Direito penal e compliance

02/12/2019 às 23:39
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O presente trabalho possui o objetivo de entender melhor o compliance e o Direito Penal Brasileiro. Nessa área, se tem a indagação da possibilidade de as regras de compliance servirem como parâmetros para fins de responsabilidade penal.

 

RESUMO

O presente trabalho possui o objetivo de entender melhor o compliance e o Direito Penal Brasileiro. Nessa área, se tem a indagação da possibilidade de as regras de compliance servirem como parâmetros para fins de responsabilidade penal, em face dos princípios do ordenamento jurídico, e de que maneira pode acontecer a responsabilização, se houver. Para um melhor entendimento do tema, será estudado o conceito de compliance; elementos e funções que compõem o instituto, análise da criminal compliance e as suas possíveis consequências para às empresas no caso de não aplicação.

Palavras-chave: Compliance; Direito Penal; Responsabilidade.

ABSTRACT

 

This paper aims to better understand compliance and Brazilian Criminal Law. In this area, there is the question of the possibility of compliance rules serving as parameters for purposes of criminal liability, given the principles of the legal system, and how can accountability, if any. For a better understanding of the theme, the concept of compliance will be studied; elements and functions that make up the institute, analysis of criminal compliance and its possible consequences for companies in case of non-application.


Keywords: Compliance; Criminal law; Responsibility.

 

 

INTRODUÇÃO

 

            O objeto do presente trabalho é a análise da relação da compliance e o Direito Penal Brasileiro. Compliance é um termo que é associado com a Administração, traduzindo de certa maneira a conformidade ao direito. O Direito Penal determina as condições e as consequências jurídicas do comportamento que venham a infringir a norma penal, após a ocorrência dos fatos.

            Aparentemente, não existiria nada de novo, se partisse da ideia de que o direito sempre trata de comportamentos conforme o direito ou de outra sorte, contrários ao direito. Porém, foi em meados dos anos 1990, que aconteceu o caráter revolucionário, onde começou a ser introduzido nos outros países o conceito genérico de corporate governance, o qual traz a descrição do marco regulatório para a direção e supervisão das empresas.

            Se tem discutido muito internacionalmente, no que diz respeito a supervisão empresarial em termos penais. O compliance constitui precisamente um destes instrumentos, sendo o mesmo a expressão vidente em todos os ordenamentos jurídicos estatais, onde as empresas e os seus órgãos devem operar em harmonia com o direito vigente.

            É usual que as próprias empresas procurem uma autorregulamentação penal, para que seja prevenida a responsabilidade penal de dirigentes por alguns fatos, ou seja, para diminuir qualquer responsabilidade penal pelos riscos da empresa. Partindo disso, vê-se que existe uma relação indissociável entre Compliance e Direito Penal e que os referidos crimes empresariais são tipificados ou através de leis penais em branco ou de tipo penais abertos.

            Portanto, praticamente todos os delitos imputáveis às empresas possuem seu fundamento último se for descumprido uma legislação não-penal. Baseando nas características dos crimes empresariais; no cenário de decisões internacionais, que em políticas de Compliance punem os que, sabendo do fato, não o denunciam às autoridades competentes.

 

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

            Verifica-se atualmente, que as empresas adotam programas de compliance somente com objetivo de mostrar ao mercado que usam tais programas, porém não possuem um acompanhamento com eficácia e não dando a devida importância ao mesmo. Sabe-se que a adoção de um sistema para diminuir risco é de muito importante, além de ser útil, porquanto propiciam benefícios como valorar imaterialmente a empresa, consistente na respeitabilidade e confiança que a mesma passa a ter no cenário econômico e social, trazendo benefícios, evitando assim despesas com indenizações, multas, sanções administrativas e processuais.

            Portanto, deve-se entender primeiramente qual o foco do Direito Penal Clássico para depois relacionar ao conceito de compliance.

            Quando fala em Direito Penal, entende este como um órgão controlador e fiscalizador das relações sociais, devendo, portanto, acompanhar os anseios da sociedade, já que variam constantemente.

