SEXO, CONDUTAS SEXUAIS E SEUS CONCEITOS

uma analise do paradigma médico-legal de gênero ante as construções nominativas sociais

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Resumo:

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  • A cirurgia de mudança de sexo é aceita em diversos países, incluindo o Brasil.

  • A diferença entre sexo biológico e psicossocial gera debates sobre direitos humanos.

  • A legislação brasileira ainda não está preparada para lidar com os casos de transexualidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A discriminação edificada na opção de orientação sexual ou identidade gênero remete a toda e qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência com base na orientação sexual ou identidade de gênero que vise trazer prejuízos a igualdade de Direitos.

1. INTRODUÇÃO

 

Apesar de ser considerado um assunto “novo” consta vários julgados sobre o tema há mais de dez anos. No mundo, a cirurgia de mudança de sexo já é aceita em vários países, inclusive no Brasil, após a Resolução do Conselho Federal de Medicina, datada do ano de 1997.

No presente estudo, o centro do debate é a diferença entre o sexo biológico e o psicossocial, a dicotomia em relação ao direito de adequação social de uma minoria diferente daquela que se padroniza como normal e a pespectiva ante os direitos humanos e garantias fundamentais.

O trabalho analisa os aspectos que levam uma pessoa a mudar de sexo: os fatores psicológicos, genéticos, sociais. O problema encontra-se após a realização da cirurgia com a legislação, o direito brasileiro ainda não está preparado para os inúmeros casos existentes.

 Não existe uma legislação específica que trate do assunto, gerando assim vários julgados de formas distintas. A priori há a evidência que as decisões de primeira instância são geralmente a favor do pedido de alteração dos documentos do transexual, sendo que o Ministério Público tem, em vários momentos, se insurgido contra essas decisões.

Mesmo com toda a evolução da área médica a questão jurídica, a lacuna que paira sobre o tema em questão é o maior empecilho para que haja a adequação do transexual na sociedade.

 

2. DA NOÇÃO DE SEXUALIDADE

 

2.1 Sexo e identidade sexual

Ao nascer cada individuo é portador de uma identidade que o torna único e o difere dos demais indivíduos, essa identidade servirá para sua identificação. Inicialmente essa identificação costuma ser de gênero, diante do sexo da genitália externa. Assim, define-se o sexo masculino quando há a presença de pênis e escroto, e sexo feminino quando existe a presença de vulva e vagina.

Segundo Genival Veloso de França, identidade “é o conjunto de caracteres que individualiza uma pessoa ou uma coisa, fazendo-a distinta das demais. É uma série de atributos que torna alguém ou alguma coisa igual apenas a si próprio”[1].

A sexualidade de uma pessoa é iniciada quando há a definição se esta pertence ao sexo feminino ou masculino, a partir desse momento surge o sexo educacional ou de formação, no qual a criança tem uma educação voltada ao sexo ao qual pertence.

Na visão de Flammaron sexo “é o conjunto de características estruturais e funcionais que distinguem o macho da fêmea”[2]. A sexualidade no homem consiste em um conjunto de aspectos, tais como: o aspecto biológico, que se revela pelas características genitais, gonáticas, cromossômicas e outros atributos secundários, a parte psíquica e as atitudes comportamentais do indivíduo, que se integram umas nas outras. A integração desses aspectos constitui a sexualidade, ou comumente denominado sexo.

O que denominamos identidade sexual é nada mais que o direito de ser internamente e aparecer externamente igual a si mesmo com a realidade do próprio sexo. A autodeterminação sexual do indivíduo, no contexto jurídico, nada mais é do que a formulação jurídica da construção da identidade sexual, que se norteará pela liberdade sobretudo a espiritual, de pensar, de agir, de decidir, de criar, de consciência, de agir ou se omitir. Toda esta liberdade tem um fim maior, que é a felicidade, o qual é o objetivo de todo ser humano[3].

 

2.2 Sexo genético

O sexo genético é dividido pela Biologia em sexo cromossômico e em sexo cromatínico.

 

2.2.1 Sexo cromossômico    

É o sexo determinado pela fecundação, sendo definido pela avaliação dos cromossomos sexuais e pelo corpúsculo fluorescente. É chamado de cromossômico porque informa a constituição cromossômica do indivíduo.

