FAMÍLIA
1.1 Conceito
O instituto da família é um dos mais antigos da civilização sendo considerada a base formadora da sociedade desde os mais remotos tempos. Assim, o instituto ao longo da história sofreu inúmeras mudanças e evoluiu até chegar no conceito que se tem atualmente.
A sociedade arcaica, por exemplo, se baseou no princípio do parentesco para se organizar e demarcar as regras e condutas que conduziriam suas atividades. Já na civilização antiga, segundo Antônio Carlos Wolkmer[1] (2011, p. 114),
a família romana e grega, por semelhança, traduzia o tipo de uma organização política cujo princípio básico era a autoridade, e esta abrangia todos quantos a ela estavam submetidos. O pater familias, ou seja, o chefe do núcleo familiar era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz, constituindo-se, assim, a família como a unidade da sociedade antiga, em contraposição à posição do indivíduo na sociedade moderna.
Contudo, influenciados pelo desenvolvimento da história, uma mudança de valores ocorreu, quando se impuseram à sociedade familiar outros direitos, destacando-se o do cidadão, sobrepondo-se ao doméstico.
Destarte, com a evolução pós-romana, a família, recebendo o subsídio do direito germânico, “mudou a sua concepção, deixando de lado a organização autocrática para que uma democrática afetiva surgisse, deslocando o princípio da autoridade paterna para o da compreensão e do amor”.[2]
Após séculos de acontecimentos, na idade média a família era dirigida com exclusividade pelo direito canônico, no qual este regulava as relações dos homens entre si e até mesmo o Estado. Segundo Clara Santana, “nesta época apenas o casamento religioso era conhecido, entretanto, a influência das normas romanas era exercida nas relações patrimoniais entre os cônjuges no que se refere ao pátrio poder”[3].
Cabe salientar que o direito canônico influenciou muito no que diz respeito à positivação de algumas normas civis, como aquelas que versam sobre o matrimônio, por exemplo. Dessa forma, feita a breve ponderação histórica acerca da evolução do instituto ao longo dos séculos, no Brasil, o mesmo também passou por modificações relevantes até chegar ao ponto que se tem atualmente.
Antes da promulgação da Constituição Federal, em 1988, era considerada família somente aquela formada pelo casamento, sendo execrada pelo legislador aquela formada fora deste, inclusive a constituída pela união estável de pessoas livres. Filhos concebidos fora do matrimônio eram considerados ilegítimos e eram tratados de forma desigual, não possuindo direito nenhum à sucessão de seu genitor.
Até entre os cônjuges havia uma hierarquia, devido a existência de uma cultura de dominação do pátrio poder, haja vista que a mulher era totalmente subordinada às ordens de seu marido, não possuindo os mesmos direitos que eram conferidos a ele[4]
Por sorte, muito se evoluiu desde essa época, já que com o advento da CF/88, foram auferidos a todos os cidadãos os mesmos direitos, sem qualquer distinção, inclusive referentes à sociedade conjugal, bem como foram reconhecidas como entidade familiar, também, as uniões estáveis e os núcleos familiares formados por qualquer dos pais e seus descendentes (monoparentalidade), conforme exposto nos artigos 5º, caput e 226, §§3º, 4º e 5º do referido diploma:
Nesse sentido, Clara Santana explica que,
a Constituição Federal de 1988 passou a priorizar a família como base da sociedade admitindo suas novas formas, estabelecendo assim novos valores sociais, a partir da valorização da pessoa humana, além de assegurar o tratamento prioritário às crianças e aos adolescentes conforme seu melhor interesse, fundamentado na igualdade e dignidade da pessoa humana[5].
No que diz respeito os núcleos familiares regulamentados pela Constituição Federal quando da sua promulgação, haverá, adiante, tópico especifico para tratar sobre o assunto. Contudo, é imprescindível salientar que a família é a base de formação do ser humano, sendo de suma importância para o indivíduo que esteja inserido em um núcleo que contribuirá para a construção de sua personalidade, caráter e humanidade, já que é a família que irá lhe proporcionar um bom acesso à saúde, educação, proteção e lazer.