            O conceito de compliance não é tão novo assim, portanto, a ideia sobre o referido conceito já podia ser verificada desde a primeira metade do século XX, no período pós-guerra com o aparecimento de conglomerados econômicos fazendo aparecer a introdução ao Direito Penal Econômico. Aparece, então, a percepção de que o Estado precisaria começar a por sanções com o objetivo de limitar aviso de poder por parte dos referidos conglomerados. Percebeu-se ao longo dos anos que o crime econômico não tinha a percepção sobre o ilícito como sendo este um ato moral ou imoral, mas sendo sim, um problema que pudesse impactar os negócios da empresa. O pensamento de quem cometesse um crime econômico seria a perda de mercado, ou seja, para não se perder mercado se cometeria um ato ilícito; a sociedade iria reprovar esse ato?

            No século XX, uma das maiores preocupações das sociedades industrializadas, era exclusivamente a busca pelo lucro. Quanto maior se tinha a procura pelos interesses econômicos, maior seria a elevação da riqueza e do bem estar geral.

            Maria Balbina Martins de Rizzo afirma que:

Desde o início do século passado, o mundo se deparava com organizações tais como a de Al Capone (1899-1947), líder do crime organizado em Chicago, EUA. Acredita-se que a atuação dele teria originado o termo “money laundering”. Al Capone comprou uma rede de lavanderias, cujos serviços eram pagos com moedas e cédulas de baixo valor, que se misturavam às oriundas de atividades ilícitas, como a venda de bebidas alcoólicas na época da Lei Seca. Assim, era possível fazer depósito da quantia arrecadada sem levantar maiores suspeitas. (RIZZO, 2016, p. 69)

Entendido como o aparecimento de várias leis de caráter penal demonstrada à sociedade como solução de tudo o Inflacionismo Penal e o processo de administrativização  do Direito Penal, sendo que este deixa de ser a ultima ratio para se tornar a primeira alternativa na solução de conflitos.

Essa expansão do Direito Penal é verificada conforme o autor Paulo Queiroz:

Existe uma mudança de tendência do legislador, ou seja, a ideia que nos é mostrada atualmente é que não se sai de valores importantes da sociedade para uma repressão, mas se estabelece uma repressão para mostrar à sociedade que algo é importante. Para refletirmos sobre tal ideia é preciso entendermos a crise do Direito Penal.

            Porém, existiu uma mudança de paradigma, principalmente quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 quebrou, o que levou os atores da política norte-americana a buscar mecanismos para que fosse reequilibrado o sistema. Então aparece o Compliance. No ano de 1934 a agência regulatória do mercado  de ações, foi criada para que coibisse as atividades ilegais da empresa. Já em 1960 a figura do profissional de compliance passa a ganhar força, e a sua função principal é dar efetivo cumprimento às leis e assim proteger os negócios dos investidores.

            Em 1974 iniciou um gradual processo de ética nas instituições e também no combate à corrupção. Sobre o assunto afirma Silva:

Essa organização mais ética do espaço econômico decorre da percepção de que padrões de comportamento meramente oportunistas terminam por ser insustentáveis. É o caso, por exemplo, do suborno e da corrupção de agentes econômicos para obtenção ou renovação de contratos, a concessão de licitações ou outras vantagens indevidas. O eventual ganho material imediato para uma empresa que suborna é mais do que compensado, negativamente, se a prática se generaliza com o efeito adverso sobre a alocação eficiente de recursos, decorrente da distorção da livre concorrência provocada pelo alto suborno. (SILVA, 2012, p. 3)

           

            Partindo dessa mudança de paradigmas, as empresas buscam meios de conduzir os seus gestores e colaboradores a inserir e praticar a ética todos os dias no contexto profissional, através de um conjunto de normas, técnicas e instrumentos.

            A esse conjunto de práticas dá-se o nome de ética empresarial ou organizacional que envolve o conjunto de valores, princípios e fins que orientam o comportamento da organização e compõe a sua cultura corporativa, vindo a influenciar as suas estratégias, estruturas e decisões.

