A opção por um tratamento sem sangue x o direito à vida.

O caso das testemunhas de Jeová e a aparente colisão dos direitos fundamentais

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19/11/2019 às 15:34
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4. DIREITO DE AUTONOMIA SOBRE O PRÓPRIO CORPO

Nossa Constituição Federal nos seu artigo 5º, incisos II, VI e X garantem o direito à liberdade de consciência e de crença, e à privacidade. Em uma questão de lógica conforme podemos verificar em doutrinas, isso remete ao que o ser humano poderá fazer com o seu próprio corpo.

Se tratando do corpo da pessoa, compete tão somente a ela como paciente decidir qual o melhor tratamento, qual mais apropriado a sua conduta, e consciência, não cabendo assim a opinião pública, nem ao Poder Judiciário, pois conforme se tratar do próprio corpo, qualquer outra decisão que não da pessoa, seria tratamento de forma subjetiva. Portanto ao tomar decisão relativas à saúde do paciente, são os valores do paciente que devem determinar qual tratamento deverá ser seguido.

4.1 Liberdade e Autonomia

O direito à liberdade e autonomia acima de tudo religiosa não está restritamente ligado a adoração da divindade particular da pessoa ou templos religiosos, mas abrange, contudo, esquivar-se de todas as formas que o torna impuro perante suas crenças e sua consciência religiosa. Não importando assim de se mostrar diferente de qualquer posicionamento, pois,

A liberdade religiosa consiste num feixe de direitos públicos subjetivos, consagrados pela tradição, pelo direito comparado, e pelo direito constitucional positivo brasileiro como fundamentais. Essencialmente, é ela o direito de cada ser humano ter sua religião, por escolha livre, segui-la livremente nos seus mandamentos, prestar estes, o seu culto à divindade sem ingerência.15

Todavia, vale salientar, que as Testemunhas de Jeová não são contra tratamentos médicos. Muito distante disso, uma vez que elas até mesmo realizam várias pesquisas na área da saúde para contribuir com a ciência. Elas aceitam quase que todos os tratamentos médicos realizados no mercado da medicina hoje em dia, porém somente querem se resguardar de um mandamento bíblico. Assim, não se trata de uma recusa de tratamento médico, mas sim de uma opção por uma consciência religiosa de não aceitarem o sangue como tipo de tratamento.

4.2 A autonomia da Constituição

Apesar do poder marcial da Constituição Brasileira perante as leis geral, existem os que defendem estar dentro do artigo 135 (omissão de socorro) e 146, § 3º( constrangimento ilegal) do código Penal Brasileiro a base legal para se impor uma transfusão de sangue indesejada.

Ademais, é lógico e fundamentalmente jurídico o corolário de que aqueles direitos garantidos constitucionalmente não podem estar subordinados a nenhuma outra norma legal. Uma vez que o Poder Legislativo é produto da Constituição, e que o código Penal é uma promulgação do Poder Legislativo, tão logo os dispositivos do Código Penal em sua base hierárquica são inferiores às garantias da Constituição.

Aferindo Há quaisquer incoerências entre os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, e os deveres ou obrigações criados pela legislação comum, tais como o Código Penal, o menor deve se submeter perante a Constituição como sendo maioral em questão de hierarquia nas leis.

Assim, em posicionamento das garantias constitucionais da liberdade, e claramente da liberdade religiosa, não podemos permitir que as obrigações alegadamente impostas aos médicos pelo artigo 135 do Código Penal, assim como também a interpretação dos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica vigente atropelem a nossa maior conquista, o maior dos poderes, nossa Constituição, nossos direitos adquiridos como direitos fundamentais do ser humano, de autonomia sobre o próprio corpo e de liberdade religiosa.

4.3 Direito de recusa e escolha de tratamento médico

4.3.1 Preservação da vida

O conflito eminente das Testemunhas de Jeová na recusa do sangue nos tratamentos que envolvam transfusão de sangue homólogo em virtude de suas crenças traz levanta o tema fundamental e polêmico: o direito do paciente perante a escolha terapêutica dentro da Constituição Federal V.S. legislação brasileira.

Este posicionamento tem mostrado que as Testemunhas de Jeová são pacientes que prezam por sua vida, pois procuram de maneira espontânea por tratamento médico quando necessitam. Não acreditando assim em "curas pela fé" ou em "autoflagelação" e nem reivindicam o "direito de morrer" para solucionar seus males, como de forma sensacionalista e obstinada como vez por outra se alega, mas apenas desejam assim como todos, receber um tratamento médico de qualidade, porém sem o uso de sangue.