Portanto, é no vínculo familiar que esses valores serão transmitidos, quais sejam os morais e sociais, que toarão de alicerce para a criança e o adolescente, influenciando, dessa maneira, o modo que será o comportamento desses futuros adultos em sociedade.
1.2 Núcleos familiares
Como já dito anteriormente, antes da promulgação da Constituição Federal em 1988, apenas a família constituída através do casamento era considerada legítima pelo ordenamento jurídico.
Porém, com o avanço social e cultural, a legislação tornou-se obsoleta e excludente para muitos cidadãos e a necessidade da adequação do ordenamento jurídico com a realidade social de muitos brasileiros viu-se cada mais urgente.
Com isso, o art. 226 da Constituição, passou a prever outros tipos de configurações familiares, além daquela fundada através do casamento, sendo eles: a união estável e a família monoparental formada por qualquer um dos pais.
A união estável, prevista no art. 226, §3º, antes não prevista na legislação passou a ter papel importante para a sociedade, uma vez que grande parte das famílias eram formadas por esse tipo de união. Além disso, o legislador ainda tomou o cuidado em prever legalmente uma facilitação da conversão da união estável para o matrimônio, haja vista que as pessoas que vivem nesse tipo de relação levam uma rotina exatamente igual a de um casal legalmente casado, entrentanto, só não recebem esse status, pois não preencheram os requisitos formais para tanto.
Nesse diapasão, como bem assevera Oliveira ao compreender que:
uma das espécies de família admitidas pela Constituição Federal é a constituída pelo casamento. Não obstante tenha o constituinte ampliado as espécies de família, é inegável, como bem constatou o professor Eduardo Leite, "a precedência e excelência desta forma legal de união (art. 226, §3º) em relação às demais entidades familiares". A leitura do art. 226, §3º, CF, incentivadora da conversão de uniões estáveis em casamento, é prova maior disso[6].
Já a segunda modalidade de família prevista constitucionalmente é a monoparental. Nessa espécie, o legislador assegurou a proteção das famílias formadas por só um dos pais e seus descendentes. Grande avanço conferido pela Constituição, uma vez que grande parte das famílias atualmente são pertencentes a esse grupo.
Além disso, cabe ressaltar o empoderamento que a previsão dessa espécie familiar trouxe às mulheres brasileiras, já que muitas delas integram suas famílias e as comandam como chefes, trazendo para si as responsabilidades que outrora era apenas dos homens.
Através dessa previsão, o impacto na desconstrução da cultura machista e patriarcalista predominante no país, passou a ser questionada e, às mulheres, foi dado um papel de destaque na sociedade, já que, agora, as mesmas não são figuras secundárias e subordinadas aos mandamentos dos homens, mas sim administradoras primordiais para a manutenção da ordem do lar.
Entretanto, mesmo que a Constituição em seu art. 226 tenha previsto alguns tipos de núcleos familiares, anteriormente explicados, há que se consignar que o rol não é taxativo, mas sim exemplificativo, de acordo com entendimento da doutrina e da jurisprudência acerca do assunto.
Desse modo, existem outros tipos de núcleos familiares implícitos no texto constitucional que merecem a menção na presente pesquisa, mesmo que de forma breve. São eles: a família homoafetiva, parental ou anaparental, pluriparental ou mosaico, paralela, eudemonista e unipessoal[7].
A família homoafetiva, após o julgamento da ADPF n. 132 foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, passando a receber o tratamento análogo ao de união estável, tendo reflexos, por exemplo, no direito sucessório, entretanto, a referida modalidade ainda não pode ser convertida em matrimônio.
Já a família parental ou anaparental refere-se àquele núcleo familiar constituído pela convivência entre parentes ou não, que compartilham a mesma residência, têm os mesmos objetivos de vida, constituem patrimônio, sendo equiparada à união estável no que diz respeito à repartição de bens[8].
Contudo, a família pluriparental ou mosaico, é aquela constituída por casais que possuem filhos de outros relacionamentos anteriormentes vividos[9].
