Capa da publicação Desobediência civil no Brasil e Hannah Arendt
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O conceito de desobediência civil na teoria do Brasil à luz das reflexões de Hannah Arendt

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28/01/2006 às 00:00
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Conclusão

Findado nosso estudo, postulamos que se for válido o liame que traçamos entre a tese hobbesiana das formas do estado leviatânico relacionada às conclusões de Sérgio Buarque de Holanda sobre as formas culturais de organização social brasileira na segunda metade do século XX e da concepção de contestação civil em Arendt, a desobediência civil não só é legítima como um instrumento de luta contra um Estado ou outras forças de opressão que atentam contra os direitos e garantias inerentes à cidadania, como é necessária à atual horizontalização do contrato social brasileiro.

Não se trata, portanto, de importar normas e esperar os resultados destas na realidade social. Trata-se, ao invés disso, de buscar o nicho concreto onde se deu a norma e as possibilidades deste movimento normativo na facticidade. Como afirmou Hannah Arendt em seu ensaio, devemos analisar o que a lei pode e o que ela não pode fazer. A CF/88, e não só o seu art. 5.º, é de inspiração norte-americana, mas em que sentido, poderemos perguntar, a desobediência civil também não o é? E se a CF/88 é a nossa Constituição "cidadã", porque não absorver a cidadania plena que inclui também a possibilidade real de dissenso, ou seja, a desobediência civil?

A conclusão que chegamos, respondendo a estas questões é a seguinte:

  • A desobediência civil é legítima, pois se encontra inserida no próprio conceito de cidadania, que como afirma Arendt, é o direito a ter direitos. Tendo como pontos basilares o modelo federativo de Estado e o exercício democrático do governo pelo Estado, que é de Direito, conforme proclama a Constituição e que, sendo Estado Democrático de Direito implica, numa República que se constitui em Estado (não é constituída pelo Estado – ainda que Democrático de Direito, conforme lembra Garcia), o faz pela afirmação da cidadania como um dos seus fundamentos. Se o cidadão, portanto, é que constitui o Estado civil, pode ele contestar sua legitimidade por meio de um direito que tem, constante não de uma norma meramente exposta no art. 5.º e seus incisos, mas na abertura colocada no § 2.º. Ou seja, existe um nicho constitucional para a desobediência civil: este é seu próprio fundamento, a saber, a cidadania.

  • A desobediência civil é também necessária por outro lado, pois é em sua possível existência no quadro político-social brasileiro que se procederá a uma autêntica horizontalização do contrato social. Mais do que isso: é através do consenso real e factual, que inclui o dissenso trazido pela desobediência civil que se pode caminhar para uma autêntica possibilidade democrática a despeito da cultura brasileira, legatária de instituições sociais hostis aos princípios democráticos reais. A cultura, entretanto, é dinâmica e as possibilidades democráticas abertas pela Constituição Federal Brasileira devem ser levadas até uma facticidade plena, sob pena de se tornar mais uma enésima forma de se propor mudanças por meio de panacéias jurídicas, de leis sem eficácia alguma e que servem apenas com orientações vagamente piedosas, o que, até então, parece estar se sucedendo desde os tempos do Império.

Concluímos nosso estudo defendendo a existência da desobediência civil no universo político e jurídico brasileiro justamente no sentido de proporcionar a tão esperada vigência e eficácia da nossa Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no reino da facticidade. Esta só se dará numa sociedade estabelecida em consonância com tais preceitos, ou seja, uma sociedade democrática que institui, horizontalmente, tendo a cidadania como fundamento, um Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1973.

_______________Da Revolução. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.

_______________Entre o Passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.

_______________O que é Política? Fragmentos Póstumos Compilados por Ursula Ludz. São Paulo: Bertrand Brasil, 1999.

GARCIA, Maria. Desobediência Civil – Direito fundamental . São Paulo: Revista dos

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GUIMARAENS NETO, Afonso Henrique de; LIMA, Alencar Bastos Guimarães. Luther King. São Paulo: Três, 1974.

HOBBES, Thomas. Leviatã, Forma Matéria e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2002.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ROCHA, Antonio Casado da. El concepto de la desobediência civil. https://desobedienciacivil.pangea.org/castelano/queesesp.htm

TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. São Paulo.Forense Universitária, 1991.

THOREAU, David Henry. A Desobediência Civil e outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.


