A justiça aristotélica e a ética no ordenamento jurídico atual

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Em meio a tantos questionamentos e reviravoltas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro, é de grande importância empreender uma viagem ao passado, a partir dos conceitos de Justiça apresentados por Aristóteles, para que se possa compreender a origem disso tudo.

RESUMO:O presente trabalho não objetiva apenas a caracterização dos tipos de Justiça apresentados por Aristóteles. Faz-se necessário, em meio a tantos escândalos de corrupção, entre outros problemas enfrentados pela atividade jurisdicional nos dias atuais, analisar a realidade ética do ordenamento jurídico brasileiro, tal como dos legais aplicadores da lei, estes que devem, acima de tudo, julgar objetivando a justiça e buscando sempre a melhor saída e resultados para a sociedade. O Filósofo apresenta em seu trabalho, aquele que acreditava ser o conceito ideal de justiça, tal como suas diversas espécies observadas na sociedade. Assim, é de grande importância que se faça a análise do fenômeno jurídico brasileiro, baseando-se em tais conceitos e espécies, a fim de despertar a atenção dos responsáveis por sua aplicação e também explanar de forma mais detalhada e através de uma visão prática os conceitos ditados pelo filósofo, relacionando-o com o ordenamento jurídico atual.

Palavras-chave: Justiça; Ética; Jurisdição.


1 INTRODUÇÃO

Diante dos diversos problemas evidenciados no mundo atual, a justiça não pode deixar de ser apresentada como dificuldade encarada na sociedade. Países que antes eram democráticos e justos, hoje são dominados por massas extremistas onde justo é apenas aquilo estabelecido pela massa dominante. A nação iraniana, por exemplo, antes da revolução ocorrida em 1979, era considerada uma nação “ocidentalizada”, até que após a Revolução ocorreu uma república baseada nos preceitos islâmicos.

Surge, a partir de uma perspectiva onde a justiça é tida como algo relativo na qual nem todos podem ter acesso, a necessidade de um estudo aprofundado do justo, partindo da visão filosófica do sistematizador da justiça, Aristóteles. Compreendendo o conceito e as espécies de justiça, poder-se-á então relacionar com a ética, entendendo-se o motivo da justiça como algo relativo.

Assim, em meio a tantos escanda-los de corrupção dos dias atuais, faz-se portanto necessário analisar a realidade ética do ordenamento jurídico brasileiro, tal como dos legais aplicadores da lei, estes que devem acima de tudo, julgar objetivando a justiça e buscando sempre a melhor saída e resultados para a sociedade. Aristóteles apresenta em seu trabalho, aquele que acreditava ser o conceito ideal de justiça, tal como suas diversas espécies observadas na sociedade.

A partir disto é de grande importância que se faça tal análise baseando-se em tais conceitos e espécies, a fim de despertar a atenção dos responsáveis por sua aplicação e também explanar de forma mais detalhada e através de uma visão prática os conceitos ditados pelo filósofo, relacionando-o com o ordenamento jurídico atual, para completar, ainda será feito uma relação com o direito penal, este que se mostra mais presente nos casos em discussão, haja visto que, a maioria das ações tidas nestas, tem repercussão e incidência do direito penal.

Também será feito um paralelo, com os tipos de justiça e os códigos penais que tiveram vigência na história, tais como o código de Hamurab, também conhecido como “olho por olho, dente por dente” e o atual código penal brasileiro, a fim de compreender a aplicação da justiça aristotélica no direito brasileiro, mais especificadamente no ramo do direito penal, onde o uso desta se faz de imensa necessidade haja visto, a grande responsabilidade tida pelo mesmo não apenas no Brasil, mas em outros países tal como os Estados Unidos da América onde é observada inclusive a pena de morte como sanção.

Para construção de tal artigo, utilizou-se a metodologia da pesquisa exploratória e bibliográfica. Conforme aponta Gil (2002), para isto, desenvolveu-se o mesmo com base em materiais já elaborados tais como livros, periódicos e materiais disponibilizados na internet.


