Análise crítica dos efeitos da decisão na ADI 4424

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05/12/2019 às 18:55
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Destina-se o presente trabalho, através de jurisprudências e doutrinas, a analisar os efeitos da decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424 proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4424

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424, julgada em 9 de fevereiro de 2012 pelo Supremo Tribunal Federal, foi requerida pelo Procurador-Geral da República, legitimado, conforme art. 103, inciso VI da CF, impugnando alguns dispositivos da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Pretendeu que fosse atribuída:

 

interpretação conforme à Constituição aos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/2006 – “Lei Maria da Penha” –, para declarar a inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes versados naquele diploma, assentar, como consequência, que o crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher em ambiente doméstico é processado mediante ação penal pública incondicionada e restringir a aplicação dos artigos 12, inciso I, e 16 da norma em comento às ações penais cujos crimes estejam previstos em leis diversas da Lei nº 9.099, de 1995[1].

 

 

Aduziu ainda a inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da proibição de proteção deficiente, evoca a primazia da norma mais favorável ao ser humano, vigente no âmbito do direito internacional, bem como transgressão às disposições dos artigos 5º, inciso XLI, e 226, §8º, da Constituição Federal.

Alega que exigir a iniciativa da mulher agredida contraria princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade, além de não respeitar o dever do Estado de coibir e prevenir a violência nas relações familiares.

Os artigos impugnados foram o 12, I, 16 e 41 da Lei 11.340/2006.

 

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; (...)

 

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público[2].

 

Segundo a Procuradoria Geral da República, a redação da Lei 11.340/06, para crimes de lesão corporal leve contra a mulher permite duas interpretações.

 

Sob o ângulo do risco, alude à extinção da punibilidade de agressores em razão da ausência de representação, resultando na perpetuação do quadro de violência doméstica contra a mulher. Busca a concessão de medida acauteladora para afastar interpretação que: (i) permita a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher e (ii) sujeite a persecução penal à representação da vítima em tais delitos[3].

 

Em regra, tanto no controle difuso como no concentrado, toda e qualquer decisão de declaração de inconstitucionalidade retroage até a data em que a lei foi publicada. Portanto, possuem efeito ex tunc.

A palavra ex tunc, conforme aduz Olavo Ferreira (p. 154), “indica retroação, e é própria das decisões declaratórias, que reconhecem atos nulos[4]”. Bem como, acrescenta que tendo em vista que são nulos os atos inconstitucionais, “esta declaração, por ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, terá efeito retroativo ou “ex tunc” , já que estes atos não possuem aptidão para produzir efeitos jurídicos válidos[5]”(p. 160).

Entretanto, há alguns casos que as decisões poderão não retroagir, podem acontecer de se ter a modulação dos efeitos da decisão.

Segundo Olavo Ferreira (p. 129/130), a “modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade decorre da aplicação dos princípios constitucionais da boa-fé e da segurança jurídica, procedendo a ponderação de valores constitucionais[6]”.

Primeiramente, cumpre esclarecer do que se trata a modulação dos efeitos. Nada mais é do que o trabalhar no tempo os efeitos da retroatividade de uma decisão em controle de constitucionalidade.

A modulação envolve um artigo específico da Lei 9.868/99, qual seja, art. 27 que dispõe:

 

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

 

Cumpre destacar, que o legislador fala em “momento”, isso significa que a modulação dos efeitos, atinge justamente a retroatividade da declaração. Na prática, o referido artigo permite que os ministros do Supremo Tribunal Federal, pela maioria de 2/3 de seus membros, modifique a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade, podendo escolher por exemplo, o ano, desde que dentro do intervalo entre a publicação da lei e a declaração de inconstitucionalidade.

Portanto assim, que se dá a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Nesse mesmo sentido, esclarece Olavo (p.170), “É dizer, o Supremo Tribunal Federal pode determinar expressamente, uma vez presentes os requisitos acima, que a decisão tenha eficácia em período fixado entre data posterior ao dia que tem início a vigência e outra data qualquer, a seu critério[7]”.