A família paralela, refere-se àquela conhecida pela sociedade como concubinato. Mesmo ainda sendo socialmente reprovável, essa família ainda é baseada no afeto e possui proteção legal como, por exemplo, o direito de ser reconhecido como filho e participar da sucessão. Todavia, esse modelo familiar ainda enfrenta muitas resistências nos Tribunais Superiores.
Por fim, a família unipessoal é aquela constituída por uma só pessoa e encontra-se positivada no Código Civil do seu art. 1.711 ao 1.722. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de sua súmula n. 364, determinou a proteção do bem de família e tornou impenhorável a moradia de pessoas solteiras, viúvas e separadas[10].
Portanto, de acordo com o exposto, verifica-se que as famílias contemporâneas são baseadas muito nas relações de afeto, por isso merecem a devida proteção legal para que tenha todos os seus direitos resguardados. A seguir, serão abordados os principais princípios constitucionais norteadores no âmbito do direito de família.
1.3 Princípios Constitucionais
Os princípios constitucionais são muito importantes para a manutenção da ordem social e jurídica do país. Deste modo, a seguir serão abordados aqueles aqueles que visam proteger e resguardar os direitos do menor.
1.3.1 Da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é tido como o norteador e o mais abrangente de todos os outros previstos no texto constitucional. Prova disso se faz, quando o legislador entendeu por ser tão importante ao ponto de elencá-lo no art. 1º, inciso III da Carta Magna.
Esse princípio coloca a pessoa humana como ponto central da norma, sendo, por isso, a base estrutural para a construção do Estado Democrático de Direito, que tem o intuito de garantir a todos os seres humanos respeito e tratamento isonômico, independentemente da cor, raça, sexo ou religião[11].
O Direito de Família está intrinsicamente ligado à dignidade da pessoa humana, já que é no ceio familiar que as pessoas encontram o devido tratamento e respeito que precisam para se desenvolverem seu caráter. Assim, como bem esclarece Maria Berenice Dias, “a preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional”[12].
Trazendo o princípio à luz da alienação parental, pode-se destacar que quando ocorre a dissolução da união do casal e o genitor alienador tem a intenção de destruir o vínculo afetivo existente entre o filho e o genitor alienado, verifica-se aí a afronta a princípio em estudo[13].
Nesse sentido, de acordo como bem anota Geni Paulina Pereira
a dignidade da pessoa humana, ressalvados neste trabalho como o da Criança e do Adolescente, não pode ser tratada de forma banal, sendo um princípio constitucional de suma importância e com previsão no art. 1º da CRFB/88, inciso III, onde deve ser respeitada por aqueles que mantém a tutela legal da criança, sendo uma violência e abuso dos pais, ou de qualquer outro que detém a guarda, alienar a criança de forma a denegrir a imagem de um dos genitores[14].
Destarte, é imprescindível ter-se em mente que as crianças e os adolescentes expostos a esse tipo de ocorrência não merecem responder pelas atitudes e escolhas de seus genitores. Além disso, por estarem em processo de desenvolvimento e construção de personalidade, período este em que mais precisam de apoio, carinho, cuidado, amor e atenção, bem como uma base familiar estruturada, necessitam ter sua dignidade e interesse venerados.
1.3.2 Da solidariedade familiar
A solidariedade é considerada um dos objetivos fundamentais básicos da República Federativa do Brasil, sendo prevista nos artigos 3ª, inciso I, 227, 229 e 230 do texto constitucional. Assim sendo, cabe salientar que a solidariedade é premissa básica quando tratar-se de relações familiares. Nesse sentido, Paulo Lôbo aponta que
o princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo deveres a ela enquanto ente coletivo e a cada um de seus membros, individualmente. Ao mesmo tempo, estabelece diretriz ao legislador, para que o densifique nas normas infraconstitucionais e para que estas não o violem; ao julgador, para que interprete as normas jurídicas e solucione os conflitos familiares contemplando as interferências profundamente humanas e sentimentais que encerram[15].
Pode-se afirmar que esse princípio tem origem nos vínculos afetivos, já que se trata do que cada um deve ao outro [16]. Assim, tem como objetivo primordial resguardar as relações de afeto, como também o respeito e a consideração entre os membros que integram o núcleo familiar.