2 COMPREENSÃO DOS FATOS HITÓRICOS QUE CONTRIBUIRAM PARA A FORMAÇÃO DA JUSTIÇA ARISTOTÉLICA

Aristóteles nasceu em 384 a.C., na antiga cidade de Estágira, vindo a óbito no ano de 322 a.C. Seu pai, Nicômaco foi médico do rei Amintas, fator que estabeleceu circunstâncias favoráveis para seus estudos, pois, de acordo com Mascaro (2014), Aristóteles tinha como elemento fundamental de sua reflexão a experiência, a prática, que foi observada a partir da observação de seu pai trabalhando.

Em Bittar (2010), é mostrada que Aristóteles foi discípulo de Platão, onde este possuía pensamentos filosóficos mais voltados ao campo do idealismo, enquanto aquele se voltava ao saber prático. Aristóteles foi responsável por aprofundar temas sociais, como pode ser visto em suas obras Politica e Rethorica.

Em sua obra, Mascaro (2014) ensina que Aristóteles é considerado como o maior sistematizador de toda a filosofia e sua história, possuindo um caráter de pensamento lógico e estruturado. Ainda em Mascaro (2014), fala-se do motivo que levou Aristóteles a abordar o contexto de justiça, onde o filósofo fez um estudo acerca de mais de cem constituições de sua época, fazendo uma “Constituição perfeita” para Atenas. Bittar (2010) fala que “a justiça, assim definida como virtude (dikaiosýne), torna-se foco das atenções de um ramo do conhecimento humano que se dedica ao estudo do próprio comportamento humano”.

Por fim, podemos concluir que as teorias de Aristóteles se mostram como uma soma de todos os ensinamentos apresentados na Grécia antiga, somados aos seus estudos de constituição e de realidade das sociedades com as quais tinha contato, como podemos observar a nas palavras de Bittar (2012), onde o  mesmo fala que as obras do filósofo congregaram elementos que foram reunidos por séculos, onde constavam conhecimentos pré-socráticos, socratismos, sofistas, entre outros e que de tal reunião junto as opiniões, a experiência prática e os problemas da sociedade é que o mesmo conseguiu então apresentar sua teoria, e definir suas acepções a respeito da justiça


3 CONCEITUAÇÃO DA JUSTIÇÃO ARISTOTÉLICA E CARACTERIZAÇÃO DAS DIVERSAS ESPÉCIES

Em sua obra “Ethica Nicomachea”, Aristóteles apresenta seu conceito de justiça, acrescentando ao texto também suas diversas espécies. Logo no primeiro capítulo do livro V, o filósofo define justiça como “aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo”, um pouco depois o autor define o homem justo como aquele que respeita a lei, ou seja, que age de acordo com os preceitos definidos pela sociedade. A justiça é definida assim, como a virtude completa, sendo ela a maior das virtudes e que se desenvolve a partir da ação prática do homem.

Para dar uma visão mais detalhada do tema, Aristóteles define algumas acepções do termo justiça, entretanto como dito por Bittar (2010), o autor não cria outros conceitos de justiça, apenas analisa em uma ótica mais ampla, as diversas formas que o termo justiça é utilizado nas sociedades. O filósofo define então duas espécies que poderíamos didaticamente chamar de “principais”, são elas o justo total e o justo particular, onde o primeiro é possível ser definido como a observância da lei, ou seja, o respeito às leis vigentes na comunidade, haja visto, que estas leis são criadas com o objetivo comum, o bem da comunidade, também chamado de Bem Comum.

Já a segunda espécie, Bittar define como a “justiça na relação entre particulares”, ou seja, é o que podemos chamar de “boa-fé” entre as relações particulares. O mesmo autor, também afirma, apesar de serem justos diferentes, estão ligados, e que esta, é espécie do justo total, pois para o injusto particular também viola a lei, praticando também a injustiça total, tal como, em uma relação justa entre particulares, objetiva-se também um fim ideal que venha a beneficiar ambos, logo este benefício também seria bom para a sociedade, como um todo.

