Depósito da importância reclamada como meio de defesa na falência

14/01/2020 às 16:56
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O processo falimentar não é novidade nas legislações dos Estados, pois é de fundamental importância para a sobrevivência da economia e para a estabilidade jurídica. Existe uma função social na falência, não se limitando esta à satisfação dos credores.

1. INTRODUÇÃO

A Lei 11.101/05, Lei de Falências e Recuperação de empresas, possui um viés social em seus dispositivos. Isso porque empresas possuem uma função social muito marcante, pois além de gerarem lucro para seus proprietários, sócios e acionistas, também garantem o emprego e a renda de milhões de trabalhadores. Se o Estado não intervisse nas situações em que essas empresas enfrentam crises econômico-financeiras, milhões de brasileiros seriam prejudicados, e assim toda a economia do país.

Por essa razão, é preciso que existam meios na Lei que impeçam a falência quando ela é desnecessária. Um exemplo é o próprio processo de recuperação judicial, mas só ele não é bastante. Outra figura fundamental é o depósito elisivo.

Este instituto permite que o devedor deposite em juízo o valor reclamado para realizar sua contestação, faceta do contraditório e da ampla defesa, e assim, impedir que a falência seja decretada pelo juiz, salvaguardando a empresa, e, consequentemente, sua função social.

É o que se analisa no presente trabalho: o depósito elisivo como meio de
defesa do requerido no procedimento falimentar.

2. FALÊNCIA.
2.1. UM BREVE HISTÓRICO.

O direito falimentar tem sua remota origem no Direito Romano, época em que se dava a transição da execução corporal, violenta e vingativa, para a execução patrimonial, ou seja, a obrigação não mais incidia sobre a pessoa em si, que muitas vezes era tomada como escrava ou era morta caso não honrasse com suas dívidas, e passava a incidir sobre os bens do indivíduo. A garantia para o credor não era mais o corpo do devedor em si, e sim seu patrimônio.

O período romano foi a época de origem do direito falimentar, porém foi na idade média que ocorreu o seu crescimento , desenvolvimento e sistematização. Nesse momento da história, surgiram duas correntes a respeito da falência: uma de origem romana que atribuía à falência um caráter primordialmente privatística, em que a execução ocorria sem interferência estatal, priorizando a figura dos credores.

A outra corrente era influenciada pelo Direito Visigótico, ou seja, germânico, e tinha como característica atribuir importância à figura do magistrado, que seria o responsável pela direção de todo o processo falimentar, defendendo os interesses dos credores e castigando o devedor. Essa última corrente prevaleceu, pois prevaleceu o caráter público do processo de falência.
É importante salientar que a falência, nesta época, era para comerciantes ou não, bastando, portanto, o estado de insolvência. Além disso, ela surgiu como meio de repressão e punição do devedor. A falência era considerada um delito. A prioridade era repreender o devedor; defender os interesses dos credores aparecia de forma secundária no processo.

Posteriormente, durante os séculos XVIII e XIX, ocorreram mudanças em relação ao processo de falência. Na França, por exemplo, foi editado o código de comércio que limitava a falência ao devedor comerciante e após o governo napoleônico o devedor passou a ser tratado de forma menos severa. Nesta época, vigoraram dois sistemas: o Franco-Italiano, que limitava a falência aos comerciantes e o Anglo-Saxônico, que permitia o alcance do processo falimentar a qualquer devedor.

Com relação ao Brasil, o período republicano foi o momento em que houve elaboração intensa de legislação falimentar. Em 1945, foi editado o Decreto-Lei 7661, que posteriormente foi revogado pela Lei 11.101 em 2005, que é a lei de recuperações e falências vigente no país atualmente.

2.2. CONCEITO.

Na lição de Ecio Perin Junior:

A falência nada mais é, portanto, que a organização legal e processual de defesa coletiva dos credores em face da insolvência do empresário no tocante ao estado patrimonial de um indivíduo que não consegue fazer frente aos débitos que pesam sobre ele. É, pois, estado de fato e não criação da lei. (2006, p. 51)

Para Amador Paes de Almeida, a falência pode ser vista pelo ângulo econômico e pelo ângulo jurídico. Do ponto de vista econômico, a falência seria o estado de insolvência propriamente dito, em que alguém se utiliza de um determinado crédito, porém é incapaz de arcar com a contraprestação. Já do ponto de vista jurídico, nada mais é do que um processo de execução coletivo contra o devedor insolvente.