Deste modo, quando ocorre casos de alienação parental, ambas as partes saem prejudicadas, tanto o filho por não poder ter contato com o genitor alienado ou por passar a ter uma visão deturpada do mesmo, como o pai que terá o convívio com seu filho severamente prejudicado.
Portanto, deve-se sempre levar em consideração que mesmo com o fim da união do casal, o vínculo com o filho que ambos têm em comum jamais será rompido, sendo obrigação de ambos manter o elo pautado no respeito e na solidariedade para que o bem comum entre eles, no caso o filho, seja respeitado e posto em primeiro lugar.
1.3.3 Do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente não se encontra expressamente positivado na Constituição Federal, entretanto, pode ser verificado implicitamente na Carta Magna em seu artigo 227, já que esse princípio integra a doutrina de proteção ao menor, como também no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Como bem ensina Andreia Rodrigues Amim
o princípio do melhor interesse trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critérios de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para a elaboração de futuras regras. Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas de pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens[17].
A convivência familiar de forma saudável é tida como direito fundamental inerente à infantoadolescência, já que é de extrema importância para a boa formação fisíca, mental e emocional dos menores[18]. Entretanto, quando ocorre casos de alienação parental esse direito está sendo seriamente ameaçado.
Portanto, os genitores devem ter a real noção da importância de uma boa convivência familiar e não reduzi-la a tão somente coabitação. Se assim fosse, se trataria de convivência doméstica e não familiar, que seria extinguida quando o elo conjugal se rompesse.
1.3.4 Da igualdade entre os cônjuges e/ou companheiros
O princípio da igualdade não se encontra somente no caput do artigo 5º da Constituição Federal, mas também em diversos pontos do texto constitucional, tratando-se de um dos pilares da Carta Magna. Ressalta-se que o referido princípio não mais se restring à igualdade puramente formal, já que essa restrição não seria suficiente para materializar, de fato, o direito à igualdade. Nesse sentido, bem assevera Machado, ao dizer que
É de comum conhecimento que vivemos numa sociedade que ainda possui traços de suas raízes machistas e racistas, persistindo, ainda hoje, a discriminação contra idosos, mulheres e outras minorias quando da sua participação na estrutura familiar. Assim, ainda é de grande pertinência a máxima aristotélica, segundo a qual devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades[19].
Foi através da efetivação desse princípio que transformou a categoria jurídica de legitimidade familiar, no que diz respeito à classificação dos filhos em legítimos e ilegítimos, como também quebrou, em partes, a superioridade masculina em detrimento das mulheres. Isto é, mudou a concepção de que somente o homem era o chefe de família, bem como equiparou os filhos, independente da situação, concedendo-lhes os mesmos direitos.
Assim, como o princípio garante que homens e mulheres são iguais, é necessário abordar outro princípio que se torna espécie do gênero “princípio da igualdade”. Logo, vale ressaltar que o princípio da igualdade entre os cônjuges não está expressamente previsto no texto constitucional, entretanto, pode-se ver sua incidência implicíta na Carta, como também em outros diplomas.
O Código Civil em seu art. 1. 511, por exemplo, como explica Machado,
dispõe ser a organização e a direção da família lastreadas pelo princípio da igualdade entre os cônjuges, tanto em direitos como em deveres, razão pela qual compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (CC 1.567). Desta feita, verifica-se que nenhum dos pais possui preferência sobre a guarda do filho ou sobre a gestão do patrimônio deste, ao menos no plano teórico[20].
Em consonância com tal pensamento, o art. 226, §5º esclarece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e a mulher”[21].
Desta monta, a partir de uma relação pautada na igualdade entre os pais, a criança poderá crescer em um ambiente seguro, com um desenvolvimento pleno e livre de abusos e desequilíbrios que um sentimento de vulnerabilidade dos pais pode acarretar.
1.3.5 Da afetividade
Inicialmente, é imprescindível dizer que o princípio da afetividade, na verdade, é um desdobramento do princípio fundamental constitucional da dignidade da pessoa humana. Assim sendo, como já é conhecido, este princípio fundamental mencionado é um princípio amplo, que pressupõe a igualdade entre as pessoas, ou seja, é um valor universal, ainda que diferentes física ou psicologicamente, todos os humanos são possuidores da dignidade de forma igualitária.
