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Notas à Lei nº 11.187/2005.

Altera o CPC para conferir nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento

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A nova disposição suprime a discricionariedade estratégica assegurada ao agravante no sistema anterior. A forma retida, portanto, transformou-se na modalidade-regra de interposição do agravo.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os arts. 522, 523 e 527 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento." (NR)

COMENTÁRIOS.

1. REDAÇÃO ANTERIOR: "das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento".

2. Nova redação deixa claro o objetivo de "transformar a interposição do recurso de agravo retido como regra geral" [1]. Conforme estabelece CLITO FORNACIARI JÚNIOR: "A Lei 11.187, de 19/10/2005, (...) pretende proscrever o agravo de instrumento, a ser permitido somente quando a decisão interlocutória for ´suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação´, dando essa conotação, desde logo, às decisões de não recebimento da apelação e a que define seus efeitos. Desse modo, em regra, contra as interlocutórias o recurso é de agravo, porém na modalidade retida" [2]. A forma retida, portanto, transformou-se na modalidade-regra de interposição do agravo.

3. A nova disposição suprime a discricionariedade estratégica assegurada ao agravante no sistema anterior. Nele, ressalvadas as hipóteses do art. 523, § 4º (que tratava do agravo obrigatoriamente retido e que foi expressamente revogado), assegurava-se ao agravante plena liberdade de escolha relativamente à forma de interposição do recurso, segundo o que fosse mais conveniente à sua estratégia processual [3]. Nesse sentido: "A nova lei (...) derrogou a faculdade de escolha das modalidades (instrumento e retido) pelo agravante" [4].

4. O excepcional cabimento do agravo por instrumento fica restrito às seguintes situações:

4.1. QUANDO SE TRATAR DE DECISÃO SUSCETÍVEL DE CAUSAR À PARTE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO.

4.2. NOS CASOS DE INADMISSÃO DA APELAÇÃO.

4.3. NOS CASOS RELATIVOS AOS EFEITOS EM QUE A APELAÇÃO É RECEBIDA.

5. A primeira hipótese normativa (item 4.1.) veicula um conceito legal indeterminado [5]. Daí a constatação de que "os requisitos de lesão grave e de difícil reparação são conceitos permeados de subjetividade" [6]. A demonstração do pressuposto, portanto, deve se dar em concreto.

5.1. A "lesão grave e de difícil reparação deve ser compreendida como aquela que, no caso concreto, exige imediata reforma, como condição de idoneidade do provimento aguardado" [7].

5.2. A cláusula corresponde àquela usada pelo art. 798, do CPC, quando define o periculum in mora como pressuposto geral de cautelaridade.

5.3. A cláusula corresponde, também, àquela usada pelos arts. 527, III, c.c. 558, do CPC, quando definem o periculum in mora como pressuposto de concessão de efeito suspensivo/ativo ao agravo de instrumento. A verificação é feita por CLITO FORNACIARI JÚNIOR: "aquilo que era apontado a fim de se requerer efeito suspensivo ou ativo, agora o será, de vez que requisito de admissibilidade do próprio recurso" [8]. Isso faz com que o agravo de instrumento, na hipótese examinada, passe a ter natural efeito suspensivo [9].

6. As outras duas hipóteses legais (itens 4.2 e 4.3) são "mais objetivas" [10].

6.1. A primeira delas é a que determina o cabimento do agravo de instrumento contra a decisão que não admite a apelação (= juízo negativo de processamento). O agravo retido é inidôneo, porque somente subiria junto com a apelação que, no entanto, ficou trancada [11]. Nesse caso, a interposição por instrumento não é apenas permitida (= admitida, nos termos da nova redação do art. 522), mas obrigatória, porquanto falta interesse processual (= utilidade) àquele que pretenda utilizar a forma retida. De resto, o periculum in mora é presumido, dada a proximidade do trânsito em julgado e iminência das manobras executórias, que implicam, em si, lesão grave e de difícil reparação. A utilização do agravo é restrita aos casos de não processamento do apelo, porquanto não cabe recurso contra a decisão que admite a apelação [12].

