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Exercício de outra função pública por membro do Ministério Público:

incompatibilidade ou prerrogativa constitucional?

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03/02/2006 às 00:00
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III.Proposta hermenêutica: a compatibilidade com as funções e o controle das Instâncias internas do Ministério Público

Não podemos deixar de olhar o contexto histórico, sem que isso signifique um olhar paralisante ou nostálgico. Nosso olhar é uma retrospectiva crítica, não uma pesquisa de intenções subjetivas duvidosas ou insondáveis. Devemos perceber o que norteou os debates originais na confecção do art. 128, par.5º, II, "d", da Magna Carta, para alcançar o entendimento mais consentâneo com o contexto jurídico-constitucional vigente.

Já nos debates da Constituinte de 1988, a questão da cumulatividade do exercício de funções, sem necessariamente implicar diminuição da independência funcional, foi tema central da votação da emenda aditiva n° 23, de autoria do então Constituinte Deputado José Carlos Grecco, a qual permitia expressamente a cumulatividade com cargo relevante à função ministerial, abordando a polêmica que se revitaliza nos dias que correm [24].

Veja-se o destaque na íntegra:

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) - É a seguinte a matéria destacada:

EMENDA Nº 123

(Do Sr. José Carlos Grecco)

Dê-se à alínea a, do inciso II do §3º, do artigo 157, a seguinte redação:

"Artigo 157, § 3º, II - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo o magistério e cargo administrativo de excepcional relevância, não podendo, durante o afastamento, ser promovido senão por antigüidade;"

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) - O texto do nobre Constituinte José Carlos Grecco é aditivo. É esta a redação do art. 155 do texto-base. Quer o nobre Constituinte o seguinte:

" Exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo magistério e cargo administrativo de excepcional relevância, não podendo, durante o afastamento, ser promovido, senão por antigüidade" - quer dizer, as proibições generalizadas - " excepcionando-se no caso para o Promotor Público e o exercício do magistério."

O Promotor poderá exercer o magistério e também um cargo administrativo de excepcional relevância, como em São Paulo, por exemplo, que já teve Promotor Público como Secretário de Segurança, podendo ocupar cargo administrativo, e não podendo, durante o afastamento, ser promovido, a não ser por antigüidade, que é o critério adotado, inclusive, para os parlamentares e funcionários públicos. Só pode ser promovido por antigüidade.

Nesse sentido, defendeu o texto com muita coerência o Deputado Roberto Rollemberg, dizendo o seguinte:

O SR. ROBERTO ROLLEMBERG ( PMDB - SP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Constituintes, é com muita honra que venho defender a emenda aditiva do nobre Constituinte José Carlos Grecco.

Preliminarmente, referir-me-ei à atuação do Ministério Público no processo democrático, como advogado criminal, e tendo no período da repressão sentido a força dessa mesma repressão, inclusive com restrição de liberdade individual. Foi no Ministério Público que encontramos uma força democrática que equilibrava a aplicação da Justiça, e ainda o é hoje.

Quando se deseja excluir a participação do Ministério Público em cargos de relevância, comete-se, inicialmente, o absurdo de excluir o funcionário público de uma função pública com coerência pela sua atuação de funcionário público, mas fundamentalmente, porque o seu aproveitamento, a sua utilização, além de ser coerente nas funções públicas, é, antes de tudo, também, uma economia para o Estado.

Em São Paulo e em inúmeros Estados, o sistema das prisões na direção dessas casas, ou seja, o técnico habilitado, o Promotor Público, o Representante do Ministério Público tem dado uma contribuição efetiva, não só pela sua responsabilidade de funcionário e de membro do Ministério Público como porque é um técnico capaz de dirigir com eficiência esses setores.

Ainda não se entende que se possa excluir a convocação do Representante do Ministério Público, na oportunidade em que inúmeros Secretários de Segurança neste País ocupam essa Secretaria com eficiência, com noção de justiça e, fundamentalmente, na sua função principal, que é a fiscalização da aplicação da lei.

No nosso Estado - queremos exemplificar, por se tratar de um exemplo típico de competência, probidade e eficiência -, temos na Secretaria de Segurança um representante do Ministério Público, que, pela natureza da sua função pública, é um fiscal da lei e trata a segurança com equilíbrio, com espírito democrático e, sobretudo, com a independência que caracteriza os representantes do Ministério Público.