O zigoto é constituído por vinte e três cromossomos pertencentes ao homem e vinte e três cromossomos pertencentes à mulher, totalizando quarenta e seis cromossomos. Apenas dois, destes quarenta e seis cromossomos, determinam a sexualidade de um indivíduo. Um dos cromossomos é trazido pelo homem através do espermatozóide, podendo ser um cromossomo X ou um cromossomo Y. O outro cromossomo oriundo da mulher é enviado através do óvulo, sendo sempre um cromossomo X. É pertencente ao gênero masculino aquele que apresentar uma constituição cromossômica 46 XY e tiver corpos fluorescentes, e pertencente ao gênero feminino quando apresentar uma constituição cromossômica de 46XX e não conter corpos fluorescentes.

Qualquer gene pode sofrer alterações no seu desenvolvimento, afetando o cromossomo ao qual pertence. As alterações são notadas nas células que deixam de verificar a numeração normal XX ou XY, e apresentam variações como XXY, XXYY, XO. Essas alterações cromossômicas em sua maioria conduzem ao aborto espontâneo, porém nem sempre o aborto natural ocorre, desenvolvendo-se no feto as malformações congênitas.

A Síndrome de Klinefelter acontece nas alterações cromossômicas XXY ou XXYY, que caracteriza em sua maioria indivíduos portadores de distúrbios mentais e inférteis. Já a Síndrome de Tuner é ocasionada pelas alterações cromossômicas XO, que provoca anomalia nas gônadas, podendo no sexo feminino provocar a ausência de ovários.

 

2.2.2 Sexo cromatínico

É determinado pelo Corpúsculo de Barr, pequenos corpos de cromatina que se encontram no nucléolo das células dos organismos femininos, daí a classificação em cromatínicos positivos (femininos) e cromatínicos negativos (masculinos). São certas características que os cromossomos femininos apresentam, estando estes caracteres quase sempre ausentes nos cromossomos masculinos. Os cromossomos XX criam um minúsculo triângulo próximo ao nucléolo (Corpúsculo de Barr), desta forma, um indivíduo possuidor de Corpúsculo de Barr é um indivíduo cromossomicamente feminino.

 

2.3 Sexo endócrino  

A formação do sexo endócrino ocorre pelo sexo gonodal e pelo sexo extragonodal. O sexo gonodal surge em torno dos quarenta e cinco dias de vida intra-uterina, sendo identificado nas glândulas sexuais. O sexo masculino é portador de testículos e o feminino é portador de ovários.

O sexo extra gonodal é constituído por outras glândulas como a tireóide e a epífise, que tem por função estabelecer no indivíduo traços de feminilidade ou masculinidade.         

 

2.4 Sexo morfológico

O sexo morfológico corresponde à forma ou aparência de uma pessoa no seu aspecto genital. O sexo da genitália interna caracteriza o masculino quando houver o desenvolvimento dos ductos de Wolff, e o feminino quando desenvolvidos os ductos de Müller. Já no sexo da genitália externa o ser masculino é definido com a presença de pênis, escroto e testículos, e o ser feminino com a presença de vulva, vagina, útero, ovários, trompas e mamas.

No âmbito do aspecto extragenital essa diferenciação ocorre pela verificação da presença de mamas, e pelo timbre de voz. Acerca do sexo morfológico esclarece Tereza Rodrigues Vieira: “O sexo anatômico ou morfológico geralmente coincide com o que aparece inscrito no Registro Civil, visto que, para os olhos do leigo, são os órgãos externos os definidores do sexo do indivíduo”[4].

 

2.5 Sexo civil ou jurídico

É aquele designado no registro civil, ou quando a autoridade legal determina que se registre uma pessoa num ou noutro sexo. O sexo civil tem por base o sexo morfológico externo, assim ao recém-nascido é feito o exame da genitália externa para determinação do sexo, e desta maneira poder ser efetivado o registro civil. No entanto, pode ocorrer uma desarmonia entre o sexo morfológico interno e o externo, como acontece nos intersexuais portadores de sexo dúbio.

