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A ação declaratória de direito e as rádios comunitárias

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01/06/2000 às 00:00
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V- CONCLUSÃO

A abordagem da matéria, em que pese o enfoque superficial dado à ação declaratória, tem o objetivo de auxiliar colegas que pretendam utilizar essa ação, na prática, no cotidiano trabalho jurídico. Mormente aqueles que defendem seus clientes em ações referentes às rádios comunitárias, porque a declaratória é o instrumento, em nosso modesto entendimento, para que se consiga sucesso na demanda. Vamos a um breve comentário a respeito, à guisa de conclusão.

Antes de 1998, mais precisamente, do mês de fevereiro de 1998, quem se predispunha a montar uma rádio comunitária ("radcom") esbarrava na falta de concessão do Poder competente, motivo pelo qual as autoridades responsáveis, por meio do Poder Judiciário, conseguiam a expedição de mandados de busca e apreensão e fechavam as rádios que estavam operando, sob a alegação de crime (artigo 70 da Lei nº 4.117/62).

Telecomunicações – Instalação de radiotransmissor clandestino – Artigo 70, da Lei 4.117/62 – Insignificância - Radiotransmissor de pequeno alcance, rudimentalmente instalado, sem a devida autorização, embora reprovável, apresenta-se de baixíssimo potencial ofensivo. Teoria da insignificância que autoriza a absolvição. Recurso improvido ( TRF- 1º Região – 4º T.; Ap. Crim. Nº 96.01.09003-7- MA; Rela. Juíza Eliana Calmon; j. 13.05.1996; v.u.; ementa.)

E não o é!

Alguns, também por meio do Poder Judiciário, conseguiram, naquela época, sentença judicial favorável. Ingressaram no Juízo competente com ação cautelar inominada e, dentro do prazo legal (30 dias), com a ação principal — uma declaratória de direito.

Além das peculiaridades locais (como ser a única rádio na cidade; atender a comunidade, veiculando campanhas de conscientização sobre saúde, educação, consumo, contra as drogas e outras; ser espaço aberto para o cidadão ter vez e voz e exercer sua cidadania...etc., etc., etc...) argumentos consistentes provaram que havia lacuna na lei. Também fundamentaram a ação em artigos da Constituição Federal e da Convenção Americana, pacto de São José da Costa Rica, de 22/12/69. Algumas dessas ações foram julgadas procedentes.

Ressalte-se, portanto, que não havia lei que regulamentava a instituição do serviço de radiodifusão comunitária. E na ação declaratória, provavelmente, diante dos fatos narrados pelos autores, fatos concretos, hábeis, idôneos, emergiu o direito, ou seja, a Justiça reconheceu a existência de vínculo jurídico que unia um titular desse direito ao objeto desse mesmo direito (o de operar uma rádio de 25 a 50 watts, que atinge raio de pequeno alcance e com baixíssimo potencial ofensivo).

Permitam-nos, antes de continuarmos a nossa linha de pensamento, tergiversar sobre o seguinte: o artigo 223, caput, da CF 88 disciplina a conduta do Estado para com o segmento empresarial das comunicações sociais. Mas, não são destinatárias da mencionada regra constitucional as atividades de radiodifusão extra-empresariais ou não-oficiais, como as radcom de baixa freqüência e curto espectro. Acresça-se — e é importante frisar — que as radcom não podem ser tratadas sob o influxo das regras do artigo 223, caput, sob pena do desprestígio gritante do princípio constitucional da isonomia! Assim se pronunciou num Mandado de Segurança (nº 1996-7), o Juiz Ivan Lira de Carvalho, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte.

Nessa esteira também o relator Juiz Célio Benevides, do TRF 3º Região, no acórdão que se segue:

SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO - Rádio comunitária - Necessidade de autorização e concessão da União Federal para instalação e operação - Inteligência dos artigos 2º, parágrafo único, e 6º da Lei nº 9.612/98 - Voto vencido.

Nos termos dos artigos 2º, parágrafo único, e 6º da Lei nº 9.612/98, a instalação e operação de emissoras de radiodifusão, até mesmo as denominadas rádios comunitárias, dependem de autorização e concessão da União Federal.

Tratando-se de rádio comunitária que opere com equipamentos de radiodifusão de baixa potência, sem fins lucrativos, destinados apenas a difundir a atividade cultural e informativa no seio de determinada comunidade, sem causar prejuízos a terceiros, é desnecessária a autorização governamental para sua instalação e operação, principalmente se a instalação da emissora se deu antes da edição da Lei nº 9.612/98.

          (TRF 3ª R - MS nº 97.03.068199-9-SP - 1ª Seção - Rel. para acórdão Juiz Célio Benevides - J. 15.04.98 - DJU 26.05.98). RT 755/430

Após a tergiversação, voltemos ao busílis. Não houve nas ações a que nos referimos, certamente, o pedido para que o Poder Judiciário autorizasse o funcionamento das radcom, ou seja, juridicamente, não houve o pedido de ação declaratória de mero fato. Mesmo porque não tem o Poder Judiciário competência para outorgar concessão de rádio. Se o fizesse, haveria ingerência de um Poder sobre o outro. Contudo, esgotou-se uma primeira etapa em 1998. Qual seja, período em que não havia lei que regulamentava as radcom.

