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Exercício de outra função pública por membro do Ministério Público:

incompatibilidade ou prerrogativa constitucional?

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03/02/2006 às 00:00
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À guisa de conclusão:

O que observamos, no contexto atual, é um cenário de franca utilização e manutenção da prerrogativa do art.129, IX, da Carta Política, sem uma fundamentação adequada e sem uma discussão mais aberta e transparente com a sociedade. Nem mesmo o fato de que uma boa parte das autoridades ministeriais tenha ingressado na Instituição antes de 1988 legitimaria o procedimento diante do art.128, par.5º, II, "d", da CF, como se viu, porquanto não fora feita a opção do art.29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com o significado constitucional que ostenta. Daí porque é necessário o enfrentamento do tema à luz dos complexos parâmetros que o norteiam e não da simplificação em torno ao detalhe de haver o agente ingressado antes ou depois de 1988 no Ministério Público, até porque não se trata de aquilatar direito individual de ordem privada, mas direito difuso da sociedade a um Ministério Público mais aberto ou mais fechado, conforme se trate de uma ou outra opção política.

Ao constatarmos a tendência, atual e crescente, de membros do Ministério Público ocuparem cargos de posicionamento estratégico na sociedade brasileira, com ingresso anterior e posterior a 1988, aportando contribuições nas mais diversas áreas, não podemos esquecer da norma insculpida no art. 129, II, da Constituição Federal, que preceitua ser função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública.

Concretamente, do ponto de vista político, não há dúvidas de que funções públicas que devem e seguramente são exercidas por membros do Ministério Público, no interesse da Instituição e da sociedade, ainda que fora da carreira, são as chamadas funções relativas ao ciclo da persecução criminal, onde há íntima relação entre os órgãos executores da atividade policial e a atuação ministerial, não somente como fiscal da lei e titular da ação penal pública, mas inclusive como controlador externo da própria atividade dos agentes policiais [49]. Outra área estratégica é aquela relativa à administração do sistema penitenciário, onde estreitas relações são travadas com os interesses institucionais do Ministério Público, seja na área de execução penal, seja no próprio controle da criminalidade organizada no interior do sistema prisional [50]. Também a área ambiental [51] ou de defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes [52] ou dos consumidores [53], dos direitos humanos e da saúde pública, entre outras, pode assumir essa relevância constitucional, inegavelmente.

Caberá, sempre, em última análise, ao chefe do Ministério Público, ou à sua Cúpula, como o Conselho Superior, decidir se aquela função é intimamente ligada à instituição como um todo, compatível com suas finalidades e interesses [54], ou não. Isto, porque uma dada função pode tornar-se incompatível com as finalidades institucionais do Ministério Público, seja em razão da matéria, seja em razão do status da função ou do cargo em exame [55].

Pensamos que a melhor técnica para embasar decisão sobre cabimento de licença para exercício de outra função pública por agente ministerial é aquela que supõe fundamentação, ao menos do posicionamento prevalente, no tocante ao cabimento e compatibilidade das funções estranhas à carreira com as finalidades institucionais. O ideal, no entanto, é que houvesse uma regulamentação legal ou até mesmo administrativa uniforme para o trato da matéria, disciplinando limites gerais e condicionantes específicos ao exercício de funções públicas fora dos quadros do Ministério Público, evitando que haja proliferação de licenças indevidas, em que os cargos ou funções ocupados sejam infinitamente inferiores à dimensão e ao status constitucionais do Ministério Público, órgão com alcance singular em nosso Estado Democrático de Direito.

É claro que a União pode e deve legislar sobre o assunto, respeitada a competência de iniciativa, a partir de trabalho de órgãos como os Conselhos Nacionais de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, Conselho Nacional de Corregedores-Gerais, além das Associações Nacionais de classe e de representantes da cidadania. O tratamento legal no plano federal não inibirá, por certo, iniciativas setoriais dos Estados, na disciplina do assunto em face das peculiaridades locais, com maior ou menor rigor, em perspectiva variável no tocante ao grau de restrição.

Outra possibilidade interessante é a de o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão constitucional de governo, regulamentar, na via administrativa, hipóteses gerais de cabimento, em tese, de licenças para afastamento destinado ao exercício de outras funções públicas. Não parece conveniente que os Ministérios Públicos dos Estados e da União sigam divergindo e adotando posições discrepantes. O Conselho Nacional é órgão revestido de legitimidade para o balizamento administrativo geral desse tema, emprestando maior densidade e uniformidade ao trato do assunto. Desse modo, o Conselho tem a oportunidade de coibir licenças abusivas, arbitrárias ou incompatíveis com a dignidade das funções, delimitando, por exemplo, alguns tipos de funções para as quais um agente ministerial pode ser liberado [56].

O que não pode ocorrer – e lamentavelmente é o que vem ocorrendo – é uma discussão superficial sobre tema tão relevante e estratégico como o é a manutenção, e fortalecimento, de uma prerrogativa constitucional do Ministério Público brasileiro, inscrita no art.129, IX, da Magna Carta, cujas potencialidades ainda não têm sido exploradas em sua plenitude.

Tensas têm sido as situações que espelham problemas e possíveis desvios de finalidade, seja no deferimento das licenças, seja em sua manutenção diante de posturas descabidas das autoridades licenciadas.

Pior ainda, ressalte-se, é que extremamente nocivas aos interesses sociais são as reações contrárias à presença de membros do Ministério Público em posições vitais à sociedade brasileira, ainda que externas à Instituição, fundamentando-se tanto em visões imaturas sobre tema tão relevante, quanto em visões demasiado maduras na perspectiva dos interesses obscuros que sustentam, ambas tendo em comum, sem embargo, um viés corporativista inaceitável nos dias de hoje.

