Adoção intuitu personae.

Um instrumento jurídico para assegurar de forma efetiva as garantias constitucionais da criança e do adolescente

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17/12/2019 às 16:00

Resumo:


  • A adoção intuitu personae é uma forma de adoção na qual os pais biológicos escolhem uma pessoa específica para adotar seu filho, baseando-se em vínculos de afeto e confiança pré-existentes.

  • O Projeto de Lei do Senado nº 369/2016 propõe a legalização da adoção intuitu personae, permitindo que esse tipo de adoção seja formalmente reconhecido e regulamentado, proporcionando maior segurança jurídica.

  • Essa modalidade de adoção visa assegurar o melhor interesse da criança ou adolescente, permitindo que permaneçam em um ambiente familiar onde já exista um vínculo afetivo, ao invés de passarem por processos de adoção mais burocráticos e impessoais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE

4.1. Conceito

O termo “intuitu personae” origina-se do latim, que significa “consideração à pessoa”, também denominada adoção dirigida, direta e consentida. Adoção intuitu persone ou adoção dirigida, ocorre quando existe o desejo da mãe biológica de entregar seu filho à determinada pessoa conhecida, caracteriza-se como uma forma alternativa de adoção.

Suely Mitie Kusano11 define adoção intuitu personae de forma objetiva:

Adoção intuitu personae é aquela em que a mãe manifesta a vontade de disponibilizar o filho para a adoção e, sem que tenha havido a suspensão ou a perda do poder familiar, indica, fundamentalmente, pessoa determinada a ser o adotante, antes que esta tenha convivido com o adotante e, por isso, ainda não criado o vínculo de afeto, desnecessário que o indicado esteja previamente inscrito no cadastro de adotantes (...). (KUSANO, 2011, p.126)

A adoção intuitu personae é a prática, na qual, a mãe biológica, eis que desconhecido ou ausente o pai, entrega a criança em adoção a pessoa a ela conhecida. Pode ser consumada, também, através do vínculo afetivo criado entre uma pessoa que convive com um menor que reside em uma casa de acolhimento. Assim, Maria Berenice Dias12 conceitua a adoção dirigida:

Chama-se de adoção intuitu personae ou adoção dirigida quando há o desejo da mãe de entregar o filho a determinada pessoa, também é assim chamada a determinação de alguém em adotar uma certa criança. As circunstâncias são variadas. Há quem busque adotar recém-nascidos que encontrou no lixo. Também há esse desejo quando surge um vínculo afetivo entre quem trabalha ou desenvolve serviço voluntário com uma criança abrigada na instituição. Em muitos casos, a própria mãe entrega o filho ao pretenso adotante. Porém a tendência é não reconhecer o direito da mãe escolher os pais do seu filho. Aliás, dar um filho à adoção é o maior gesto de amor que existe sabendo que não poderá cria-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é uma atitude que só o amor justifica. (DIAS, 2015, p.501)

A adoção dirigida é o método de adoção que ocorre sem a habilitação e sem a prévia inscrição no CNA, o adotante recebe o menor diretamente da mãe biológica, muitas das vezes, a pessoa escolhida pela genitora é de sua confiança, que por não possuir condições necessárias para efetivar as garantias de uma boa criação ou até mesmo condições financeiras, dar crédito a outrem, com a certeza que este pode oferecer qualidade de vida para seu filho.

Apesar da legislação Brasileira não regulamentar esta prática, as pessoas utilizam-se dela com frequência, pois baseia-se no consentimento dos pais ou somente da mãe. Essa escolha passa a ser o elemento que representa a adoção intuitu personae ou adoção dirigida e dela advém o afeto, em geral, os vínculos de afetividade, inclusive os aspectos fundamentais usados na análise dos casos que envolvem esta forma de adoção.

4.2. Aplicabilidade da adoção intuitu personae

Atualmente, a prática de adoção consentida tem-se tornado frequente na sociedade brasileira, apesar de ser reprovada pela legislação que regulamenta o instituto da adoção, deixa incerto sua aplicação mediante ao caso concreto, sendo que este fundamenta os fatos relacionados diretamente aos princípios aplicados ao Direito de Família.

Ao aplicar o método intuitu personae, de certa forma, estará aplicando o princípio do melhor interesse dos menores, o qual é de suma importância aqueles que estão sob condições de vulnerabilidade, a fim de promover devida proteção no processo de formação como pessoa, com o intuito de zelar pelos seus aspectos morais, sociais e psíquicos.