6.2. A outra hipótese legal é a que determina o cabimento do agravo por instrumento contra a decisão relativa aos efeitos em que a apelação é recebida. Há, assim, duas hipóteses: a) O recurso deveria ser recebido apenas no efeito devolutivo, mas o juiz o recebe no duplo efeito (nesse caso o agravante vai ao Tribunal na busca de liberar a execução provisória); b) O recurso deveria ser recebido no duplo efeito, mas o juiz o recebe no efeito meramente devolutivo (nesse caso o agravante vai ao Tribunal na busca de evitar a executividade imediata da sentença). Novamente aqui o agravo retido seria inidôneo, na medida em que não faria sentido uma discussão sobre a executividade provisória que se desse no momento do julgamento da apelação: fazer o agravante esperar o julgamento da apelação para ver examinado o pleito de execução provisória equivale a inviabilizar esse pleito. Daí se presumir, também aqui, o periculum in mora.


"Art. 523...........................................................................

........................................................................................

§ 3º Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante." (NR)

COMENTÁRIOS.

1. REDAÇÃO ANTERIOR: "das decisões interlocutórias proferidas em audiência admitir-se-á interposição oral do agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas sucintamente as razões que justifiquem o pedido de nova decisão".

2. A nova disposição tem aplicação expressamente restrita às audiências de instrução e julgamento. Fica a dúvida relativa ao cabimento do agravo contra decisões proferidas em outras audiências (arts. 125, IV, e 331, CPC). Há duas teses: A) IRRECORRIBILIDADE DAS INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NESSAS OUTRAS AUDIÊNCIAS. Parece ter sido essa a mens legislatoris: "A alteração proposta no § 3º do art. 523, quando especifica decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento, restringe a hipótese de recorribilidade de decisões com a natureza referida àquelas ocorridas nestas audiências" [13]. A tese é reforçada pela incidência, nas audiências, do princípio da oralidade, do qual a irrecorribilidade das interlocutórias é corolário [14]. Naturalmente que, a prevalecer essa tese, não haverá preclusão decorrente da não interposição do recurso. B) RECORRIBILIDADE DESSAS INTERLOCUTÓRIAS POR INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA GERAL DE CABIMENTO [15] DO ART. 522. Conforme GUILHERME BEUX NASSIF AZEM: "Na ausência de norma expressa vedando o recurso nas demais audiências, prevalece a interpretação que o admite, não somente em homenagem à garantia constitucional da ampla defesa, mas também, pela subsunção do fato ao art. 522" [16].

3. A utilização do imperativo "caberá" impõe a seguinte interpretação: "as decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento somente poderão ser impugnadas por meio de agravo retido" [17]. O problema criado é o seguinte: a norma, ao dizer que somente cabe o retido, exclui o cabimento do agravo por instrumento ? Há duas posições: A) CABE AGRAVO DE INSTRUMENTO, em razão da incidência da norma geral do art. 522, do CPC [18]. Nesse caso, uma questão haverá de ser contornada pela jurisprudência: se o relator não admitir o agravo de instrumento (seja sob o entendimento de que ele é implicitamente vedado pela imperatividade do art. 523, § 3º, seja sob o entendimento de que inexiste, no caso, risco de lesão grave e de difícil reparação) e, por isso, determinar a conversão, estará, indiretamente, admitindo um agravo retido interposto fora do prazo [19]; B) NÃO CABE AGRAVO DE INSTRUMENTO. Nesse caso, para não se negar vigência à garantia da ampla defesa e da inafastabilidade da jurisdição em casos de risco de lesão grave e de difícil reparação, tem-se ventilado o cabimento de mandado de segurança contra ato judicial.

4. A nova redação diz que o agravo retido deve ser interposto oral e imediatamente. Isso tem rendido ao recurso a denominação de agravo oral, agravo verbal, agravo no termo ou agravo à vista.