Resta-nos propor o resgate desse debate à luz do dia, de modo a reafirmar a contundente necessidade de o Ministério Público poder emprestar seus membros ao exercício de outras funções públicas, desde que compatíveis com as elevadas finalidades institucionais e sujeitas a controles da própria Instituição. A proposta, de tão singela e direta, talvez desmerecesse um esforço teórico maior. Todavia, diante do crescente agigantamento dos movimentos em prol da supressão dessa que é uma das mais estratégicas prerrogativas constitucionais do Ministério Público, a serviço dos interesses sociais, parece-nos oportuno formular convite ao debate mais aberto e crítico, com os enunciados discursivos transparentemente expostos, em todos seus matizes.

Pensamos que o Ministério Público brasileiro deve eleger alternativas em sua trajetória e evolução institucionais. Os contextos são cada vez mais velozes e complexos, verdadeiramente desafiadores, estando superada a etapa histórica de afirmação da independência. Pensamos que o momento se presta à consolidação e ao fortalecimento da independência, através das parcerias e relacionamentos, priorizando-se as posturas construtivas mais que as posturas puramente repressivas ou de controle a posteriori. A independência há de ser implementada e fortalecida a partir da unidade institucional, que supõe democracia interna, garantias, controle de qualidade e resultados obtidos em equipe, sempre balizados pela responsabilidade [57].

Os gestores do Ministério Público deverão entabular, na busca de qualidade institucional, no enfrentamento dos desafios contemporâneos, relacionamentos com os mais diversos organismos, públicos e privados. Não é possível aceitar posturas de fechamento corporativo, ainda que baseadas em receio de contaminação política ou cooptação de agentes ministeriais por outros órgãos públicos ou privados. Tais riscos devem ser enfrentados na forma adequada, jamais através do fechamento da Instituição à possibilidade de penetrar noutras esferas políticas e institucionais. O método correto de redução desses riscos passa pela consolidação de medidas que tornem o setor público cada vez mais atrativo, não apenas pela remuneração média e pela estabilidade, mas pelos prêmios e reconhecimento das diferenças, estimulando-se o desenvolvimento dos talentos e a otimização das potencialidades [58].


Referência bibliográfica:

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Notas

01 Fica o agradecimento ao especialista em Direito Internacional Público pela UFRGS e advogado, Rafael Barreto Garcia, pela colaboração e pesquisas efetuadas.

02 Diga-se que tem sido orientação histórica e recorrente do Ministério Público do Rio Grande do Sul prestigiar o exercício de outras funções públicas por seus membros, com experiências saudáveis e produtivas, sem notícias de distorções. Um exemplo significativo está na edição do Jornal Réplica, informativo da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, ano XIX, número 49, dezembro de 1995, na gestão Cláudio Barros Silva, quando se fez uma espécie de "homenagem" a nove agentes ministeriais então licenciados, a saber, pela ordem consignada na matéria: Ivo Mainardi; Vieira da Cunha; Paulo Emílio Barbosa; Paulo Tonet Camargo; Sérgio Gilberto Porto; Zuleika Vargas; Jarbas Lima; Paulo Vidal. Segundo a matéria, "muitas vezes, fora da instituição, colegas que sempre se destacaram na atividade ministerial prestam inestimáveis serviços à classe e à sociedade, quando no exercício de outras funções públicas". E destacou a matéria outros nomes: Ibsen Pinheiro; Paulo Olímpio, Lauro Guimarães, Augusto Berthier; José Paganella Boschi, entre outros. Já anunciando conhecimento sobre a controvérsia em torno aos afastamentos – e o Procurador-Geral, à época, era Voltaire de Lima Moraes, igualmente eleito para presidir o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União -, a matéria jornalística consigna: "Há quem discuta a participação de promotores ou procuradores na vida pública fora do Ministério Público. São conhecidos os argumentos dos que defendem a possibilidade e dos que pensam em sentido contrário. O que é inquestionável é a relevância dos serviços que todos prestaram lá e cá e, acima de tudo, a honradez com que sempre cumpriram seus deveres". Ademais, as autoridades licenciadas, historicamente, "marcam suas biografias fora do Ministério Público, sem deixar de lado os princípios da instituição e sempre atentos aos interesses dela, que são os mesmos da sociedade". Essa tem sido a marca do Ministério Público gaúcho no trato dessa matéria, o que poderia servir de inspiração para o debate nacional.

03 A liminar foi negada, o parecer da Procuradoria-Geral da República foi pela improcedência da Reclamação e o feito seguia tramitando no STF até dezembro de 2005. O curioso é que a Reclamação fora ajuizada cerca de 08 meses após nossa posse como Secretário-Adjunto, denotando que se tratava não de uma postura estritamente institucional, mas de alguma espécie de retaliação de algum segmento da polícia civil contra posturas por nós adotadas. Esse detalhe talvez tenha contribuído para desqualificar a pretensão de urgência embutida na Reclamação.

04 Tem-se entendido largamente que o magistério aqui referido é o público, inexistindo limitações ao magistério privado, tanto que membros do Ministério Público costumam acumular várias funções de magistério privado, em múltiplas entidades de ensino. Aliás, suavizando essa proibição, algumas entidades, especialmente preparatórias a concursos, adotam o sistema de contemplar tais autoridades com "palestras", em períodos regulares. E isso se deu de modo absolutamente generalizado, tanto na Magistratura quanto no Ministério Público. De forma que os "palestrantes" não estariam, por assim dizer, no desempenho de funções de "magistério". E parece lógico que assim seja, porque o magistério supõe uma regularidade e uma relação na qual o aluno tenha de submeter-se a exames, para fins de obter aprovação. Não é o caso das palestras, que pressupõem apenas a transmissão do conhecimento e a preparação para um determinado objetivo que transcende o curso propriamente dito. É claro que o magistério ou as palestras diárias de agentes ministeriais constituem um fenômeno digno de atenções crescentes dos órgãos de controle interno, sobretudo porque resulta possível questionar, em determinadas situações, qual a carga horária destinada ao desempenho de funções ministeriais típicas, dada a sobrecarga com aulas numa agenda permanente e estável. Há que se mencionar que alguns agentes públicos, não satisfeitos com as aulas, têm migrado à atividade empresarial, deixando como sócio-gerente da Pessoa Jurídica algum sócio ou até mesmo pessoa de sua família, mas compartilhando lucros de modo absolutamente igualitário, fruto do labor empregado na constituição e manutenção de Escolas preparatórias a concursos públicos. Esse é outro tema que, por sua amplitude no território nacional, revela-se digno de uma maior reflexão, que certamente não é esta no presente espaço.

