporações imobiliárias sendo que 24 delas instituíram o patrimônio de afetação, o que representa 10,95%, do total das incorporações.

Denota-se, assim, que apesar do regime de afetação trazer benesses tributárias ao incorporador, tal situação não é suficiente para estimular este a optar pela afetação. Percebe-se, pois, que outros fatores são determinantes para manter a incorporação desafetada.

Conclui-se que a Lei 10.931 não cumpriu com sua função precípua, na cidade de Balneário Camboriú, que era a de salvaguardar o dinheiro do adquirente de imóvel na planta, pois, conforme números trazidos à baila, menos de 13% das incorporações imobiliárias, instituíram o regime de afetação, entre os anos de 2004 e 2017.


4. CONSIDERAÇÃO FINAIS

A moradia adequada constitui direito básico da pessoa humana, direito tratado por diversas vezes em reuniões lideradas pelas Nações Unidas. Trata-se de direito social que possui amparo constitucional desde o ano 2000. Tem ela, a característica de trazer a segurança necessária para fins de estabilização econômica, social e familiar do indivíduo, estimulando a cordialidade e a fixação deste.

Em 2015, o déficit habitacional chegou a 6,355 milhões de domicílios, portanto, a falta de habitação pode ser enquadrada como problema público.

O referido déficit habitacional, por consequência, demanda a construção de apartamentos que possam ofertar a mínima qualidade de vida para estes moradores. Ademais, os fatores de sociabilidade contribuem para a implementação de grandes conjuntos habitacionais, pois, através do rateio dos custos do solo urbano e de materiais, nestes grandes condomínios, é possível construir salão de festas, piscina, quadras poliesportivas, áreas de lazer.

Por sua vez, em Santa Catarina, em 2013, apurou-se o déficit de 167.793 domicílios. Especificamente, no que diz respeito à cidade de Balneário Camboriú/SC, levantou-se déficit habitacional de 6.837 unidades, sendo que 247 delas são assentamento precários.

Frise-se que a cidade de Balneário Camboriu/SC, apesar de sua riqueza, status e alto índice de desenvolvimento humano, sofre com o crescimento urbano desordenado. A Lei nº 128/70 foi a primeira legislação existente no município de Balneário Camboriú/SC, que trouxera diretrizes de zoneamento, uso e ocupação do solo livre. Atualmente, o zoneamento, ocupação e uso do solo no município são definidos pela Lei nº 2794/08, em vigor até que a nova lei do Plano Diretor seja aprovada, a qual encontra-se em revisão (BEUTING  & MARTINS, 2016).

Conforme ressaltam Beuting & Martins (2006), os índices urbanísticos utilizados no decorrer dos planos diretores do município, foram mudando ao longo os anos. Muito embora o coeficiente de aproveitamento tenha experimentado diminuição, áreas como pavimento térreo, pavimento de garagem e pavimento de lazer foram retirados do cálculo daquele coeficiente. Tal fato acabou com a necessidade de grandes terrenos para que se pudessem levar a cabo enormes edifícios, e consequentemente, aumentou o número de edificações, visto que terrenos menores passaram a ter maior utilidade para o comércio. Esta ocorrência contribui para o crescimento da média de altura dos edifícios ao longo dos anos.  

No início dos anos 2000, a legislação de Balneário Camboriú/SC, passou a seguir mecanismos definidos para o plano diretor vigente, que permitiam um aumento do coeficiente de aproveitamento para os empreendimentos. Também inseriu o “fator K”, que concerne ao coeficiente para o cálculo da quantidade máxima de unidades habitacionais por lote. A inclusão destes mecanismos, aliados à tendência de poucas unidades habitacionais por pavimento, diminuindo a área de cada pavimento habitável, e a manutenção das áreas não-computáveis ao coeficiente de aproveitamento existente, fez com que cada vez mais as torres pudessem atingir maiores alturas (BEUTING  & MARTINS, 2016).

Importante observação diz respeito à comparação dos edifícios em diferentes períodos no qual foram aprovados. Durante os primeiros anos da emancipação de Balneário Camboriú, até 1970, esta experimentou uma média de 24 metros de altura de seus edifícios próximos à orla da Praia Central, o que equivale a 8 pavimentos. Desde 1970, a média de altura das edificações aprovadas, para a mesma área de estudo, vem ampliando. Em 2016, a média da altura das edificações aprovadas pela Secretarial Municipal de Planejamento, chegava a 90 metros, o equivalente a 30 pavimentos. Esta discrepância nos números dos anos iniciais da cidade com os números atuais, revela o ritmo em que a verticalização está ocorrendo, fazendo com que Balneário Camboriú tenha edificações cada vez mais altas, de modo a suprir a demanda por moradia (BEUTING  & MARTINS, 2016).