            Sobre o termo compliance afirma Carlos Fernando dos Santos Lima:

Origina-se do verbo inglês to comply, que significa cumprir, executar, obedecer, observar, satisfazer o que lhe foi imposto. Compliance é o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e o risco legal/regulatório. (LIMA, 2011, p. 85)

            É necessário, portanto, entender as necessidades de cada um dos campos, seja a realidade administrativa, seja do direito, para que fosse atendido satisfatoriamente os requisitos necessários. Porém, existem outros autores, como o Maeda (2013) que entende que os esforços adotados pela iniciativa privada para garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares relacionadas às suas atividades e observar princípios de ética e integridade corporativa.

            Costa e Araújo explicam que:

O termo compliance estabeleceu-se, nos últimos anos, como tema da moda no direito penal. Contudo, apesar de ter ganhado crescente atenção da doutrina, não há, ainda, consenso sobre seu tratamento e suas consequências no âmbito criminal. Sua aplicação nasceu no campo financeiro, no qual, no Brasil, conta, por exemplo, com regras bastante específicas determinadas pelo Banco Central, mas hoje acabou por expandir-se por diversos outros âmbitos da atividade empresarial. Assim, o assunto passou a ocupar um espaço importante de reflexão no campo do direito penal econômico.

            Portanto, o termo compliance é diferente da governança corporativa, já que a governança corporativa é um conjunto de práticas ou mecanismos que objetivam garantir a tomada de decisões alinhadas com as visões da empresa, finalizando o desempenho delas. Esse processo protege todos os participantes do mercado de capitais – sejam acionistas, sejam stakeholders -, e necessita de transparência. Cabe lembrar que há dois tipos essenciais de governança corporativa: o modelo shareholder, de origem anglo-saxônica, cujo perfil é voltado ao interesse acionário e à multiplicação de lucros, e o stakeholder, nipogermânico, cujos valores são mais abrangentes, incluindo cuidados ambientais e sustentabilidade. As ações perante a BOVESPA têm níveis diferenciados para o grau de confiabilidade da governança corporativa.

2 CRISE DO DIREITO PENAL

 

Atualmente existe uma democratização dos riscos decorrentes da globalização, portanto, um risco que acontece em alguns lugares do planeta pode influenciar outros riscos em outras áreas.

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Em primeiro lugar se tem o bem jurídico supra individual, sendo os bens que são de todos e de ninguém ao mesmo tempo, como por exemplo, o meio ambiente. Em segundo lugar é no que diz respeito ao conceito de creme de perigo abstrato, e nestes crimes o importante é prevenir, estar sempre precavido sobre um eventual dano a ser cometido. Como exemplo se tem os crimes cometidos que se tem a lavagem de dinheiro para parecer uma normalidade o ilícito cometido.

Sobre as Escolas de Frankfurt e as suas duas posições, afirmam Lucchesi:

A primeira posição se refere ao alemão Hassemer que nos enfatiza a sua crítica em relação a visão expansionista do Direito Penal. Para ele este deve ser limitado ao máximo, funcionando como ultima ratio. Por outro lado, a mesma Escola de Frankfurt nos enfatiza uma outra visão a de Jesus-María. É proposto um modelo duplo para o sistema penal, qual seja o Direito Penal de duas velocidades. A primeira velocidade seria o Direito Penal Clássico, ou seja, aquele setor do ordenamento em que se impõem penas privativas de liberdade e no qual devem manter-se de modo estrito as regras de imputação e os princípios processuais clássicos. A segunda velocidade destina-se aquelas infrações cominadas com penas pecuniárias e restritivas de direito, tratando-se, portanto, de figuras delitivas de cunho novo, onde então caberia a flexibilização do Direito Penal (LUCCHESI, 2017, p. 192).

O Direito é uma ciência onde o conhecimento sistematizado em paradigmas passíveis de serem observados e verificados com explanações onde são fundamentadas deve não parar no tempo e em consequência, acompanhar o avanço nas questões sociais, sendo de fundamental importância entender o compliance é aplicado do Direito Penal.

