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A arrematação em hasta pública como forma de aquisição originária da propriedade

14/01/2020 às 10:26

Resumo:


  • A arrematação de bens em hasta pública é uma forma originária de aquisição de propriedade imóvel.

  • A falta de legislação específica sobre a arrematação pode gerar insegurança jurídica para os arrematantes e ineficiência nos processos de execução.

  • A divergência de entendimentos jurisprudenciais sobre a natureza da arrematação em hasta pública pode impactar negativamente a segurança jurídica e eficácia dos processos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo foi elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso em minha graduação em Direito. Procura demonstrar a necessidade de atualização na legislação pátria sobre o assunto.

Resumo: O presente trabalho visa demonstrar de forma fundamentada que a arrematação de bens imóveis em hasta pública constitui-se como forma originária de aquisição de propriedade imóvel, sendo esse entendimento fundamental para a segurança jurídica dos arrematantes e de toda a sociedade. O processo de arrematação de bens imóveis, previsto no Código de Processo Civil e em outros diplomas como a Consolidação das Leis do Trabalho esbarra na falta de legislação específica que a designe como aquisição originária, deixando o arrematante ao dissabor de entendimentos jurisprudenciais aplicados de formas diferentes por esse ou aquele agente. Como resultado gera insegurança ao arrematante e ineficiência do instituto com vários processos de execução sendo cancelados por não atingir seu objetivo fim, qual seja, a satisfação do credor frente ao débito executado.

Palavras-chaves: Hasta Pública, Arrematação, Aquisição Originária.


1 - INTRODUÇÃO

Inicialmente, cabe esclarecer alguns conceitos para uma precisa compreensão do tema abordado, os quais são: o que é arrematação em hasta pública, porque ela é importante e qual é sua base jurídica, bem como qual a diferença entre aquisição originária e aquisição derivada e a consequência jurídica do assunto quando relacionado à arrematação em hasta pública.

De uma clara compreensão sobre o tema depende a segurança jurídica de quem faz seu lance em hasta pública visando adquirir um bem móvel ou imóvel, porque um ou outro será o resultado jurídico e as consequências da arrematação.

O trabalho demonstrará porque tal tema é importante, e mais, como é importante que se considere a arrematação como forma de aquisição originária, sendo que se de outra forma for entendida todo um sistema jurídico pode enfrentar problemas, trazendo consequência extremamente negativas para o sistema de execução judicial.

Uma vez que entendida como forma originária de aquisição, traz certa medida de segurança e tranquilidade ao arrematante e à sociedade que depende de todo um sistema jurídico eficiente e pacificado. Traz efetiva segurança às relações civis e proporciona agilidade em todo o processo de execução porque diminuirão em grande escala os casos de anulação de hastas públicas por inexequibilidade do registro da carta de arrematação.

A metodologia de pesquisa adotada se baseará em extensa pesquisa de doutrina e jurisprudência nos Tribunais brasileiros, bem como análise de alguns julgamentos individuais.


2 - DESENVOLVIMENTO

2.1 - POSSE E PROPRIEDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A propriedade privada consolidou-se como direito básico e fundamental do indivíduo ou da pessoa jurídica, na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XXII, que assenta: “É garantido o direito de propriedade”. No entanto, no mesmo diploma no inciso XXIII é asseverado que a propriedade “atenderá a sua função social.”

Na sociedade capitalista moderna, a propriedade assume uma nova função não relacionada diretamente com seu objetivo ou finalidade como se poderia deduzir, mas a função de garantir operações e contratos realizados entre titulares de direitos. Assim é muito comum que ao contratar com outro, se apresente como garantia da operação a propriedade de algum bem móvel ou imóvel, sendo esse último preferido na maioria dos casos, devido à suas características peculiares e procedimentos mais restritos necessários à efetiva transferência de propriedade.

Isso é bastante usual, por exemplo em contratos acessórios de fiança, em operações de locação imobiliária, quando alguém se oferece para garantir uma locação e apresenta para o locador, como prova da capacidade de assumir aquele encargo, o título de propriedade de algum bem imóvel. Sendo ele devedor solidário por força de lei e não havendo o cumprimento voluntário da obrigação assumida, poderá ter seu patrimônio penhorado para a satisfação forçada da obrigação.