4.1. A previsão de interposição oral do agravo retido manejado contra decisões proferidas em audiência já existia na redação alterada no art. 523, § 3º, do CPC, que, no entanto, referia-se a toda e qualquer audiência, e não somente à audiência de instrução e julgamento, como quer a nova redação. Ocorre que, na redação anterior, a interposição oral era faculdade do agravante, que poderia preferir, a seu critério, promover a interposição escrita no prazo de 10 dias. No sistema da lei nova, a interposição verbal é imposta ao agravante, daí a referência à necessidade de que o recurso seja interposto imediatamente, sob pena de preclusão [20]. Em função disso, houve, no particular, redução do prazo recursal mercê da alteração da forma de interposição da irresignação.

4.2. Como houve completa alteração da redação do art. 523, § 3º, do CPC, sem qualquer ressalva, suprimiu-se a permissão que havia para que os agravos retidos manejados contra decisões proferidas em audiências outras, que não as de instrução e julgamento, fossem interpostos oralmente. Na redação atual, ou se interpõe o recurso de maneira obrigatoriamente verbal (nas audiências de instrução e julgamento), ou se interpõe o recurso de maneira obrigatoriamente escrita (nas audiências outras).

4.3. A nova norma nada dispôs sobre o processamento do agravo retido oral. Por força do princípio da igualdade, parece claro que o juiz deva, ao receber o agravo retido, abrir a oportunidade para que o agravado responda, também imediatamente. Após, o juiz deve se manifestar em sede de juízo de retratação.


"Art. 527...........................................................................

........................................................................................

II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa;

........................................................................................

V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial;

VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar." (NR)

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COMENTÁRIOS.

1. REDAÇÃO ANTERIOR: "Art. 527.....................................................

II – poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente;

V – mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante a publicação no órgão oficial;

VI- ultimadas as providências referidas nos incisos I a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único - Na sua resposta, o agravado observará o disposto no § 2º do art. 525".

2. A primeira alteração diz respeito ao regime de conversão do agravo de instrumento em retido. O que parecia ser uma faculdade do relator (a lei falava "poderá converter") tornou-se, sem sobra de dúvida, uma imposição a ele (a nova redação fala "converterá") [21]. Na fase de processo legislativo, afirmou-se que a norma alterada "não satisfez as expectativas da comunidade jurídica, porquanto os desembargadores, diante da singela faculdade instituída em favor da jurisdição, têm revelado excessiva cautela na apreciação dos casos que demandam ´urgência´ ou encerram potencialidade de ´dano de difícil e de incerta reparação´, deixando, assim, de determinar a baixa do agravo de instrumento em muitos casos em que o recurso cabível é o agravo retido" [22].

3. O mencionado caráter imperativo é reforçado e completado pela supressão do cabimento do agravo interno da decisão que determina a conversão, nos termos da nova redação do parágrafo único. Segundo verifica RICARDO MENDONÇA NUNES: "Antes o relator sentia-se intimidado em converter o agravo de instrumento em agravo retido, porque, assim fazendo, abriria campo para um novo recurso: o agravo interno. Novo recurso significa trabalho em dobro. Por isso a pouca aplicabilidade da conversão. Agora, como foi retirada a possibilidade de agravar internamente da decisão de conversão, os relatores, se utilizarem efetivamente o instituto, reduzirão a carga processual, mantendo-se somente os agravos de instrumento que objetivam reformar decisões cujo teor realmente cause lesão de difícil reparação" [23].

3.1. No caso examinado [24], a supressão do agravo interno traz alguns problemas. O controle da legalidade do ato monocrático do relator somente é possível, nos termos da nova redação do parágrafo único, através de duas vias: a reconsideração e a reforma no momento do julgamento do agravo.

3.2. A lei prevê a reconsideração, mas nada diz sobre como ela deva ser processada, algo que ficará a cargo dos regimentos internos dos tribunais. Pode-se questionar se a reconsideração pode se dar de ofício. A possibilidade esbarra na ocorrência da preclusão pro judicato [25]. Sendo assim, essa possibilidade ficará restrita às situações que envolvam matéria de ordem pública [26]. De toda forma, parece induvidoso que a reconsideração possa se dar a pedido do agravante, que viu ser convertido em retido o recurso que interpôs por instrumento.