As pessoas interessadas em adotar e as mães biológicas utilizam-se deste método pela demora na efetivação da adoção por meio do cadastro nacional. No entanto, decidem por sua maneira estabelecer contrato de adoção sem o conhecimento do Poder Judiciário, segundo Kátia Regina Andrade Maciel13:

Toda a situação de escolha e entrega da criança aos pais socioafetivos se dá sem qualquer intervenção das pessoas que compõem o sistema de justiça da infância e juventude. O contato entre a mãe biológica e as pessoas desejosas em adotar se dá, de regra, durante a gestação, sendo o contato mantido durante todo o período, em que existe a prestação de auxílios à gestante. Com o nascimento da criança, esta é entregue à família substituta. (MACIEL, 2018, p.290)

Ao Inserir um menor em uma família substituta através da concessão da adoção intuitu personae, pode-se observar que esta é uma medida sempre preferível ao instituto de acolhimento, principalmente se for inconveniente que este permaneça junto à sua família biológica, contudo, a estadia nos institutos deveria ser provisória e excepcional, porque inviabiliza a efetivação do princípio do melhor interesse dos menores.

Ainda, os menores ficam sujeitos a dificuldades na obtenção de boa formação da personalidade, a maioria chega a fase adulta sem conhecer os fatores que compõem uma família, sem preparação, alguns ainda conseguem seguir em uma vida saudável, já outros não possuem a mesma característica.

O processo de adoção no Brasil tem-se revelado bastante vagaroso, para reverter esta situação e agilizar os procedimentos, a adoção intuitu personae poderia ser aplicada como aspecto positivo no direito brasileiro, principalmente para diminuir o significativo número de crianças recolhidas, a fim de descongestionar a quantidade de menores residentes nas instituições de acolhimento.

Com base na jurisprudência vigente, os genitores estão habilitados a transferirem seu poder familiar através de testamento. A respeito desta qualificação dos genitores para escolherem de acordo com o instituto da tutela, Suely Mitie Kusano14 faz uma comparação dessa escolha com a escolha da família adotiva:

Seguindo a mesma sistemática prevista para a tutela nos arts. 1731. e 1732 do novo Código Civil e observados os impedimentos parentais adequados para a adoção, deveria ser acolhida, preferencialmente, a indicação feita pela mãe ou por ambos os pais, no exercício do poder familiar, admitida a adoção intuitu personae, podendo tal indicação recair sobre a pessoa do cônjuge ou do companheiro da genitora (adoção unilateral) ou parentes do adotando, independentemente de prévia inscrição no cadastro de adotantes. (KUSANO, 2006, p.135)

Em conformidade, Maria Berenice Dias15 assevera:

Basta lembrar que a lei assegura aos pais o direito de nomear tutor ao filho (CC1.729). E, se há a possibilidade de eleger quem vai ficar com o filho depois da morte, não se justifica negar o direito de escolha a quem dar em adoção. Aliás, não se pode olvidar que o encaminhamento de crianças à adoção requer o consentimento dos genitores (ECA 166). (DIAS, 2013, p. 510)

Aplicar a escolha decorrente de tutela em procedimentos de escolha da família substituta em face da adoção consentida, poder-se-ia efetivar de forma direta a mitigação do abandono das crianças e adolescentes, além de diminuir a quantidade expressiva de menores que se encontram nas instituições de acolhimento e consequentemente valorizar o interesse dos menores.

4.3. Mitigação do abandono

O abandono faz parte do universo de muitas crianças e adolescentes, por serem indesejados pelos seus pais e sua família, infelizmente acabam deixadas nas ruas em situações que configuram risco, até mesmo sendo recém-nascidas, são jogadas no lixo dentro de caixa de sapato, algumas ainda são encontradas com vida e conseguem sobreviver, mas existem aquelas que acabam não sobrevivendo, entram em óbito antes mesmo de serem interceptadas.

O sentimento gerado pela rejeição não desaparece da noite para o dia, com ele se misturam inúmeros outros que acabam trazendo consequências para o desenvolvimento das crianças, deixando suas emoções profundamente marcadas, que quando adulto, se torna um grande problema.