O sexo civil resulta da declaração feita no Cartório de Registro Civil das Pessoas Físicas, posteriormente poderá ser retificado caso exista erro na declaração do sexo, e em casos excepcionais como o hermafroditismo e transexualismo.

 

2.6 Sexo social ou de criação

O sexo social ou de criação é o que resulta do meio onde a criança se desenvolve, das influências psicológicas, sócioculturais e ambientais que esta absorve ao longo da vida.

Os pais exercem um papel fundamental na tarefa da formação sexual da criança, pois estes atuam com comportamentos diferenciados em função do sexo ao qual o filho pertence, assim como, também, os familiares, educadores e religiosos.

Numa visão ampla toda a comunidade, o gênero influencia o desenvolvimento sexual da criança, apenas os pais e familiares atuam com maior intensidade pelo convívio e proximidade.

 

2.7 Sexo psíquico ou comportamental

É aquele cuja identificação o indivíduo faz de si próprio e que se reflete no comportamento.  Também é conhecido como sexo moral. Esse tipo de sexo resulta do sexo de criação, bem como do comportamento e da identificação sexual que o indivíduo faz de si mesmo. Ana Paula Peres[5] utiliza a denominação de sexo psicossocial, justificando que este é resultado de interações genéticas fisiológicas e psicológicas que se formaram dentro de uma determinada atmosfera sócio cultural do indivíduo.

Desta forma, pode existir um indivíduo possuidor do sexo morfológico interno e externo masculino, mas sente-se mulher; como uma mulher que possuidora do sexo morfológico interno e externo feminino, mas possui a plena convicção de pertencer ao sexo masculino. Esse tipo de sexo caracteriza o transexualismo.

 

2.8 Sexo médico-legal

É aquele constatado através de uma perícia médica nos portadores de genitália dúbia ou sexo aparentemente duvidoso, como, por exemplo, um portador de hipospádia[6], facilmente confundível com uma cavidade vaginal.

A importância do sexo médico-legal encontra-se inserida no momento em que é este quem constata o verdadeiro sexo em pessoas portadoras de sexo dúbio, como nos casos de intersexualismo.

 

 

3. DISTÚRBIOS DA SEXUALIDADE

3.1 Classificação

A noção de sexualidade é mais ampla que a idéia de sexo, por compreender todas as manifestações do instinto sexual. Não raras vezes, a sexualidade do homem pode apresentar distúrbios. Genival Veloso de França classifica os distúrbios da sexualidade em vinte e sete tipos. São eles:

“[...] anafrodisia, frigidez, erotismo, auto-erotismo, erotomania, exibicionismo, narcisismo, mixoscopia, fetichismo, lubricidade senil, pluralismo, gerontofilia, cromo-inversão, etno-inversão, riparofilia, urolagnia, coprofilia, coprolalia, edipismo, bestialismo, onanismo, necrofilia, sadismo, masoquismo, pigmalianismo, pedofilia, homossexualismo e transexualismo”[7].

 

Existe ainda o travestismo, o intersexualismo, e o hermafroditismo. Para efeito do presente estudo, analisaremos apenas o homossexualismo, o transexualismo, o travestismo, o hermafroditismo e o intersexualismo.

 

3.2 Homossexualismo

Homossexualismo é a prática de atos sexuais com indivíduos do mesmo sexo. O homossexualismo divide-se em homossexualismo feminino e masculino. O homossexual tanto masculino quanto feminino, tem preferências íntimas com pessoas do mesmo sexo, e não repudiam seu sexo anatômico.

A respeito esclarece Roberto Farina:

“O homossexualismo teria origem psicogênica e multifatorial, isto é, teria origem endócrina, psíquica, ambiental etc. O homossexual não possui conflitos oriundos da sua condição, pois sua orientação erótica é precisa e seus órgãos sexuais são, para ele, uma fonte de prazer.[...]”[8].

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No cotidiano, usa-se o termo homossexualismo para designar indistintamente homens e mulheres com atração erótico-afetiva por pessoas do mesmo sexo, sendo muitas vezes confundidos com bissexuais, travestis, hermafroditas[9].