05 Vê-se que se trata de medida cautelar, logo, provisória, pois pode ser revertida em face do julgamento final de mérito. Na oportunidade, eis a composição do Supremo: Maurício Corrêa, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Ilmar Galvão, Carlos Velloso, Moreira Alves, Celso de Mello, Nelson Jobim, e Gilmar Mendes. Destes Ministros, quatro já se aposentaram. Outros, ademais, podem, perfeitamente, reformular entendimento. Não são raros os casos em que os Ministros dessa Corte, demonstrando humildade e vocação republicana, revisam seus próprios votos, alcançando soluções mais justas e razoáveis. Especialmente em matérias controvertidas e polêmicas, pode-se alimentar justa expectativa de que, diante de nova composição e considerando o espírito republicano e democrata dos nobres Ministros que já votaram e ainda estão por votar, possa haver reformulação de posicionamento. Daí porque não se pode ter como recomendável pretender a "execução universal" do comando de uma decisão liminar, provisória e ainda precária, a título de criar instabilidade em organismos públicos estratégicos.

06 "Art. 170 – Aos membros do Ministério Público é vedado: (...) IV – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; (...) Parágrafo único. Não constituem acumulação, para os efeitos do inciso IV deste artigo, as atividades exercidas em organismos estatais afetos à área de atuação do Ministério Público, em Centro de estudos e Aperfeiçoamento do Ministério Público, em entidades de representação de classe e o exercício de cargo ou função de confiança da administração superior e junto aos Órgãos de Administração ou Auxiliares do Ministério Público."

07 Nesse sentido, vide os seguintes julgados: RCL n° 556-9/TO, Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 03.10.1997, p. 49.230; RCL n° 448-1/MS, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 09.06.1995, p. 17.226; RCL n° 447-3/PE, Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 31.03.1995, p. 7.772; RCL n° 399/PE, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.1995, p. 6.804); RCL n° 467-8/DF, Min. CELSO DE MELLO, DJ de 09.12.1994, p. 34.081; RCL n° 385/MA, Min. CELSO DE MELLO, DJ de 18.06.1993, p. 12.109; RCL n° 397/RJ, Min. CELSO DE MELLO, DJ de 21.05.1993, p. 9.765.

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08 Enquanto não editada essa regulamentação legal federal, seguem vigentes as normativas próprias de cada Ministério Público, seja pela via legal, seja pela via administrativa stricto sensu. A regulamentação pode dar-se, também, na via das legislações estaduais, observado eventual balizamento de legislação federal que se ocupe do tema.

09 Hely Lopes MEIRELLES (1988).

10 Verifica-se, hoje em dia, que há comissões de Reforma de Código de Processo Civil e Penal, por exemplo, que contam com membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, não raro afastados, mediante licença, da origem, para desempenhar tais funções, sendo assaz reconhecidas a importância e a relevância para a sociedade brasileira das referidas participações, sejam nas comissões de juristas, criadas por lei que auxiliaram na elaboração dos Anteprojetos do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Ação Civil Pública, Lei Antitruste, entre outros regramentos, sejam em comissões diversas.

11 Com efeito, a vingar o entendimento aqui examinado, não poderia um membro do Ministério Público participar do gabinete de assessoramento de um Senador da República, espaço onde tem condições de articular eloqüentes aberturas à Instituição, aprimorando e dando início a projetos de lei, porque tal função lhe estaria vedada. Sabemos que existem notáveis membros do Ministério Público no assessoramento do gabinete de Senadores da República. É o caso do Senador José Sarney, que contou, em 2005, com a assessoria de um dos mais ilustres representantes do Ministério Público brasileiro, de ingresso pré-88. Já no Poder Executivo são inúmeros os exemplos de participação construtiva do Ministério Público, ocupando espaços estratégicos, nas mais variadas Secretarias ou órgãos de alto assessoramento dos governantes, sempre assegurado o retorno imediato aos quadros institucionais.

12 E não são poucas as legislações que contaram com presenças ostensivas de membros do Ministério Público em suas comissões de origem. Em geral, grandes conquistas da coletividade, como o Código de Defesa do Consumidor, contam com participações qualificadas, não raro com juristas oriundos do Ministério Público.

13 Essa é a razão de ser da doutrina pioneira de Hugo Nigro MAZZILLI (1989; 1997; 1998; 2001). O autor, liderança histórica no Ministério Público paulista, cuja Associação de classe foi por ele presidida, reproduziu o pensamento de uma determinada época, mormente quando o foco central do Ministério Público brasileiro era a difícil afirmação de sua independência frente ao poder político. Mais ainda, não se pode desconhecer o conjunto de peculiaridades do Estado de São Paulo, onde membros do Ministério Público, em concreto até mesmo um ex-Governador de Estado, galgaram postos importantes e tiveram significativas áreas de atrito com sua Instituição. Porém, a realidade mostra que os abusos e desvios de poder, praticados por membros do Ministério Público quando no exercício de outras funções públicas, estranhas à carreira, embora compatíveis com suas finalidades, deveriam merecer controles internos específicos de parte do próprio Ministério Público, a começar pela revisão da licença concedida. Não se poderia generalizar para todo um país aquilo que seria problema específico do Estado de São Paulo. E mesmo que se reconheça que tal problema tenha ocorrido também em outros Estados – no Rio Grande do Sul, nunca se teve notícia de distorções similares -, o que seria recomendável e necessário é o ataque às causas concretas dos desvios, não à prerrogativa constitucional de a Instituição ocupar espaços estranhos à carreira e compatíveis com suas finalidades, a teor do comando do art. 129, IX, da Carta Política de 1988. A salvaguarda da independência e da autonomia ministeriais, em sintonia com o postulado da unidade de atuação, pode e deve ser feita a partir de mecanismos internos de controle do Ministério Público, regulamentando-se suas licenças de modo mais rigoroso, controlando a presença e atuação dos agentes ministeriais quando estiverem cedidos, provisoriamente, a outras Instituições. O foco da discussão há de ser, pois, redirecionado. Constitui equívoco elementar a generalização de soluções casuísticas para todo um conjunto de Instituições que não se adaptam ao caso concreto tido como paradigmático.