Sr. Presidente, Srs. Constituintes, não é admissível que se exclua a possibilidade da utilização dos representantes do Ministério Público em função de alta relevância, porque é absolutamente coerente e econômico para o Estado se utilizar figuras de representação e de responsabilidade inerentes à sua função no Ministério Público, nos cargos de alta relevância. Funcionário público, em função pública, em cargo de alta relevância é coerente, é econômico, é democrático e, sobretudo, uma segurança, porque, além da responsabilidade que vai representar e assumir, tem ele a representatividade e a responsabilidade de membro do Ministério Público. Portanto, somando-se duas responsabilidades de melhor forma de atender à segurança, aos cargos, às funções públicas. É exatamente a utilização desse setor do funcionalismo de alto gabarito, concursado e efetivamente respeitado pela comunidade.

Sr. Presidente, Srªs., Srs. Constituintes, pedimos que compreendam a importância para o Estado e para a organização da sociedade a utilização dos membros do Ministério Público no sistema prisional e nos cargos de alta relevância nas Secretarias de Segurança, porque teremos, inclusive, com esta oportunidade, utilizando aquilo que, sem demérito para os demais, é o melhor segmento ou dos melhores segmentos do funcionalismo público neste País.

Assim sendo, peço aprovem a emenda do Constituinte José Carlos Grecco, dando uma contribuição efetiva na possibilidade de o Estado se servir do funcionário competente e, naturalmente, ligado às funções principais da segurança e da estabilidade administrativa.

Não obstante o grande apoio manifestado na sessão em tela à tese do Deputado Roberto Rollemberg com outros discursos proferidos, prevaleceu a posição exarada pelo Constituinte Relator, Deputado Bernardo Cabral, cuja opinião ficou assim transcrita:

O SR. RELATOR (Bernardo Cabral) -

A mens legis que norteou o posicionamento do órgão do Ministério Público no Projeto que há pouco foi aprovado, no respectivo Capítulo, não pode condescender com a presente emenda, em que pese a excelente sustentação feita pelo eminente Constituinte Roberto Jefferson. Por que, Sr. Presidente? Porque o Ministério Público está sendo colocado, em importância, ao lado da Magistratura. E é evidente que qualquer desvio de função comprometeria essa independência.

Sei, Sr. Presidente, de conhecimento próprio, e poderia citar o Dr. Fleury, que é do Ministério Público e hoje Secretário de Segurança de São Paulo, mas não posso com uma exceção justificar, convalidar a regra que norteou o Projeto.

Em que pese ter sido a proposta aditiva rejeitada pelos nobres Constituintes (88 votaram "sim" e 268 "não"), prevalecendo a tese sufragada pelo Deputado Bernardo Cabral, o substrato do debate travado ficou bem claro: de um lado, os que defenderam a utilidade e até essencialidade social de membros do Ministério Público exercerem outras funções públicas e, de outro lado, os que defenderam sua plena equiparação com a Magistratura, inclusive no plano das incompatibilidades, daí derivando a proibição do exercício de outras funções públicas, salvo uma de magistério, guardando simetria com o tratamento dispensado à Magistratura.

Feita a digressão histórica, lembre-se que a técnica do constituinte, não raro, foi a de conciliar interesses e remeter o problema à decisão do sistema judicial, facilitando e acelerando votações problemáticas. Daí a proliferação de tantas cláusulas gerais, tantos termos jurídicos indeterminados e numerosas ambigüidades semânticas na técnica legislativa, tal como chegou a proclamar, em várias palestras, o Ministro Nelson JOBIM. Tratava-se de imprimir um ritmo de trabalho às votações e, naturalmente, debates intermináveis poderiam paralisar o andamento das atividades e os resultados almejados. É claro que não sabemos, ao certo, todas as cláusulas constitucionais que foram pactuadas nesses termos. Sabemos, não obstante, que essa estratégia foi empregada como técnica de sobrevivência da própria constituinte.

Não é de surpreender, pois, nesse contexto, que nem uma tese nem outra, das que foram identificadas no debate pré-constitucional, relativamente ao problema em tela, prevaleceu na consolidação do texto constitucional, seja em seu conjunto, seja no momento em que o texto se desprendera da vontade dos constituintes e se integrara à vida política nacional. O Ministério Público jamais veio a ser alçado à paridade absoluta, no campo das incompatibilidades, com a Magistratura, e as licenças para exercício de outras funções públicas de relevância foram sistematicamente concedidas e validadas por respeitados Ministérios Públicos Estaduais e mesmo pelo Ministério Público da União. A cláusula constitucional recebeu uma leitura peculiar no ordenamento jurídico vigente.