O homossexual é um indivíduo que, sexualmente, sente-se atraído por pessoa do mesmo sexo, mas não tem a intenção de mudar a anatomia do seu sexo.

 

3.2.1 Homossexualismo masculino

Os primeiros vestígios dessa conduta reporta-se a Caldéia, o mais antigo berço da civilização, onde a lei mosaica punia com severidade tal conduta. É também conhecido como uranismo ou pederastia.

Entende Silva Filho ser o homossexual:

“[...]alguém que, sabendo pertencer a um sexo, masculino ou feminino, procura outra pessoa do mesmo sexo, com o objetivo erótico. Não tem o intuito de mudar de sexo. Quando o homossexual masculino assume características femininas é para melhor atrair homens másculos, embora tenha, por vezes, fortes componentes femininos na sua personalidade”[10].

 

No homossexual ocorre neste uma inversão sexual, uma gradação variável desde os indivíduos verdadeiramente afeminados até os que têm aparência viril. A prática sexual (coito anal) nem sempre está presente entre eles, atingindo apenas cinqüenta por cento, podendo ser ativos ou passivos. O homossexualismo está presente em todas as idades, atingindo desde a infância até à velhice.

 

3.2.2 Homossexualismo feminino  

Conhecido também como safismo, lesbianismo ou tribadismo. Para Genival Veloso de França[11] como no homossexualismo masculino existem graus variados que vão desde tipos masculinizados como feições, hábitos, disfarces e maneiras de se portar. Até os tipos femininos delicados e ternos, onde não é notória a anomalia sexual.

Distingue-se em ativas e passivas. Há grande ocorrência de homossexualismo feminino em internatos, presídios, conventos e prostíbulos. É bastante comum, tanto no homossexualismo feminino, quanto, no masculino, estes possuirem uma vida dúbia, sendo casados e até com filhos, mesmo assim mantém um relacionamento homossexual extraconjugal.

 

3.3 Travestismo       

Também conhecido como eonismo, caracteriza-se pelo indivíduo que sente prazer com o uso de vestes, maneirismo e atitudes do sexo oposto. O travesti pode ser um indivíduo homossexual ou heterossexual, seu comportamento sexual é flexível. Ana Paula Peres conclui pelo travestismo:

“Quanto aos travestis, em geral são homossexuais, sendo errôneo afirmar o inverso, pois nem todo homossexual é travesti. Caracterizam-se primordialmente pelo uso de roupagem cruzada, seja por defesa ou fetichismo. Sofrem um tipo de inversão psíquica que se traduz no interesse pela indumentária do sexo oposto. Disso resulta a feminilidade dos travestis, ao passo que os homossexuais podem vir a ser, no máximo, efeminados, quando se apresentam de forma excêntrica, fazendo paródia das mulheres”[12].

           

Matilde Sutter[13] classifica os travestis em dois tipos: os fetichistas e os exibicionistas. Os fetichistas dependem de algum objeto, peça, indumentária da veste do sexo oposto para se excitarem, vendo-a, tocando-a ou cheirando-a. Já os exibicionistas, inicialmente se exibem de um modo reservado, diante do espelho e, posteriormente saem às ruas usando as vestes do sexo oposto, não sendo raro, exibirem seus genitais.

Diferente é o raciocínio de Tereza Rodrigues Vieira que classifica os travestis em dois tipos o doméstico e o público:

“O tipo doméstico é clandestino, freqüentemente do sexo masculino, que se veste, se maquia como mulher quando está sozinho. Quando casado, ao apossar-se das vestimentas se admira diante do espelho. Para completar a ilusão ele confecciona seios postiços, introduzindo-os em um soutien. Ele pode ser bastante hábil e organizado para evitar durante longos anos dramas conjugais suscitados pala desagradável descoberta do seu teatro privado. O tipo público se traveste geralmente de forma ostensiva e deseja que as pessoas pensem que se trata de alguém do sexo oposto. A maioria ganha a vida se prostituindo”[14].

 

3.4 Intersexualismo

Denomina-se intersexualidade todas as formas de sexualidade anômalas, sendo intersexuais indivíduos que apresentam caracteres físicos e funcionais, somáticos e psíquicos de ambos os sexos.