O justo particular se subdivide ainda em mais duas outras espécies, são estás o justo particular distributivo, que se refere a atribuição correta de bens, honras, cargos, deveres e outros pontos aos membros da comunidade de acordo com o que lhe é cabido por sua participação na mesma, esta que se faz de forma. E em segunda espécie temos o justo particular corretivo, onde este a relação se dá em casos de perda, ou seja, a restituição da situação inicial, através de uma proporção aritmética.

Aristóteles também aborda outras duas definições de justo, que poderíamos dizer estar ligados ao direito natural e ao direito positivo assim, podemos relacionar o justo natural como aquele que está além de qualquer opinião ou vontade e até mesmo, da existência do homem, já o justo legal, é aquele que advém da vontade do legislador e daquilo que este definir como certo. O filósofo também insere outros pontos em sua obra, ambos que serão abordados no tópico seguinte a partir de uma visão mais prática, a ação do jurista.


4 RELAÇÃO ENTRE A JUSTIÇA ARISTOTÉLICA E A ÉTICA JURÍDICA

É possível qualificar o juiz como um aplicador do chamado justo corretivo, haja visto que, neste aplicador da lei, busca corrigir, ou melhor, solucionar as questões a ele levadas. O juiz também pode ser definido segundo Bittar (2005) como a “justiça animada”, pois é ele quem a exerce aplicando-a a sociedade e seus conflitos, independente de qual seja a situação e as partes. Diante disto, temos como um dos princípios da atividade jurisdicional, a chamada Imparcialidade, na qual o juiz deve executar sua função de forma imparcial, mantendo igual distância das partes e não beneficiando uma destas por motivos alheios aos expostos e fundamentados pela lei.

O juiz deve, portanto, basear-se nos motivos apresentados, julgando de acordo com a lei os casos apresentados, demonstrando ética e respeito. Porém nem sempre a igualdade apresentada pela lei é a correta, podemos observar em constituições anteriores como o famoso código do “Olho por Olho e Dente por Dente”. Cabe então ao juiz aquilo que Aristóteles definiu como a espécie de justiça que está acima da própria justiça e que, portanto, deve reger a atividade ética não apenas do jurista, mas também do legislador, a chamada equidade, esta que é também intitula pelo filósofo como a virtude maior.

A partir dela o juiz deverá solucionar os casos interpretando a lei e adequando-a ao caso em questão, não se baseando em outros, mas sim a este e na ausência de lei aplicável ao caso ele não pode se omitir, deverá agir e decidir da melhor forma possível para este conflito. Portanto o juiz deve sempre ser justo e agir da melhor forma, julgando o caso não com outras intenções ou com interesse, mas com a responsabilidade a ele cabida e também aplicando a equidade, interpretando e adequando a lei, decidindo da melhor forma para a solução do conflito.

“Recorrendo à lei encontrará o parâmetro democrático do seguro julgamento; recorrendo ao caso encontrará o fermento de um litígio perpetuável e abundantes elementos em meio aos quais encontrará a semente para decisão; recorrendo à equidade encontrará uma forma de adaptar as agruras e as estreitezas da lei às necessidades das partes que reclamam justiça [...]” (BITTAR, 2005)

Entretanto, tal ética e justiça não devem se limitar apenas ao juiz, mas a todos os que desenvolvem a atividade jurisdicional, fazem presente aí, não apenas os advogados, os promotores e os agentes públicos, mas também aqueles que exercem cargos públicos. Todos devem assim exercer sua função diante não apenas do ordenamento jurídico brasileiro, de forma ideal para que se chegue ao que Aristóteles chama de fim útil, ou seja, a felicidade geral. 