Notas

1 ARENDT, Hannah. Desobediência Civil IN Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 49-90

2 ARENDT, Hannah. Desobediência Civil. IN Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 52.

3 Circunstância jurídica também possível no ordenamento jurídico brasileiro.

4 HUGHES, Graham. Civil Disobedience and the Political Question Doctrine. New York: University Law Review, 1968, p. 4, apud ARENDT, Hannah. op. cit., p. 52.

5 Depois das vitórias em Birmingham, Luther King Jr., partiu para Washington e, a despeito de alguns protestos de comunidades negras, passou a apoiar o movimento antibélico contra a Guerra do Vietnã. Cf. sobre isso, GUIMARAENS NETO, A. H.; LIMA, A. B. G. Luther King. Rio de Janeiro: Três, 1974, p. 116

6 ARENDT, Hannah. op. cit., p. 55

7 Ibidem, p. 57

8 THOREAU, David Henry. Desobediência Civil e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 26

9 ARENDT, Hannah. op. cit., p. 61

10 Sobre a relação entre o Estado e a religião na modernidade, ainda permanece insuperável o texto de Marx A Questão Judaica Cf. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 13-44

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11 IN REVISTA CONSULEX. Violência Urbana. São Paulo: Consulex, n.º 4, de 30 de abril de 1997, p. 24-25.

12 ARENDT, Hannah. op.cit., p. 64.

13 Cf. a análise de Celso Lafer sobre os liames críticos das principais obras da autora no prefácio de ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 9-27

14 ARENDT, Hannah. O que é Política? – Fragmentos das Obras Póstumas Compilados por Úrsula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 38

15 ARENDT, Hannah. op. cit. p. 68.

16 Ibidem p. 72

17 Ibidem, p. 75

18 Alguns críticos de Arendt, especialmente marxistas, ignoram o teor desta crítica fundamental de Arednt ao contratualismo e individualismo de matiz moderno.

19 Ibidem, p. 76

20 Ibidem, p. 79

21 Ibidem, p. 79

22 Na década de 70, o The New York Times publicou uma compilação de um documento do governo dos Estados Unidos cujo título era História do processo norte-americano para tomada de decisões em política vietnamita. Após esta publicação, os quarenta e sete volumes que compunham o relatório ficaram conhecidos como Os Documentos do Pentágono. Os documento ficaram notoriamente conhecidos como um dos símbolos inegáveis das mentiras, da dissimulação e da falsidade deliberada de alguns escalões do governo daquele país na tomada de decisões em política internacional. Segundo Hannah Arendt, que também em Crises of Republic analisou Os Documentos do Pentágono, entre outros importantes aspectos, o fato de os objetivos reais da participação norte-americana no Vietnã serem tão estranhos ao conflito em si contribuiu para o retumbante fracasso da Guerra para os EUA. Cf. ARENDT, Hannah. A Mentira na Política – Considerações sobre os Documentos do Pentágono. IN Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 13-48

23 Arendt debate com muita propriedade a revolução e a instauração da República norte-americana, tendo em vista que as estudou mais detidamente em On Revolution publicado em 1963. Cf. ARENDT, Hannah. Da Revolução. Brasília: Universidade de Brasília, 1988, passim..

24 Ibidem, p. 83

25 Ibidem, p. 85

26 Ibidem, p. 87

27 Ibidem, p. 89

28 Ibidem, p. 90

29 HOBBES, Thomas. Leviatã, Forma Matéria e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 98.

30 HOBBES, Thomas. idem, p. 100.

31 Ibidem, p. 102

32 Ibidem, p. 106

33 Ibidem, p. 130

34 Idem

35 Ibidem, p.134 e ss.

36 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 32

37 Ibidem, p. 37

38 Ibidem, p. 32

39 Ibidem, p. 180

40 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. São Paulo.Forense Universitária, 1991, p. 487.

41 GARCIA, Maria. Desobediência Civil – Direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994

42 GARCIA, Maria. op. cit. p. 229.

43 Cf. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 378. e ss. Onde o autor comenta o art. 5.º, § 2.º da CF/88

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Sobre o autor
Joelton Nascimento

professor, especialista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Joelton. O conceito de desobediência civil na teoria do Brasil à luz das reflexões de Hannah Arendt. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 941, 28 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7892. Acesso em: 23 dez. 2024.

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