3 COMPLIANCE E SEUS ASPECTOS GERAIS

Sobre o assunto, afirma Silveira

Cada década parece normalmente nos apresentar alguma particular novidade penal, contudo, isso não significa dizer, necessariamente, que cada tempo tem seu crime. O preço da liberdade se mostra em eterna vigilância, tendo-se em mente que os limites dessa vigilância são postos à prova e transmudados de tempos em tempos, no entanto, não significando que existam crimes determinados para um determinado período do tempo (SILVEIRA, 2017, p. 1).

Quando se fala em compliance, deve se ter em mente quais são os aspectos gerais para depois ser definido e entendido o seu conceito. Os aspectos gerais São divididos em quatro características que são, conforme Silveira:

1. Conduta – entendida como a responsabilidade pelos atos de corrupção praticados contra a Administração Pública; 2. Agente-pessoa jurídica; 3. Pena – podem ser pecuniárias, reputacionais e restritivas de direitos; 4. Responsabilização – enfatiza-se a responsabilidade objetiva (independe de dolo ou culpa) por atos praticados no interesse ou benefício da pessoa jurídica. (SILVEIRA, 2017, p. 2)

Nota-se que as características informadas acima são de fundamental relevância, principalmente depois da "Era Lava Jato".  A Lei Anticorrupção, Lei de nº  12.846/2013 para entender sobre a sua finalidade e eficácia e a sua relação com os programas de compliance existentes no mundo organizacional. Uma das questões relevantes entre os doutrinadores é a discussão sobre a real natureza da Lei. Vale dizer, trata-se de uma lei meramente administrativa ou há elementos de Direito Penal material em seus dispositivos? A indagação, longe de ser meramente acadêmica, tem aspectos práticos relevantes, como podem ser analisados.

A Lei no 12.846/2013 apresenta-se como norma administrativa, no entanto, talvez o legislador não tenha definido os comportamentos ali descritos como crimes, nem as sanções como penas, para afastar problemas de constitucionalidade. Em uma análise mais apurada do texto legal, seja qual for o escopo do legislador, os comportamentos descritos e as consequências a eles atreladas nesta lei, embora formalmente intitulados como “administrativos”, têm substância penal, ou quase penal. (GRECO, 2015)

Primeiramente, por compliance pode-se já entender e conceituar como um conjunto de disciplinas e procedimentos que visam estabelecer regras para o cumprimento de normas legais e programas de conduta ética na empresa. Com tal conceito em mente é que os programas de compliance são criados.

Quando é verificado um programa de compliance, a primeira coisa a ser observada é que tal programa para ser robusto, deve receber o aval explícito e incondicional dos mais altos executivos da empresa e estes devem acompanhar todo o processo do início ao fim e escolher um profissional para o cargo de responsável pela área de compliance conhecido como compliance officer. Em seguida vem à avaliação dos riscos, na qual as políticas de monitoramento adotadas pelo programa de compliance deverão ser construídas com base nos riscos que forem identificados como relevantes.

Já os códigos de condutas, por sua vez, estabelecem, entre outros tópicos, os direitos e obrigações de todos os funcionários dentro da empresa. Não menos importantes são os controles internos que geralmente são formalizados por escrito nas políticas e procedimentos da empresa. Não se pode esquecer também a respeito do treinamento e comunicação do programa aos funcionários, assim como as investigações internas para atender prontamente denúncias de comportamentos ilícitos.

Por fim, tem-se a due diligence, ou seja, um conjunto de atos investigativos que devem ser realizados pela empresa no intuito de se verificar o empenho na aplicação e implementação do programa. Já a auditoria e monitoramento vêm crescendo muito em importância, pois fica demonstrada a eficácia do programa.

Portanto, o programa de compliance é o meio para se detectar possíveis ilícitos e reflexão ao surgimento do que se entende atualmente por criminal compliance e seus efeitos em relação ao Direito Penal.