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Prosseguindo, Gilmar Mendes afirma que “o art. 102, §2º, da CF e o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99 preveem que as decisões declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade têm eficácia erga omnes[8].

Portanto, atinge todos os indivíduos, bem como possui efeito vinculante, e nesse sentido acrescenta Gilmar, ao afirmar que a constituição consagra, igualmente, “o efeito vinculante das decisões proferidas em ADI e ADC relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, na esfera federal, estadual e municipal (CF, art. 102, § 2º)[9].

Nesse mesmo sentido, o efeito vinculante também está reafirmado no art. 28, parágrafo único da Lei n. 9.868/99.

Entretanto, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424, o Supremo Tribunal Federal não modulou os efeitos da decisão ao julgar a ação procedente, no sentido de que a natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais praticados contra a mulher no âmbito doméstico, seria de ação penal pública incondicionada à representação.

Portanto, os efeitos são ex tunc e deveriam retroagir e atingir a todos, pois somente não iria retroagir se houvesse a modulação dos efeitos, o que não foi discutido e determinado pelo Supremo Tribunal Federal, o que causou conflitos e uma certa insegurança jurídica.

Isso se deu pelo fato de que era necessário ocorrer a modulação dos efeitos, tendo em vista que não houve pelo Supremo Tribunal Federal, qualquer observação quanto aos crimes cometidos antes de seu julgamento.

Ou seja, o que aconteceriam com os crimes cometidos antes do referido julgamento que não houve a representação da vítima? Poderiam ser iniciados após essa decisão?  Promotores poderiam requerer o desarquivamento de inquéritos que foram arquivados por ausência de representação da vítima?

Afetaria a segurança jurídica, vez que como houve nova interpretação e não houve modulação dos efeitos, esta, poderia afetar ou não os crimes cometidos anteriormente.

 

Consequências da ausência de modulação

 

Existem dois entendimentos sobre a necessidade ou não de modulação:

i)    Há quem entenda[10] que a norma deveria retroagir por se tratar de decisão em Ação Direta de Inconstitucionalidade, com efeito vinculante e “erga omnes”;

Nesse sentido, Maria Berenice Dias defende o caráter vinculante e eficácia “erga omnes” da decisão.

 

Como a decisão foi proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, tem caráter vinculante e eficácia contra todos, ninguém – nem a Justiça e nem qualquer órgão da administração pública federal, estadual ou municipal podem deixar de respeitá-la, sob pena de sujeitar-se a procedimento de reclamação, perante o STF que poderá anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial que afronte o decidido[11].

 

ii)  Outra corrente entende que é imprescindível a modulação[12], tendo em vista que prejudicaria o réu e deveria ser aplicada a lei mais favorável. 

 

Em consonância com este entendimento, logo quando foi julgada a decisão, André Luiz Nicoletti publicou um artigo no IBCCRIM, em consonância com o presente entendimento, e faz referência ao já falado princípio da segurança jurídica na matéria penal, no sentido de que para ele, não se permite que um indivíduo que rege sua ação em um ato do Estado, “que nasce com presunção de constitucionalidade como as leis, seja surpreendido por uma decisão do STF que venha criminalizar ou dar tratamento mais gravoso a fato que a lei (que se presume constitucional) não fazia.[13]

Ele se fundamenta também no artigo 5º inciso XL da Constituição Federal, afirmando que o Supremo Tribunal Federal também está submisso ao disposto da Constituição.

Concluímos que há muita insegurança com a ausência de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, aplicando-se retroativamente decisão normativa prejudicando os réus.

É certo que por muita das vezes a vítima nos casos de violência doméstica se retrata com medo de “perder” o marido, ou medo de não conseguir se equilibrar financeiramente, em muitas das vezes são ameaçados pelos maridos, ou por muitos outros motivos, que acabam por deixar impune os réus.

Entretanto, não se pode retroagir decisões somente para que o réu não saia impune, pois estaríamos violando o princípio da segurança jurídica, bem como a proibição da novatio legis in pejus.

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