Por outra via, o Código Civil distingue posse de propriedade de forma muito clara, no Art. 1.196. “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, e embora essa também receba a proteção do Estado, não pode ser ela penhorada para satisfação de crédito.

Há assim uma clara diferença entre posse e propriedade. Quem tem propriedade possui todos os poderes daquele que tem a posse, mas o inverso não se aplica da mesma forma. Isso porque o proprietário tem ainda a faculdade de dispor do seu patrimônio, o que o possuidor não tem.

E é exatamente essa qualidade de poder dispor que não se confunde com a sua vontade que interessa ao credor que com ele contrata. Isso porque o Código de Processo Civil estabelece no Art. 789 “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

Isso ressalta o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, porque ele responderá com a universalidade dos seus bens por eventuais dívidas que contrair ou por obrigações assumidas ou a ele imputadas. Assim, havendo o descumprimento voluntário e não motivado da obrigação, enseja-se ao credor a faculdade de pedir a penhora do patrimônio do mesmo, independentemente da sua vontade, para a satisfação da obrigação.

Competirá ao Estado Juiz, o qual exercerá seu exclusivo “monopólio da força legítima” através de seu poder de coação, como ensina Ângelo de Souza Junior (2017, p 24.), e mediante provocação do interessado, providenciar a constrição e penhora do bem e levá-lo a um leilão público, para que, aquele que mais por ele oferecer, apregoe tal bem, trocando-o por dinheiro, que servirá para saldar o crédito junto ao exequente. Ainda existe a possibilidade de que, não havendo interessados no bem, possa o exequente pedir a adjudicação do mesmo, que passará a integrar seu patrimônio, sendo retirado da esfera patrimonial do executado.

2.2 - FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.

A doutrina conceitua como duas as formas de aquisição da propriedade, e necessário é distinguir cada uma delas e seus efeitos no mundo jurídico para também entendermos os efeitos sobre a arrematação. Adquire-se a propriedade de forma originária e de forma derivada. Passa-se a conceituar cada uma dessas formas.

De maneira resumida, adquire-se de forma originária quando o bem adquirido não mantém nenhum vínculo jurídico com seu antigo dono e de forma derivada quando o mantém. Podemos exemplificar como formas de aquisição originária a usucapião e a acessão natural. Em tais situações o bem não traz nenhuma relação jurídica anterior com seu antigo dono ou possuidor. Nessa circunstância, conforme ensina Fábio Pinheiro Gazzi (2017), “a análise do Registrador limitar-se-á às formalidades do título que conferem a transmissão da propriedade.”

E como aquisição derivada a compra e venda, a doação, e a transmissão causa mortis, situações essas em que o bem mantém relação jurídica com seu antigo possuidor ou proprietário e assim, como menciona o autor acima “a análise pelo registrador será mais ampla, tanto no aspecto formal, como material; sendo neste caso possível exigir o recolhimento dos impostos, a análise do conteúdo para a qualificação das partes e exata extensão da propriedade, etc.” (GAZZI, 2017), podendo-se ainda destacar que eventuais débitos de natureza fiscal ou dívidas civis, anteriores ao ato e apegados ao bem pelo princípio Propter rem (que acompanha o bem), serão transmitidos ao adquirente e este não poderá se recusar a assumi-los.

2.3 - O REGISTRO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO

O sistema brasileiro de registros imobiliários é regido pela lei dos registros públicos, a saber, lei nº 6015 de 1973. Tal lei prevê que os imóveis sejam registrados em cartórios especificamente criados para esse fim, chamados de cartório de imóveis, que ficam sob a responsabilidade de um agente concursado e designado como oficial de registro de imóveis.

Não se deve confundir a atribuição desses cartórios de registro de imóveis com os tabeliães, que executam funções diversas. Enquanto os tabeliães se encarregam de providenciar escrituras, inventários, divórcios extrajudiciais, reconhecimento de firmas e autenticações entre outras atividades, os cartórios de registro de imóveis cuidam especificamente dos registros e averbações pertinentes aos imóveis da área administrativa da qual ele é responsável.