14 O agente ministerial possui modo de atuação ativo e enquanto órgão postulante pode investigar, requisitar diligências, buscar provas, relacionar-se mais abertamente com outros setores da comunidade, inclusive elaborando estratégias processuais ou investigatórias comuns. O Promotor de Justiça, Procurador do Trabalho, Promotor da Justiça Militar ou o Procurador da República é parte nos processos e pode atuar ao lado de outros órgãos públicos ou até mesmo privados, tais como as Organizações Não-Governamentais, as associações ou entidades defensoras de interesses coletivos. Formando litisconsórcios, os agentes ministeriais e os advogados podem, inclusive, estabelecer, em reuniões, estratégias comuns. E, na seara investigativa, o Ministério Público aproxima-se muito dos órgãos investigadores, fiscalizando as ações policiais, ditando diligências, buscando elementos informativos. Tem-se, nesse real contexto normativo e cultural, que a imparcialidade da autoridade ministerial não o impede de mergulhar em outras experiências institucionais e funcionais, desde que compatíveis com suas funções e finalidades próprias à carreira. Daí a razão de ser da distinção de regime jurídico entre as incompatibilidades dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Razão outra não há para a opção do constituinte em separar em capítulos distintos o Poder Judiciário (Capítulo III – arts. 92 a 126) do Ministério Público (arts. 127 a 130) –enquanto função essencial à justiça (Capítulo IV – arts. 127 a 135), ao lado da Advocacia Pública ( arts 131 e 132) e da Advocacia e da Defensoria Pública (arts. 133 a 135), todos sob o pálio do Título IV da Carta de 1988 (Da organização dos poderes).

15 É claro que um agente ministerial licenciado pode, teoricamente, externar e abraçar posicionamento divergente da cúpula de sua Instituição, num determinado caso concreto. Cabe à cúpula ministerial, sob a fiscalização da opinião pública e das instâncias políticas, equacionar eventual impasse da melhor maneira possível, seja absorvendo o conflito com naturalidade ínsita aos regimes democráticos e plurais, seja entendendo que a postura do agente licenciado se revela incompatível com as finalidades superiores de sua Instituição de origem. Essa é uma opção, carregada de ônus, que as autoridades competentes devem assumir. Não é lícito ao agente licenciado atuar como se estivesse completamente desligado e desconectado das finalidades institucionais estampadas genericamente no art.129, IX, da CF, mas tampouco resulta admissível compreender o exercício de outra função pública como atitude puramente servil do agente licenciado em relação ao órgão de origem. Com efeito, a independência funcional também há de concorrer, positivamente, para resguardar posições e a consciência jurídica da autoridade licenciada, nos limites da Lei e do Direito aplicáveis à sua esfera de competências.

16 Lei Complementar nº 75/93: Art. 25 - O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de 35 (trinta e cinco) anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida a recondução, precedida de nova decisão do Senado Federal.

17 Não há que se ignorar que algum outro membro do Ministério Público Federal, licenciado para exercer funções no Poder Executivo, talvez tenha pecado pelo distanciamento em relação aos interesses e finalidades da Instituição de origem, participando de iniciativas tidas como antipáticas ou contrárias aos interesses institucionais, inclusive em anteprojetos de lei. Pela relevância do cargo e função que veio a exercer, tal agente ministerial foi acusado informalmente de haver participado de "esquemas" de blindagem do Governo Federal e seus altos funcionários diante dos Procuradores da República. Uma vez mais, observamos um problema pontual de relacionamento, a ausência de estratégias de relacionamento e de cobrança de posturas. Daí à multiplicação de equívocos foi um passo pequeno. De um lado, a cúpula do Ministério Público Federal talvez tenha ignorado suas prerrogativas de controle. De outro, certamente faltou diálogo produtivo com a autoridade licenciada. Finalmente, a radicalização de posicionamentos conduziu ao isolamento do agente licenciado e o Ministério Público brasileiro perdeu a oportunidade de contar com um forte aliado no cenário externo. Imaturidade política, ignorância em torno às atribuições e prerrogativas, vaidades, problemas internos, são muitos os fatores que podem gerar o ambiente propício ao isolamento dos agentes licenciados. Nada justifica a eliminação da prerrogativa de afastamento, que pertence à Instituição, não ao licenciado, porque o importante é diagnosticar os eventuais desvios e consolidar o uso de ferramentas de controle, incluindo a proximidade e o diálogo permanentes. O que não se justifica é tomar um caso de desvio de finalidade para justificar toda uma doutrina geral de tratamento da matéria.

18 Lei Federal nº 8.625/93: Art. 9º - Os Ministérios Públicos dos Estados formarão lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento.

19 Se a independência deste for afetada, caberá à Instituição exercer os controles pertinentes.

20 Lembre-se que a capacidade eleitoral ativa de Promotores de Justiça, nos Estados, para o exercício das funções constitucionais de Procurador-Geral de Justiça, tem sido abusivamente restringidas em algumas unidades da Federação, por leis estaduais. Não se compreende, sem embargo, que haja tanta preocupação com independência externa e pureza, mas tanta negligência em relação à participação democrática dos Promotores de Justiça no processo eleitoral ativo de uma instituição, fortalecendo-se "castelos elitizados" de Procuradores de Justiça, em detrimento da unidade institucional. É óbvio que um Promotor de Justiça em estágio probatório não poderia eleger-se, mas o fato de alguém ficar no patamar de Promotor de Justiça não poderia servir de suporte para o cerceamento de suas prerrogativas de cidadania interna corporis.