Note-se que tanto o conteúdo concreto da incompatibilidade funcional, quanto o regime geral de incompatibilidades, acabaram ganhando distância em relação ao projeto histórico dos Parlamentares federais. Daí a desmoralização de qualquer possibilidade de pesquisa das subjetividades dos constituintes, porque suas intenções haveriam de ser percebidas no todo das normas constitucionais que disciplinaram as incompatibilidades dos membros do Ministério Público e da Magistratura, seja em suas origens, seja em sua concretização posterior. Não se pode partilhar em fatias o texto constitucional para aferir a intencionalidade de seus autores, eis que estes subscreveram o todo, não os fragmentos da Carta Magna.

Sabemos que a redação do art.128, par.5º, II, "d", da Carta Política, restou lacônica, aparentemente vedando ao agente ministerial o exercício de outras funções públicas, na linha de um entendimento de equiparação dos membros do Parquet aos membros da Magistratura [25]. Paradoxalmente, induvidoso que nunca se emprestou, no plano concreto e político-institucional, a exegese histórica a esse dispositivo, permitindo-se que as autoridades ministeriais fossem licenciadas para exercício das mais diversas funções públicas, municipais, estaduais e federais, em governos de todos os matizes político-partidários e durante todo o período de vigência da Carta Política. No tocante à preocupação com a equiparação com a Magistratura, fundamento e razão de ser do dispositivo constitucional, tampouco prevaleceu a preocupação do Deputado Bernardo Cabral, porque os regimes de incompatibilidades acabaram sendo consagrados em níveis bem distintos, sendo que apenas as garantias constitucionais e institucionais restaram equiparadas, sobretudo nos planos da vitaliciedade, inamovibilidade, autonomias administrativa e financeira. Tanto isto é certo que os agentes ministeriais podem cumular funções de magistério em várias Universidades, o que está vedado aos Magistrados [26]. Também podem exercer uma série de outras atividades que estão proibidas aos Juízes, cujas normas de incompatibilidade são infinitamente mais rigorosas.

Justificou-se a ambição dos constituintes de 1988, na construção de um novo perfil institucional ao Parquet, na sua gestação constitucional, no sentido de evitar que o Ministério Público pudesse reter laços com o Poder Executivo, do qual pretendia apartar-se, comprometendo-se, dessa forma, sua independência funcional. Essa posição era necessária para estabelecer o marco histórico da instituição, enquanto defensora da sociedade, não dos Governos de plantão, ao mesmo tempo em que sinalizava um inédito e vanguardista papel ao Ministério Público [27].

Com efeito, para analisarmos uma preocupação histórica cristalizada na Carta Política de 1988, devemos ter em conta o conjunto da obra. Sem embargo, se é certo que teria havido suposta preocupação radical com a independência do Ministério Público, no excluir a possibilidade de que seus membros exercessem outras funções públicas, não se percebe tal intenção noutras passagens de igual ou até maior relevância. Com efeito, outros pontos essenciais à independência ministerial não foram tocados pela Assembléia Constituinte, tais como aqueles atinentes ao método de escolha dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, assim como os temas relativos à independência interna e às normas de incompatibilidade para exercício de funções político-partidárias ou privadas, entre outras, se tomarmos o texto originário da Carta Magna. Não houve paridade de tratamento com a Magistratura no terreno das incompatibilidades, eis outro tópico capital já mencionado.

Apesar da preocupação histórica dos constituintes e da redação lacônica do art.128, par.5º, II, "d", CF, a questão da incompatibilidade, é o que se viu, tornou-se objeto de um tratamento institucional peculiar, na medida em que os agentes ministeriais seguiram sendo licenciados para exercício de outras funções públicas e nem por isso a Instituição, como um todo, perdeu espaços de independência. Ao contrário, o que se viu é que, no curso histórico, o Ministério Público esteve e está em permanente busca de sua maturidade política em termos de independência funcional, tendo alcançado patamares invejáveis nos cenários de Direito comparado [28].