Em acordo está André Santa Cruz (2018, p. 763), que diz ser a falência: “uma execução especial, na qual todos os credores deverão ser reunidos em um único processo, para a execução conjunta do devedor.”.

Marlon Tomazette leciona da seguinte forma:

Liquidação patrimonial forçada em relação aos devedores empresários que não têm condições de superar a crise econômico-financeira pela qual estão passando. Deve-se buscar, sempre que possível, a recuperação da empresa, mas não a ponto de desvirtuar os riscos da atividade, passando-os aos credores. Quando não é possível ou não é viável a recuperação, deve-se proceder à liquidação forçada do patrimônio do devedor, para reduzir ou evitar novos prejuízos decorrentes do exercício da atividade por aquele devedor. (2017, p. 367)

2.3. PROCEDIMENTO

O processo falimentar é constituído por três etapas: fase pré-falimentar, fase falimentar propriamente dita e, por último, fase pós-falimentar.

Seguindo a ordem lógica, o processo falimentar tem início com a fase pré-falimentar, que começa com o pedido inicial de falência em face do devedor empresário e tem fim com uma sentença judicial, que pode denegar ou deferir o pedido, ou seja, haverá uma sentença denegatória ou declaratória de falência. Esse procedimento é verdadeiro processo de conhecimento. Na lição de Ecio Perin Junior:

Durante essa fase, o empresário não é considerado falido, figurando tão-somente como requerido em um pedido de falência, sendo certo que o estado falimentar apenas se caracterizará se, por sentença, for posteriormente declarada a sua falência. (2006, p. 111)

A atual Lei Falimentar possui quatro causas possíveis para deferimento da falência, que devem constar, uma ou outra, na petição inicial. São elas: impontualidade no pagamento de obrigações líquidas indicadas por títulos judiciais ou extrajudiciais protestados cuja soma seja superior a quarenta salários mínimos, frustração da execução, prática de atos de insolvência ou crise econômico-financeira que inviabilize a continuação da atividade empresarial. Esta última causa, em geral, é alegada pelo próprio devedor no processo de autofalência, em que o empresário que se encontra em situação de não mais conseguir honrar com seus débitos e que não possui os requisitos para recuperação judicial, pede a decretação da sua falência.

O artigo 94 da Lei 11.101/05 dispõe, em seus incisos, sobre as causas de
pedido de falência pelo credor:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora
bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento
para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou
fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade
de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os
credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os
credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação
judicial.

Já o artigo 105, caput, obviamente da mesma lei, diz a causa de pedido de autofalência, ou seja, o processo de falência requerida pelo próprio devedor:

Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos.

Ao requerer a falência em razão de impontualidade no pagamento das obrigações líquidas, que conta no artigo 94, inciso I, da Lei 11.101/05, o credor não necessita apresentar os indícios da insolvência, como mostra a seguinte jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO FALIMENTAR E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA. IMPONTUALIDADE DO DEVEDOR. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. UTILIZAÇÃO DO PROCESSO FALIMENTAR COM FINALIDADE DE COBRANÇA. NÃO OCORRÊNCIA. DÍVIDA DE VALOR CONSIDERÁVEL. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE INDÍCIOS DE INSOLVÊNCIA DA DEVEDORA. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO STJ.

1. Controvérsia acerca do indeferimento da petição inicial de um pedido de falência instruído com título executivo extrajudicial de valor superior a um milhão de reais.

2. Aplicação do disposto no art. 94, I, da Lei 11.101/2005, autorizando a decretação da falência do devedor que, "sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência".

3. Doutrina e jurisprudência desta Corte no sentido de não ser exigível do autor do pedido de falência a apresentação de indícios da insolvência ou da insuficiência patrimonial do devedor.

4. Não caracterização no caso de exercício abusivo do direito de requerer a falência pelo devedor.

5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1532154/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 03/02/2017)

A segunda etapa, a fase falimentar propriamente dita, tem início com a sentença declaratória de falência. Conforme ensina Ecio Perin Junior (2006, p.112): “O escopo desta fase é a realização do ativo e satisfação do passivo. Realiza-se o ativo alienando os bens arrecadados pela massa. Satisfaz-se o passivo pelo pagamento em favor dos credores da massa.”. Durante essa fase, através de inquérito judicial, serão apuradas eventuais ocorrências de crime falimentar. O fim dessa etapa se dá com a sentença de encerramento da falência.