Haveria, então, a previsão legal para um pedido autônomo de reconsideração [27] algo que até então não estava regulado no direito processual brasileiro [28], perante o qual, antes da vigência da lei nova, "o pedido de reconsideração não tem forma nem figura de juízo" [29]. Seria o caso de indagar qual a natureza desse pedido de reconsideração. Parece-nos possível sustentar a natureza recursal do referido instituto [30]. Essa natureza não era reconhecida pela jurisprudência justamente em função da ausência de previsão legal, exigida por força do princípio recursal da taxatividade [31]. Mas tal óbice está removido, ainda que não se tenha ampliado o rol do art. 496, do CPC [32].

3.3. Afora o pedido de reconsideração, diz a nova norma que o ato do relator somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo. Mesmo a incipiente doutrina que tem se formado desde a promulgação da lei tem apontado a incongruência da dicção legislativa.

Inter plures: "Constata-se que a referência à decisão proferida, no caso do inciso II é de todo inapropriada, ao menos nos expressos termos em que ficou redigida. Isso porque não faz sentido falar que a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo. Quando este recurso foi julgado (por ocasião do julgamento da apelação) pouco importará se a conversão estava ou não correta. Mesmo que equivocada a conversão, ao se apreciar a apelação, jamais se determinará o processamento do agravo retido pelo regime do agravo de instrumento, isto é, não haverá ´reconversão´" [33]. Severa é também a crítica de CLITO FORNACIARI JÚNIOR: "Registre-se, em primeiro lugar, que, com relação à decisão de conversão, a possibilidade de reforma é nenhuma, porque tardia e inútil, de vez que poderá ocorrer só no momento de julgamento do agravo, ou seja, do convertido, portanto, do retido, que se julga junto com a apelação. Se ele está sendo julgado – e isso ocorrerá somente quando da apreciação da apelação – a reforma da decisão de conversão é um nada jurídico: converter para quê ? Para retroceder ?" [34].

3.4. ANTONIO CARLOS MARCATO, na justa tentativa de aproveitar o criticável texto legal, coloca-nos diante de uma outra dúvida. Diz ele que "É evidente que a turma julgadora sequer tomará conhecimento do agravo, pois ele já foi remetido ao juízo de origem. Portanto, a previsão (...) no sentido de que a decisão liminar somente poderá ser reformada (pela turma julgadora) no momento do julgamento do agravo (de instrumento), aplica-se apenas às seguintes situações: (a) se o relator não converte o agravo de instrumento em retido, sendo o caso de conversão (...)" [35].

O posicionamento coloca o intérprete da lei na seguinte situação: o legislador determina a aplicação do parágrafo único à decisão liminar proferida nos casos dos incisos II e III; o inciso II diz que o relator converterá o agravo de instrumento em retido; indaga-se: é cabível reconsideração, e reforma pela turma julgadora, da decisão que não faz a conversão ? Ou o cabimento é restrito às hipóteses (positivas) de conversão do agravo de instrumento em retido ? Se o propósito da lei é, como é mesmo, desobstruir as pautas das Cortes ordinárias, a interpretação mais afinada com essa finalidade parece ser aquela que considera irrecorrível a decisão negativa.

3.5. GUILHERME BEUX NASSIF AZEM oferece ainda outra alternativa hermenêutica: "A remissão ao inciso II, que trata da conversão do agravo de instrumento em retido, causa estranheza. A aparente contradição ou atecnia deve ser superada por um juízo interpretativo menos restritivo. Ao afirmar que as referidas decisões somente serão passíveis de reforma quando do julgamento do agravo, deixa-se clara a possibilidade de reforma, argumento reforçado pela utilização da expressão ´decisão liminar´na primeira parte do parágrafo único. O relator, portanto, deverá levar a julgamento o agravo (de instrumento), propondo, salvo reconsideração, a ratificação da conversão" [36]. Na visão do autor, portanto, a conversão seria deliberada pelo relator ad referendum da Câmara. A estratégia interpretativa, também aqui, põe-se em contravenção à mens legis. Não faria sentido que a lei suprimisse o agravo interno (voluntário), com o propósito de desobstruir as pautas, e criasse, ao mesmo tempo, um encaminhamento de ofício à confirmação do colegiado.