As reformas ainda pendentes, no capítulo relativo ao princípio da independência funcional, dizem respeito ao processo eleitoral de escolha dos chefes dos Ministérios Públicos e a disciplina legal do processo eleitoral interno, num marco democrático e republicano que permita a pluralidade de posicionamentos, candidaturas e acesso à máquina administrativa, de tal sorte a preservar o valor da independência em sua plenitude. Há que se estabelecer controles que inibam a tomada de poder por grupos dentro dos Ministérios Públicos, coibindo práticas clientelistas e uso da máquina pública para fins privados, com o objetivo de sufocar lideranças alternativas. Também o desenvolvimento do princípio da unidade institucional haverá de fortalecer e revigorar a independência, dentro de novos parâmetros coletivos. De qualquer sorte, é certo que a presença de autoridades ministeriais em cenários externos à carreira nunca constituiu óbice real, fático ou político ao pleno desenvolvimento do princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público, eis a conclusão inarredável.

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A interpretação histórica, portanto, não nos remete a uma solução unívoca ou automática, menos ainda a qualquer espécie de compromisso político com a vontade dos constituintes que aprovaram o texto em análise. Perceber a intenção dos constituintes não significa chancelá-la, mormente porque passadas praticamente duas décadas desde seu advento e, sobretudo, porque, desde as origens, tal intencionalidade veio marcada pela névoa das contradições e paradoxos, nos termos expostos. Não há intencionalidade cristalina que permita essa espécie de método histórico de interpretação.

Nesse contexto, a Assembléia Constituinte deixou suficientemente ambíguo o texto constitucional respeitante à incompatibilidade ora em exame, especialmente no conjunto das normas destinadas à disciplina da Magistratura e do Ministério Público, permitindo abertura a novo debate e ao processo de atualização da norma constitucional. Imperiosa se torna, então, uma atualização constitucional, uma revitalização do sentido da norma constitucional, tarefa que cabe ao próprio STF através da interpretação conforme a Constituição, se tomarmos as lições de Luis Roberto BARROSO, o qual chama de interpretação evolutiva essa técnica de atualização das normas constitucionais [29], terminologia que nos parece aplicável precisamente à matéria em exame.

a)Conteúdo concreto da interpretação, sistêmica e teleológica, conforme a Constituição, apontando a compatibilidade das funções ministeriais com outras funções públicas

Uma visão atualizada sobre o tema ora em exame veio à lume através de notório parecer lavrado pelo jurista José AFONSO DA SILVA em ação judicial em que figurou como parte ilustre membro do Ministério Público paulista, emprestando exegese constitucional às regras de incompatibilidade dos membros do Ministério Público ao exercício de outras funções públicas. O caminho hermenêutico proposto pelo constitucionalista é muito mais rico, fecundo e proveitoso aos interesses sociais, podendo vir a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal, na direção de uma nova linha interpretativa que salvaguarde o sentido unitário do Texto Constitucional. Nesse passo, o constitucionalista propôs uma leitura do art.128, par.5º,II, "d", em conformidade com o art.129, IX, da mesma Carta Magna [30]. Ressalte-se que não haveria razão diversa para a Constituição fazer alusão à possibilidade de o agente do Ministério Público desempenhar outras funções compatíveis com a instituição ministerial, sob pena de incorrer em redundância, na medida em que devemos considerar absurda a hipótese de exercício de funções estranhas ao Ministério Público dentro da própria carreira ou administração interna. Daí que o aludido art.129, IX, há de ser interpretado como a fonte normativa constitucional para o desempenho de outras funções públicas compatíveis com as finalidades institucionais, excepcionando a proibição geral estampada no art. 128, par.5º, II, "d", da mesma Magna Carta [31].

O texto constitucional deve ser interpretado de maneira teleológica e sistemática [32], não há dúvidas, combinando-se os dispositivos de vedação com aqueles que disciplinam o perfil institucional e as atividades que apresentam compatibilidade funcional, tais como aquelas definidas genericamente no art. 129, IX, da Magna Carta. Observe-se que igual preceito não encontra guarida no capítulo concernente ao Poder Judiciário, o que é perfeitamente compreensível em face da diversidade de sentidos que se deve atribuir ao termo imparcialidade, quando se está a falar em atividade judicial e função ministerial.

Nesse sentido, e apenas para ilustrar um bom argumento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também consagrou entendimento bastante claro acerca da possibilidade de que um membro do Ministério Público exerça outra função pública, desde que compatível com as finalidades institucionais. No caso, concluiu-se pela possibilidade de agente ministerial participar, como Conselheiro no Conselho Superior de Polícia, com atribuição para decidir, inclusive, sobre a aplicação de penas disciplinares aos policiais submetidos àquele órgão [33], rechaçando a demanda ordinária em sentido oposto.

