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Cidadania

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Resumo:


  • O conceito de cidadania evolui ao longo da história, passando a incluir a participação, a atuação e a busca por direitos humanos.

  • Na Antiguidade Clássica, ser cidadão significava participar dos negócios da cidade, mas era restrito a uma minoria devido a discriminações.

  • No século XX, surge o Estado Social com a constitucionalização da ordem econômica, tornando o Estado um agente econômico com intervenção positiva para garantir direitos sociais e econômicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2 - O CONCEITO ATUAL DE CIDADANIA

Em um primeiro momento, o Estado Social é, de fato, o que se denominou ´Estado Providência´, devido ao seu caráter marcantemente assitencialista, paternalista, segundo o qual deveria suprir as necessidades básicas dos excluídos do sistema econômico.

O âmbito dos Direitos Humanos se expande gradativamente, implementando-se os Direitos Sociais já conquistados com novas inserções.

Surgem os Direitos Econômicos na medida em que se desenvolve a estrutura do Estado Social, neo-liberal e intervencionista. São referentes à intervenção do Estado no domínio econômico, com vista a garantir a pretendida democracia econômica, dentre os quais pode-se citar como exemplos, os direitos de acesso ao trabalho - pleno emprego - e justa remuneração.

Os Direitos Sociais acrescidos, como acesso à educação, cultura, habitação, à previdência, visam a concretizar outros direitos, principalmente individuais, já assegurados mas não efetivados.

Os Direitos Políticos se incrementam gradualmente, não mais se restringindo ao direito ao voto, mas ao sufrágio universal masculino e feminino, referendo, plebiscito, iniciativa popular de leis, veto popular.

Evolui-se no tocante às Constituições Econômicas, isto é, os ditames constitucionais referentes à Ordem Econômica, no sentido de se integrarem, cada vez mais, os modelos liberal e socialista. Como exemplo, tome-se a Constituição Federal brasileira atual, destacando-se o art. 170, no qual, segundo o Prof. WASHINGTON ALBINO, lê-se:

MODELO LIBERAL

a) como fundamento:

- livre iniciativa;

b) como princípios:

- II. propriedade privada;

- VI. livre concorrência;

- parágrafo único (é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei).

MODELO SOCIALISTA

a) como fundamentos:

- valorização do trabalho humano e existência digna conforme os ditames da justiça social;

b) como princípios:

- III. função social da propriedade;

- V. defesa do consumidor;

- VII. redução das desigualdades regionais e sociais;

- VIII. busca do pleno emprego;

- IX. tratamento favorecido para as empresas de capital nacional de pequeno porte. (60)

A noção do Estado paternalista, com seus filhos carentes tendo suas necessidades supridas pelo assitencialismo estatal, começa a se modificar a partir da segunda metade deste século, passando-se a acreditar que o indivíduo só viveria a plenitude de sua cidadania se tivesse os meios para que fosse realmente livre. Percebe-se, então, que a liberdade somente existe a partir de efetiva construção do cidadão liberto de todas as carências básicas que o impedem de ser livre.

Requer-se, portanto, uma interpretação das modernas constituições sociais no sentido de se construir a idéia de indivisibilidade dos Direitos Humanos. Estes devem ser tomados como complementares entre si, ou seja, sem a fruição de seu todo, não se atingirá a totalidade do exercício da cidadania.

Por cidadão toma-se, então, aquele que possui e exerce todos estes Direitos Humanos, constitucional e legalmente garantidos. É aquele que não apenas vota, mas participa da construção de seu futuro, com a detenção dos instrumentos de que precisa para se autodeterminar.

Dessa maneira, o direito individual da liberdade de consciência, insuficiente por si só, vem alicerçado pelo direito social à educação, o qual possibilitará um adequado desenvolvimento intelectual e cultural gerador de capacidade crítica e de discernimento, sem o qual não se alcança um grau satisfatório de consciência livre de induções ou manipulações.

Assim sendo, os Direitos Sociais (saúde, educação, trabalho, lazer...) surgem como meio ou instrumento para que se alcancem os fins desejados, almejados pelos Direitos Individuais (liberdade, igualdade, direito à vida digna...).

Cidadão torna-se, então, aquele que possui e exerce todos estes direitos constitucional e legalmente garantidos.

Destarte formula-se o corrente conceito de cidadania, qual seja, a completa fruição e exercício dos Direitos Individuais, Sociais, Políticos e Econômicos - Direitos Humanos - garantidos no ordenamento jurídico.

Portanto não basta a garantia formal de tais direitos, mister é sua concretização. Para tanto, inevitável se faz a implementação de todos eles, visto que apenas em conjunto se podem materializar plenamente.

Desta forma, para a o perfeito exercício da cidadania, requer-se igualdade, não apenas jurídica, mas de oportunidades; liberdade física e de expressão; educação; saúde; trabalho; cultura; lazer; pleno emprego; meio-ambiente saudável; sufrágio universal e secreto; iniciativa popular de leis; dentre outros direitos que compõem o quadro dos Direitos Humanos.

À primeira vista, podem alguns Direitos Fundamentais parecer incompatíveis entre si. No entanto, embora algumas vezes preguem mandamentos contrários, como no caso de se assegurar o direito de propriedade simultaneamente à garantia de sua função social, importante se ter a noção de que não são excludentes os preceitos, mas complementares, devido à nova dinâmica de atuação do Estado Democrático.