Cada cartório ou oficial de registro de imóveis detém com exclusividade atendimento sob uma porção geográfica da comarca ou região aonde está circunscrito aquele imóvel. Assim cada imóvel no Brasil terá seu registro assentado apenas em um único e exclusivo cartório que responde por sua região, evitando conflito de informações ou mesmo duplicação de informações.

É um sistema bastante seguro e com suas peculiaridades. Para que um imóvel possa ser registrado, deverá o mesmo ter título hábil para tal e o mesmo satisfazer a legislação pertinente ao tema.

Vários são os títulos que conferem ou transferem a propriedade ao cidadão, e que podem ser levados a registro no cartório de registro imobiliário, destacando-se como o mais comum a escritura pública de venda e compra. Mas muitos outros títulos de propriedade são levados também à registro, como contratos particulares, quando a lei assim autoriza, formais de partilha, carta de adjudicação e no caso deste estudo, a carta de arrematação.

Esta não se confunde com o auto de arrematação, que é documento emitido no ato do encerramento do leilão, no qual o leiloeiro certifica a regularidade formal do procedimento de arrematação. Já a carta de arrematação é expedida após o tramite processual, quando se esgotam eventuais prazos de recursos do executado, como os embargos à arrematação ou ainda embargos de terceiros sobre aquele bem sub judicie.

A carta de arrematação é título executivo judicial e se compõe por algumas cópias de folhas extraídas do processo, formando-se uma espécie de breve relato da execução que originou a hasta pública, e sua autenticidade é certificada pela assinatura do juiz da vara onde correu a execução.

Ela será o título hábil a transferir, por ordem judicial e força legal, a propriedade ao arrematante, que efetuou o pagamento do lance, arcou com as despesas do imposto de transmissão de bens ITBI e eventuais dívidas que pesavam sobre o mesmo, apontados no edital do leilão. Assim tal carta de arrematação será levada a apreciação do oficial registrador, para, após a devida análise da legalidade formal e material, ser efetuado o registro da mesma na matrícula individualizada do imóvel.

Mesmo cabendo tal atribuição ao oficial registrador, não será dele a última palavra sobre a possibilidade do título ingressar ao registro, pois havendo negativa por motivo do qual não se conforme o apresentante do título, poderá este solicitar que seja suscitada dúvida junto ao juiz corregedor, através de processo não judicial, mas administrativo, e a este caberá através de decisão fundamentada, efetuar tal julgamento.

Um dos pilares do direito registral é o princípio da continuidade registral ou do trato sucessivo. Tal princípio estabelece que, para um título ser hábil ao registro público, deverá concatenar suas informações na forma de registros, de modo que o alienante atualmente mencionado no título como proprietário, seja o adquirente do registro anterior e assim sucessivamente, com fito de se impedir que sob um novo registro se perca o vínculo com seu antigo proprietário, ou mesmo que aquele que nunca foi proprietário venha a tentar alienar algo que não é seu.

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Ou seja, cada novo registro traz consigo um vínculo obrigatório e necessário ao registro anterior, demonstrando claramente qual foi o motivo e a intenção da transmissão da propriedade, tal qual elos de uma corrente que se ligam de forma contínua. Tal princípio é regulado pela lei 6015 de 31 de dezembro de 1973 (lei de registros públicos) em seu Art. 237. “Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Assim quando um bem imóvel é adquirido de forma derivada, faz-se necessário provar que a aquisição se deu de forma a respeitar tal cadeia registral, devendo o registro do alienante figurar imediatamente antes do registro do adquirente, sendo que caso isso não ocorra, o registro não será possível por clara desobediência a tal princípio.

Tratando-se de uma compra e venda, deverá por exemplo o adquirente, além de provar que o adquiriu por justo título, o fez de boa-fé, por conservar certidões que demonstrem que o bem estava livre e desimpedido para alienação. Tal prova se faz através de diversas certidões que comprovarão que não houve, por exemplo, fraude à execução ou mesmo à credores, ou que sob o bem não pesava nenhuma restrição ou gravame de inalienabilidade que impossibilitaria sua alienação.