No plano legal estadual, no Rio Grande do Sul, há vários textos normativos, de longa data, que autorizam o exercício de outras funções públicas pelo membro do Ministério Público, sendo esta uma tradição salutar no Direito Administrativo brasileiro [34], em vários Estados federativos, senão em sua maioria [35], estando imanente ou expressa a idéia vinculante de as funções serem compatíveis com as finalidades do Ministério Público.

Apenas para demonstrar a tendência atual, e exemplificar tipologia de funções adequadas, citemos alguns ilustres representantes do Ministério Público em funções compatíveis com as finalidades institucionais, no segundo semestre de 2004, afastados provisoriamente das funções por deliberação de seus órgãos de origem e a pedido de autoridades do Poder Executivo (das mais variadas colorações políticas), espelhando uma orientação e um interesse de Governos e de Ministérios Públicos de todos os matizes, o que resulta significativo enquanto interesse de Estado, não de Governos: a) Promotora de Justiça/DF, CLÁUDIA MARIA DE FREITAS CHAGAS [36], Secretária Nacional da Justiça, autoridade lotada no Governo Federal; b) Promotor de Justiça/PR, LUÍS FERNANDO FERREIRA DELAZARI [37], Secretário de Estado da Segurança Pública do Paraná; c) Promotor de Justiça/SP, SAULO DE CASTRO ABREU FILHO [38], Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública de São Paulo; d) Promotor de Justiça/PB, FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA [39], Secretário de Estado da Segurança Pública do Rio Grande do Norte; e) Procurador de Justiça/PA, MANOEL SANTINO [40], Secretário Especial de Defesa Social do Pará; f) Promotor de Justiça/MT, CÉLIO DE OLIVEIRA [41], Secretário de Estado de Segurança Pública do Mato Grosso; h) Promotor de Justiça/ES, FERNANDO ZARDINI ANTONIO [42], Secretário de Justiça do Estado do Espírito Santo.

No início de 2005, com a eleição e posse do Prefeito/SP, José SERRA, situando-se no plano municipal, que é sempre um domínio mais polêmico pelas potencialidades de atritos com a própria Instituição de origem, tem-se a presença do Procurador de Justiça/SP, LUIZ ANTÔNIO GUIMARÃES MARREY [43], Secretário de Negócios Jurídicos do Município de São Paulo, ex-Procurador-Geral de Justiça daquele Estado e ex-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, liderança importante do Ministério Público brasileiro [44].

Há vários outros nomes de agentes políticos que poderiam ser citados, mas não o foram, mesmo estando a exercer outras funções públicas, em outras áreas, nomeadamente no meio ambiente ou no setor penitenciário. Se recolhêssemos um histórico pós 1988, teríamos uma gigantesca lista de membros afastados, que foram, sinale-se, vitais à construção e consolidação de espaços ao Ministério Público brasileiro nesse período. Falta um trabalho de levantamento e atualização permanente por algum organismo central acerca do histórico e da tipologia dessas licenças, lacuna que, é certo, dificulta um panorama concreto acerca dessa realidade. Espera-se que, para breve, órgãos como o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, ou a Associação Nacional dos membros do Ministério Público, possam alavancar alguma proposta de construção de banco permanente de dados, inclusive com pesquisa histórica, nesse sentido, preferencialmente até mesmo retroagindo para antes de 1988, a efeitos de comparação, observados dados qualitativos.

b) Distinção entre "outra função pública" e "atividades político-partidárias": esclarecimento relevante

Resulta necessário enfatizar que não estamos a tratar aqui dos agentes ministeriais afastados para concorrerem a cargos eletivos, com filiação político-partidária, embora também se trate de exercício de outras funções públicas, funções especiais, ao abrigo do direito de concorrer e de filiar-se a partidos políticos, matéria igualmente controversa junto ao STF, que teve oportunidade de ditar orientação restritiva a respeito do assunto [45]. Sabe-se que tal prerrogativa é ínsita à cidadania e fundamenta o próprio regime democrático: o direito de participar de eleições na condição de candidato.