De acordo com o princípio do Consentimento Informado vimos que, antes de uma intervenção, o médico deverá esclarecer ao paciente os benefícios e riscos da terapia a ser aplicada (bem como alternativas), deixando que o paciente expresse seu consentimento ou não para o que considera ser o mais adequado aos seus interesses.

O direito ao Consentimento Informado está bem consagrado no nosso ordenamento jurídico brasileiro, a principiar por princípios constitucionais como a Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Legalidade (CF arts. 1º, III; 5º, caput e II).

O Princípio Da Dignidade da Pessoa Humana esclarece quanto ao fundamento do princípio do Estado de Direito e se vincula a atividade médica. E inexiste dignidade sem autonomia, deverá ser concedido ao paciente o direito de poder fazer suas escolhas terapêuticas de acordo com seus valores pessoais e religiosos.

Um comentário feito por, ALEXANDRE DE MORAIS descreve que "o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como consequência imediata da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil."

Por conseguinte, o paciente tem total direito de se opor a um determinado tratamento médico se fundamentando no artigo 5º, II da Constituição Federal, que declara que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, salvo em virtude de lei. No caso em suma, como não há lei que rege a obrigar o paciente a de opor a transfusão de sangue como tratamento para determinados casos, a recusa será legítima e deverá ser respeitada. Ademais, um dispositivo legal neste sentido seria uma afronta tendo em vista os métodos de tratamentos médicos alternativos existentes, inclusive para necessidades emergências.

Desta forma são vários os motivos que levam o paciente a recusar o tratamento sem sangue. Dentre ele, podemos verificar de ocorrer do paciente não sentir total confiança em determinado médico ou hospital, ou que não queira sofrer as reações dolorosas de uma quimioterapia, ou que ainda pretenda consultar a opinião de outro profissional, etc. Seja assim como for, a nossa legislação garante o direito de escolha e recusa de tratamento médico para qualquer pessoa, independente do que motiva a decisão.

Caso seja a motivadora da escolha terapêutica em determinada situação for à convicção religiosa do paciente, o direito legal ao Consentimento Informado devera assim como nos demais casos ser preservado. Pois do contrário, configuraria uma forma odiosa de intolerância religiosa, há muito abolida do nosso ordenamento jurídico. Pois o direito do paciente que não aceita sangue por convicções religiosas não se diferencia de qualquer outro direito fundamental de nosso.

Afinal, mesmo que não seja a opção terapêutica prevalecida pela equipe médica, prevalecerá a vontade do paciente acima da decisão puramente técnica e profissional, por força dos preceitos constitucionais e legais já considerados.

Como já dito anteriormente que CANOTILHO, consideram existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte um (paciente) colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro (médico). Os direitos fundamentais de um nenhum dos lados não podem ser excluídos entre si, devendo ser harmonizados, sob pena de se sacrificar o princípio maior da dignidade da pessoa humana.

Contrariando totalmente a impropriedade da tese de colisão de direitos fundamentais (direito à vida x direito à liberdade religiosa) notadamente ao caso das Testemunhas de Jeová que recusam transfusão de sangue homólogo, assim ensina o jurista NELSON NERY JUNIOR:

"Ocorre, entretanto, que essa propalada colisão é um falso problema, na exata medida em que a colisão de direitos fundamentais em sentido estrito [consoante evidenciado na citação acima transcrita do maior expoente da teoria da colisão dos direitos fundamentais, ROBERT ALEXY] somente ocorre quando a realização de um direito fundamental, no caso a liberdade religiosa, causar dano ou repercussão negativa no direito fundamental de outrem."16

Ademais, quando um paciente escolhe por se abster de tratamento com sangue em razão de sua convicção religiosa, isto em nenhum momento afeta direitos fundamentais de terceiros, de maneira que não se deve falar em colisão entre direitos fundamentais.


