4. AÇÃO DECLARATÓRIA
Conforme a classificação do Código de Processo Civil, que classifica a ação segundo à pretensão, ou seja, quanto a providência jurisdicional invocada, a ação declaratória é uma subdivisão das ações de conhecimento.
A ação declaratória é então, uma ação de conhecimento que apresenta efeitos fundamentalmente declaratórios. Segue o rito de procedimento ordinário.
Na ação declaratória, toda pretensão estará satisfeita com a sentença, em que se declare a existência ou inexistência da relação jurídica.
"Alguns códigos estaduais já faziam referência a "mero interesse à declaração judicial", vindo a figurar no CPC de 1939, quando este, no parágrafo único do art. 2º, dispunha: "O interesse do autor poderá limitar-se à declaração da existência ou inexistência de relação jurídica ou à declaração de autenticidade ou falsidade de documento".
No atual estatuto processual figura no art. 4º:
"O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – Da existência ou da inexistência de relação jurídica;
II – Da autenticidade ou falsidade de documento.
Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito".
O texto legal leva à conclusão de que as ações declaratórias visam, simplesmente, provocar a manifestação do Estado-juiz sobre a existência ou inexistência de uma relação jurídica ou a declaração da autenticidade ou falsidade de um documento".(1)
"No item I do art. 4º assegurado se encontra à pessoa natural ou jurídica, o direito de propor uma ação meramente para obter uma declaração que afaste dúvidas sobre a existência ou inexistência de uma relação jurídica. Existe ou não existe. A pretensão do autor visão a obtenção declarativa sobre a existência da relação jurídica. O autor propõe a ação para obter uma declaração positiva ou negativa. A resposta é dada pelo juiz através da sentença, afastando a incerteza.
Prevê, ainda, o estatuto processual, no item II, ação meramente declaratória, do chamado "fato puro", que tem como objeto pedido de declaração de autenticidade ou falsidade de documento (conseqüências poderão advir; contudo, a pretensão consubstanciada no pedido foi, exclusivamente, para ser declarada a autenticidade ou falsidade do documento)".(2)
4.1. Natureza Jurídica
"Devido às peculiaridades da ação declaratória, diversas teorias tentam estabelecer sua natureza jurídica:
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Teoria do Remédio Preventivo de Direitos - Tendo em vista o escopo maior da ação declaratória ser a prevenção da violação a direitos, buscando evitar litígios, considera a ação declaratória como uma etapa anterior à ação propriamente dita, com natureza jurídica própria. No entanto, a prevenção de litígios que se procura evitar são aqueles que ainda estão por vir. Hoje em dia, tal teoria está completamente afastada, em face da aceitação unânime no meio jurídico pátrio de que o litígio está presente na ação declaratória, uma vez que o autor e réu sustentam posições antagônicas.
Direito Potestativo (Chiovenda) Defende que a ação declaratória é espécie do gênero ação. Mas entende que a ação é um direito potestativo e concreto, dirigido contra o adversário"(3).
Predomina, porém, na doutrina brasileira, a concepção da ação como direito abstrato (direito a tutela jurídica, favorável ou desfavorável).
O que particularmente define a ação declaratória e a estrema das outras ações de conhecimento é que nela, a pretensão do autor se exaure na simples declaração da existência, ou inexistência, de uma relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de um documento.
4.2. Objeto da Ação Declaratória
"No sistema do direito pátrio, só pode ser objeto de ação declaratória uma relação jurídica (CPC, art. 4º, I ), abrindo-se uma única exceção a essa regra: a declaração da autenticidade ou falsidade de documentos.
Não há consenso entre os autores a respeito do conceito de relação jurídica".(4)
Sílvio Rodrigues esclarece: "Relação jurídica é aquela relação humana que o ordenamento jurídico acha de tal modo relevante, que lhe dá o prestígio de sua força coercitiva"(5).
E qual o tipo de relação jurídica dá ensanchas à ação declaratória? A lei não faz qualquer restrição, sendo consenso na doutrina e na jurisprudência que qualquer tipo de relação jurídica pode ser declarável, seja de direito público ou privado, contratual ou não.
Pontes de Miranda esclarece: "Há ação declarativa para declarar-se, positiva ou negativamente, a existência da relação jurídica, quer de direito privado, quer de direito público, quer de direito de propriedade, quer de direito de personalidade, quer de direito de família, das coisas, das obrigações ou das sucessões, civis ou comerciais"(6).
Na ação declaratória o interesse se circunscreve à declaração da existência, ou inexistência, de uma relação jurídica, sendo incabível a declaratória de mero fato, ou de simples questão de direito, por mais intrincada que seja.