O debate sobre as funções político-partidárias, de natureza eletiva ou não [46], insista-se, envolve a possibilidade de o Ministério Público possuir representantes diretos nos Parlamentos, ou no Poder Executivo, com canais de diálogos autônomos e interlocuções qualificadas. Se não puder contar com membros nas Casas Legislativas de nosso país, ou nos cargos eletivos de maior relevância social, o Ministério Público certamente deverá buscar interlocutores em outros segmentos, tais como, Deputados e Senadores oriundos das classes policiais ou empresariais, para discutir projetos e programas de atuação carentes de iniciativas legais. E a sociedade é que perderá, "a priori", com a impossibilidade de o Ministério Público oferecer alguns de seus poucos representantes aos Parlamentos, ou cargos no Poder Executivo, nomeadamente Federais e Estaduais, que seriam os lugares mais apropriados para essa categoria funcional, no haver interesse por atividade político-partidária.

Sobre o tema do exercício da atividade político-partidária, registre-se, a evolução tem sido marcadamente restritiva, não apenas na linha já exposta do STF, mas numa direção muito mais radical, envolvendo mudança no texto constitucional, através de alteração do regime de incompatibilidades constitucionais.

Veja-se que, em sessão solene do Congresso Nacional, realizada em 8 de dezembro de 2004, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, contendo o texto aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, alterando o regime de incompatibilidades da seguinte forma:

"Art. 128....................................

.............................................

§ 5º.........................................

I -.........................................

.............................................

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;

.............................................

II -........................................

.............................................

e) exercer atividade político-partidária;"

Feita a digressão em torno às atividades político-partidárias, alerte-se que tais atividades não se confundem com outras funções públicas, de natureza institucional ou administrativa, porque ostentam pressupostos e alcance distintos. Uma atividade político-partidária pressupõe um envolvimento muito maior do agente ministerial e, nesse caso, há que se reconhecer, pode ocorrer um drástico redimensionamento de sua independência e imparcialidade, no mínimo frente aos correligionários, companheiros e colegas de partido político, cujas estruturas soem ser hierarquizadas, mas também em relação aos eleitores. Há, ainda, o problema bastante delicado das campanhas eleitorais, com todas suas implicações econômico-financeiras, além dos envolvimentos correlatos, com favores e relações de amizade interessada que se travam no curso desses processos, de um modo mais intenso do que noutras esferas.

O discurso de um agente ministerial com filiação político-partidária ganharia, dentro de certa concepção, novo tipo de independência, que é aquela relativa à representação da cidadania nos Parlamentos e cargos eletivos, mas perderia, em contrapartida, a independência peculiar ao perfil institucional do Ministério Público, dando motivo à incompatibilidade constitucionalmente arquitetada.

É compreensível, portanto, uma preocupação mais exacerbada dos Parlamentares Federais com o problema das atividades político-partidárias. Os discursos encampados por distintos atores, técnicos e políticos, são bastante peculiares, no mais das vezes, e a natureza precípua da função ministerial é técnica, distinta da política. De modo que estamos diante de um tema autônomo, por isso mesmo não tratado neste espaço. A proibição constitucional dirigida às atividades político-partidárias não afeta o assunto relativo ao exercício de outras funções públicas pelo agente ministerial, na medida em que tem fundamentos e pressupostos axiológicos diversos, tratamento normativo autônomo e alcance muito distinto.

Sem dúvida alguma, tal vedação constitucional também merece uma discussão qualificada, porque resulta perceptível que, apesar das nuanças e dos riscos inerentes a essa prerrogativa de cidadania, o Ministério Público estará optando por um modelo diferenciado ao aceitar que, num horizonte futuro, não haja a presença de seus membros nos Parlamentos e noutros cargos eletivos. O que poderá significar tal renúncia, em termos de futuro do Ministério Público e de prejuízos à sociedade brasileira? Pode-se aquilatar, hoje, o que representaram Parlamentares Federais oriundos do Ministério Público, na construção de novos espaços e prerrogativas legais e constitucionais? Algumas gerações de agentes ministeriais talvez não compreendam essa realidade política, mas é necessário resgatar a memória sobre o trajeto legal e constitucional do Ministério Público, quais foram os Parlamentares mais decisivos nessas lutas. O que representará essa perda para o Ministério Público brasileiro?

Cabe externar preocupação diante do esvaziamento de parcela da cidadania. Membros do Ministério Público não necessitam ostentar a mesma e idêntica imparcialidade dos Magistrados. Trata-se de advogados da sociedade. Não haveria razão legítima, em tese, para cortar uma parcela significativa da cidadania dos agentes ministeriais, os quais têm prerrogativas de participação na vida pública brasileira, inclusive através de submissão ao voto popular. Não obstante, a opção do Congresso Nacional foi restritiva e radical.