Deste modo, a ligação entre os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade pode ser averiguada já que o primeiro é o coração que fundamenta regras, normas, deveres, direitos e todas as garantias asseguradas aos homens.
Entretanto, mesmo que não explicitamente exposto no ordenamento jurídico, o princípio da afetividade se encontra previsto intrinsicamente no bojo constitucional. Conforme muito bem assevera Lôbo,
o princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No que respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de discriminação, entre eles. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade[22].
Dessa forma, Lôbo defende que a afetividade é um elemento nuclear que vai definir o suporte fático da entidade familiar, afirmando que
a família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procriacional para essa nova função. Essas linhas de tendência enquadram-se no fenômeno jurídico social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito[23].
Com isso, o afeto se torna essencialmente necessário na entidade familiar. Assim, o princípio da afetividade “pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estas suas causas originária e final, haverá família”[24].
Portanto, a falta de afeto em uma família frustra toda a rede de proteção que o ordenamento jurídico fornece à instituição, já que causa grandes problemas para o desenvolvimento da criança e do adolescente vítima de alienação.
1.4 Função social da família
A família tem grande influência na formação da criança e do adolescente. Como é a partir da vivência em seu núcleo familiar que a criança poderá buscar seu pleno desenvolvimento, percebe-se o grande papel que a mesma possui para essa construção. Nesse sentido,
a Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3º, 4º, 5º e 7º; 227, § 6º). [...] O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27 [25].
Assim, a função social da família, decorrendo dos princípios fundamentais da República, principalmente o da dignidade da pessoa humana, é um parâmetro que torna alguns direitos elencados nos os arts. 226 a 230 fundamentais, especialmente quando envolvem direitos das crianças e dos adolescentes.
1.5 Direitos e deveres dos pais
O ECA, Lei n. 8.069/90, é a legislação que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Ao longo de seu texto, aborda inúmeros direitos dos tutelados, bem como deveres dos seus cuidadores e do Estado para lhes assegurarem o mínimo de dignidade possível. Dessa forma, o referido Estatuto, já em seu art. 4º, trata sobre o dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, em assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referents à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990)[26].
Logo, neste tópico serão abordados os direitos e deveres dos pais para garantirem à criança e ao adolescente, que são consideradas pessoas em desenvolvimento, condições dignas de existência.
O art. 8º do Estatuto sofreu alterações pela Lei n. 13.257/16, e passou a consignar em sua redação o direito às mulheres ao acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e planejamento reprodutivo, bem como às gestantes, “a nutrição adequada, atenção humanizada na gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde” (ECA, 2016)[27]. Nesse sentido, pode-se verificar um direito que é conferido à mulher e à mãe gestante, para que a criança que nascerá tenha sua integridade e dignidade protegida.
Já em seu art. 18, o ECA prevê que é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, inclusive dos pais, preservando-os de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
No art. 18-A, os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, têm o dever de os educarem e tratarem sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto. Se uma dessas figuras mencionadas fizerem uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, poderão sofrer as punições elencadas no art. 18-A do referido diploma, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
O art. 21 do ECA confere aos pais o direito de exercerem o poder familiar em igualdade de condições, sendo assegurada pela legislação civil, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. Assim, com essa previsão, a legislação brasileira, como já dito anteriormente, tenta por fim à cultura patriarcalista e machista ainda tão presenta na sociedade contemporânea.
O Capítulo IV do diploma em análise, prevê o direito da criança e do adolescenteà educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparando-os oara o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Dessa forma, é dever dos pais ou responsáveis matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino, conforme elenca o art. 55 do ECA. Além disso, o parágrafo único do art. 53 do diploma mencionado, confere aos pais e responsáveis o direito de ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. Para tanto, o Estado deve oferecer à população educação de qualidade e programas de inclusão ao esporte e ao lazer.
Portanto, a partir do que foi exposto, é possível perceber a importância da família, do Estado e da sociedade para a preservação e proteção à criança e ao adolescente, sendo dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de seus direitos, conforme o art. 70 do Estatuto.