21 Sintomaticamente, há lideranças que se orgulham de nunca haverem exercido funções públicas fora da carreira, anunciando tal circunstância solenemente em seus currículos de apresentação eleitoral ou acadêmica. Apresentam-se como supostamente mais independentes do que outras autoridades, em face dessa característica profissional. Não é verdade que a independência possa ser aferida por esse "termômetro", o qual não mede nem a independência externa, menos ainda a independência interna. Uma autoridade servil a grupos políticos internos, na busca de seus interesses, pode ser muito menos independente do que uma autoridade licenciada para alto cargo governamental. O termômetro é bem mais exigente para avaliar tal qualidade, vale dizer, a da independência. Pior ainda, tem-se a impressão, às vezes, que o discurso corporativista de "pureza" vem marcado por um estranho sentimento de superioridade dos controladores sobre os controlados, evitando-se que haja mistura indevida entre fiscais e fiscalizados. Com todo o respeito, essa espécie de postura está notoriamente defasada, não apenas porque tais fronteiras são tênues e flexíveis, sendo todos controladores e cotrolados num ambiente republicano democrático, havendo necessidade de compreensão recíproca, mas porque não deixa de refletir um suposto idealismo, dissociado da realidade e perigoso pela pretensão que carrega. Note-se que o pensamento conforme o qual o agente ministerial, ao desempenhar outra função pública, estaria freqüentando ambientes promíscuos, participando de acordos políticos inconfessáveis, arquitetando estratégias em sintonia com grupos ou partidos políticos, em circunstâncias tais que restaria comprometido em sua vida funcional, caso efetivamente viesse a retornar à Instituição, está em descompasso com as necessidades da vida real e o papel que o Ministério Público exerce na comunidade, além de não corresponder à verdade. Tais presunções, além de politicamente muito nocivas ao Ministério Público, pois o posicionam num intolerável patamar corporativista, são descabidas, porque há cargos eminentemente técnicos, que demandam a presença de agentes ministeriais, a serviço das próprias finalidades inerentes ao Ministério Público, ainda que externos à Instituição, nos termos do próprio art.129, IX, CF. Em tais cargos ou funções, os membros do Ministério Público, por possuírem garantias e carreira próprias, ficam livres para atuar com independência, podendo desligar-se da função no instante em que sua consciência moral e jurídica ditar essa necessidade. De igual modo, os controles do Ministério Público poderão incidir a qualquer tempo. Não se pode, pois, alimentar uma visão fechada, corporativista e até certo ponto preconceituosa em relação ao meio político, tomando como promíscuo ou foco de contaminações o ambiente institucional junto ao Poder Executivo, como se tais cenários fossem passíveis de contaminar autoridades públicas com formação moral e jurídica suficiente para integrarem o Ministério Público. Presumir que tais vícios estejam, ademais, apenas em cenários externos, e não no plano interna corporis, onde também vicejam a política interna, os acordos, os compromissos, é, no mínimo, equivalente a ignorar a realidade. Em verdade, sabe-se que as atividades do Ministério Público exigem constantes e intensas aproximações, rompendo qualquer lógica corporativista e infensa aos acordos, ao diálogo, à postura humilde e serena de quem quer ajudar a construir novos parâmetros de probidade e qualidade na gestão pública brasileira. Essas aproximações necessitam de contatos e a existência de agentes ministeriais nos cenários externos facilita tais contatos, viabilizando a aproximação com outras Instituições estratégicas, como as Polícias ou outros organismos de vital relevância à sociedade. Deve-se dizer que a construção e a manutenção de prerrogativas legais e constitucionais também passa por um acesso qualificado ao meio político, que não pode ser desprezado nem tido como fonte de contaminações aos membros do Ministério Público. Realmente, o que importa é que o Ministério Público aproveite, dentro de suas estratégias políticas, o membro que estiver no exercício de outra função pública, como instrumento para abertura de espaços, de diálogo e de soluções construtivas à sociedade, rompendo eventual lógica corporativista. Não importa que, posteriormente, a autoridade venha a definir novos rumos à sua carreira, desligando-se da Instituição e trilhando novo caminho profissional. Diga-se que tal possibilidade é natural num regime democrático, onde ninguém deve estar obrigado a permanecer numa Instituição ou atividade. Ademais, tem havido saída de membros do Ministério Público para a iniciativa privada, fruto da produção intelectual e dos contatos travados, o que tampouco é passível de controle repressivo. Trata-se de conseqüência da liberdade de iniciativa e da autonomia de vontade das pessoas. A melhor forma de encarar essa realidade é oferecer oportunidades e ambiente cada vez mais qualificado dentro da Instituição, valorizando os talentos de cada um e estimulando produtividade através de retorno institucional direto e indireto. Causa espanto que tal linha de argumentação possa, pois, pretender servir de suporte à sustentação de uma incompatibilidade mais rígida, como forma de evitar suposta "evasão" de recursos humanos, quando, em verdade, não será o fechamento da Instituição que impedirá essa saída de agentes ministeriais para outras funções, dentro das regras de mercado.

22 Sabemos que nenhuma Instituição solitariamente pode resolver os mais graves problemas brasileiros, menos ainda as instituições fiscalizadoras, que não detém as estruturas materiais, humanas e as competências funcionais para definir e implementar sofisticadas e onerosas políticas públicas.