Não pretendemos tratar deste complexo tema das atividades político-partidárias, no presente espaço, mas apenas deixar registros para reflexões, até mesmo porque é bem provável que tal assunto se preste a um debate mais político-institucional do que jurídico propriamente dito, ante a contundência da incompatibilidade trazida à tona por Emenda Constitucional.

c) Sobre os agentes ministeriais pré-88 e pós-88: uma distinção (quase) irrelevante

Gostaríamos de consignar que, para efeitos do exercício da prerrogativa de que trata o art.129, IX, da CF, será praticamente irrelevante se o agente ministerial ingressou na Instituição antes ou depois da Constituição de 1988, por várias razões. Há fatores de ordem hermenêutica, assim como aspectos teleológicos e morais relevantes, que devem ser levados em consideração.

O exercício de outra função pública é faculdade autônoma em relação ao dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que disciplina as incompatibilidades e garantias ministeriais, porque este é mais abrangente e se refere a outras prerrogativas e vedações. Essa autonomia decorre do modelo adotado, porquanto não está expresso comando em sentido restritivo ao exercício de outra função pública. Há que se reconhecer que, na ausência de previsão expressa, resulta inviável estender o comando do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ao art.129, IX, da CF, arbitrariamente.

Ainda que estivéssemos diante de uma proibição absoluta no art.128, par.5º, II, "d", da CF, haveria que se sublinhar que a eventual ausência de opção pelo regime jurídico de que trata o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [47] faz com que de nada importe o marco temporal de ingresso na carreira. A opção é um ato solene, administrativo, marcado pela submissão do agente público a todo um regime jurídico anterior a 1988, quando se inaugura uma novel sistemática de garantias e incompatibilidades. Quem não faz a opção por todo o regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, na integralidade, não pode pretender faze-lo apenas no tocante ao que lhe interessa, na perspectiva de sua ótica privada. Não existe a chamada opção eclética, costurando algumas garantias pré-88, outras posteriores à Carta Magna, culminando numa colcha de retalhos.

Finalmente, o sistema de incompatibilidades não existe para satisfazer pretensões individuais, mas o interesse público. Em existindo interesse público na eventual vedação ao exercício de outras funções públicas pelos agentes ministeriais – e sustentamos que inexiste esse interesse público -, não se concebe pudesse a hermenêutica constitucional pautar-se pela lógica da satisfação dos interesses puramente privados das autoridades públicas. E isso ocorreria, lamentavelmente, caso se interpretasse com demasiada elasticidade a exigência da chamada "opção constitucional", como ato esvaziado, passível de realizar-se a qualquer tempo e sem prejuízo algum ao regime jurídico-constitucional dos agentes ministeriais pós-88. É dizer: quem houvesse entrado antes de 88, teria uma singular oportunidade de optar por todas as vantagens pré-88 e todas as vantagens pós-88, num regime jurídico mesclado e costurado, sem limitação temporal, ao sabor das circunstâncias. Ora, semelhante operação serviria apenas para manter supostos "direitos adquiridos" – que, em realidade, não são direitos, menos ainda adquiridos - de uma elite ministerial, sem qualquer utilidade social ou pública, em descompasso com as exigências de uma interpretação constitucional do sistema de incompatibilidades.

O regime jurídico dos que ingressam antes de 1988 e não fazem a opção integral é rigorosamente idêntico ao dos que ingressam pós 1988, como o demonstra a praxe administrativa dos Ministérios Públicos Estaduais e da União. Do ponto de vista prático, todos os que estão atualmente licenciados, ao abrigo do regime jurídico da Constituição de 1988, usufruindo as garantias constitucionais, estão submersos na mesma normativa da Magna Carta, se não tiverem feito opção explícita e administrativa em sentido inverso.

O que significaria a opção do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias? Ainda que se acate o entendimento de que não haveria prazo para essa opção, como veio vazado recentemente em decisão do STF [48], não é possível entender que a opção de que trata a Magna Carta diz respeito simplesmente à aceitação de um convite para exercício de outra função pública. Ora, é necessário aquilatar a opção na sua inteireza, porque parece certo e induvidoso que não se trata de simples aceitação de convite para honroso cargo ou função pública. A opção é por um regime jurídico em detrimento de outro. O agente ministerial que opta por dispensar um regime jurídico, relacionado a supostas incompatibilidades, para mover-se com maior liberdade no cenário político, deve arcar com o ônus de perder garantias constitucionais, submetendo-se ao regime jurídico anterior a 1988. Se o entendimento é de que existe um conjunto de incompatibilidades, e delas pode a autoridade pública abrir mão, por opção constitucional, isto equivale a dizer que tal opção afasta o sistema de garantias e incompatibilidades disciplinado na Carta da República de 1988.