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5 A JUSTIÇA ARISTOTÉLICA E A HISTÓRIA DO DIREITO PENAL, A NECESSIDADE DA EQUIDADE NA APLICAÇÃO DE SANÇÕES

Ao analisarmos a história do fenômeno jurídico, é possível a observação de inúmeras formas de tentativas de reparação de danos, não apenas no que se fala do direito penal, mas de todos os ramos do direito, não apenas brasileiro. Falando especificamente do ramo penal, temos como principal exemplo na história, o código de Hamurabi, o famoso “olho por olho e dente por dente”.

Observando as sanções presentes neste código a partir de relatos históricos, encontramos inclusive a pena de morte como sanção de morte para crimes de assassinato, a perda da mão por crimes de roubo, entre outros. Para autores penalistas como Magalhães Noronha (apud GRECCO, 2015) o direito penal iniciou-se como uma vingança, ou seja, era tido como “compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça”.

Assim, observa-se que o direito penal em seu início não tinha caráter de ação justa, mas sim, uma forma de revidar ao mal causado. O autor ainda divide tal vingança em três, são elas a privada, a divina e a pública. Portanto, nesta fase é possível a observarmos a falta de uma virtude que Aristóteles julga ser superior à própria justiça, a chamada equidade, já comentada nos tópicos acima.

Para tal, nos remetemos a um importante principio do direito penal brasileiro atual, o principio da proporcionalidade, que para Grecco (2015), é uma forma de se remeter as normas da antiguidade, onde tal principio define que as penas devem ser proporcionais à gravidade da conduta, entretanto há ainda em nosso ordenamento jurídico brasileiro, uma limitação para o mesmo principio, a chamada razoabilidade, onde esta é uma forma de controle da proporcionalidade, pois define que nem tudo que é proporcional se mostra razoável, por sua vez, justo.

No que se refere ao direito penal, define-se como funções deste, a proteção dos bens jurídicos e o exercício do controle social, tendo como principal objetivo, o controle das diversas situações de conflito e a proteção dos bens de interesse à sociedade, assim, observamos então uma manifestação da chamada justiça total, onde as sanções impostas pelo direito penal, tal como as seus dispositivos, criado pelo poder legislativo, buscam através da proteção de bens, o bem comum da sociedade, defendendo os interesses de cada um.

Entretanto, na atividade jurisdicional, ainda podemos observar uma outra espécie de justiça aristotélica a particular, sendo mais especifico, o justo particular corretivo, pois durante a analise do caso, e posteriormente na sentença, o juiz buscará reparar de forma possível, o dano causado pelo crime praticado e previsto no código.  Utilizando-se como já comentado da Equidade, para que aplique devidamente a sentença ao caso em questão, analisando todos os fatores envolvidos.

Busca-se a partir da sentença uma reparação do dano causado, onde o juiz, através da sanção, punirá o individuo de forma que deverá formar uma relação de proporcionalidade e razoabilidade entre a sentença estipulada para o crime e a situação em que ocorreu o mesmo. Para isso podemos usar como fundamento a chamada dosimetria da pena, ou seja, os requisitos a serem analisados para a estipulação da pena, onde são observadas pelo juiz as chamadas circunstâncias judiciais, o que levará o mesmo definir a pena base a partir do mínimo e máximo estipulados pelo dispositivo e os fatores envolvidos

No que se fala mais especificadamente no direito penal brasileiro, observa-se que o legislador, de forma razoável e utilizando-se da equidade, para com as situações, onde viu que o exagero nem sempre se torna solução, proibiu constitucionalmente tal como dispõe o Art. 5º XLVII da Constituição de 1988, onde este proíbe a pena de morte e a pena perpétua, a fim de respeitar o principio da proporcionalidade e seu limitador, o principio da razoabilidade, pois nem tudo que é proporcional é razoável, tal como as penas iguais aos crimes, como morte por ter cometido assassinato.

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Sobre os autores
João Gabriel Mendes Penha

Aluno do 3º período do curso de Direito, da UNDB

Thales da Costa Lopes

Professor, orientador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado à disciplina de Filosofia do Direito I da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

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