23 E o fizemos precisamente no prefácio à magnífica obra, já citada, de Emerson Garcia.

24 BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. Quarta-feira, 13 de abril de 1988, p. 9327 a 9.328.

25 Repita-se que o Ministro Nelson JOBIM, na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal, tem afirmado, em palestras públicas, na privilegiada condição de quem fora brilhante Deputado Constituinte, que a técnica empregada na confecção de muitos dispositivos, quando envolviam polêmicas, era a da ambigüidade semântica, abrindo espaço às interpretações até mesmo antagônicas, de modo a satisfazer as expectativas dos grupos em colisão, acelerando-se a produção das normas. Tratava-se de técnica para construir consenso. Os constituintes remetiam o problema e a competência para sua resolução a outra instância, em outro momento histórico. Isso ocorreu em numerosos dispositivos e, acrescentamos, em boa medida, também no caso ora em exame parece haver ocorrido o uso dessa técnica. Isso porque, no fundo, ao optar por uma redação ambígua e aparentemente contraditória entre os dispositivos dos arts. 128, par.5º, II, "d", e 129, IX, da Magna Carta, não obstante os discursos históricos dos Parlamentares, a Assembléia Constituinte postergou o enfrentamento do tema e tanto é assim que sua efetividade nunca foi implementada. O discurso do Relator, Bernardo Cabral, não indica linha de entendimento diverso, porque sua idéia era identificar o regime de incompatibilidades do Ministério Público com a Magistratura e isso acabou não ocorrendo. Vê-se, pois, que o assunto efetivamente foi relegado a outra instância que, no caso, passa a ser o Supremo Tribunal Federal, no atual contexto histórico, no qual o Ministério Público assume feições muito diversas daquelas concebidas em 1988, já efetuado o balanço de suas atividades, suas perdas e seus ganhos.

26 Agentes ministeriais que ingressam na Magistratura pelo Quinto Constitucional abandonam, não raro, alguma Universidade, para dedicar-se somente a um cargo de magistério jurídico. No Ministério Público, permite-se a cumulatividade em várias Universidades.

27 A fundamentação histórica vazada na Assembléia Constituinte coincidiu plenamente com a doutrina de independência absoluta e radical do Ministério Público, que veio a ser robustecida no pensamento de autores como MAZZILLI (1988), idealizando-se tal Instituição como espécie de Magistratura (não de Advocacia), cujos membros somente prestariam contas às suas consciências, a ninguém mais, sempre ao abrigo de critérios individuais de atuação (ou omissão), na elástica interpretação dos comandos normativos.

28 No Direito comparado, vale consultar MATHIAS (1999) com ênfase na Alemanha e na França.

29 Veja-se Luís Roberto BARROSO (2003).

30 Assim, vide novamente o inciso IX do art. 129: "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas."

31 Parecer anexo à SUSPENSÃO DE SEGURANÇA nº 2.065/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO.

32 Sobre exegese sistêmica, veja a clássica doutrina de Carlos MAXIMILIANO (1991), segundo o qual "o Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço".

33 Assim restou ementado o julgamento: "Mandado de segurança. Servidor publico. Demissão de policiais civis proposta pelo Conselho Superior de Polícia em procedimento administrativo-disciplinar e acolhida pelo Governador do Estado. Constitucionalidade da composição do conselho, integrado por membro do Ministério Publico. Compatibilidade da função com as finalidades institucionais do Ministério Publico. Denegação da ordem" (Tribunal Pleno do TJRS, Mandado de Segurança nº 70002333847, grifos nossos). Nesse passo, vale transcrever trecho do voto do Relator, Des. ÉLVIO SCHUCH PINTO, verbis: "(...) A Constituição da Republica atribui ao Ministério Publico as Funções institucionais que elenca no art. 129, alem do exercício de "outras funções que lhe foram conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação constitucional e a consultoria jurídica de entidades publicas" (inciso IX). (...) A participação de representante do Ministério Publico no CSP, portanto, tem respaldo em lei e não afronta os princípios da Constituição Federal, pois, como mencionado, há previsão constitucional para o exercício de outras funções que não as ali expressamente previstas. Além do que, a função ora questionada encontra-se de acordo com a finalidade do Parquet de defesa da ordem jurídica, o que compreende, no caso, o resguardo dos princípios da legalidade e moralidade administrativa como bem ressalvado pela autoridade coatora."

34 Citem-se os seguintes: Art. 9º, I, do Dec. nº 33.452/90; Art. 2º, VI, do Dec. nº 37.037/96; Art. 4º, "f", do Dec. nº 37.691/97; Art. 9º, IV, n, do Dec. nº 42.355/03.

35Sudeste: (ES) art. 3º, item 3, do Dec. n.º 3.792/94; art. 2º do Dec. n.º 3.984/96; art. 2º, item 9, do Dec. n.º 3.408/92; (MG) art. 3º, II, da Lei n.º 13.414/99; art. 9º da Lei n.º 10.501/91; (RJ) art. 7º, §2º, da Lei n.º 3.329/99; art. 5º da Lei n.º 1.697/90 (redação dada pela Lei nº 2.422/1995); art. 1º, I, alíneas "b" e "c", da Lei n.º 1.160/87; Nordeste: (AL) art. 32, IX, da Lei n.º 6.447/04; (CE) art. 3º, XII, da Lei Complementar n.º 48/04; (PE) art. 2º, II, da Lei n.º 10.486/90; (RN) art. 4º, IV, da Lei n.º 6.972/97; (SE) art. 5º, VII, da Lei n.º 3.139/91; art. 4º, item 9, da Lei n.º 3.062/91; Norte: (AP) art. 6º da Lei n.º 0165/94 (redação dada pela Lei nº 0387/1997); art. 4º, §1º, I, alíneas "g" e "h", da Lei n.º 0501/99; art. 6º, VI, da Lei n.º 0687/02; (RO) art. 5º, V, da Lei n.º 917/00; (TO) art. 1º, VI, da Lei n.º 1.180/00. No plano legislativo federal, tem-se o disposto no Art. 5º, §1º, II, do DECRETO FEDERAL Nº 99.274/90.