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Importante salientar, ainda, que a sentença declaratória de falência, apesar de ser nomeada “declaratória” possui natureza jurídica constitutiva, isso porque não apenas declara a existência ou inexistência de um direito, e sim modifica um estado ou uma relação jurídica.

Por último, tem-se a fase pós-falimentar, que inicia com a sentença de encerramento da falência. Aqui, o importante é extinguir as obrigações do falido e garantir a sua reabilitação. Termina ao ser proferida a sentença de extinção das obrigações do falido.

2.4. PRESSUPOSTOS LEGAIS

Existem três pressupostos legais para a declaração da falência: legitimidade passiva, estado de insolvência e sentença declaratória. Assim leciona Ricardo Negrão:

Somente quando presentes os pressupostos legais, isto é, a legitimidade passiva – a qualidade de empresário do devedor –, sua insolvência caracterizada por circunstâncias delimitadas pelo legislador, e a declaração judicial desse estado, é que haverá falência, situação jurídica que não se confunde com a mera constatação fática de crise de inadimplência ou econômico-financeira ao largo da tutela judicial. (2008, p. 3)

É importante salientar que a pluralidade de credores não é pressuposto da falência, como mostrado na jurisprudência abaixo:

Falência - Extinção sem resolução do mérito - A pluralidade de credores não constitui
pressuposto da falência - E inadmissível a conclusão de que o pagamento parcial (depósitos feitos em conta corrente, sem consentimento da requerente), efetuado após o ajuizamento do pedido de falência, descaracteriza a impontualidade e desnatura o pedido de falência — Fosse assim, dever-se-ia admitir como elisivo depósito irrisório, como o dos autos, de pouco mais de 10% do valor do débito original - Inexistência de indicio de desacerto comercial e de cobrança de juros abusivos - Falência decretada. Apelação provida. (grifo nosso). (TJSP; Apelação Com Revisão 0131322-71.2008.8.26.0000; Relator (a): Romeu Ricupero; Órgão Julgador: N/A; Foro de Ribeirão Bonito - 1.VARA CIVEL; Data do Julgamento: 24/09/2008; Data de Registro: 07/10/2008)

3. DEPÓSITO ELISIVO

3.1. CONCEITO

É o depósito do valor total de crédito acrescido de correção monetária, custas e honorários advocatícios, realizado em juízo com objetivo de impedir a decretação de falência. É o que está expresso no artigo 98 da Lei 11.101/05:

Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.

O depósito só será válido quando realizado em decorrência de pedido de falência fundamentado nos incisos I e II do caput do artigo 94 da Lei de Falências. Isto é, quando a razão do requerimento do processo falimentar é não pagamento de obrigações líquidas materializadas em títulos judiciais ou extrajudiciais cuja soma seja superior a quarenta salários mínimos, ou quando houver execução frustrada. O Supremo Tribunal de Justiça – STJ possui súmula com conteúdo a respeito das verbas que são devidas no depósito elisivo: STJ – Súmula 29: “No pagamento em juízo para elidir a falência, são devidos correção monetária, juros e honorários de advogado.”. A jurisprudência fortalece o instituto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE FALÊNCIA. DÉPOSITO ELISIVO. CITAÇÃO. TOTAL VALOR DO CRÉDITO. Tendo em vista que a falência pedida pela agravante foi baseada no disposto no art. 94, inc. II, da Lei n. 11.101/2005, a agravada tem o direito de fazer depósito elisivo da falência, razão pela qual, ao ser citada, deverá constar o mandado o valor para do eventual depósito. Resta claro que o parágrafo único do art. 98 da Lei n. 11.101 estabelece quais são os parâmetros para se calcular o valor total do crédito. Agravo de instrumento improvido. (TJ-DF 20160020057170 0006511-86.2016.8.07.0000, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANNA, Data de Julgamento: 22/06/2016, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 27/06/2016. Pág.: 280/288)

Na lição de Ecio Perin Junior (2006, P.135): “Trata-se do depósito, em juízo, da quantia devida, que tem como efeito imediato a impossibilidade da declaração da falência do requerido pela descaracterização da impontualidade e, em consequência, da insolvência.”.