3.6. Essas considerações nos colocam diante do problema da irrecorribilidade da deliberação monocrática do relator. Naturalmente que esse problema supõe a convicção de que a reconsideração, antevista na nova lei, não tem natureza recursal, ou de que, apesar de ter formalmente essa natureza, materialmente não a tem, porque o julgamento revisional se dá pelo mesmo juízo prolator do ato revisando, o que diminui substancialmente as chances de reforma. Ao lado disso, é certo que a generalidade dos regimentos internos dos tribunais prevê recurso contra ato monocrático do relator, a ser julgado pelo colegiado ao qual esteja o julgador singular vinculado. Trata-se do agravo regimental, antecessor histórico do agravo interno, inclusive daquele que foi suprimido pela lei sob exame. Ora, como houve essa supressão, por força de lei, é certo que os regimentos internos que prevejam agravo regimental nas condições do novo parágrafo único passam a padecer de superveniente ilegalidade, até porque, na hierarquia das normas, não podem os regimentos se sobrepor ao Código de Processo [37]. Nesse contexto, a se considerar (1) que a reconsideração não tenha natureza recursal, (2) que o agravo regimental seja, no caso, ilegal e inadmissível, e (3) que a reforma pela turma julgadora seja procedimentalmente inviável, segue séria a questão da irrecorribilidade do ato monocrático de conversão. A questão suscita dois problemas: A) É possível que se estabilize como válido um ato do Tribunal praticado isoladamente por um de seus membros ? B) Está afrontada, pela falta de previsão de recurso próprio, a garantia constitucional da ampla defesa ?

3.7. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de reconhecer existente uma regra constitucional implícita da colegialidade das decisões definitivas dos Tribunais [38]. No mesmo sentido, a doutrina já disse que: "as decisões dos Tribunais são válidas apenas quando resultam de um congresso de vontades" [39].

Sendo assim, apesar de lícita distribuição de competências entre os membros dos Tribunais, considerados individual e isoladamente, não se pode conceder às decisões proferidas no âmbito dessa competência insular o atributo da irrecorribilidade. Noutros termos, sempre há de haver um mecanismo (que é, normalmente, o agravo interno) de controle do ato monocrático e preservação da autoridade colegiada, isso sob pena de indevida renúncia às atribuições constitucionalmente cometidas aos Tribunais – órgãos de deliberação essencialmente coletiva. Nesse contexto, a previsão de recurso regimental, ainda que desatendesse à lei ordinária de processo, estaria de acordo com a Constituição [40], e desse modo absolutamente válida. E, "à falta dessa previsão de agravo regimental, restaria ainda, em caráter excepcional, o mandado de segurança" [41].

3.8. A doutrina tem constatado, ainda, que a supressão do agravo interno, a tornar irrecorrível o ato monocrático do relator, nas condições acima mencionadas, implica violação à garantia da ampla defesa. Com acuidade, SANDRA SANTOS fala em "mitigação do princípio constitucional da ampla defesa e dos recursos a ela inerentes, em virtude da irrecorribilidade daquela decisão liminar" [42]. Não há dúvida de que essa mitigação está positivada na lei em nome da garantia constitucional da celeridade processual. O intérprete se vê, portanto, diante da colisão de dois princípios constitucionais de igual dignidade, o que atrai a invocação do princípio da proporcionalidade, de que se lança mão quando "o problema consiste em determinar onde se situa o limite da satisfação lícita de um interesse à custa de outro também digno de tutela" [43]. Nessa perspectiva, a supressão do agravo interno foi mesmo seriamente considerada na fase de processo legislativo:

"Finalmente, resta analisar a mais importante alteração preconizada pelo PLC nº 72, de 2005 (parágrafo único adicionado ao art. 527 do CPC), consistente no estabelecimento, por via transversa, da irrecorribilidade da decisão monocrática que i) converte em retido o agravo de instrumento, lhe ii) atribui efeito suspensivo ou iii) defere a tutela recursal, no todo ou em parte. Trata-se de tema que demanda maior detenção.

