Ódio divino: a intolerância religiosa disfarçada de cristianismo

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22/12/2019 às 14:54
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CONCLUSÃO

A formação da identidade nacional no Brasil é baseada na hibridez dos povos ocorrida no período colonial, onde indígenas, europeus e africanos contribuíram para os costumes brasileiros através da cultura de cada um, não fazendo sentido, portanto, haver preconceitos com a questão religiosa em um país plural como o Brasil.

Levando em contraste aspectos históricos com a sociedade atual, os adeptos ao cristianismo mostram-se dispostos a continuar perseguindo e executando todos aqueles que não se encontram inseridos em um contexto aceitável pela vertente religiosa, ocasionando uma segregação social– mas claro que até como uma forma de se evitar a hipocrisia no presente artigo: em toda regra, há exceções.

Mesmo que haja tipificação de tal conduta preconceituosa e garantias constitucionais como a de liberdade de crença e culto ou até mesmo a laicidade e não intervenção estatal, há uma constante luta para exterminar tal intolerância construída ao longo da história.

Um Estado laico tem o dever de separar Estado e religião e de proteger a liberdade religiosa como consequência, já que o país é rico em diversidade, garantindo o direito de pessoas de qualquer crença serem aceitos na sociedade sem chance de qualquer preconceito – que como já demonstrado o Brasil apenas diz fazer, mas não cumpre.

Portanto, medidas que visem a harmonia e a não discriminação entre cidadãos com religiões diferentes deveriam ser garantidas para evitar infortúnios e abalos sociais, como a constante difamação que crenças minoritárias sofrem – tanto dos cidadãos, quanto do governo, o qual se colocou no poder graças à falácias e preconceitos que os adeptos à tal tipo de discriminação se identificam, ficando demonstrado que a liberdade religiosa também encara desafios.

Em razão disso que uma maior atenção com os crimes de intolerância religiosa deve ser cobrada, sendo que na maioria das vezes acaba-se por configurar crime de injúria ao invés de tipificar a conduta como deveria acontecer, causado perdas na sociedade e tornando-se necessário conter a situação.

Sendo assim, mesmo que pessoas não sejam mais assassinadas ou catequizadas à força, aqueles que não seguem a vertente cristã não deixaram de ser perseguidos, e de certa forma, continuam a serem queimados – só que desta vez socialmente, onde quando a intolerância é feita contra uma crença cristã, a comoção proporcionada é de nível nacional, enquanto as demais religiões são tratadas com inferioridade e indiferença.

O que resta a ser esclarecido é que nenhuma religião é absoluta, todas têm suas falhas e dúvidas e por isso que nenhuma deve ser superior à outra – ou à falta de religião. Não há um deus soberano, e mesmo se houvesse, este não é apresentado misericordioso pelos seus seguidores como a fé o ressalta, já que aqueles que não o reconhecem são imediatamente empurrados para o “inferno”. Portanto de duas uma: ou todas as religiões estão erradas; ou todas estão certas – sem meio termo.

Por isso que a liberdade religiosa se mostra extremamente importante, já que cada indivíduo é livre para escolher qual crença irá seguir baseado no seu bem-estar e conforto quanto à filosofia de vida de cada um, e não na do seu próximo, devendo esta ser assegurada e protegida pelo Estado de maneira a garantir que todas as pessoas sejam respeitadas, vindo a cumprir o seu papel quanto à imparcialidade em assuntos religiosos, construindo uma sociedade humanitária e justa.

E o Estado deveria garantir qualquer prejuízo contra qualquer religião, já que várias religiões de matrizes africanas sofrem danos contra seus locais de culto, como a imposição de multa para qualquer ato de intolerância ou até mesmo o ressarcimento dos danos causados através dos ataques recorrentes à locais de culto ou até símbolos religiosos.

A alienação e o fanatismo de muitos evoluem para intolerância e preconceito, ocasionando uma lavagem cerebral e padronização de um senso comum ultrapassado que contribui para alimentar uma massa de manobra que desrespeita a ética universal que tem o intuito de manter a harmonia e a paz na sociedade. Essa ideologia de que há apenas um “Deus” soberano e que é o único apto a ser adorado, desprezando qualquer outro tipo de crença ou religião é hostil.

A hierarquização de que apenas os valores “brancos europeus” tem relação com o que é válido – que é a crença tida como única e universal há muito tempo, empurrando o cristianismo goela abaixo como pílulas em um centro de reabilitação – contribui com a estigmatização de práticas religiosas que não tenham ligação com essa vertente e gerando um ódio inconveniente que diverge com os “princípios cristãos” que não deveriam ter tal sentimento como foco devida à ampla publicidade de amor que tal religião diz praticar – mas que tem por trás questões políticas que demonizam minorias pela necessidade de se sentirem superiores.

Por isso que torna-se necessário curar essa obsessão da sociedade promovendo uma transformação de mentalidade da população através de campanhas, projetos escolares, mecanismos de coibição do preconceito – como algum meio que impeça comentários de má índole em publicações ou postagens na internet – para ampliar a discussão sobre a tolerância às diferenças e à pluralidade cultural e religiosa existente no país, preservando a paz entre culturas para que haja uma cordialidade nas relações sociais – as quais contribuem para criar impressões da realidade –, como forma de conscientizar a população sobre o assunto e mostrando que é possível conviver respeitando as diversidades.

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REFERÊNCIAS

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