O mesmo não ocorre quando a aquisição se dá de forma originária, quando, independentemente do registro anterior ou mesmo em sua falta, cumpriu-se exigência legal de forma a habilitar o titular do direito a conseguir sentença de reconhecimento do fato, o que o permitirá efetuar o registro de propriedade em seu nome.

Destaca-se principalmente a usucapião como a principal forma de aquisição originária. Nessa modalidade de aquisição, provando o titular que cumpriu exigência legal de posse mansa e pacífica por determinado período de tempo, adquiri-lhe a propriedade, independentemente de quem foi seu anterior dono ou possuidor. Nessa situação, não será necessário provar que não houve fraude contra credores ou fraude contra a execução, mas tão somente que se satisfez exigência legal, sendo a sentença do Juiz que reconheça satisfeita tal exigência, documento hábil a ser levado ao cartório de Registro de Imóveis para registro da propriedade.

2.4 - A ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA.

O sistema jurídico brasileiro prevê em seus institutos, que o devedor garantirá, com a universalidade de seus bens, a satisfação de eventuais dívidas ou obrigações em favor de seu credor (Art. 789 do CPC). Quando o cumprimento de uma obrigação contratual não ocorre de forma voluntária, e no lado do credor existe patrimônio passível ao qual se atribui valor econômico, entra em cena o instituto da penhora judicia previsto no processo de execução, com a consequente expropriação do patrimônio do devedor pelo Estado, o qual será levado à leilão, ou como se designa neste trabalho, hasta pública, que nada mais é do que ser esse bem levado à uma alienação forçada em favor de quem se comprometer a pagar mais pelo bem ofertado.

Isso se dá através do lance ofertado em leilão, que é uma oferta de preço feito por alguém interessado na aquisição do bem alienado. Quando sua oferta for declarada como a maior e for validada, o bem será considerado arrematado, ou seja, adquirido em leilão por certa pessoa interessada.

Dessa forma, retira-se o patrimônio do devedor, transformando o mesmo em dinheiro e entregando-se esse ao credor para a satisfação da obrigação que não foi cumprida de forma voluntária. Pode-se então definir hasta pública como “um ato da Justiça, pelo qual são alienados (ou seja, vendidos) bens do devedor para que, com o dinheiro da venda, possam ser pagos o credor e as custas e despesas do processo de execução.

A hasta pública pode ter sua origem em um processo cível, trabalhista, criminal ou tributário, quando se faz necessário transformar um bem, que pode ser móvel ou imóvel, em dinheiro, para que saia o credor satisfeito em seu crédito. No caso em comento, interessa-nos a hasta pública de bem imóvel, não importando o tipo de execução que ensejou a mesma.

2.5 - A HASTA PÚBLICA E SUA FUNÇÃO SOCIAL

As relações sociais são balizadas por normas jurídicas, que as norteiam e fixam seus limites. Entre um dos pilares do direito brasileiro está a garantia de que “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.” (Art. 789 do CPC).

Quando um devedor se recusa por qualquer motivo a satisfazer sua obrigação frente ao credor, isso pode trazer dificuldades ao outro que adimpliu sua parte no contrato e espera que a outra parte cumpra com a sua. Sua recusa pode ser motivada, como quando não houve o satisfatório cumprimento da obrigação pela parte adversa, o que no direito brasileiro é chamado de Exceção de Contrato não Cumprido e encontra-se disciplinado no Art. 476 do Código Civil. "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".

No entanto, uma vez cumprida a obrigação de um contratante, nasce para o outro a obrigação jurídica de cumprir ou adimplir com a sua parte do contrato. Quando isso não ocorre de forma voluntária, resta ao credor se valer de medida judicial de execução do título que lhe confere tal direito. Em suas várias etapas, a execução permite que o devedor se retrate e cumpra voluntariamente sua obrigação, independentemente de ser judicial ou extrajudicial.

Quando efetivamente demonstrado que o mesmo não o fará, caberá ao credor solicitar ao juízo da execução a penhora de patrimônio do devedor, que será transformado em dinheiro, sendo esse entregue ao credor para satisfação do débito.