No tocante aos intersexuados Matilde Hodja os diferencia dos transexuais sob o seguinte prisma:

“Ao contrário do que ocorre com os transexuais, os intersexuados não tem grande preocupação em manter um ou outro sexo. Sua maior preocupação é que seja definido com precisão aquele ao qual pertencem e que lhe permita a funcionalidade”[15].

 

Os indivíduos intersexuados são possuidores ou não de ambigüidade nos órgãos genitais externos, apresentam um questionamento sobre o sexo a atribuir-lhes. Na atualidade, conhece-se o problema melhor que nos anos de 1950 e dispõe-se de meios novos de pesquisa (cariótipo, dosagens hormonais aprimoradas, laparoscopia). No passado, os intersexuados costumavam ser vistos como monstros, por não corresponderem ao plano da natureza, ao desígnio dos deuses, e chegavam a ser apartados da maioria [16].

O intersexuado é possuidor de genitália externa ambígua, decorrente de uma má formação congênita que dificulta a identificação do seu sexo ao nascer, sendo necessários, para constatação do sexo predominante, exames médicos mais complexos.

 

3.5 Hermafroditismo          

Os termos intersexualismo e hermafroditismo ao longo do tempo sempre foram tratados como expressões sinônimas, atualmente os autores preferem classificar hermafroditismo como um tipo ou uma variante da intersexualidade.

Há várias correntes que determinam o hermafroditismo. Para alguns autores o hermafroditismo completo não existe, ocorrendo apenas casos de pseudo-hermafroditismo que é originado de um distúrbio no desenvolvimento do feto, produzindo malformações genitais. Assim, o pseudo-hermafrodita possui malformação de seus órgãos genitais externos com predominância acentuada dos caracteres de um sexo.

Para corrente que acredita existir um hermafroditismo completo, baseia-se na preposição que, nem sempre é possível uma correção cirúrgica e adaptação em determinados casos de hermafroditismo, pois, muitos deles não pertencem a um sexo determinado, sendo impotentes tanto para gerar filhos quanto para o coito.

Define-se assim, o hermafroditismo como a presença no indivíduo de caracteres de ambos os sexos, mais possui este a predominância de um deles, podendo por meio de um procedimento cirúrgico fazer a correção para o sexo predominante. No entanto, existe o hermafroditismo que nem por meio de uma intervenção cirúrgica o indivíduo consegue pertencer totalmente a um determinado sexo, podendo este ficar impotente para gerar filhos, ou impotente para o coito.

 

3.6 Transexualismo 

É a incompatibilidade entre o sexo biológico e a identificação psicológica num indivíduo. Transexual é aquele indivíduo que possui uma genitália, mas sua personalidade e seus atos são pertencentes ao sexo oposto.

            Genival Veloso de França conceitua o transexualismo como:

“[...] uma inversão psicossocial, uma aversão e uma negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura através da cirurgia de reversão sexual, assumindo assim a identidade do seu desejado gênero”[17].

 

Maria Helena Diniz define o transexualismo como:

“[...] uma síndrome caracterizada pelo fato de uma pessoa que pertence, genotípica e fenotipicamente, a um determinado sexo ter consciência de pertencer ao oposto. O transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência a automutilação ou auto-extermínio. Sente que nasceu com o corpo errado, por isso, recusa totalmente o seu sexo, identificando-se psicologicamente com o oposto ao que lhe foi imputado na certidão de nascimento, apesar de biologicamente não ser portador de qualquer anomalia. [...]”[18].

 

Elimar Szaniawski caracteriza o transexual como:

“[...] indivíduos que apresentam, ao simples exame ocular, genitais externos do tipo masculino e são portadores de uma psique totalmente ou predominantemente feminina, e vice-versa [...] é entendido pela medicina, como uma anomalia da sexualidade humana. Trata-se de uma inversão da identidade psicossocial do indivíduo, que o conduz a uma neurose reacional obsessivo-compulsiva. Possui o indivíduo transexual um sentimento difuso profundo de pertencer ao sexo oposto e a vontade extremada de reversão sexual”[19].