É que a razão da existência dos recursos reside, por uma parte, na natureza irresignável do ser humano diante de situações – no caso, decisões – adversas, e, por outra, na falibilidade inata aos órgãos que exercitam a jurisdição.

Realmente, por mais que justa seja a decisão exarada, dificilmente conformar-se-á o indivíduo, sobretudo se o provimento for único. Humberto Theodoro Junior, a propósito, afirma, resgatando ensinamento de Gabriel Rezende Filho, que "psicologicamente, o recurso corresponde a uma irresistível tendência humana", acrescentando que, "na verdade, é intuitiva a inconformação de qualquer pessoa diante do primeiro juízo ou parecer que lhe é dado. Naturalmente, busca-se uma segunda ou terceira opinião." (Processo de conhecimento. Vol. I, p. 488).

Como bem acentuou Lino Enrique Palacio, "a razão de ser dos recursos reside na falibilidade do juízo humano e na conseqüente conveniência de que, por via do reexame, as decisões judiciais se adaptem, na maior medida possível, às exigências da justiça" (Manual de derecho procesal civil, p. 570, tradução livre).

Essa possibilidade de revisão dos provimentos judiciais, mais que uma possibilidade jurídica e uma faculdade deferida aos jurisdicionados, afigura-se decorrente de uma inapelável necessidade de autocorreção do sistema judicial, tendente a evitar os tantos erros de julgamento e de procedimento em que incorrem os magistrados, ora por incúria, ora por má-fé. Nesse sentido, a prerrogativa do duplo grau de jurisdição, verbi gratia, revela-se uma garantia essencial à boa justiça.

É preciso ter em conta, no entanto, que a persecução da justiça e da conformação do sucumbente não pode ser incessante, pena de se eternizarem os litígios, causando inconveniente insegurança jurídica e gerando, inevitavelmente, injustiça.

Com efeito, devem ser conciliados, tanto quanto possível, os fins jurídico – substanciado na prolação de decisões efetivas e seguras – e social da jurisdição, isto é, a pacificação por meio da eliminação judicial dos conflitos, o que demanda economia e celeridade.

Eis aí o maior problema do processualista e, pois, do legislador: equilibrar esses dois aspectos da jurisdição.

Não obstante o ideal fosse a justaposição das duas decisões, de sorte que a segunda reafirmasse, sempre, a certeza da primeira, ou que se repetissem ambas até a obtenção da dupla conformidade, injunções de ordem prática, fundadas na economia e na necessidade de breve restauração da paz coletiva, afetada pelos litígios, com as quais deve o legislador transacionar, aconselham ora a forma transacional de prevalência do segundo julgado, ora a estipulação da irrecorribilidade de determinado provimento, a fim de se evitar a ilimitada repetição do pleito, o que, além de não assegurar, no seu resultado último, certeza absoluta de justiça, encarece desmedidamente o custo da prestação jurisdicional, em prejuízo do interesse público de estabilidade dos direitos (Miguel Seabra Fagundes. Dos recursos ordinários em matéria civil, p. 13, nota 18).

Por essa razão, impõe-se a limitação do número de recursos, a fim de se evitar, mediante decisões protegidas pela preclusão ou pela coisa julgada, o prosseguimento nocivo das controvérsias. Tal necessidade era já observada por Eduardo Coutore, ao consignar que "à medida que o tempo passa, vai-se restringindo a possibilidade de recorrer. Em nosso país, toda a legislação posterior à codificação de 1879 não é outra coisa senão um processo de supressão e cerceamento dos recursos tradicionais. A tendência de nosso tempo é aumentar os poderes do juiz e diminuir o número de recursos: é o triunfo de uma justiça pronta e firme sobre a necessidade de uma justiça boa, mas lenta" (Fundamentos del derecho procesal civil, p. 349, tradução livre).