Em tal certeza, de que voluntária ou involuntariamente terá o credor seu débito satisfeito, havendo ao menos algum patrimônio em poder do devedor, repousa a segurança de um mercado capitalista, porque se assim não fosse, dificilmente alguém celebraria contratos bilaterais, caso dependesse apenas do arbítrio do outro em adimplir sua obrigação.

Assim, uma vez não cumprida voluntariamente a obrigação, caberá ao estado juiz expropriar tantos bens quanto bastarem para a satisfação do credor, e levar tais bens à hasta pública, onde aquele que ofertar maior lance, arrematará o bem ou seja, lhe adquirirá a propriedade.

Tal segurança existe no âmbito do direito cível, que trata das relações jurídicas dos particulares, bem como nos demais ramos do direito, seja administrativo, tributário, trabalhista ou penal.

2.6 - A IMPORTÂNCIA DA DIFERENCIAÇÃO QUANDO DA ARREMATAÇÃO

Quando uma hasta pública é deferida pelo juízo, algumas providências deverão ser tomadas pela Vara que a promoverá, como marcação das datas da hasta pública, escolha do leiloeiro e produção do edital. Esse edital e um documento de caráter público e se destina a dar publicidade ao ato, com diversas informações importantes sobre o processo que deu origem àquela penhora, bem como eventuais gravames que pesem contra aquele bem, como por exemplo, outras penhoras efetuadas ou outros juízos.

É também no edital da hasta pública que deverão constar obrigações do arrematante, como aquela de procurar por seus próprios esforços por obrigações que pesem sobre aquele bem, como por exemplo dívidas de IPTU ou de condomínio não saldadas. Dessa forma transfere-se ao arrematante uma obrigação ativa de averiguar questões processuais que poderiam invalidar a hasta pública, por defeitos na sua formação. Destaca-se como motivo de anulação de uma hasta pública, a falta da devida citação do executado ou ainda a arrematação do bem por preço vil.

Para participar assim de uma hasta pública, deverá o arrematante tomar todas as precauções para se certificar de que a praça ocorrerá como esperado, e então ele arrematante possa, após pagar pelo bem, ter a expedição da carta de arrematação para ser levada à registro público e gerar a efetiva transmissão da propriedade.

É nesse ponto que surgem questões perturbadoras. Por não haver previsão legal que consagre a arrematação como forma originária de aquisição, existe turbulenta aplicação de doutrinas, muitas vezes de forma a atender os interesses dos oficiais de registro de imóveis e de outras a deixar no vácuo jurídico tal questão.

Imagine uma situação em que alguém adquira uma propriedade imóvel com recursos de proveniência duvidosa, ou mesmo criminosa. E assim mantenha em sua posse direta tal bem, muitas vezes por anos, sem efetivamente efetuar o registro em seu nome. Tal imóvel pode ter sido fruto de alienações irregulares através de sucessivos contratos de cessão de direito, sendo que em algum momento, poderá aquele direito de aquisição da propriedade ser levado a penhora, e se buscará penhorar não a propriedade em si, mas sim os direitos inerentes aquela cessão, ou seja, os direitos de aquisição.

Dessa maneira, caso seja levado à hasta pública um imóvel nessa situação, não haveria possibilidades de se obter uma carta de arrematação hábil a ser levada à registro, a menos que se providenciasse uma ou todas as escrituras anteriores, com os devidos recolhimentos das taxas de ITBIs (Imposto de Transferência de Bens Imóveis Inter Vivos)

Foi exatamente o que aconteceu na Comarca de Valinhos, quando um bem adquirido com recursos provenientes de delito julgado na esfera penal foi levado a leilão, e após ter sido regularmente arrematado, teve sua carta de arrematação rejeitada pelo oficial do registro, que alegou quebra da cadeia registral. No caso em comento, o motivo do não registro do bem em nome do expropriado era evidentemente o de se esconder o patrimônio. É evidente dizer que quem comete um delito não dá recibo, nem tampouco passa escritura.