Depois, chegamos a fevereiro de 1998. A partir dessa data, passou a vigorar a lei nº 9.612, que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária e deu outras providências. E, desde a sua promulgação, lá se vão dois anos!

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Milhares de interessados, em todo o Brasil, fizeram as inscrições para obter a concessão governamental. Seguiram os procedimentos determinados. Contudo, até hoje, mesmo em locais em que há apenas uma inscrição para o serviço, não houve sequer uma resposta do órgão responsável a respeito do pedido de outorga. A Administração responsável omitiu-se!

Induvidosamente, o tempo – dois anos já se passaram – é inexorável para demonstrar a omissão do governo no cumprimento da lei. Receberam as inscrições e nada mais foi realizado, embora a própria lei preveja etapas a serem cumpridas. Houve a regulamentação dela, lei, mas, igualmente, nenhuma medida foi tomada até o momento, principalmente, reiteramos, em relação àqueles cuja inscrição é o único pedido no local. Não houve, que se saiba, até agora, habilitação alguma! Há remédio contra essa omissão?

          Sim, a Justiça. Por meio de uma ação declaratória de direito com tutela antecipada, com fulcro, por exemplo, dentre outros, no artigo 461 do CPC.

Essa tutela, respeitados os requisitos exigidos, se concedida, antecipa a própria solução definitiva esperada no processo principal, qual seja, a de que, reconhecida a existência da relação jurídica ( em razão de ter sido feita a inscrição, em razão da omissão dos responsáveis, da protelação injustificada do pedido, e, mormente, da provável concessão do pedido, pois é o único da cidade — e todas são provas inequívocas), pois bem, reconhecida a existência do vínculo jurídico, o Poder Judiciário, último bastião dos injustiçados, deve determinar que o Minicom autorize o funcionamento da rádio até que seja concedida definitivamente a concessão que, sem dúvida, acabaria por ser outorgada.

Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prova-se que a rádio em operação é extremamente benéfica à comunidade, que a calar significa calar o próprio povo, ainda mais se for a única na cidade, implicando descrédito e constrangimento aos que a administram e prejuízo à comunidade; prova-se, também, que não possui fins lucrativos, tem caráter sócio-cultural, que funciona com baixa potência, que seus transmissores são homologados pelo Minicom, de acordo com a viabilidade técnica assinada por engenheiro responsável, não causa prejuízos a terceiros, inofensiva, pois.

O manifesto propósito de protelação está no tempo – dois anos já se passaram desde a promulgação da lei. Quanto à antecipação satisfativa, em nada prejudicará, pois, se, ao final, a causa restar perdida, fecha-se a rádio definitivamente. Não acarretará prejuízos, apenas tristezas.

E para a conclusão, de fato, final ( com perdão pelo pleonasmo), eis para onde caminha o nosso Poder Judiciário, e acertadamente:

"EMENTA: Administrativo – Rádios Comunitárias – Antecipação de Tutela –
Omissão da Administração.1. Em casos como o de que se cuida, tendo-se em conta a baixa potência dos transmissores, e o fato de o empreendimento não objetivar finalidade lucrativa, melhor conviria ao interesse coletivo, garantir-lhe a continuidade dos serviços de radioemissão, de responsabilidade da agravada, ainda mais quando a Administração não apreciou o pedido de outorga, formulado em 27 de agosto de 1998. 2. Presença de verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável. Por outro lado, não se visualiza a impossibilidade de reverter o provimento antecipado, pois se agravante for vencedora na lide, a rádio deixará de funcionar sem problemas.3. Pedido de atribuição de efeito suspensivo ao Agravo - indeferido."
(TRF da 5ª Região, 3ª T, no AI nº 22004 – Rel. Juiz Geraldo Apoliano – DJ de 31.12.99, p. 373, REVISTA CONSULEX (Leis e Decisões, Ano IV – V. II – nº38 de 29 de fevereiro de 2000, p.20)

Se, neste artigo, nosso entendimento contiver equívocos, que nos perdoem. Servindo, pelo menos, de contraponto para novas discussões, já nos deixará satisfeito.

E aproveitamos o ensejo para agradecer pelas valiosas trocas de experiências, por e-mail, caso leiam este artigo, aos colegas que, pelas mais diversas cidades e Estados brasileiros, lutam em favor das radcom: Jorge Alberto Coelho Macedo, José Adolfo Vacemberg Paulino, Augusto Vinicius Fonseca e Silva, Luís Carlos Dias, Rosana Martins Costa, Carlos Seabra, Priscila Arraes Reino, Peter e Adriano, dentre outros.

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Sobre o autor
Wilson Paganelli

advogado e professor em Castilho (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. A ação declaratória de direito e as rádios comunitárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/782. Acesso em: 25 abr. 2024.

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