Na mesma esteira, Humberto Theodoro Júnior assevera que o legislador brasileiro deve ter coragem de "inovar o sistema recursal como um todo, reduzindo o número de recursos e os casos de respectivo cabimento. Não há processo civil algum, no direito contemporâneo dos povos cultos, que contemple uma gama tão ampla de possibilidade de acesso à via recursal como a do Código brasileiro" (O processo civil brasileiro: no limiar do novo século, p. 191).

Diante dessas asserções, é possível inferir que permitir a recorribilidade da decisão monocrática que antecipa a tutela recursal, confere efeito suspensivo ao agravo de instrumento, ou, inversamente, converte-o em agravo retido, é uma questão, mais que técnica, de política judiciária, em que o aspecto da segurança (escopo jurídico) ocupa papel primordial, devendo, todavia, conciliar-se com os objetivos de celeridade e efetividade processuais (fim social da jurisdição).

Nesse panorama, a opção adotada pela proposição revela-se-nos a mais adequada à realidade brasileira. Devemos, realmente, perseguir a celeridade processual, até porque, após a edição da Lei nº 10.352, de 2001, aumentou, em muitos casos, o trabalho das cortes ordinárias, em vista da constante interposição de agravos internos (ou regimentais) das decisões que determinam a conversão do agravo de instrumento, em detrimento da economia almejada" [44].

Ao que se vê, optou-se por mitigar a garantia da ampla defesa diante da garantia da celeridade. Considerando-se a natureza da decisão que passou a ser insuscetível de agravo interno – decisão do relator que delibera sobre como deve tramitar um recurso interposto contra decisão interlocutória, dotada de feição meramente procedimental e com baixíssima potencialidade de lesar, em caráter grave e definitivo, o direito material em jogo no processo –, não parece desarrazoado dar preponderância, nesse particular, ao princípio da celeridade, em detrimento ao da ampla defesa.

3.9. A questão é bem menos complexa quando se trata da supressão do agravo interno antes cabível contra a deliberação monocrática proferida no caso do inciso III do art. 527, do CPC. Nesse caso, a referida deliberação monocrática efetivamente merece a denominação legal de liminar, eis que, mesmo despido de eficácia suspensiva, o agravo de instrumento irá caminhar em direção ao julgamento colegiado.

Oportuna, assim, a equilibrada posição de RICARDO MENDONÇA NUNES: "os princípios da celeridade, hoje com status constitucional por conta da emenda constitucional 45 (art.5°, LXXVIII) e o princípio da segurança jurídica (art.5°, caput) são princípios constitucionais que devem conviver, sem, porém, excluir um ao outro. A manutenção da possibilidade de agravar por instrumento de decisões que causem grave lesão de difícil reparação homenageia o princípio da segurança jurídica e o princípio republicano (toda manifestação de poder necessita de controle), sem, contudo, afastar a celeridade processual. Isso porque, o legislador encontrou um meio termo com a nova lei. Com efeito, ao manter o agravo de instrumento nos casos de lesão grave e de difícil reparação, a lei 11.187/05, assim como a redação revogada, previu a possibilidade de conversão do agravo de instrumento em agravo retido, só que, desta feita, aboliu a possibilidade de recurso da decisão do relator que determina a conversão. Ora, antes o relator sentia-se intimidado em converter o agravo de instrumento em agravo retido, porque, assim fazendo, abriria campo para um novo recurso: o agravo interno. Novo recurso significa trabalho em dobro. Por isso a pouca aplicabilidade da conversão. Agora, como foi retirada a possibilidade de agravar internamente da decisão de conversão, os relatores, se utilizarem efetivamente o instituto, reduzirão a carga processual, mantendo-se somente os agravos de instrumentos que objetivam reformar decisões cujo teor realmente causem grave lesão de difícil reparação. Assim, por esse novo regime, não se afasta a recorribilidade das decisões interlocutórias. O controle de tais decisões continuará existindo, só que ao final, quando do conhecimento do agravo retido na apelação. Por isso, não há mácula ao princípio da segurança jurídica nem ao princípio republicano porque as decisões continuarão sendo revistas por autoridade superior na apreciação do agravo retido. O que ocorreu apenas foi uma preponderância processual do valor celeridade em face do valor segurança jurídica, deferindo a reapreciação de decisões interlocutórias, na busca de um processo civil de resultados. Portando, laborou com acerto o legislador no novo regramento do recurso de agravo" [45].