Resta examinar os limites da extensão de cada qual, em situação concreta determinada, visto que poucos são os direitos que valem em qualquer circunstância, para todos os homens, indistintamente, insuscetíveis de limitações, suspensões, como é o exemplo da proibição da tortura. (61)

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Deve-se valer, dessa forma, do arbítrio do aplicador ou intérprete da norma, tanto a nível jurisdicional, como também administrativo. Trata-se da chamada liberdade do intérprete, ao qual se atribui o poder de resolução do conflito real que lhe apareça, segundo a oportunidade e técnicas hermenêuticas consolidadas juridicamente, além dos fundamentos e princípios constitucionais. Esta conformidade com os parâmetros consiste na fundamentação da decisão acerca da constitucionalidade ou não da situação real por interesses concretos, isto é, por fatos determinados, e não segundo os próprios valores e interesses do julgador, sua subjetividade. Duas regras antimônicas e conviventes não podem ser aplicadas concomitantemente ao mesmo caso. O juiz necessitará aplicar uma a despeito de outra. Contudo ambas as normas subsistirão no ordenamento conjunto e o mesmo juiz, em caso sucessivo, ou outro juiz, no mesmo caso, poderá aplicar aquela anteriormente preterida. Somente a realidade pode oferecer o peso específico a ser considerado pela norma ou ato jurídico. (62)

Em caso de descumprimento por parte do Poder Público ou de particulares dos ditames constitucionais e legais relativos aos Direitos Humanos, dispõe o cidadão de garantias e princípios processuais que objetivam garantir a real efetividade das normas vigentes.

Assim, não apenas o direito material, substancial fundamenta o conceito de cidadania, mas também o direito adjetivo ou processual faz-se dela indissociável, sem o qual não se possuiriam meios para a argüição daquele.

O cidadão não é dependente de sua condição social e econômica ou de seu sexo para atingir esta condição. Esta é alcançada pelo simples fato de sua existência como ser humano, a quem se mostra como conditio sine qua non a fruição e exercício de, no mínimo, os direitos que lhe são fundamentais, essenciais.



NOTAS

1. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania, a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais, 1994, p. 1.
2. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 1992, p. 100.
3. ARDANT, Philippe. Manuel de institutions politiques & droit constitutionnel, apud BARACHO, José Alfredo Oliveira. In: op. cit., p. 1.
4. BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho, 2ª ed., p. 127, 1942.
5. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos: evolução histórica, Revista Brasileira de Estudos Políticos, p. 93, 1992.
6. BODENHEIMER, Edgar. op. cit., p. 131-132.
7. MAGALHÃES,José Luiz Quadros de. Direitos humanos: evolução histórica, op. cit., p. 92.
8. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., p.10.
9. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 28.
10. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., pp. 30-31.
11. BODENHEIMER, Edgar. op. cit., pp. 144-145.
12. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem juridica interna, op. cit., p. 31.
13. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., pp.12-13.
14. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 32.
15. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 33.
16. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, , op. cit.,pp. 22, 32, 76.
17. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit.,p. 58.
18. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 60.
19. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade, op. cit., pp. 63-65.
20. STRAUSS, Leo. Droit Naturel et Histoire, 1954, p. 185
21. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., 1992, pp. 95-96.
22. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., pp. 16-17.
23. STRAUSS, Leo. op. cit., p. 264.
24. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 35.
25. GUSDORF, J.. La conscience révolutionaire - les idéologies, 1978, p. 214 apud SALGADO, Joaquim Carlos. In: op. cit., p. 13.
26. FORSTHOFF, Ernst et al. El estado social, 1986, p. 83.
27. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., p.10.
28. BARACHO,José Alfredo Oliveira. op. cit.. p. 2.
29. HAURIOU, André. Droit constitutionnel et institutions politiques, 4ª ed., 1970, pp. 180-181.
30. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., p. 20.
31. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conflitos ideológicos na constituição econômica. Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1992, p. 24.
32. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 36.
33. ESMEIN, A. Elements de Droit Contitutionnel Français et Comparé, 6ª ed.., 1914, pp. 577-578.
34. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 4ª ed., 1980, p. 7.
35. NICZ, Alvacir Alfredo. A Liberdade de Iniciativa a Constituição, 1981, p. 11.
36. MONCADA, Luís Cabral de. Direito econômico.
37. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade, op. cit., pp. 122-123.
38. ABENDROTH, Wolfgang et al. El estado social, pp. 15-16.
39. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 37.
40. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conflitos ideológicos na constituição econômica, op. cit., p. 24.
41. FORSTHOFF, Ernst et al. op. cit., pp. 57, 104.
42. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos: evolução histórica, op. cit., pp. 114-115.
43. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., pp. 75-76.
44. DOEHRING, Karl et al.. El estado social, op. cit pp. 147-148, 161.
45. ABENDROTH, Wolfgang et al. El estado social, op. cit., p. 19.
46. BOBBIO, Noberto. A era dos direitos, op. cit., pp. 77-78.
47. SALGADO, Joaquim Carlos. op. cit., pp. 36, 38.
48. FORSTHOFF, Ernst et al. El estado social, op. cit., pp. 89-90.
49. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna., op. cit.,p. 39.
50. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna., op. cit.,p. 40.
51. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 30.
52. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 103.
53. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., pp. 35-37, 69.
54. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., pp.67-69.
55. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., pp. 40-41.
56. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 40.
57. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 40.
58. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 40.
59. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 40.
60. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conflitos ideológicos na constituição econômica, op. cit., pp. 27-28.
61. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 20.
62. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conflitos ideológicos na constituição econômica, op. cit., pp. 31, 33.

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Sobre a autora
Cláudia Maria Toledo Silveira

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. Cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 18, 24 ago. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Este artigo é o primeiro capítulo de uma monografia da autora, publicada pela Faculdade de Direito da UFMG. É resultado de um ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq,sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães. Teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente à questão cidadania. Nesta primeira parte, estuda-se o conceito da cidadania no decorrer do tempo.

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