3.1 ELEMENTOS DE COMPLIANCE

 

Para que exista um programa de Compliance, é necessário que existam preceitos éticos. No entanto, eles não são apenas componentes de Compliance, mas a ética é fundamental para que o programa possa surtir efeitos. A implantação de um programa de Compliance envolve, fundamentalmente, a criação de códigos morais, ouvir o posicionamento dos stakeholders, o enfrentamento das questões éticas, investigações internas, e contínuo investimento em ética. Entende-se que ética e Compliance são extremamente dependentes, “enquanto a ética pode ser o fim visado pelas empresas, bem como o meio a ser observado em qualquer prática, o Compliance oferece um caminho, reunindo métodos adequados para o perfil de cada empresa.

O Compliance abrange não só o ordenamento jurídico local, em suas especificidades, mas também, “[...]convenções internacionais, códigos de ética setoriais, códigos de melhores práticas, políticas internas da organização e o código de ética ou de conduta da organização”. Na mesma linha, há normas não-cogentes, que podem servir de base aos programas de Compliance, como a: Norma AS 3806:200637. Essa norma envolve os princípios para Compliance, como a existência de um grupo diretivo comprometido à individualização e à aplicação das medidas regulatórias; a devida implementação e comprometimento coletivo, bem como fazer uso de mecanismos de controle; realizar o constante monitoramento e divulgação do programa de cada empresa, e trabalhar na melhoria contínua, buscando a atualização.

            Além de regulamentações das próprias empresas e das normas de cada país, existem princípios orientadores, normalmente direcionados a setores específicos, e.g., bancos, indústria química, indústria farmacêutica. Mesmo sendo voltados a determinados segmentos, alguns grupos de princípios podem ser generalizados, como os Princípios Orientadores do Comitê da Basileia para Instituições Financeiras.

Dessa forma, o programa de compliance precisa levar em conta as características da organização, como o setor de atuação, a estrutura corporativa, a atividade, o país onde as práticas acontecem, a cultura local, o ordenamento jurídico, bem como qualquer outra circunstância específica que deva ser observada. O programa não é estanque, mas os requisitos mínimos a se observar são iguais para todas as empresas. Quanto ao aspecto sobre onde as práticas acontecem, o panorama ideal é a adequação às necessidades locais, mas se deve ter cautela para não perder o fio condutor do compliance da empresa. Há, ainda, necessidade de constante verificação e atualização das normas de compliance, pois o entendimento das autoridades quanto ao devido cumprimento legal pode mudar.

4 INVESTIGAÇÃO DE COMPLIANCE E A RELAÇÃO DO CRIMINAL COMPLIANCE COM O DIREITO PENAL

Quando se faz uma investigação de compliance é importante ter a figura do investigador, que deverá ter uma boa capacidade de ceticismo para poder avaliar as informações obtidas. Uma vez detectado o problema, deverá saber se houve violação de leis e, se houve quais consequências isso acarretará para a empresa em relação ao conceito de criminal compliance que é entendido como um mecanismo de proteção ao bem jurídico da ordem econômica e que se comporta um pouco diferente dos meios de tutela penal tradicional sendo voltado para uma tutela penal preventiva. Hoje falamos em bens jurídicos universais, difusos e coletivos, direitos da coletividade, mais delicados e de difícil regulamentação (SALLES, 2011).

Com a introdução do criminal compliance introduziram-se particularidades no contexto penal econômico que muitas vezes escapam de uma visão tradicional no Direito Penal. A mais significativa é em termos de corrupção empresarial (SILVEIRA, 2017). Dessa maneira, será visto a teoria da cegueira deliberada, ótimo exemplo para refletir sobre o que se tem atualmente como lei e o que vem sendo introduzido como nova forma de pensamento nos recentes casos de corrupção em destaque no Brasil.