 

Nesse diapasão, Colette Chiland define o transexualismo como:

“[...] homens ou mulheres que afirmam reconhecer que têm um sexo de homem ou mulher, ao qual não sentem pertencer. Há uma contradição entre o sexo de seu corpo e o de sua alma, ou, em outros termos entre seu sexo e seu gênero. Eles são uma mulher prisioneira num corpo de homem ou um homem prisioneiro num corpo de mulher. Se vão ao médico, eles o fazem para que lhes seja restituído seu “verdadeiro corpo”. Não sentem sofrer de uma perturbação mental.”[20]

 

Especialistas afirmam, que a transexualidade é uma anomalia surgida no desenvolvimento da estrutura nervosa central, durante o período fetal.  Outros, no entanto afirmam que se origina antes de a criança ter a capacidade de discernimento, por volta dos dois anos de idade.

O transexual tem o desejo de manter relações heterossexuais, afastando-se assim das relações homossexuais. O transexual possui um nível de libido maior que o dos homossexuais, mais este não possui prazer nos seus órgãos genitais, que é por ele visto com um sentimento de vergonha e repulsa. Ao contrário do que muitos pensam, os transexuais não têm órgãos sexuais atrofiados. A atrofia testicular ocorre, porque a maioria faz uso de hormônio indiscriminadamente para conseguir eliminar os pêlos, ter um púbis feminino, e aumentar as glândulas mamárias.

Tem o transexual a plena convicção de não pertencer a seu sexo morfológico, seu grande desejo é inserir-se na sociedade pelo seu verdadeiro sexo, o sexo psíquico.

Existem cinco teorias[21] que tentam explicar a causa do transexualismo, contudo até o presente momento nenhuma delas são conclusivas:

A teoria genética, atualmente, a mais aceita, atribui que existe um gene específico no cromossoma sexual que tem a capacidade de se transmitir.

A teoria fenotípica assevera a influência da própria conformação física do indivíduo andróide, levando a mulher para o transexualismo masculino, e a conformação anatômica andróide que leva o homem para o transexualismo feminino[22].

A teoria psicossexual considera as influências ambientais que o indivíduo vive. A influência da orientação, do comportamento dos pais, do tipo de educação recebida pelo indivíduo, tem a capacidade de formar a tendência masculina ou feminina.

A teoria neuroendócrina foi elaborada por H. Benjamim e é também conhecida como biossexual. Afirma, que existe alteração nas estruturas dos centros de identidade sexual, devido ao hipotálamo[23] não receber a quantidade necessária de hormônios.

A teoria eclética, também conhecida por multifuncional considera todos os fatores das teorias citadas como determinante para o surgimento do transexualismo. Assim, haveria causas genéticas, fenotípicas, psicogênicas, fatores endógenos e exógenos que levariam a essa alteração sexual.

Mesmo o transexual sendo portador de uma anomalia surgida no período fetal, isto não torna a sua capacidade intelectual e profissional inferior a dos demais indivíduos. Informa Maria Helena Diniz[24], que em testes aplicados apurou-se que os transexuais possuem em regra, um quociente intelectual (QI) entre 106 e 118, ou seja, um pouco superior à média. É de fácil constatação que o desemprego do transexual não está associado a sua capacidade intelectual, já que este possui QI acima da média, mas à inadequação da sua aparência como o seu registro civil.

 

 

4. DA ANALISE IDENTITARIA DO INDIVIDUO TRANS

Atualmente o critério de identificação do ser humano no Brasil leva em consideração apenas o sexo morfológico, de acordo com a genitália externa. O desprezo dos demais critérios de verificação sexual como o psíquico, o comportamental leva muitos indivíduos a possuir sexualidade ambígua. Outors países, conforme verificamos possui evolução na técnica legislativa, de maneira que o ordenamento jurídico uruguaio se encontra neste instante consoante a dinâmica social, havendo a legislação desse país garantido por meio de lei o reconhecimento de união estável e casamento a pessoas de mesmo sexo, garantias previdenciárias a homossexuais e transexuais, alem da possibilidade de adequação do sexo personificado ao gênero, de forma independente ao aspecto morforlógico.