Assim, ao analisar essa evolução histórica da legislação de Balneário Camboriú/SC, percebe-se que a referida cidade não tem um arcabouço jurídico que se coadune, de fato, com os princípios norteadores do Estatuto da Cidade. O Estatuto da Cidade, sob o viés constitucional, deve ser caracterizado pela gestão participativa, a qual passa a ser obrigatória para o processo de elaboração, avaliação e revisão dos planos, estimulando e abrindo o debate para diversos setores da sociedade, para que possam contribuir com seu conhecimento. Na cidade de Balneário Camboriú, contudo, este processo foi marcado pelos interesses dos agentes do setor imobiliário. Sua secretaria de planejamento, portanto, mostra-se focada no aspecto essencialmente econômico, da construção civil (mercado especulativo), para que possa, com isso, aumentar a arrecadação municipal.

Essas medidas legislativas e, consequentes alterações, que beneficiaram o mercado imobiliário em detrimento dos princípios norteadores do Estatuto das Cidades, denota o caráter essencialmente político das sucessivas gestões municipais.

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Ao ponderar as peculiaridades econômicas, sociais, geográficas, políticas e legislativas, de Balneário Camboriú/SC, constata-se que se faz necessário utilizar-se de ferramentas que auxiliem na efetivação das políticas públicas habitacionais, tais como o patrimônio de afetação, por possuir a referida segregação patrimonial face a eventual falência do incorporador.

Considerando a pequena dimensão territorial do município de Balneário Camboriú/SC; sua alta densidade demográfica; seu produto interno bruto (renda per capita); o alto valor despendido na área da construção civil; o  número de incorporações imobiliárias ocorridas desde 2004; conclui-se que este mercado necessita de atenção especial, no que diz respeito à segurança jurídica aos compradores de unidade autônomas imobiliárias, especialmente quando  adquiridas na planta.

Ao examinar a implementação do instituto do patrimônio de afetação, na cidade de Balneário Camboriú/SC, apurou-se que o mesmo teve pouquíssima representatividade (menos de 13%), desde agosto de 2004, quando da sua instituição no ordenamento jurídico.

Diante da análise do referencial teórico discorrido neste artigo, e da pesquisa de campo aqui exposta, retoma-se a o objetivo geral e específico da pesquisa.

A questão norteadora deste artigo foi: serviria o como instrumento para a efetivação das políticas públicas de habitação? Assim, foi objetivo geral deste trabalho, analisar se o Patrimônio de Afetação serviria como instrumento para auxiliar efetivação das políticas públicas de habitação. Tem-se como objetivo específico, averiguar se as incorporadoras imobiliárias de Balneário Camboriú estão aderindo ao regime de afetação, embora o mesmo seja facultativo.

Assim, foi demonstrado que o patrimônio de afetação serve como instrumento para auxiliar na efetivação das políticas públicas de habitação, pois salvaguarda o numerário, seja público ou particular, deslocado para a consecução da obra (segregação patrimonial), não respondendo por dívidas não relacionadas ao empreendimento afetado, fato que auxilia na conquista da moradia própria e, consequentemente, na diminuição do problema público relacionado ao déficit habitacional.

Quanto ao objetivo específico, constata-se que as incorporadoras imobiliárias de Balneário Camboriú estão aderindo ao regime de afetação. Todavia, o percentual de adesão é baixo, representando menos de 13% do total das obras edificadas desde a vigência da Lei nº 10.931/2004. Denota-se, pois, que apesar do patrimônio de afetação incentivar o incorporador com regime especial tributário (RET), que na maioria das vezes o beneficia, tal fato não se apresenta como medida que desperta os interesses da grande maioria dos incorporadores imobiliários que exercem sua atividade na cidade de Balneário Camboriú/SC.

Deste modo, diante do estudo apontado, necessário se mostra averiguar, junto a algumas incorporadoras imobiliárias de Balneário Camboriú/SC, por meio de entrevistas, os motivos que ensejam, ou não, à escolha pelo regime de afetação. Ficando, portanto, tal ideia aberta para fins de aprofundamento da pesquisa aqui iniciada. 

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Sobre os autores
Augusto Marchese

Graduado em Administração de Empresas pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Pós-graduado em Direito Público. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral. Mestrando em Gestão de Políticas Públicas na Universidade do Vale do Itajaí. Membro consultivo, da comissão de Direito Imobiliário, do Estado de Santa Catarina. Incorporador imobiliário. Advogado. Professor da UNIAVAN - Universidade Avantis.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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