Essas crianças, ao serem abandonadas, tem seus direitos humanos violados, são impedidas de gozarem do afeto e do calor de possuir uma família, muitas acham que foram deixadas para trás por terem algo de errado e acabam sendo atormentadas pela culpa por terem sido indesejadas, sendo que a culpa é da negligência de seus genitores.

A legislação brasileira precisa ser mais severa quando referir-se a questão do abandono. De acordo com as considerações de Maria Berenice Dias (2016, p.853), “há quem a considere uma solução simplista e ingênua, inadequada e anacrônica sob o ponto de vista psicológico, para uma questão complexa como o abandono materno e paterno. No entanto, como refere Rodrigo da Cunha Pereira, a lei não resolveria a questão do abandono. Não. Claro que não. Mas, certamente, poderia diminuir as formas trágicas do abandono".

Seguindo essa teoria para diminuir as formas trágicas do abandono, o objetivo da adoção intuitu personae em relação à esse assunto, pode ser a forma séria e clara que irá combater o abandono infantil, buscando sua mitigação, a fim de combater com efetividade essa atividade que ameaça à integridade física e psicológica das crianças e dos adolescentes.

Nas palavras de Suely Mitie Kusano, “se há a escolha do adotante pela mãe biológica, ou seja, manifestada a intenção de adoção intuitu personae, não se vislumbra o enquadramento de "abandono" pela mãe biológica que, embora não se disponha a ser mãe ou por absoluta falta de condições estruturais ou financeiras, cuidou ela de averiguar melhores perspectivas ao filho gerado” (KUSANO, 2006, p.151).

Ainda, enquanto muitas crianças são abandonadas, existem inúmeras pessoas que desejam ter filhos e não conseguem, e após várias tentativas sem sucesso, decidem adotar, porém, ficam sujeitam a fila do CNA na tentativa de conseguir adotar, em muitos casos, a espera se arrasta por anos. No entanto, o sistema de adoção no Brasil é muito complicado, as crianças abrigadas, esperam muito mais que alguns anos, ficam lá durante sua infância e sua adolescência, na maioria, até completar a maioridade. Nesse sentido Maria Berenice Dias16 se posiciona:

À medida que o tempo passa, as crianças tornam-se "inadotáveis", palavra feia, quase um palavrão, que significa crianças que ninguém quer, seja porque já não são bebês, seja porque não são brancas, ou não são perfeitas, eis portadoras de necessidades especiais. Pelo jeito ninguém lembra o porquê de as crianças estarem lá: ou foram abandonadas, ou os pais destituídos do poder familiar por maus tratos ou por abuso sexual. Nessa hipótese, aliás, é bem mais difícil que sejam adotadas. (Dias, 2010)

Segundo Kusano (2006, p.68) “a adoção apresenta dois universos psíquicos diversos, o dos adotantes e o dos adotados. Assim, no dos adotantes apresenta a expectativa de conseguir uma paternidade ou maternidade; no universo dos adotados, a esperança de superar a experiência do abandono, da recusa, da negação do valor de si mesmo.” Ou seja, através da adoção dirigida as crianças terão a oportunidade de se desafiar e superar as consequências causadas em face do abandono, descobrindo quanto vale a pena continuar em frente, porque é amada e protegida, e por outro lado, as recém-nascidas não terão que passar por esta experiência ruim, pois já estarão seguras em uma família.

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4.4. Afetividade acima da formalidade

A afetividade é um princípio fundamental que está implícito na Constituição Federal de 1988, por sua vez, pode ser considerada um elemento necessário para a formação das entidades familiares, pois a família é o pilar da sociedade, nela deve ser proporcionada primeiramente os laços afetivos.

O afeto é um sentimento de afeição, um suporte para estabilidade familiar, no entanto, não envolve somente a família, mas todos que estão unidos pelos laços afetivos, não precisa possuir mesmo sangue para proporcionar o afeto, pois ele é incondicional e infinito.

A acessibilidade ao afeto é um importante fator contribuinte para a formação da personalidade e do caráter de uma criança, este contribui para torná-la um adolescente e um adulto com uma vida poeticamente saudável.

Dessa forma, a inserção de um menor em família substituta é mais eficiente que a sua permanência em instituições de acolhimento, ou se for conveniente para o bem estar do menor não ser possível a convivência com a família biológica ou caracterizado abandono por meio de condições que afetam a integridade física dos menores, sob alegações da mãe biológica de não constituir capacidade para permanecer com o poder familiar.