Tal teoria extrai a ideia de que a culpabilidade evidente em suposto caso não pode ser em menor grau quando referente àquele que, podendo e devendo conhecer, opta pela ignorância. Portanto, atualmente existe um dilema, ou seja, de um lado a responsabilidade objetiva que é aquela que impõe ao agente o dever de indenizar independente de culpa, bastando a reunião dos elementos, tais como, ação/omissão, nexo de causalidade e prejuízo, porém, do outro lado temos o art. 29 do Código Penal que demonstra que o agente deve, de qualquer modo, concorrer para o crime para ser tido como culpado.

Diante de tal dilema, só nos resta refletir, portanto, sobre uma urgente reforma em relação ao nosso Direito Penal que vem utilizando-se de um sistema de precedentes de cortes norte-americanas, sendo este, um sistema totalmente diferente do nosso, baseado no common law.

            Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, apenas como exemplo, a política de Compliance pode abarcar as seguintes normas: Lei nº. 12.846/13, a Lei Anticorrupção; Lei nº. 9605/98, que envolve Compliance para empresas em nível ambiental, por tratar de responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais; Lei nº. 9613/98, alterada pela Lei nº. 12.683/12, crimes de lavagem de dinheiro; Lei nº. 7492/86, crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei do Colarinho Branco), Lei nº. 8137/901, que trata de crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo. É possível, dependendo do tipo societário, que a empresa precise adotar políticas respeitando resoluções, como as do Conselho Monetário Nacional (Resolução CMN nº. 2554/98, sobre a implantação e implementação de sistema de controles internos; Resolução CMN nº. 2687/00, sobre a realização de operações com contratos a termo, futuro e de opções de produtos agropecuários por não residentes no País, que envolve métodos para evitar lavagem de dinheiro.

Além das já mencionadas, eventualmente, a sociedade precisará observar Instruções, a exemplo das Instruções do Conselho de Valores Monetários (Instrução CVM nº. 419/05 sobre o cadastramento de investidores não residentes no País; Instrução CVM nº. 301/99, que trata da comunicação sobre crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; Instrução CVM nº 505/12, que regulamenta operações realizadas com valores mobiliários; Instrução CVM nº 521/12 que regula a atividade de classificação de risco de crédito, bem como trata da periodicidade dos relatórios de Compliance). Eventualmente, observará as Resoluções, os Comunicados e as Circulares do Banco Central: Resolução Bacen nº 3.721/09, sobre a implementação de estrutura de gerenciamento do risco de crédito; Resolução Bacen nº 3.380/06, sobre a implementação de estrutura de gerenciamento do risco operacional; Comunicado Bacen nº 12.746/2004, comunica os procedimentos para a implementação da nova estrutura de capital (Basiléia II); Circular Bacen nº 3644/13, sobre os procedimentos para cálculo de risco de crédito

            Nesse ponto, em síntese, verifica-se que o histórico referente aos programas de compliance, seus elementos, tanto éticos quanto relativos ao ordenamento jurídico, o risco de compliance e a relação com stakeholders, além da influência de normas estrangeiras e a participação nas normas de direito brasileiro são relevantes para compreender o compliance.

            Sobre a função do compliance afirma Marcelo Coimbra:

Conduta íntegra e responsável das empresas é um problema mundial. No contraponto, está a força pela governança corporativa, não só pela atuação conforme as normas legais, mas o uso das melhores práticas e valores. A quebra de uma regra envolve não só uma falha individual, mas uma falha da organização. A busca por mecanismos de compliance envolve melhora na rentabilidade, redução de custos e aumento da competitividade. Da mesma forma, esses mecanismos servem como elemento coercitivo para cumprir normas e evitar corrupção. As empresas precisam estar preparadas para ser transparentes, responsáveis e para enfrentar o controle social. Do ponto de vista macro, não se pode perder de vista que uma sociedade composta por organizações íntegras constitui-se uma sociedade mais justa e harmoniosa, com maior respeito aos direitos individuais, com menos corrupção e pobreza. Assim, o Compliance não protege apenas a organização em si, mas a sociedade como um todo. Ademais, o respeito à lei é um dos pilares centrais do Estado Democrático de Direito. A falta de integridade é fator de perda de confiança nas organizações, afetando ainda a economia nacional. (COIMBRA; BINDER, 2010, p. 45)