36 Ingressou no Ministério Público em 1993.

37 Ingressou no Ministério Público em 1993.

38 Ingressou no Ministério Público em 1987.

39 Ingressou no Ministério Público em 1991 e, curiosamente, é Promotor de Justiça no Estado da Paraíba, sendo licenciado para outra função pública no Estado vizinho do Rio Grande do Norte. Tal licença demonstra a presença de interesses estratégicos do Ministério Público paraibano no Estado do Rio Grande do Norte, bem assim uma política diplomática de intercâmbio de qualificados recursos humanos e uma concepção nacional de unidade.

40 Ingressou no Ministério Público em 1982

41 Ingressou no Ministério Público em 1994.

42 Ingressou no Ministério Público em 1991.

43 Ingressou no Ministério Público em 1980.

44 Reitere-se a necessidade de a Instituição monitorar todo e qualquer agente ministerial em espaço externo, no sentido de assegurar que sua presença não constitua suporte para "blindagem" dos administradores públicos frente à atividade fiscalizadora do Parquet, o que há de ser apreciado pelo órgão responsável pela licença e, sobretudo, pelo órgão competente por sua manutenção. Não se trata de alimentar viés corporativo, mas apenas de evitar que membros do Ministério Público, no cenário externo, desvirtuando-se das elevadas e impessoais finalidades institucionais, possam pretender alçar carreira política autônoma às custas do oferecimento de proteção extraordinária aos administradores públicos. É claro que não é esse o caso do Município de São Paulo, pela tradição moral e pela postura ética da autoridade ministerial que veio a ocupar as funções de Secretário de Negócios Jurídicos, mas é imperioso registrar que os espaços municipais se prestam, via de regra, às tensões mais freqüentes com o Ministério Público, que é uma Instituição estadual a manter litígios jurídicos com as entidades municipais, no controle da gestão pública nas mais variadas áreas, v.g., urbanismo, meio ambiente natural, probidade administrativa, saúde pública, educação, etc. O problema central, pois, parece residir no fato de que as licenças transformaram-se em puros direitos individuais, líquidos e certos, das autoridades licenciadas, quando há uma combinação mais rica de elementos. De um lado, existem pretensões legítimas, que não podem ser obstaculizadas com desvio de poder pelo Conselho Superior, por motivações puramente políticas ou ideológicas. De outro lado, há a exigência de que a licença seja fundamentada, transparentemente, de modo a ensejar proteção às finalidades institucionais do Ministério Público, e não apenas aos interesses subjetivos da autoridade cuja licença está sendo apreciada.

45 Veja-se previsão normativa acerca do afastamento para exercício de atividade político-partidária: Art. 113, II, alínea "e", da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul de 1989 (e, como este, há muitos outros diplomas estaduais com igual previsão, Brasil afora); art. 204, IV, da Lei Complementar n.º 75/93, aplicável a todos os Ministérios Públicos; Art. 4ºA, V, da Lei n.º 6.536/73 (Estatuto do Ministério Público gaúcho; igualmente, há outros diplomas semelhantes nos Estados federados). Outrossim, note-se a atual posição do STF acerca da possibilidade de afastamento de agente ministerial para concorrer a cargo eletivo, em especial, a posição exarada pelo Min. Maurício Corrêa, verbis: "(...) Sustenta a requerente que a filiação partidária, ressalvadas as proibições pertinentes aos membros do Parquet, configura atividade político-partidária vedada pela letra e do inciso II do artigo 128 da Carta Política. Por essa razão, o exercício ou a disputa por cargos públicos eletivos deve ser precedida de licença. Este tema também já foi amplamente debatido no âmbito desta Corte, que adotou exegese segundo a qual a atividade política dos membros do Ministério Público, aí incluída a filiação partidária, somente poderá ocorrer com o seu afastamento, mediante licença. Visa-se, com isso, assegurar isenção, autonomia e independência do Parquet no desempenho de suas funções institucionais. Em outras palavras, não é proibido o exercício de atividades político-partidárias pelos promotores e procuradores, desde que o façam na condição de licenciados na forma que a lei dispuser. (...). Desse modo, merece deferimento o pedido sucessivo do requerente acerca do tema, para emprestar aos textos impugnados interpretação conforme a Constituição Federal, sem redução de texto, de sorte que tanto a filiação partidária de membro do Parquet, a que alude o inciso V do artigo 111, quanto a disputa ou o exercício de cargos públicos eletivos, prevista no inciso I do artigo 142, ambos os dispositivos da Lei Complementar 34/94, devem ser precedidas do afastamento das funções institucionais, mediante licenciamento, na forma da lei." (p. 322 e 323 dos autos da ADI n° 2.534-MC/MG, DJ de 13.06.2003, p. 08)." Nesse sentido, vejam-se as seguintes decisões: ADI n° 1.377/DF, Min. Octávio Galloti, julgado em 03.06.1998; ADI n° 2.084/SP, Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 14.09.2001, p. 49.

46 Pode haver militância político-partidária sem candidatura a cargo eletivo, o que, pelo novo texto constitucional, também poderia estar proibido. A atividade político-partidária, no entanto, é mais ampla e pressupõe a possibilidade de candidatura a cargos eletivos, alvo central da incompatibilidade criada por Emenda Constitucional.

47 Assim enuncia o Art. 29 do ADCT: "Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. (...) § 3º - Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta."

48 Confira-se a ADI 2836/RJ, rel. Min. Eros Grau, 17.11.2005. (ADI-2836).

49 Art. 111, IV, da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul; art. 129, VII, da Constituição Federal; art. 3º da Lei Complementar nº 75/93. Repare-se que justamente aqueles que se opõem ao controle externo da polícia judiciária pelo Ministério Público costumam situar óbices à ocupação desses espaços pelos agentes ministeriais. Isso, porque a autoridade ministerial investida das funções de secretário da segurança é um agente facilitador de um controle externo saudável e produtivo. De outra banda, é verdade que os agentes ministeriais radicais, que enxergam no controle externo instrumento de subversão da hierarquia e dos valores internos da polícia, percebem na presença de outra autoridade ministerial no Poder Executivo eventual obstáculo à consumação de abusos dos controladores. De qualquer sorte, é louvável perceber a importância de o Ministério Público poder ocupar espaços estratégicos na esfera de suas áreas de atuação, desde que submetido a controles públicos e transparentes.