O pedido declaratório há que escoar-se em relação jurídica concreta, decorrente de fatos precisos e determinados, e não meras conjecturas ou suposições.
5. CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
5.1. Condições da Ação
As condições da ação (requisitos para se obter uma sentença de mérito) são a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimatio ad causam (CPC, art. 267, VI).
Em conseqüência, as sentenças podem ter conteúdo meramente processual ou de mérito.
Especial atenção deve ser dispensada ao interesse de agir, pois, embora vários autores afirmem que o conceito de interesse processual há de ser o mesmo para ação declaratória e para qualquer outra, na ação declaratória aquele se confunde muitas vezes, com o próprio mérito da causa.
O conceito de interesse de agir é uma das matérias mais controvertidas na doutrina.
João Batista Lopes expõe a posição de vários autores:
"Para Chiovenda, ‘o interesse de agir decorre de uma situação de fato tal que o autor, sem a declaração judicial da vontade concreta da lei, sofreria um dano injusto, de modo que a declaração judicial se apresenta como meio necessário de evitá-lo’.
Donaldo Armelin conceitua ... ‘o interesse de agir como resultante da idoneidade objetiva do pedido, para o autor, de provocar a atuação potencialmente útil da jurisdição. Esta idoneidade pressupões uma causa pedenti também idônea, sem o que o pedido careceria de condições para provocar aquela atuação útil da jurisdição’.
Cândido Rangel Dinamarco mostra que o interesse de agir se traduz na ‘coincidência entre o interesse do Estado e do particular pela atuação da vontade da lei, se apresenta analiticamente como a soma dos dois requisitos acenados acima: ‘necessidade concreta do processo e adequação do provimento e do procedimento desejados’ (...) ‘O requisito da necessidade concreta da jurisdição significa que não nasce a ação enquanto as forças do próprio direito substancial objetivo ainda não se mostram incapazes de extinguir a situação de lide (...) O requisito da adequação significa que o Estado condiciona ainda o exercício da atividade jurisdicional, em cada caso, à utilidade que o provimento desejado possa trazer ao seu escopo de atuação da vontade concreta da lei’...".(7)
Ainda que nebulosa, a linha divisória entre o interesse de agir e o mérito da causa, não há como confundi-los porque, no campo das condições da ação, não se indaga se ocorreu violação ao direito ou se o autor tem razão, mas tão- somente se os fatos narrados caracterizam, em tese, violação a direito ou situação que autorize a tutela pretendida. Basta, pois, a caracterização do interesse de agir, a alegação de fatos idôneos de que decorra a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional. Devem ser aferidas pelo juiz objetivamente, em função dos fatos articulados pelo autor na inicial.
Não se há, portanto de procurar um interesse particular ou peculiar na ação declaratória, mas identificar, em cada caso, a existência do interesse processual.
Não existe interesse de agir quando se pede a declaração de relação jurídica futura ou pretérita. Mas haverá se se tratar do desenvolvimento futuro de relação jurídica já existente ou quando, relativamente a relação jurídica pretérita se questionar sobre seus efeitos no presente.
A legitimidade ad causam, mais um dos requisitos da ação, consiste na autorização a figurar num dos pólos da relação processual, apenas quem detém a titularidade do direito material disputado, salvo se permitido por lei pleitear direito alheio em nome próprio (legitimação extraordinária).
E a possibilidade jurídica do pedido nada mais é do que a admissibilidade de provimento do pedido submetido aos ditames do ordenamento jurídico.
5.2. Pressupostos Processuais
Os pressupostos processuais (requisitos necessários para a existência, validade e desenvolvimento regular do processo) se subdividem em:
a) de existência: a existência do Poder Judiciário e de uma demanda, a citação, a capacidade postulatória, está só em relação ao autor;
b) de validade e desenvolvimento regular do processo: petição inicial regular, competência, imparcialidade do juiz, capacidade"(8).
5.3. Efeitos da Sentença
Na ação declaratória obtém-se a penas um pronunciamento jurisdicional preceitual; a execução da decisão dependerá de uma posterior ação condenatória com vistas à execução. No entanto, a segurança da coisa julgada tornará essa segunda demanda bastante simplificada.
Quanto à oponibilidade da sentença declaratória, tem-se duas nuances:
Em se tratando do reconhecimento ou não de existência de relação jurídica de uma das partes em face da outra, obviamente os efeitos restringir-se-ão aos limites determinados pelos pedidos contraditórios de ambas;
Caso tenha a ação por objeto a falsidade ou autenticidade documental, o juiz decidirá sobre a coisa em si, ou seja, acerca da qualidade fundamental do documento, operando então efeitos ‘erga omnes’, e não apenas entre os demandantes.
