Reforma trabalhista e a valorização do negociado sobre o legislado

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17/11/2019 às 15:24
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3– NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

O Congresso Nacional, em 2017, aprovou uma série de modificações no texto da CLT, medidas estas que impactaram diretamente os direitos sociais dos trabalhadores, com o fundamento de que as leis deveriam ser adequadas ao novo contexto social.

Dentre as inovações da Lei 13.467/2017, foi a inserção do artigo 611-A, que privilegiou o negociado sobre o legislado.

Para Pedro Mahin, “o propósito da alteração legislativa é evidente: restringir ao máximo o exercício do controle de legalidade e de constitucionalidade de convenções e acordos coletivos de trabalho pela justiça do trabalho”. Isso por que, ao privilegiar o negociado sobre o legislado, também se restringirá a intervenção da justiça do trabalho nos acordos pactuados entre empregados e empregadores, assim encobrindo o discurso de que quanto menos intervenção (direitos), mais o trabalhador teria um mercado de trabalho amplo e vasto.

- Negociado sobre legislado antes da Reforma Trabalhista

Antes da promulgação da Lei 13.467/2017, já se permitia a possibilidade da aplicação da negociação coletiva de trabalho para beneficiar os trabalhadores, em casos não previstos em lei ou naqueles que já se tinham lei regulamentadora, no entanto, precisavam ser complementados.

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu artigo 7º, inciso XXVI, a valorização da Negociação Coletiva, com a finalidade de democratizar e permitir que os trabalhadores pudessem participar das decisões que criavam normas que a eles seriam aplicadas de forma a favorecer seus direitos.

No entanto, excepcionalmente permitiu a flexibilização prejudicial em dois casos: salário e jornada. Destaca Sérgio Pinto Martins, que assim, já prevalecia o negociado nos casos elencados nos incisos VI, VIII, XIV e XXVI, mesmo antes do advento da Reforma Trabalhista.

No tocante aos Tribunais, havia uma divergência de posicionamento. O Tribunal Superior do Trabalho se posicionava a favor das Negociações Coletivas desde que houvesse contrapartidas compensatórias ao trabalhador quanto ao direito discutido, caso contrário, se negava, por entender que não passava de retirada de direito assegurado anteriormente por lei.

Já para o Supremo Tribunal Federal, após alguns julgamentos relevantes, ficou clara a prevalência do negociado sobre o legislado, sob a ótica de que a condição de hipossuficiência do empregado não existia no âmbito das relações coletivas de trabalho, determinando equivalência dos contratantes (empregadores e categoria de empregados) permitindo assim que fossem possíveis acordos ou convenções entre eles.

3.2 - Prevalência do negociado sobre o legislado com a promulgação da Reforma Trabalhista

Com o advento da Lei 13.467/2017, foram trazidos para o nosso ordenamento jurídico novas normas que dispõem sobre os direitos dos trabalhadores, a fim de adequar as leis as novas relações de trabalhos.

A aludida lei introduziu os artigos 611-A e 611-B, que disciplinam sobre a prevalência do que for pactuado em âmbito de Acordo Coletivo de Trabalho (Sindicato de Trabalhadores e empresa) e Convenção Coletiva de Trabalho (entre sindicato dos trabalhadores e sindicato patronal), sobre o legislado.

Neste sentido o artigo 611-A, trouxe um rol exemplificativo, de matérias em que os acordos coletivos prevalecerão sobre a lei, mesmo que esta convenção ou acordo estabeleçam condições menos favoráveis aos trabalhadores, sendo que as principais se referem a: Jornada de Trabalho, observados os limites constitucionais; bancos de horas anual; intervalo intrajornada, respeitando o mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; teletrabalho, sobreaviso, e trabalho intermitente; remuneração por produtividade, incluindo as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho do empregado; modalidade de registro de jornada de trabalho; troca do dia de feriados, dentre outras modificações.

No entanto, o artigo 611-B, veio para vedar a possibilidade de negociação coletiva de determinados assuntos de forma taxativa, de matérias cuja lei impede qualquer supressão ou redução de direitos dos trabalhadores. São eles: concessão de licença maternidade com duração mínima de cento e vinte dias; concessão de seguro desemprego, em caso de dispensa involuntária; valor dos depósitos mensais, e da indenização rescisória do FGTS; número de dias de férias devidas ao empregado; gozo de férias remuneradas anuais com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal; remuneração do trabalho noturno superior ao diurno; repouso semanal remunerado, dentre outros.

A justificativa para referidas modificações pode ter sido pautada em razão do projeto de lei n° 6019, por meio do qual se traz a ideia de valorização das vontades das partes, porém citados artigos deturpam a função da negociação coletiva prevista no artigo 7º da Constituição Federal, posto que a inovação legislativa somente poderia prosperar para beneficiar os trabalhadores.

Ressalta-se, ainda, que, em relação à introdução do § 3º ao artigo 8º da CLT, quanto à interpretação das normas coletivas, há determinação no sentido de proibir aos magistrados a apreciação dos conteúdos materiais ligados à natureza normativa, uma vez que deverão atuar sempre em observância ao princípio da interferência mínima com relação as decisões coletivas.

Assim sendo, caberá ao judiciário somente a análise dos conteúdos de natureza contratual das normas coletivas, assim elucidados pelo artigo 104 do Código Civil Brasileiro.

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4 – Considerações Finais

Desde o surgimento do direito do Trabalho até os dias atuais, busca-se a proteção do empregado. Pode-se verificar que os princípios que norteiam o mencionado ramo possuem basicamente a ideia única de resguardar o trabalhador de possíveis prejuízos causando pelo empregador, seja ele financeiro ou psicológico.

Contudo, a prevalência do negociado sobre o legislado não é uma inovação na seara jurídica. O presente instituto foi criado segundo a ideia basilar da proteção, assim essa possiblidade sempre foi permitida na acepção de favorecer a classe obreira com concessão de direitos não previstos na legislação, ou seja, para aumentar o patamar mínimo de direitos estabelecidos pela lei.

Ao proceder no estudo, resta concluir que, com a promulgação da Reforma Trabalhista e a inserção do art. 611- A e 611-B, o legislador firmou, como principal objetivo, a redução de direitos da classe obreira, sem qualquer tipo de proteção, contrariando totalmente o que era estabelecido.

Nesse contexto, a permissão pela legislação da retirada de direitos dos trabalhadores acarretará um significativo prejuízo, podendo surgir no meio laboral empresas com condições precárias.


5 - Referências

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PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito sindical e coletivo. São Paulo, Ltr, 1998.

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Artigo apresentado ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Direito do Trabalho e Previdenciário da UNIVIÇOSA, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista.

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