            Tornar as organizações íntegras não é tarefa fácil. É comum ver grandes empresas envolvidas em escândalos como os casos da concordata da WorldCom, a situação da Arthur Andersen, o caso Xerox, o Parmalat. A postura ética, a governança e a sustentabilidade, em geral, já fazem parte do discurso das organizações, mas é preciso um esquema de Compliance para garantir a coerência e aplicabilidade dessa postura: Para a organização estar em Compliance, ela precisa colocar a questão no centro de sua estratégia, como elemento formador da sua identidade, convertendo-o em política e programa, criando uma infraestrutura e um ambiente de Compliance com o compromisso da administração e dos colaboradores de respeito às normas.

É preciso lembrar que a simples implementação de programas de Compliance não é capaz, per se, de tornar a empresa imune aos escândalos, crises e desvios comportamentais de seus gestores e colaboradores. No entanto, a adoção desses programas reduz consideravelmente os riscos, aprimora a fiscalização interna e aumenta o rigor no combate a fraudes. O primeiro estímulo a adoção desses programas veio das instituições financeiras, e posteriormente, estendeu-se a outros setores, como o de telecomunicações e o farmacêutico, aplicando-se a todo tipo de organização,  tanto empresas e entidades do terceiro setor como entidades públicas (pequenas ou grandes), empresas de capital aberto e empresas fechadas de todas as regiões do mundo.

O compliance está composto por elementos que pautam o programa ético da empresa. Entre eles, está a integridade, que tanto é valor fundamental, como razão de ser do programa de compliance. Em contraponto, o compliance é tido como elemento central do sistema de integridade, ao mesmo tempo em que garante a própria integridade. Aqui, a integridade funciona estabelecendo limites com base na visão e na missão da empresa, alinhado com os interesses e responsabilidades.

As funções de compliance têm como foco a monitoria de atividades de risco e prevenção das ações danosas. Essa fiscalização se dá pelo estabelecimento de limites e atuação pela integridade. Uma vez estabelecidos os limites, a empresa passa a atuar com uma identidade de governança, independente de quem estiver no poder.

Essa busca por uma identidade é possível porque as entidades não têm apenas um objetivo específico para a personalidade jurídica, mas também são também entidades éticas, que se orientam segundo alguns valores, padrões e melhores práticas. Por isso, a maneira como as empresas são governadas passou a ser um tema de interesse coletivo.

São considerados elementos essenciais para a garantia da função de compliance: o suporte da equipe de liderança, levantamento e processamento dos dados sobre riscos, adoção de políticas e controles internos, criação de canais de comunicação, treinamento dos funcionários50, auditoria. A empresa deve ser clara ao mostrar que o cumprimento das normas é valor fundamental da empresa, inclusive as normas éticas.

Além das funções protetivas de identidade da empresa, e de imposição da ética corporativa, o compliance é visto como um pilar da governança corporativa, por fortalecer o respeito às regras e por mitigar riscos. Assim, evita-se a violação das normas e desgastes desnecessários – inclusive ações civis ou criminais. Essa busca por padrões éticos acaba por antecipar a conduta da empresa em futuras regulações.

Dessa forma, o compliance reduz gastos logísticos e o tempo de resposta a um problema, porque os riscos são mais visíveis a quem estiver atuando na gestão da empresa. A busca por ética vai além dos limites físicos da empresa: a instituição acaba se envolvendo com causas ambientais e sociais, cumprindo padrões de responsabilidade ambiental, e tendo real envolvimento em projetos sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante do exposto, foi visto que com um novo quadro de ordem econômica, com ênfase na sociedade de risco, buscou-se criar mecanismos mais eficazes de tutela e combate à corrupção, tendo como processo a flexibilização do Direito Penal. Todavia, tais meios, muitas vezes se confrontam com o nosso atual Direito Penal.