3.2. MEIO DE DEFESA

O depósito elisivo, portanto, funciona como verdadeiro meio de defesa, pois caso seja realizado, é razão para impedir a decretação da falência. O devedor deve, para tanto, dentro do prazo de dez dias, contado a partir da juntada do mandado de citação devidamente cumprido, realizar o depósito, com o propósito de mostrar que é capaz de honrar com seus débitos e, logicamente, evitar a declaração da indesejada falência.

Em acordo com o que está dito acima, leciona André Santa Cruz:

Veja-se que a realização do depósito elisivo, nos termos determinados pela lei, confere ao devedor a certeza absoluta de que a sua falência não será decretada, mesmo que ele não apresente defesa e ainda que o pedido do autor seja julgado procedente. Neste caso, a falência deve ser denegada, mas o valor do depósito será levantado pelo credor. (2018, p.789)

Assim, caso realizado devidamente o depósito, o processo deixa de ser relativo à falência e passa a ser uma análise da existência do crédito. Na lição de Amador Paes de Almeida:

É que a concretização do depósito, entre positivar a inexistência de insolvência, afastando a possibilidade de declaração da falência, desloca o objeto da ação para a legitimidade do crédito, devendo o juiz, nesta hipótese, julgar tão somente a relação creditícia. (2013, p.98)

Importante salientar, portanto, que com a realização do depósito elisivo, o processo não será encerrado. O que ocorre é um deslocamento da discussão, que deixa de ser em relação à decretação ou não da falência, e passa a ser a legitimidade do crédito. É o que mostra a seguinte jurisprudência:

DIREITO EMPRESARIAL. FALÊNCIA. IMPONTUALIDADE INJUSTIFICADA. ART. 94, INCISO I, DA LEI N. 11.101/2005. INSOLVÊNCIA ECONÔMICA. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. PARÂMETRO: INSOLVÊNCIA JURÍDICA. DEPÓSITO ELISIVO. EXTINÇÃO DO FEITO. DESCABIMENTO. ATALHAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PELO PROCESSO DE FALÊNCIA. NÃO
OCORRÊNCIA. 1. Os dois sistemas de execução por concurso universal existentes no direito pátrio - insolvência civil e falência -, entre outras diferenças, distanciam-se um do outro no tocante à concepção do que seja estado de insolvência, necessário em ambos. O sistema falimentar, ao contrário da insolvência civil (art. 748 do CPC), não tem alicerce na insolvência econômica. 2. O pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No caso do direito brasileiro, caracteriza a insolvência jurídica, nos termos do art. 94 da Lei n. 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). 3. Com efeito, para o propósito buscado no presente recurso - que é a extinção do feito sem resolução de mérito -, é de todo irrelevante a argumentação da recorrente, no sentido de ser uma das maiores empresas do ramo e de ter notória solidez financeira. Há uma presunção legal de insolvência que beneficia o credor, cabendo ao devedor elidir tal presunção no curso da ação, e não ao devedor fazer prova do estado de insolvência, que é caracterizado ex lege. 4. O depósito elisivo da falência (art. 98, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005), por óbvio, não é fato que autoriza o fim do processo. Elide-se o estado de insolvência presumida, de modo que a decretação da falência fica afastada, mas o processo converte-se em verdadeiro rito de cobrança, pois remanescem as questões alusivas à existência e exigibilidade da dívida cobrada. 5. No sistema inaugurado pela Lei n. 11.101/2005, os pedidos de falência por impontualidade de dívidas aquém do piso de 40 (quarenta) salários mínimos são legalmente considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de procedibilidade da falência (art. 94, inciso I). Porém, superando-se esse valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do legislador. 6. Assim, tendo o pedido de falência sido aparelhado em impontualidade injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei (art. 94, I, Lei n. 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via falimentar. Não cabe ao Judiciário, nesses casos, obstar pedidos de falência que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso controlado e abusivo da via falimentar. 7. Recurso especial não provido. (grifo nosso). (STJ - REsp: 1433652 RJ 2013/0200388-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/09/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/10/2014)

3.3. DEPÓSITO ELISIVO E CONTESTAÇÃO

 Pode o devedor fazer o depósito sem apresentar qualquer impugnação, mas também pode depositar e apresentar defesa, além de apresentar contestação sem realizar o depósito. Nesse sentido, tem-se a lição de Amador Paes de Almeida:

O depósito levado a efeito pelo devedor sem qualquer impugnação tem o significado de verdadeira confissão da legitimidade do crédito reclamado, não restando ao juiz senão ordenar, em favor do credor, o levantamento da quantia depositada, julgando extinta a ação. Na eventualidade de o devedor depositar e, concomitantemente, apresentar defesa, o processo terá seguimento normal
até sentença, quando o juiz decidirá, não mais para declarar a falência, mas para decidir sobre a relação de crédito, ou acolhendo as alegações do devedor e, por via de consequência, julgando improcedente a ação, ou, ao revés, acolhendo a legitimidade do crédito e liberando, em favor do credor, o valor do depósito. Por outro lado, pode não haver depósito e existir contestação – isto é, o devedor citado não efetua o depósito do seu débito, limitando-se a apresentar defesa. No processo falimentar, de todo conveniente ressaltar, a defesa desacompanhada de depósito é verdadeira temeridade, pois, uma vez julgada procedente a ação, a falência há de ser, fatalmente, decretada. (2013, p. 99)

3.3.1. DEPÓSITO COM CONTESTAÇÃO

Nessa situação, o depósito elisivo será feito juntamente com contestação. O devedor deposita o valor reclamado como verdadeira prova de que não está em estado de insolvência, portanto não deve ter sua falência decretada. Ao realizar o depósito, não é mais permitido decretar a falência. O processo passa a discutir apenas a legitimidade do crédito, ou seja, o juiz irá averiguar se o crédito reclamado de fato existe ou não. Caso exista, o credor levanta a quantia depositada e o
processo pode ser encerrado. Caso não exista, o pedido do autor é tido como improcedente, que pode ensejar a condenação prevista no artigo 101 da Lei 11.101/05:

Art. 101. Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença que julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de sentença.
§ 1 o Havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente responsáveis
aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo.
§ 2 o Por ação própria, o terceiro prejudicado também pode reclamar indenização dos responsáveis.

De acordo com essa situação, leciona Ecio Perin Junior:

O requerido garantirá a impossibilidade da declaração de sua quebra, por força do deposito elisivo, ao mesmo tempo em que contestará o pedido do requerente, podendo, se precedentes as razões da defesa, levantar o depósito em seu favor bem como receber verbas sucumbenciais ou até a indenização prevista no artigo 101 da LFRE, se o caso. (2006, p. 136)

O autor do pedido poderá, portanto, ser condenado por perdas e danos, condenação esta feita na própria sentença denegatória de falência, pois no meio comercial, ter a sua empresa vinculada a um pedido de falência pode ser extremamente prejudicial, visto que em relações desse gênero, a credibilidade é um fator de grande importância. Esta espécie de punição, portanto, é bastante válida, pois o credor deve ter responsabilidade ao almejar requerer a falência de um devedor, pois o processo falimentar não é meio de execução, ou seja, não existe como forma de cobrança de débitos. Isso porque, como outrora foi dito, a Lei de Falências possui uma finalidade social, e não se limita a satisfazer o crédito dos credores. Nesse sentido, observa-se a seguinte jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE FALÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR CARÊNCIA DE AÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. PLEITO QUE NÃO PODE SER UTILIZADO COMO MEIO PARA SIMPLES COERÇÃO DO DEVEDOR . FINALIDADE SOCIAL DA LEI DE QUEBRAS QUE NÃO SE RESERVA À MERA COBRANÇA DE DÍVIDAS. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. CONVERSÃO DA AÇÃO FALIMENTAR EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. PLEITO QUE NÃO MERECE GUARIDA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DIANTE DA NATUREZA DE CADA CAUSA. MEDIDA DA QUAL DECORRERIA FLAGRANTE PREJUÍZO À PARTE CONTRÁRIA  . "Impossibilidade de conversão de execução forçada em ação ordinária de cobrança. Entre a ação ordinária e a execução forçada, a diferença não é apenas de rito ou procedimento, mas de processo. E, como ensina J.J. CALMON DE PASSOS, '... inexiste possibilidade de conversão de um processo (impróprio) em outro (próprio), na mesma espécie de processo (cognição, execução ou cautelar). Assim, pode adaptar-se o procedimento ordinário ao sumaríssimo, ou vice-versa, como se pode converter uma execução por quantia certa em outro tipo de procedimento executivo, mas não será viável, em nenhuma hipótese, converter-se um processo de cognição em processo de execução ou vice-versa, porquanto, na espécie, o próprio pedido é que estaria sendo modificado, o que não é admissível na sistemática do Código'" (Comentários ao Código de Processo Civil, III, pág. 222). (Processo de execução e cumprimento da sentença. 26. ed. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 2009). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.002528-1, de Urussanga, rel. Des. Altamiro de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 24-09-2013).