5. MEDICINA TRANSFUSIONAL

Tendo em vista que a intervenção médica que se discute no caso paciente Testemunha de Jeová é a transfusão de sangue, a incerteza da prática médica ajudará a colocar a verdade sobre essa terapia em seu contexto adequado. Apesar do grande avanço da ciência médica, a medicina parece ainda ser uma arte sujeita a nuanças subjetivas, como se pode perceber nas seguintes citações;

Poucos afirmariam que a medicina é uma ciência exata, todavia muitos comentaristas fazem observações sobre a indisposição dos profissionais de saúde de considerar com seus pacientes as incertezas inerentes no diagnostico, no prognostico e nos possíveis tratamentos. As explicações desta virtude variam da insistência em manter o controle e o domínio profissional á eficácia terapêutica em potencial da confiança inquestionável no tratamento, tanto por parte do paciente como do profissional.

Acredita-se que o tempo médico de vida da verdade em medicina seja de oito anos. O que significa dizer que metade do que foi ensinado durante o curso médico e na residência deixa de ser verdade em oito anos.17

As incertezas sobre as práticas médicas crescem na medida em que se constata que as opiniões sobre como tratar determinados problemas de saúde são muito variadas. O entendimento sobre tratamento necessário ou indispensável, numa certa situação, varia de um certo profissional para outro.

Diz-se, ainda que os profissionais de saúde frequentemente refletem seus próprios valores ao preferir um tratamento alternativo a outro.

5.1 A incerteza das transfusões de sangue: Riscos da transfusão de sangue

Na última década, alguns estudos descobriram que, distante de salvar vidas, as transfusões de sangue podem consequentemente colocar em risco a vida dos pacientes. Recentemente, um grupo de cirurgiões e anestesistas está pondo em questionamento se o procedimento deve ser realmente ser adotado livremente como está acontece hoje.

"Habitualmente, quando ocorre uma incerteza clínica decorrente de um tratamento, você não o administra, mas nós continuamos aplicando a transfusão," diz o Dr. James Isbister, do Royal North Shore Hospital, na Austrália.

5.1.1 O problema está no sangue

Atualmente, um novo estudo realizado por médicos ingleses, não há nenhuma pesquisa que demonstre que a transfusão de sangue tenha benefícios, exceto se o paciente está com um quadro hemorrágico que não possa ser estancado. Segundo o Dr. Gavin Murphy, do Bristol Heart Institute, o que há são vários estudos alertando para os perigos da transfusão de sangue.

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Este mesmo estudo avaliou outra série de outras pesquisas médicas já publicadas, mostrando que o problema não se encontra com o risco de se contrair uma infecção, ou doenças como a AIDS ou a hepatite - o maior problema está no próprio sangue.

5.1.2 Transfusão de sangue e o aumento da taxa de mortalidade de pacientes

Inúmeras das pesquisas atualmente mostram que as transfusões de sangue, principalmente as que contêm glóbulos vermelhos, estão diretamente ligadas a alta taxa de mortalidade em pacientes que durante a aplicação do sangue tiveram choque hemofílico e tiveram um ataque cardíaco, que passaram por cirurgias cardíacas ou que estão em estado crítico.

De igual natureza entre a transfusão de sangue e a alta taxa de mortalidade ainda é incerta, mas tudo apontam para alterações químicas no sangue já envelhecido após retirada do ser humano, o impacto que decorre no sistema imunológico e para a capacidade do sangue em transportar oxigênio.

5.1.3. Os riscos da transfusão é maior do que risco de infecção

Por certo, as grandes maiorias dos especialistas concordam que o risco representado pela transfusão de sangue é muito maior do que os riscos de uma infecção adquirida durante a transfusão. "Provavelmente entre 40 e 60 por cento das transfusões de sangue não são boas para os pacientes," afirma o Dr. Bruce Spiess, da Virginia Commonwealth University.

As transfusões de sangue tornaram-se um elemento básico da medicina durante as guerras mundiais, quando foram utilizadas como último recurso para salvar soldados que haviam sofrido perdas de sangue. Mas atualmente, distante de estar restritas a hemorragias catastróficas, as transfusões são utilizadas dia após dia como um tratamento opcional, mais comum em pacientes que se encontram em UTIs ou passando por grandes cirurgias.

5.1.4 Riscos maiores

Tudo começou a mudar em 1999, quando um estudo feito no Canadá destacou que um número significativo menor de pacientes morria decorrente da transfusão de sangue caso eles recebessem a transfusão somente quando os níveis de hemoglobina caíam abaixo de 70 g/l de sangue, e não 100 g/l, como é costumeiro normalmente.

Um estudo recente descobriu que, pacientes que sofreu ataques cardíacos, apresentou hematócritos acima de 25%, neste caso a transfusão de sangue representa um risco de morte três vezes maior ou com um segundo ataque cardíaco num intervalo de 30 dias. (Journal of the American Medical Association, vol 292, p 1555).