Quando o arrematante solicitou ao oficial que se suscitasse dúvida ao juiz corregedor para que este decidisse, o que originou o processo administrativo nº 0009699-20.2014.8.26.0650, este também acolheu a tese do registrador de que o ato de arrematar consistia-se em aquisição derivada e não originária, o que obrigou o arrematante a efetuar o pagamento de dois registros de escrituras anteriores que por motivos óbvios não haviam sido providenciados, sob pena de ter que solicitar a anulação de todo o processo de leilão, mesmo que para chegar até a fase de hasta pública já houvessem passados mais de 8 anos, desde a petição inicial do credor até o leilão.

A fundamentação adotada pelo magistrado baseou-se na doutrina de Araken de Assis (2012, p 819) que diz que:

A arrematação constitui forma de alienação forçada, e que, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente. É ato expropriatório por meio do qual "o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa [...].

O mais intrigante é que o mesmo magistrado que assinou a carta de arrematação como presidente do processo de execução, agora negou-se a lhe conferir o poder de transferir a propriedade ao adquirente, endossando a tese do registrador.

Nesse caso específico, caso não houvessem essas escrituras, o processo teria que ser anulado, com o consequente cancelamento da hasta pública, restituições dos valores e muitos outros transtornos e em especial a não satisfação do credor que esperou por anos até esse momento e viu tornar-se infrutífero todo um processo que não está devidamente esclarecido na legislação.

Ademais, considerando que há efetivamente a transmissão derivada da propriedade, existe vínculo jurídico entre o adquirente e o expropriado, o que obriga o arrematante a verificar a situação fática do bem e de seu atual proprietário antes de efetuar seu lance.

Pode-se citar como exemplo um imóvel doado com cláusula de inalienabilidade a alguém, que assim gozaria de proteção jurídica contra penhora, independentemente do motivo que levou a formulação de tal pedido. Na realidade a jurisprudência afasta tal proteção, quando existe dívida Propter rem como condomínio ou IPTU, e dessa forma, transmuta-se a jurisprudência neste ou naquele entendimento, de acordo com as diversas situações.

Pode-se facilmente notar a consequência negativa que tal solução traz. Havendo dúvidas sobre a segurança jurídica da arrematação, os arrematantes evitarão empregar seus recursos na mesma, procurando formas alternativas e mais seguras de investimento, com a evidente negativa consequência nos processos de execução da justiça brasileira.

Assim, muitas arrematações em hasta pública são anuladas por não poderem atingir seu objetivo fim, ou seja, a efetiva venda do patrimônio do devedor com a consequente arrecadação da compensação financeira à conta do credor.

Toda essa celeuma jurídica, como já mencionado existe por não haver legislação clara que a defina como aquisição originária, ficando as decisões condicionadas a esse ou aquele entendimento.

Durante seu mandato como Corregedor Geral da Justiça, o brilhante Desembargador Dr. José Renato Nalini sempre defendeu que a arrematação devia ser entendida como forma originária de aquisição. Isso se refletia em seus acórdãos que sempre visavam pacificar tal entendimento e as relações jurídicas.

Pode-se citar seu envolvimento em um julgado envolvendo exatamente esse tema, a saber Apelação n° 0013197-92.2012.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que foi apelante MARA ROSANA AUGUSTO PAPADOPOLI e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.

Quando a arrematante tentou registrar seu título no Registro Imobiliário, o mesmo foi negado com o argumento de que a arrematação era forma derivada de aquisição e sobre aquele bem recaíam outras penhoras que deveriam ser canceladas.

Ao suscitar dúvida ao Juiz Corregedor, teve como resposta:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de arrematação expedida em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual – Imóvel penhorado em outras execuções movidas pela Fazenda Nacional e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – Arrematação que não constitui forma originária de aquisição de propriedade imóvel – Impossibilidade de registro, enquanto não cancelados os registros das penhoras pela Fazenda Nacional e pelo INSS, por força do artigo 53, parágrafo 1º, da Lei n° 8.212/91 — Registro inviável — Recurso não provido.

Não se satisfazendo com a negativa, interpôs apelação, a qual foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, pelas mãos do eminente Desembargador e teve como acórdão citado parcialmente:

O E. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação federal, entende que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública configura forma originária de aquisição da propriedade, sendo oportuno citar, por todos, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

“EXECUÇÃO FISCALIPTU ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta..."