Conclui-se que, pelas condutas individualizadas com os programas de compliance, é possível determinar a vontade do ente ou de seus agentes, e se ela foi em benefício da empresa. Entretanto, o cenário atual brasileiro não permite que a pessoa jurídica seja responsabilizada pelos programas de compliance, aos moldes do que acontece com a pessoa física. Ainda assim, o criminal compliance é determinante para averiguar qual dos dirigentes ou funcionários cometeu o delito, e para o reforço da credibilidade da empresa.

Mesmo que se supere o dogma da responsabilidade penal para a pessoa jurídica, e que o compliance servisse para a detecção da capacidade e vontade da pessoa jurídica, a perfectibilizarão do enquadramento esbarra na culpabilidade e nas sanções adotadas. Cabe lembrar que a culpabilidade não é mérito deste trabalho (e que rende discussão apartada), mas, no que tange às sanções sugeridas pelo Decreto nº. 231 italiano, estamos diante das mesmas atribuídas pela seara administrativa no Brasil. Vale a pena enfrentar todo o dogma da superação da personalidade jurídica enquanto agente criminoso para aplicar a ela as mesmas sanções administrativas? Parece que a resposta seja não. Há diversos desdobres do criminal compliance para discussão, como os limites da responsabilidade do Compliance Officer, entretanto, a discussão sobre a possível responsabilização da empresa não parece ser viável no atual cenário do Direito Penal brasileiro. É mister continuar estudando e avaliando as implicações penais da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Portanto, sem uma reforma no atual sistema, é de se indagar se meios de combates contra a corrupção utilizada em outros países não ferem direitos adquiridos e valorizados ao longo da nossa história. A resposta, só o tempo dirá.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                        

 

ALMEIDA DOS SANTOS, Renato. Compliance como ferramenta de mitigação e prevenção da fraude organizacional. In: Prevenção e combate à corrupção no Brasil: 6º Concurso de Monografias: trabalhos premiados. Presidência da República, Controladoria-Geral da União, pp. 161-228, Brasília: CGU, 2011.

ASSIS MACHADO, Martha Rodrigues de. Sociedade de Risco Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais: IBCCRM, 2005.

MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de Compliance Anticorrupção: importância e elementos essenciais. DEL DEBBIO, Alessandra; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (coordenadores). Temas de Anticorrupção e Compliance. Rio Janeiro: Elsevier, 2013.

COIMBRA, Marcelo de Aguiar; BINDER, Vanessa Alessi Manzi (coordenadores). Manual de compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010

COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o Julgamento da APN 470 - Compliance and the decision of Act 470. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 106/2014, jan./ 2014.

GRECO FILHO, Vicente. A corrupção e o Direito Administrativo Sancionador. Editora Quartier Latin, São Paulo, 2015.

LIMA, Carlos Fernando dos Santos. O Sistema Nacional Antilavagem de Dinheiro: as obrigações de compliance. In: DE CARLI. Carla Veríssimo (organizadora). Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.

LUCCHESI, Guilherme Brenner. Da expansão do Direito Penal para a expansão para além do Direito Penal: uma análise a partir dos mecanismos de controle social instituídos pela lei anticorrupção (Lei 12.846/2013). Revista do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico,n.1, 2017.

RIZZO, Maria Balbina Martins de. Prevenção à Lavagem de Dinheiro nas Instituições do Mercado Financeiro. São Paulo: Trevisan Editora, 2016.

SALLES, Bruno Pereira Ribeiro. Publicação de artigo. O Compliance aplicado ao Direito Penal, 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-compliance-aplicado-ao-direito-penal,55627.html>. Acesso em: 27 de novembro de 2019..

SILVEIRA, Renato de Mello. Compliance e Direito Penal na era pos – Lava Jato. Revista dos Tribunais, vol. 979/2017, p.31-52, maio/2017.


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Sobre o autor
Rodrigo Gentil Falcão

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Professor concursado da ACADEPOL-SP. Especialista em direito público. Mestrando em criminologia.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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. Para um melhor entendimento do tema, será estudado o conceito de compliance; elementos e funções que compõem o instituto, análise da criminal compliance e as suas possíveis consequências para às empresas no caso de não aplicação.

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