50 Art. 111, II, da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul; arts. 67 e 68, da Lei nº 7.210/84.

51Arts. 1º, I, e 5º, da Lei nº 7.347/85; art. 5º, III, "d", da Lei Complementar nº 75/93; art. 129, III, da Constituição Federal.

52 Art. 201 da Lei nº 8.069; art. 5º, III, da Lei Complementar nº75/93.

53 Arts. 1º, II, e 5º, da Lei nº 7.347/85; art. 81, I, da Lei nº 8.078/90.

54 A competência de revisão dos próprios atos administrativos, de parte do Ministério Público, especialmente das licenças concedidas a seus membros para desempenho de outras funções públicas, desde que compatíveis com as finalidades institucionais, decorre de um sólido conjunto de dispositivos legais: Art. 52, VIII, da Lei nº 8.625/93; art. 57, XI, "a", e XIX, da Lei Complementar nº 75/93.

55 Funções incompatíveis poderiam ser, a título de exemplo, aquelas atinentes a Secretarias de Estado ou Ministérios mais distantes das finalidades institucionais, tais como Turismo, Cultura, Transportes, Desporto, etc. No tocante às funções públicas municipais, há que se ter uma visão mais restritiva, por tratar-se o Ministério Público de um órgão federal ou estadual. Assim, somente grandes Municípios talvez comportassem a presença de agentes ministeriais em funções estratégicas. Outro detalhe a ser levado em consideração, já o dissemos, diz respeito à potencialidade de atritos do membro licenciado com a Instituição de origem. Se essa potencialidade for muito alta, talvez não seja recomendável a licença, matéria de competência do Conselho Superior e do Procurador-Geral. As grandes Capitais poderiam admitir a presença de agente ministerial em funções estratégicas, mas a matéria poderia ser controvertida, até mesmo porque os Municípios, em geral, apresentam enormes áreas de atritos em potencial com os agentes do Ministério Público. Essa lacuna é que há de ser suprida por uma disciplina legal federal, ainda que haja espaço para detalhamentos legais estaduais e para a inarredável discricionariedade administrativa do órgão ministerial competente.

56 Relembre-se que talvez não fosse conveniente permitir o afastamento de agentes ministeriais para ocupação de funções de secretários municipais, salvo nas grandes capitais dos Estados, ou para ocupação de espaços polêmicos, estranhos às atribuições do Ministério Público ou a elas demasiado próximas em termos de potencial atrito. Seria recomendável uma pesquisa de campo antes de eventual regulamentação administrativa dessa matéria, para diagnosticar a realidade brasileira, o que, no entanto, pende de providências a serem adotadas pelos órgãos próprios, tais como os próprios Conselhos de Procuradores-Gerais ou de Corregedores-Gerais, sem falar nas associações nacionais de classe. Infelizmente, tem havido lamentável omissão nesse terreno, que poderá e deverá ser suprida pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

57 A independência funcional dos agentes do Ministério Público brasileiro é um fato social, político e jurídico inquebrantável. Iniciativas que visem inibi-la estarão sempre sob o crivo crítico da sociedade, dos órgãos institucionais e classistas do Ministério Público.

58 Veja-se o contexto de horizontes difíceis, complexos e problemáticos descrito por MACEDO JÚNIOR (1999) e repare-se na importância do fortalecimento de canais abertos de diálogo do Ministério Público com a sociedade. Para tanto, a instituição necessita de suas principais lideranças ativas e valorizadas, sob pena de correr riscos de perder recursos humanos para a política ou para a iniciativa privada. A verdade é que algumas perdas são necessárias, outras parecem inevitáveis. Se alguns membros do Ministério Público enveredam pela via política, optando, até mesmo, pelo desligamento de sua instituição, sempre haverá a possibilidade de contato com tal pessoa, em face das raízes ministeriais, com proveito político ao próprio Ministério Público. Se houver migração para a iniciativa privada, outra hipótese que se tornará cada vez mais comum no futuro, diante das reformas estruturais no setor público, cuida-se de uma perda inevitável, que pode ser aproveitada e metabolizada pela instituição, no aprendizado contínuo da vida político-institucional. A perda de "cérebros" para a iniciativa privada ocorre independentemente da ida para o exercício de outras funções públicas. Grandes escritórios de advocacia, empresas, conglomerados financeiros, estão cada vez mais atentos à realidade das instituições, onde resulta possível buscar novos talentos, competindo com os baixos salários do setor público. Essa realidade não é privativa do cenário nacional, porquanto espelha uma situação mundial. O poderio econômico da iniciativa privada, aliado ao horizonte de liberdades e desafios, sempre será um fator de desequilíbrio na captação de talentos no setor público ou em caráter preliminar aos concursos. A única maneira de reduzir tais riscos – é impossível eliminá-los -, passa pelo fortalecimento de um sólido sistema de incentivos no setor público, com meritocracia e valorização adequada dos recursos humanos diferenciados, substituindo a miopia e o espírito mesquinho predominantes nos modelos defasados vigentes.

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Sobre o autor
Fábio Medina Osório

Advogado Geral da União. Advogado. Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e nos cursos de pós-graduação da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (RS). Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, pela Capes. Mestre em Direito Público pela UFRGS. Ex-membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA OSÓRIO, Fábio. Exercício de outra função pública por membro do Ministério Público:: incompatibilidade ou prerrogativa constitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 945, 3 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7909. Acesso em: 19 mai. 2024.

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