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Fronteiras entre o direito público e o direito privado

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28/12/2005 às 00:00
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6. Conclusão

A inter-relação entre os principais ramos do Direito não implica, como querem alguns, a absorção do Direito Privado pelo Direito Público. Conquanto seja inegável a crescente constitucionalização do Direito Civil, também não se exclui a aplicação de regras de Direito Privado nas atividades praticadas pelo Estado. É certo que os vários institutos do Direito Privado devam ser interpretados e aplicados à luz do Texto Constitucional, pois neles se contém um interesse que extravasa o simples interesse dos particulares. Tal ocorre particularmente no contrato, na propriedade e na família, institutos históricos da ordem privada.

O exacerbado individualismo com que aqueles institutos foram concebidos e entrevistos ao longo da história não se sustenta diante da visão social do fenômeno jurídico, cada dia mais comprometido com a ordem pública. O Estado interveio nas situações privadas para assegurar o equilíbrio, mas logo percebeu que algumas de suas funções poderiam ser atribuídas ao particular, sob o pálio das normas privadas. Não deve causar perplexidade ao juspublicista o fato de sua disciplina sofrer a incidência da norma privada.

Essa relação de proximidade entre os dois ramos torna permeáveis suas fronteiras, permitindo a ambos acessar o terreno um do outro. Essa possibilidade não desmerece nem um nem outro ramo; antes os valoriza e enriquece, tornando-os mais ágeis na consecução de seus fins. Mais importante do que buscar a delimitação exata entre os campos jurídicos é saber que a indefinição das fronteiras é sintoma salutar, porquanto revela a adequação do Direito às complexas e infindas necessidades sociais.

É lícito afirmar esteja o Direito Civil em crise, mas a isso não se furta nenhuma das disciplinas jurídicas, mesmo as de Direito Público. Afinal, se o Direito é a vontade constante e permanente de dar a cada um o que é seu e se a sociedade é uma estrutura em perene modificação, deverá o Direito conformar-se a essas mudanças. Isso explica a adoção de novos paradigmas e visualizar a norma privada à luz do interesse público, assim como perseguir os escopos do Estado através do sistema privado, faz parte dessa realidade.


7. Referências Bibliográficas

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_________________ A Disciplina Civil-constitucional das Relações Familiares, in Temas de Direito Civil. org. do autor. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 352;


Notas

01Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. pp. 133 e ss.

02Introdução ao Estudo do Direito. 19. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2000. p. 98;

03 Relações de coordenação são aquelas que se estabelecem entre partes posicionadas num plano de igualdade. A idéia baseia-se no princípio da autonomia da vontade, segundo a qual os contratantes, respeitadas as disposições legais, são livres para manifestar sua vontade e criar obrigações jurídicas. Não há prevalência de vontade nem relação de subordinação ou hierarquia entre um e outro contratante. O contrato é entendido como instrumento de realização de interesses, de tal forma que as partes, ao ajustarem, buscam o acesso a um bem da vida. No Direito Público, prevalece a subordinação, dada a preponderância do Estado sobre o particular;

04Lições Preliminares de Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 336;

05 Constitucionalização do Direito Privado.

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Revista da Faculdade de Direito da FMU, São Paulo, 2003, nº. 25, p. 56;

06O Direito Privado e suas atuais fronteiras. trad. Maria Cristina de Cicco. Revista dos Tribunais, v. 747, jan.1998, p. 42;

07

Veja-se o quadro que se delineia: A Revolução Industrial é um inferno para o ex-artesão ou camponês. Ele perde a independência, é o patrão quem decide o que produzir, como e quando. A jornada de trabalho atinge até 17 horas diárias, seis dias por semana. Só em 1810 uma lei inglesa a reduz, no caso das mulheres e crianças, para dez horas. Não há descanso remunerado, férias, aposentadoria, amparo em caso de doença ou acidente. Os lares operários lembram nossas favelas. A alimentação é a base de batatas, não raro só batatas. O jovem Engels descreve o quadro em "A situação da classe operária na Inglaterra" (1845): nas cidades industriais, metade das crianças morre antes dos cinco anos. Morre também o grêmio corporativo, multissecular forma de organização dos trabalhadores. A perplexidade e o desespero contagiam a classe recém-nascida. Miséria, mendicância, alcoolismo, prostituição, criminalidade e suicídios se alastram (www.vermelho.org.br. Sítio consultado em 18.ago.2004);

08Do Estado Liberal ao Estado Social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 188;

09Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. in Temas de Direito Civil. 2. ed. Org. TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 8;

10 PINTO, José Emílio Nunes. jus.com.br/revista/doutrina/texto. Sítio consultado em 20.08.2004).

11 GIORGIANNI, Michele, op. cit., p. 52;

12 Uma Década de Constituição 1988- 1998. org. Margarida Maria Lacombe de Camargo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 115;

13Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 540. trad. Vera Maria Jacob de Fradera;

14 "CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art.52, § 1º, do CDC. Aplicabilidade. Interpretação sistemática e teleológica. Eqüidade. Função social do contrato.- É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no §1º do art. 52, § 1º, do CDC". (STJ, 3ª. Turma, RE 476649-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.11.2003, DJ 25.2.04, p. 169);

15Derecho Civil. trad. MANTEROLLA, S. C. Buenos Aires: Europa-America, 1952; Tomo I, Volume 3. p. 104;

16 Idem, p. 105;

17Curso de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p. 243;

18 Idem, p. 243;

19apud NEVARES, Ana L. M. Entidades Familiares na Constituição: críticas à concepção hierarquizada, in Diálogos sobre Direito Civil: construindo a racionalidade contemporânea. org. RAMOS, Carmem L. S. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 295;

20 TEPEDINO, G. A Disciplina Civil-constitucional das Relações Familiares, in Temas de Direito Civil. org. do autor. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 352;

21 PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 178-179. trad. Maria Cristina de Cicco;

22 GAMA, Guilherme C. N. Filiação e Reprodução Assistida (introdução ao tema sob a perspectiva civil-constitucional), in Problemas de Direito Civil-Constitucional, coord. TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. pp. 516-517;

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Sobre o autor
Roberto Wagner Marquesi

mestre em Direito, professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Civil da Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUESI, Roberto Wagner. Fronteiras entre o direito público e o direito privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7788. Acesso em: 24 abr. 2024.

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