O sexo legal ou civil, presente na certidão de nascimento deveria considerar não só o aspecto morfológico do indivíduo, mas também o sexo do qual é vivido pela pessoa, o que no Brasil ainda é tema de discussão e no Uruguai já se encontra na qualidade de garantia.

A transexualidade é comumente confundido com outras práticas de condutas sexuais como o homossexualismo, hermafroditismo, o intersexualismo e o travestismo, mais destes se difere tanto no aspecto psíquico quanto no cromossômico. O transexual é o indivíduo que rejeita seu sexo biológico, não auferindo prazer com sua genitália. Identifica-se com o sexo oposto, e tem eventualmente uma tendência a automutilação quando vê exaurida a possibilidade de adequação do seu sexo psíquico com o morfológico.

Tratamentos psicológicos, psiquiátricos, terapias são em sua maioria ineficientes, causando apenas algum resultado positivo quando iniciada na infância, quando adulto o resultado pode ser muitas vezes desastroso. Ainda se demosntra como via inadequada, pois o transexualismo é apenas condição de extarnação de personalidade, não sendo nenhum tipo de patologia para que seja submetido a tratamento clínico que objetive conformismo biológico.

A intervenção cirúrgica é autorizada pela resolução nº 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina Brasileiro, e pelo código de Ética Médica Uruguaio. Sua ilicitude e a responsabilidade do médico que pode ser acusado de lesões corporais de natureza gravíssima é descaracterizada quando o paciente dá o seu consentimento expresso e inequívoco, quando este apresenta uma total disforia de gênero, comprovado por todos os exames médicos, seguindo os critérios da referida resolução, onde se constata que a cirurgia de transgenitalismo é terapia eficaz no caso.

Após a cirurgia redesignadora, surge para o transexual brasileiro uma verdadeira batalha judicial para conseguir a retificação do registro de nascimento. A lei dos Registros Públicos brasileiros veda tal mudança, só admite a mudança de prenome em casos de mulher que seja solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro e nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas; no caso de evidente erro gráfico; a substituição por apelidos públicos notórios; e em caso de coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração do crime. A doutrina e a jurisprudência em sua maioria também negam ao transexual a retificação no registro de nascimento, baseada na consonância que o transexual nunca poderá ser uma mulher ou um homem por completo, e que o registro público deve ser preciso e regular, por ter a presunção de veracidade não cabendo assim a retificação. O direito à saúde, à dignidade da pessoa humana tutelado constitucionalmente são os elementos do qual se valem os transexuais para ver reconhecido a retificação do prenome e do sexo no registro civil. A não retificação exclui e marginaliza o transexual. Sua aparência atual e seu sexo biológico não mais condizem com o seu sexo civil, tendo este inúmeras dificuldades para inserir-se socialmente onde até emprego lhe é negado. Tal fato já não ocorre por exemplo no Uruguai em decorrência da promulgação da lei 18.620/2009.

 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que a alteração do nome ao transexual é o reconhecimento do direito humano e garantia fundamental do direito à personalidade, sua vedação é transgressão a condição humana. A não permissibilidade de alteração de registro implica em violação da condição de identificação de personalidade, alem de causar ao individuo uma série de transtornos e dissabores de ordem pessoal.

A negativa da retificação do prenome e do sexo no registro civil é impedir o transexual de exercer sua cidadania, é negar-lhe o direito à liberdade, à igualdade, à identidade sexual, à dignidade da pessoa humana, à saúde. No Brasil a retificação ocorre apenas após contenda judicial, sendo que mutas das vezes se dá quando o indivíduo sofre uma cirurgia de transgenitalismo, o que no Uruguai não se faz obrigatório, vez que apenas basta a comprovação da personificação de personalidade ao gênero pretendido e resolução por tutela administrativa.

Os problemas não se encontram encerrados na questão da retificação do prenome e do sexo no registro civil com relação ao ordenamento jurídico brasileiro, o que não é óbice no sistema normativo uruguaio, tem-se ainda o casamento que é licito ao transexual, contudo, se este contrair o enlace matrimonial em detrimento de desconhecimento de seu cônjuge de sua condição anterior, poderá o cônjuge enganado pedir anulação do matrimônio baseado em erro essencial sobre a pessoa, sendo esse o entendimento que firmamos com o presente trabalho.