5.4. Prescrição
"A imprescritibilidade da ação declaratória é regra geral, mas se seu objeto disser respeito a pretensão de direito material, a prescrição ocorrerá no prazo previsto para ajuizar a ação que tutela aquele. Por exemplo : a ação para exigir obrigações cambiarias prescrevendo em três anos, a ação declaratória a ela relacionada irá prescrever em igual lapso temporal.
Contudo, somente a ação de característica essencialmente declaratória, ou seja, a declaratória pura, é imprescritível, mas quando a ação é também condenatória-constitutiva, sujeita-se à prescrição. É o entendimento que está consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores"(9).
Concluímos verificando que dentre as vantagens em se lançar mão da ação declaratória, sem dúvida a principal consiste na prevenção de litígios futuros. A segurança da coisa julgada por si só, mais das vezes, é capaz de solucionar prováveis controvérsias posteriores entre os litigantes. Deste modo, por exemplo, um documento que comprova uma relação jurídica que na verdade inexiste, e que poderá vir a causar transtornos ulteriormente, pode ser corrigido de modo a declarar a inexistência da relação jurídica em questão.
6. JURISPRUDÊNCIA
"Ação declaratória é via legal para preparar a reinvidicatória." (4ª Câm. Cív. do TARJ, na Apel. Cív. N.º 19.690, julgada a 17/8/71 in Arquivo do TARJ, v. 6, p. 184).
"AÇÃO DECLARATÓRIA - Não há lei dispondo sobre o prazo para seu exercício - É pois, imprescritível ." (RJTSSP 60/126; JTACIUSP 39/60; Amorim, RT 300/7).
"No juízo declaratório, não se discutem questões meramente acadêmicas : as ações declaratórias têm de versar sobre uma controvérsia real, não fictícia, quanto à extensão dos direitos das partes ou de suas respectivas obrigações. E para que não sejam possíveis desvios nessa orientação, ficam os juizes com poder discricionário de não decidir do feito, ao inverso do que têm de fazer nas ações executória." (RT 49/258).
"A Ação declaratória pode ser antecedida de cautelar preparatória." RESP 42084/SP ; Recurso Especial (93/0035608-9) DJ; 01/02/1999 - PG:00137 - Relator Ministro ADHEMAR MACIEL.
"Em se tratando de ação declaratória, a fixação da verba honorária, em percentual sobre o valor da causa, não implica ofensa ao disposto no § 4º do art. 20 do CPC ." RESP 100236/RS ; Recurso Especial (96/0042095-5); DJ 19/10/1998, PG:00122; Relator Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI .
"A ação declaratória é meio processual idôneo quando se busca reconhecimento de tempo de serviço, com vistas à concessão de futuro benefício previdenciário." ERESP 113305/RS - Embargos de divergência no Recurso Especial (98/0022218-9); DJ 14/12/1998 - PG:00091; Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES.
"PROCESSUAL CIVIL- AÇÃO DECLARATÓRIA - CLÁUSULA CONTRATUAL - INTERPRETAÇÃO E EXATO CONTEÚDO - ADMISSIBILIDADE - SÚMULA 181 STJ. Sendo o objetivo do autor a fixação do exato conteúdo de cláusula contratual, o que levará a solução do conflito, servindo de norma para as partes, admissível é a ação declaratória para tal fim". RESP 132688/SP ; Recurso Especial (97/0034994-2) ; DJ 03/11/1998 - PG:00126; Relator Ministro WALDEMAR ZVEITER.
"AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO. INVALIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. O contratante pode propor ação para que seja declarada a invalidade de cláusula contratual contrária à Constituição ou às leis. RESP 191041/SP; Recurso Especial (98/0074378-2); DJ 15/03/1999 - PG:00253; Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR.
7. AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL
Trata-se de uma ação proposta no transcurso de um processo, estando relacionada com a questão neste versada.
No curso do procedimento, o juiz, com freqüência, é chamado a resolver diversas questões (pontos controvertidos) de cuja solução depende o deslinde do mérito da causa.
Tais questões denominadas prejudiciais, porque constituem premissas necessárias da conclusão, são normalmente resolvidas incidentemente (incidenter tantum), de tal modo que os efeitos do pronunciamento judicial respectivo não se projetam fora do processo, vale dizer, não se constitui a coisa julgada material.
Pode ocorrer, porém, que uma das partes pretenda, desde logo, ver definitivamente resolvida tal questão prejudicial, com força de coisa julgada, de modo a evitar novas discussões futuras, cujos inconvenientes são de meridiana clareza. Para atender a essa situação, contemplou o legislador, a exemplo de algumas legislações estrangeiras, a figura da ação declaratória incidental.
A ação declaratória incidental é, pois, a ação, proposta pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando à aplicação do âmbito da coisa julgada material.