Isto posto, dou provimento ao recurso, para possibilitar o ingresso do título.

JOSÉ RENATO NALINI

Tal entendimento é paradoxalmente contrário ao do Conselho Superior da Magistratura (www.irib.org.br), que emanou o seguinte julgado:

A arrematação em hasta pública é forma derivada de aquisição da propriedade, devendo ser preservado o Princípio da Continuidade.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 1009832-65.2014.8.26.0223, onde se decidiu que a arrematação em hasta pública é forma derivada de aquisição da propriedade, devendo ser preservado o Princípio da Continuidade. O acórdão teve como Relator o Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

O caso trata de recurso interposto em face da r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial Registrador e manteve a recusa do registro de Carta de Arrematação expedida em execução de que figura, como executada, pessoa diversa daquela constante como proprietário na matrícula do imóvel arrematado. Em síntese, o apelante sustentou que a arrematação é modo originário de aquisição da propriedade imóvel, de forma que o registro da respectiva carta não implicaria violação ao Princípio da Continuidade, ainda que distintos o devedor da execução em que arrematado o bem e o titular registral do imóvel. Afirmou, ainda, que a devedora é a efetiva proprietária do imóvel, em virtude de demanda movida em face da titular registral do imóvel, com pedido de adjudicação compulsória acolhido por sentença transitada em julgado, já tendo sido expedida, inclusive, a carta de adjudicação, embora ainda não levada a registro.

Ao julgar o recurso, o Relator observou que a devedora na execução em que ocorreu a arrematação promovida pelo recorrente é pessoa diversa daquela que atualmente figura como titular do imóvel no Registro Imobiliário. Assim, com base nos Arts. 195 e 237 da Lei de Registros Públicos, o Relator entendeu ser inviável o registro do título, como almejado, uma vez que implica em injustificado rompimento na cadeia sucessória dos titulares do bem, devendo ser respeitado o Princípio da Continuidade. Além disso, o Relator destacou que “o só fato de se tratar de arrematação judicial não basta para afastar a incidência das normas aludidas. Trata-se, com efeito, de modo derivado de aquisição da propriedade imóvel, mantendo-se vínculo com a situação pretérita do bem. A participação do Estado-Juiz na alienação forçada do imóvel não transmuda para originária a natureza da aquisição.” Finalmente, o Relator afirmou que “cabe notar que o só fato de haver carta de adjudicação do imóvel expedida em favor da empresa que figurou como devedora na execução em que se deu a arrematação não basta para dar por observado o princípio da continuidade, seguindo inviável o registro da carta de arrematação em pauta. Essencial, para tanto, que se promova, antes, efetivo registro da carta de adjudicação.”

Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

É fácil perceber-se como diverge a doutrina e jurisprudência entre um ou outro entendimento, sendo fundamental que haja a efetiva pacificação do assunto em pauta por nossos legisladores.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o acima exposto, conclui-se que é tormentosa a questão da arrematação em hasta pública, tendo como base o ordenamento jurídico brasileiro atual. Sendo as leis produzidas de acordo com a evolução e anseios da sociedade, com o fito de ajustar, pacificar e regular as relações sociais, mostra-se imperioso que haja modificação na legislação pátria, de forma a tornar segura a arrematação e eficiente os processos de execução.

Caso não entenda o processo de arrematação como algo seguro, por não haver claro entendimento sobre sua natureza jurídica e consequentemente seus efeitos, muitos investidores, hora arrematantes, preferirão não participar de aventuras jurídicas e colocar seus recursos financeiros em processos que ao final, poderão ser cancelados.

A segurança do arrematante, embora seja protegida por lei, não o desincumbe de efetuar gastos com advogados e ter que arcar com custas processuais para pleitear o cancelamento judicial da hasta pública, sem levarmos em conta o tempo despendido com tudo isso.

Para isso, deverá o legislador tornar a regra dos processos de arrematação efetivamente claras, para que continue a haver interessados em adquirir tais bens e tornar efetivos os processos de execução, com a devida satisfação das partes envolvidas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Roberson Marcos Lecioli

Advogado, atuante na área cívil com foco especial no direito imobiliário.

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