3.10. Registre-se que, nesse caso por último examinado, não resta dúvida de que foi eliminado cabimento de agravo regimental com o mesmo fim do suprimido agravo (legal) interno. Peremptoriamente, afirma o precitado GUILHERME BEUX NASSIF AZEM: "Veda-se a interposição do denominado agravo regimental, admitido por alguns tribunais pátrios" [46].

3.11. Remanesce íntegra a dúvida sobre se caberá a aplicação do parágrafo único nos casos de decisão negativa, em que o relator nega o efeito suspensivo ou a antecipação dos efeitos da tutela recursal. ANTONIO CARLOS MARCATO, coerentemente com o que já foi citado acima, sustenta que "a previsão (...) no sentido de que a decisão liminar somente poderá ser reformada (pela turma julgadora) no momento do julgamento do agravo (de instrumento), aplica-se apenas às seguintes situações: ... (b) se, na decisão liminar, o relator defere ou indefere o pedido de suspensão dos efeitos da decisão agravada ou, ainda, (c) se nega ou concede, liminarmente, a antecipação de tutela" [47].

4. A nova redação do inciso V abra ao agravado a possibilidade de juntar, com a contraminuta, a documentação que entender conveniente, e não mais apenas cópias das peças que entender convenientes. Houve evidente ampliação da possibilidade de atuação instrutória do agravado, tratado pela doutrina como "derivação do princípio da ampla defesa" [48]. De fato, para justificar a alteração legislativa, ponderou-se que "a expressão em vigor conduz a incorreta inteligência, qual seja, a de que somente se pode anexar ao instrumento a reprodução de peças já apresentadas no feito principal, reduzindo demasiadamente o espectro de defesa do recorrido" [49].

4.1. Convenha-se que o art. 525, do CPC, ao se referir às peças, obrigatórias e facultativas, permite a interpretação de que o instrumento somente pode estar composto de documentos já contidos no processo de origem. Ora, na medida em que se assegura ao agravado que lance mão de documentos estejam fora dos autos principais, é preciso que, pelo princípio da igualdade processual, a mesma prerrogativa seja assegurada ao agravante.

4.2. Aqui, o legislador privilegiou a ampla defesa em detrimento da celeridade. É que, se o agravado, valendo-se do novo permissivo, junta documento que não estava no processo de origem, o relator, se considerar pertinente a peça, terá que abrir vista ao agravante para que sobre ela possa se manifestar. Isso por imposição do princípio do contraditório: "De qualquer sorte, caso o agravante junte peças que não se encontravam nos autos principais, o relator deverá abrir vista ao agravante, em respeito ao princípio do contraditório" [50].

5. Outra alteração legal foi a que permitiu a negativa de seguimento do agravo de instrumento, bem como a sua conversão em retido, sem a prévia oitiva do Ministério Público (cf. novo art. 527, VI, CPC). Naturalmente que seria inútil a oitiva do Ministério Público a posteriori. Contudo, o que o texto sugere é que, assim como a decisão negativa de seguimento, a decisão de conversão é obrigatoriamente liminar, sendo inadmissível que ela se dê após a oitiva do agravado e/ou do Ministério Público, argumento que se reforça em função da ordem em que estão dispostas as providências a cargo do relator.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro Jacob

advogado, professor da graduação e pós-graduação da Unisantos e da Unip Santos, professor da Escola Superior da Advocacia e da Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JACOB, Luiz Guilherme Almeida Ribeiro. Notas à Lei nº 11.187/2005.: Altera o CPC para conferir nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 10 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7827. Acesso em: 25 abr. 2024.

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