Necessita o Brasil o mais rápido possível de uma de uma legislação acerca do transexualismo, como já ocorre com o Uruguai e em diversos países da Europa. Há, o Brasil, de deixar de lado o preconceito, a hipocrisia, e não mais fechar os olhos para uma realidade latente como esta, a dinâmica legislativa precisa se adequar a realidade social. O transexual não quer nenhum favor, que apenas quer o direito de reconhecimento pleno de suas garantias, o direito à liberdade, à igualdade.

 

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Paulo Joviniano Alvares dos Prazeres

Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco UNICAP; Doutorando em Ciências da Educação pela Universidad Autonoma de Asuncion UAA; Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Cordoba UNC; Mestre em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Crista FADIC; Mestre em Ciências da Educação pela Universidad Del Sol UNADES; Mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de la Empresa UDE; Especialista em Direito Internacional pela Faculdade Católica Paulista FACAP; Especialista em Filosofia e Sociologia pela Faculdade Venda Nova do Imigrante FAVENI; Especialista em Direito Tributário pela Faculdade INESP; Especialista em Direito Publico pela Faculdade Mauricio de Nassau FMN; Graduado no curso de magistratura e demais carreiras jurídicas pela Escola de Magistratura de Pernambuco ESMAPE; Bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Cidade Verde UNIFCV; Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Internacional UNINTER; Licenciado em Pedagogia pela Faculdade FACESE; Licenciado em Filosofia pela Faculdade Entre Rios do Piauí FAERPI; Graduado em Teologia pela Faculdade de Teologia Integrada FATIN; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco UNICAP; Pesquisador do grupo de estudos em Educação e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba UFPB; Membro Associado e Avaliador do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI; Presidente da Academia de Letras Jurídicas de Olinda; Advogado, Consultor Jurídico, Professor Universitário e de pós-graduações e cursos preparatórios, Presidente da Subsecção da OAB Olinda-PE.

Karla Luzia Alvares dos Prazeres

Bacharela em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo. Mestranda em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Mestranda em Direito Internacional pela Universidad Autónoma de Asunción. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau; Estudos de Perícias Forenses, Criminologia e Medicina Legal; Direito Tributário; e Saúde Pública com Ênfase em PSF pela Faculdade INESP. Aperfeiçoamento Jurídico no Curso de Preparação à Magistratura e Carreiras Jurídicas pela Escola da Magistratura de Pernambuco ESMAPE. Presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Olinda - AATO. Diretora Geral da Escola Municipal de Advocacia da OAB-OLINDA. Presidente da Comissão de Carreiras Jurídicas da Academia Brasileira de Ciências Criminais. Conselheira na Subseccional da OAB Olinda. Foi Vice-presidente da Comissão do Direito do Trabalho (2016-2018). Foi Representante da Caixa de Assistência dos Advogados de Pernambuco (CAAPE) na Subseccional de Olinda (2015-2018). Membro fundador da Academia de Letras Jurídicas de Olinda. Membro da Academia Brasileira de Ciências Criminais. Advogada, Consultora Jurídica, Professora Universitária e de Pós-graduações, Conciliadora e Mediadora inscrita no Cadastro Nacional de Conciliadores e Mediadores do CNJ.

Michele Del Pino

Bacharela em Direito pela Faculdade Marista do Recife. Mestranda em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã; Mestranda em Direito Internacional pela Universidad Autónoma de Asunción; Pós-graduada em Direito Público e Poder Legislativo pela UPE; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Faculdade Estácio do Recife; Direito Previdenciário pelo Instituto INFOC; MBA em Gestão Jurídica no Poder Judiciário pela Faculdade INESP; Estudos de Perícias Forenses, Criminologia e Medicina Legal pela Faculdade INESP; Gestão e Docência no Ensino Superior pala Faculdade Novo Horizonte. Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Olinda. Conselheira na Subseccional da OAB Olinda. Advogada, Consultora Jurídica, Professora Universitária e de Pós-graduações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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