Maria Berenice Dias17 determina o afeto como:

Único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. As relações afetivas são elementos constitutivos dos vínculos interpessoais. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira de as pessoas se converterem em seres socialmente úteis. (DIAS, 2016, p.248)

Assim, o afeto é o verdadeiro requisito para garantir o direito fundamental, que permite o reconhecimento da igualdade entre a filiação biológica e a filiação intermediada através da adoção.

Sob análise mais efetiva, pode considerar que o afeto deve estar sempre acima da formalidade, pode-se até aplicar a afetividade como uma formalidade, porque na realidade, as crianças que não se encaixam devidamente nas famílias na fase de convivência são devolvidas para os institutos de acolhimento, como se alguém não tivesse gostado de um item e quer devolver à loja onde o adquiriu.

Segundo Maria Berenice Dias18 o cadastro é como um instrumento de organização, mas não um requisito primordial do processo de adoção:

Ainda que haja a determinação de que sejam elaboradas as listas, deve-se atentar ao direito da criança de ser adotada por quem lhe dedica carinho diferenciado, em vez de priorizar os adultos pelo só fato de estarem incluídos no registro de adoção. Não sendo a pretensão contrária ao interesse da criança, injustificável negar a adoção por ausência de prévia inscrição dos interessados. (DIAS, 2013. p.518)

Ou seja, a formalidade acaba, por fim, viabilizando o interesse de quem adota e não de quem está sendo adotado, o afeto proporciona segurança aos menores, pois sabem que estarão em uma família que estará disposta a deferir cuidados, o que tornará a convivência intensamente saudável, ainda, o laço criado entres as partes será importante para o desenvolvimento desse infante.

Nas palavras de Kátia Regina Andrade Maciel19,

Quando se fala em adoção pensa-se sempre naquelas pessoas que, em busca de um filho, escolhem uma criança que preenche suas expectativas e a levam para casa, completando, assim, a família. Na maioria dos casos, dá-se o contrário, pois a escolha não é realizada pelos adultos, mas pela criança/adolescente. É este quem escolhe a família, em um processo em que não entra nenhum outro ingrediente que não seja o amor e a vontade de ser feliz. Podemos dizer, sem qualquer sombra de dúvida como o faz Lúcia Maria de Paula Freitas, que a adoção é sempre uma via de mão dupla, que pais e filhos se adotam e não os pais aos filhos, e que essa relação de troca vai-se dando na órbita familiar mais ampla. (MACIEL, 2018, p.237)

A relação afetiva proporcionada pela adoção dirigida é vista como um ato que mitiga a ação cadastral, no entanto, essa modalidade de adoção proporcionará uma eficaz forma de prevalecer o interesse dos menores, seu papel não é mitigar o cadastro e sim fazer acontecer a tão desejada adoção daqueles que realmente possuem um laço afetivo com uma das crianças da casa de acolhimento, com o filho do vizinho que não possui condições necessárias, com a gestante em que sua gravidez é indesejada.

Conforme declara Maria Berenice Dias, existe uma intensa tendência de sacralizar a lista de preferência e não admitir, em hipótese nenhuma, a adoção por pessoas não inscritas. Segundo ela, é a intransigência e a cega obediência à ordem cadastral que se deixa de atender as situações em que é recomendável deferir a adoção sem atentar ao cadastro, muitas vezes o interessado não se submeteu ao procedimento de inscrição para habilitação, até mesmo porque jamais havia pensado em adotar, além disso, porque não se planeja por quem se deve sentir afeto.

Dessa forma, quando um menor estiver sob a guarda de alguém não habilitado, sem que tenha sido devidamente inscrito na ordem cadastral, deve o juiz determinar o seu acompanhamento por equipe interdisciplinar, ao invés de retirá-la de onde se encontra, pois já existe um laço afetivo entre a mãe adotiva de fato e a criança. Com a regularização da adoção intuitu personae, após entregar o filho para adoção, a mãe biológica não poderá quebrar os laços afetivos entre o filho e a adotante, pois, perde o poder familiar ao dispor adoção.

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Sobre a autora
Letícia Gonçalves Silva

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Luterano de Santarém (CEULS/ULBRA), como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito.Orientadora: Professora Tânia Mara Sakamoto Borghezan

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Luterano de Santarém (CEULS/ULBRA), como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito.Orientadora: Professora Tânia Mara Sakamoto Borghezan

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