É importante, ainda, discorrer sobre o que pode ser apresentado como defesa pelo requerido quando apresenta contestação. Isto está disciplinado no artigo 96 da Lei 11.101,05. Note que depósito, nessa situação, serve tão somente para impedir a decretação da falência, porém o fato desta ter sido denegada é em razão de improcedência do pedido do autor, fundamentado no artigo supracitado:

Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput , desta Lei, não será decretada se o requerido provar:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os
requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.

Em relação a este assunto, temos o ensinamento de André Santa Cruz:

Nesse caso, cabe ao juiz analisar os seus argumentos. Se acolhê-los, a falência será denegada não em razão do depósito elisivo, mas da improcedência do pedido do autor. Se o juiz, todavia, não acolher os argumentos do devedor, deveria, em tese, decretar a sua falência. Mas, como foi feito o depósito elisivo, ele a denegará, mandando o autor levantar a importância depositada. (2018, p. 792)

3.3.2. DEPÓSITO SEM CONTESTAÇÃO

O depósito elisivo também poderá ser feito sem que o devedor apresente defesa. Por força da realização do depósito, a falência não será decretada, mesmo o requerido não tendo apresentado qualquer impugnação.

Nessa situação, a atitude do devedor tem força de confissão, ou seja, admite-se que realmente os créditos são devidos, e teria, de fato, o credor razão para requerer a falência. Como o processo falimentar tem seu caráter social, é contraditório que a falência seja decretada mesmo quando o requerido tenha realizado depósito capaz de satisfazer os créditos dos requerentes. Por essa razão, o depósito feito sem contestação também impede a contestação da falência.

O juiz irá, portanto, decretar que o credor levante os valores depositados em
juízo e logo após irá extinguir a ação.

Nesse sentido, tem-se a seguinte jurisprudência:

Falência. Depósito elisivo e contestação quanto ao direito de requerer a falência. Se subsistente a elisão, recebe o requerente o depósito com juros e correção monetária havendo a aplicação de honorários de advogado do autor. Caso insubsistente o pedido de falência, o requerente arcará com a sucumbência. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 1988.058940-2, da Capital, rel. Des. Protásio Leal Filho).

3.3.3. CONTESTAÇÃO SEM DEPÓSITO

O requerido não é obrigado a realizar o depósito elisivo para ter o direito de contestar o pedido do autor com fundamentação no artigo 96 da Lei 11.101/05. O depósito, como dito anteriormente, tem o condão de impedir a decretação da falência. Não o sendo realizado, portanto, a decretação ou não da falência caberá exclusivamente ao julgamento do juiz em relação à improcedência ou não do pedido do requerente. Isso significa dizer que se o credor tiver, de fato, razão de requerer a falência, esta será decretada, pois o juiz não acatará o pedido de defesa do requerido.

4. CONCLUSÃO

A partir do que foi apresentado, nota-se a importância da Lei de Recuperações e Falências para o Estado Brasileiro, pois esta permite não só a satisfação dos créditos dos credores, mas também garante um apoio estatal às empresas no momento que se encontrem em crise econômico-financeira, visto sua importante função social.

Para a realização desse objetivo, a figura do depósito elisivo mostra-se fundamental, pois garante que a falência não seja decretada, assim que se realize o depósito, independentemente das razões de defesa apresentadas pelo requerido.

Isso é muito importante para as empresas, pois evita que entrem em falência desnecessariamente, o que acarreta em benefício para toda a comunidade, que também possui interesses no bom funcionamento das empresas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
● Santa Cruz, André. Direito empresarial. 8ª edição revista, atualizada e
ampliada. Rio de Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Editora Método,
2018.
● Almeida, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa
— 27. ed. rev. e ampl. — São Paulo: Saraiva, 2013.
● BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
● Perin Junior, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas
- 3 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Método, 2006.
● Negrão, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e
de falências: Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – 2. ed. rev. e atual.
– São Paulo: Saraiva, 2008.
● Tomazette, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação
de empresas, v. 3 – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017.

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