A cada 9.000 pacientes que sofreu cirurgias cardíacas na Inglaterra entre 1996 e 2003, receber uma transfusão de glóbulos vermelhos está associado com um risco três vezes maior de morrer dentro de um ano, e um risco comprovado de quase seis vezes maior de morrer em até 30 dias depois da cirurgia.

Comprova portanto que transfusões de sangue também estão associadas a mais infecções e altas taxas de incidência de derrames cerebrais, ataques cardíacos e falhas nos rins - complicações normalmente associadas a uma falta de oxigênio nos tecidos.

5.2 Tratamentos sem transfusão halogênica

O relatório sobre a epidemia de AIDS apresentado pela Comissão Presidencial dos Estados Unidos revelou o erro de presumir que o que é ou tem sido uma prática habitual seja necessariamente uma prática boa. Esse relatório apresentou o seguinte resultado, analisando criticamente os padrões habituais de transfusão, aceitos durante as décadas passadas, a medida mais segura preventivamente seria a não administração de sangue de outras pessoas nos pacientes já enfermo.

A comissão recomendou que se obtenha o consentimento informado antes de administrar qualquer produto sanguíneo. Disse que a obtenção deste consentimento:

Deve incluir uma explicação dos riscos implicados na transfusão de sangue e de seus componentes, entre eles a possibilidade de contrair o HIV, bem como informações sobre terapia alternativas à transfusão de sangue homólogo. Estas incluem especificamente sangue autólogo previamente armazenado, transfusão autóloga intraoperatória, técnicas de hemodiluição e recuperação pós-operatória.18

Se o procedimento sensato e humano é obter consentimento informado do paciente ou dos pais dele antes de empregar qualquer produto sanguíneo, dificilmente poderia ser suficiente a opinião de um médico para ignorar ou negligenciar o direito à autodeterminação do paciente sobre o seu próprio corpo ou o direito dos pais de velar pela integridade familiar.

Ademais, a mesma Comissão fez a seguinte recomendação em termos mais aplicados:

Os centros de assistência médica devem implantar todas as estratégias razoáveis para evitar a transfusão de sangue de uma pessoa em outra (transfusão homóloga) e substituí-la, sempre que possível, pela transfusão de sangue do mesmo indivíduo (transfusão autóloga). As técnicas de transfusão autóloga disponíveis na atualidade incluem o pré-depósito do sangue do próprio paciente, o reaproveitamento do seu próprio sangue durante a cirurgia, técnicas de diluição sanguínea e o reaproveitamento pós-operatório para reinfusão. Os centros médicos devem empreender com afinco o treinamento de sua equipe nestes procedimentos, e o consentimento informado para uma transfusão de sangue ou de seus componentes deve incluir uma explicação do risco envolvido na transfusão e informações sobre as alternativas para a transfusão de sangue homólogo.19

Por muitos anos, as Testemunhas de Jeová tem procurado alguns métodos alternativos recomendados pela Comissão Presidencial (por exemplo, a recuperação intraoperatória do sangue, hemodiluição e alguns métodos de recuperação pós-operatórios de sangue).

É uma fato que a medicina tem cada vez mais buscado meios de evitar transfundir sangue, sendo atualmente recomendado por um crescente númeto de médicos, pois consideram que:

A literatura médica indica ampla gama de estratégicas para evitar e controlar hemorragias e anemias sem transfusões de sangue [...]. Assim, á da responsabilidade do médico considerar tais alternativas com a finalidade de proteger seus pacientes das doenças associadas às transfusões de sangue e respeitar as convicções religiosas da família.20

Ao passo que é praticamente impossível acabar com hábitos profissionais, diversas fontes mostram que se pode praticar todo tipo de intervenções cirúrgicas ou tratamento médico com bons resultados sem utilizar sangue halogênico. É o que confirmou o professor Luc Montagnier, descobridor do vírus da AIDS: “à medida que aumenta o nosso entendimento, nos damos conta que as transfusões de sangue estão com os dias contados”.21

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Sobre a autora
Hellen Flavia Santos

Possui graduação em Direito pela Faculdade Pitágoras (2016). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito de Família e Criminal. Aperfeiçoamento Instituto Pedagógico de Minas Gerais em Direito Trabalho. Especialização Instituto Pedagógico de Minas Gerais em Direito Administrativo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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