A opção do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias até pode, pois, ser exercida a qualquer momento, como parece ser a orientação predominante no STF, mas não pode, em hipótese alguma, fraudar a necessária submissão do agente político à normativa constitucional relacionada ao sistema de garantias e incompatibilidades. Note-se que as incompatibilidades andam lado a lado com as garantias. Incompatibilidades mais rigorosas são erigidas em homenagem às garantias de Magistrados. Não é possível dissociar incompatibilidades de garantias para efeito de agregar conteúdo à opção constitucional.

Diga-se que a interpretação constitucional, no equacionar o tema em análise, jamais poderia atrelar-se à salvaguarda e ao império dos interesses puramente individuais e particulares dos agentes públicos pré/88, dividindo-se em tuas correntes: incompatibilidade de exercício de outra função pública para os que forem posteriores a 1988 e plena admissibilidade dessa mesma oportunidade para os que tivessem ingressado anteriormente ao advento da Magna Carta. Semelhante manobra seria ilícita, puramente política, para acomodar interesses privados, em descompasso com o princípio da impessoalidade administrativa. É profundamente equivocado submeter a hermenêutica constitucional, aqui girando em torno a uma instituição democrática, a interesses particulares, sem equilíbrio com os interesses gerais pertinentes. Se o exercício de outra função pública efetivamente fosse objeto de uma restrição constitucional, lastreando-se na proteção ao princípio da independência funcional e imparcialidade dos agentes ministeriais, então esta incompatibilidade haveria de valer para todos, independentemente da condição temporal de ingresso na carreira. E a única exceção seria aberta para os que pretendessem, de fato, abdicar do status constitucional de agentes políticos inamovíveis, vitalícios, dotados de uma série de prerrogativas constitucionais, para abraçar as garantias outorgadas apenas no campo infraconstitucional. Tais agentes públicos ficariam numa condição diferenciada, submetidos a regime jurídico pré-88, até porque o controle sobre seus movimentos poderia ser mais rigoroso também.

Não se pode pretender salvaguardar privilégios históricos, a partir de interpretações desprovidas de amparo na axiologia constitucional. O constituinte resguardou, é verdade, direitos adquiridos a um determinado sistema de garantias e incompatibilidades, remetendo à normativa pré-88, mas exigiu que houvesse, para tanto, a propalada opção constitucional. Nesse caso, não há falar-se em sistema dual, porquanto aquelas autoridades que optarem pela redução de suas incompatibilidades, ao mesmo tempo, terão optado, também, pela redução de suas garantias constitucionais. Os optantes, nessa lógica, não serão contemplados com o mesmo status que a Constituição de 1988 conferiu a todos os membros do Ministério Público. Não é possível, evidentemente, optar pelo bônus, sem nenhuma espécie de ônus, menos ainda fundamentando essa lógica na pura e bruta antiguidade funcional.

Entendemos, por certo, que o exercício de outra função pública não esbarra em incompatibilidade constitucional. Ao contrário, reflete prerrogativa constitucional inscrita no art.129, IX, da Carta Magna. Por isso, todos os agentes ministeriais podem, em tese, licenciar-se para exercício de outra função pública, mediante controle da instância de administração superior da Instituição. Mantemos a visão em torno às incompatibilidades em sintonia com o sistema de garantias. Todos os agentes ministeriais gozam das mesmas garantias e incompatibilidades, inexistindo um sistema dual, que contemple privilégios aos mais antigos na carreira. O exercício das elevadas atribuições, por todos os agentes, acarreta o mesmo patamar de responsabilidades, deveres e prerrogativas.

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Sobre o autor
Fábio Medina Osório

Advogado Geral da União. Advogado. Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e nos cursos de pós-graduação da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (RS). Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, pela Capes. Mestre em Direito Público pela UFRGS. Ex-membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA OSÓRIO, Fábio. Exercício de outra função pública por membro do Ministério Público:: incompatibilidade ou prerrogativa constitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 945, 3 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7909. Acesso em: 22 dez. 2024.

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