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Litigância de má-fé. Alterações no CPC. Recurso manifestamente protelatório

01/09/1998 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

Recentemente foi editada a Lei nº 9.668, de 23.6.98, publicada no Diário Oficial do dia 24.6.98, com o seguinte teor:

"Art. 1º. O art. 17 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar acrescido de inciso VII com a seguinte redação:

´ VII - interpuser recurso manifestamente protelatório. ´

Art. 2º. O art. 18 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação:

´ Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (NR)

(...) ´

Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."

Chamou-nos a atenção, na primeira leitura do novo diploma, a inclusão do recurso manifestamente protelatório como uma das hipóteses de litigância de má-fé. Afinal, tal previsão expressa afigurava-se-nos dispensável, haja vista a sua implícita existência na primitiva redação do art. 17 do Código Adjetivo (especialmente nos incisos I, IV e VI).

Todavia, a norma está a viger, desde o dia 24.6.98, fazendo-se necessário, pois, o seu estudo. A caracterização do que seja um recurso manifestamente protelatório não possui, nem de perto, uma conceituação uníssona. Na doutrina o tema não foi suficientemente discutido, o que não impediu o mestre gaúcho Ovídio A. Baptista de formular interessante ensinamento, demonstrando a sua preocupação com a exagerada possibilidade de protelar a lide, via procedimentos autorizados por lei:

"Tem-se dito que o instituto dos recursos, em direito processual, responde a uma exigência psicológica do ser humano, refletida em sua natural e compreensível inconformidade com as decisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis. Não resta dúvida de que este sentimento é decisivo para explicar a criação e a permanência, historicamente universal, do instituto dos recursos. Mas não se deve perder de vista que o sentimento, em que se busca fundamentar os recursos, resume-se à compreensível segurança de que as partes podem gozar quando sabem que o Juiz da causa terá sempre sua decisão sujeita ao julgamento de outro magistrado, do mesmo nível ou de nível superior o que o tornará mais responsável e o obrigará a melhor fundamentar seu julgamento. Isto, no entanto, não legitima que se prodigalizem os recurso, reduzindo a limites intoleráveis a jurisdição de primeiro grau, como acontece entre nós."


(Ovídio Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes, Teoria Geral do Processo Civil, RT, 1997, p. 304).

Nossos tribunais também apresentam uma série de precedentes, enquadrando diversos procedimentos sob a pecha de protelação do feito. O certo é que o subjetivismo na definição do que seja ou não protelatório, em termos de recurso processual, será uma constante, principalmente nos primeiros anos de vida da nova regra.

Todavia, já se pode encontrar na jurisprudência alguns elementos de partida, que, com certeza, servirão de luz às primeiras decisões sob a égide do novo preceito. Cumpre, então, fazer uma análise destas decisões, verificando os pontos de partida para a formação de um conceito seguro sobre o que seja um "recurso manifestamente protelatório".


2. RAZÕES RECURSAIS INOVATÓRIAS E DISCUSSÃO DE MATÉRIA PRECLUSA.

O primeiro aresto encontrado trata de razões inovatórias, isto é, aquele recurso que traz questões não ventiladas no juízo de origem para a análise do Tribunal:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS DE SENTIDO PROTELATÓRIO. NÃO TENDO SIDO POSTULADAS HORAS EXTRAS, NA CONDIÇÃO DE VIGILANTES E SIM, EXCLUSIVAMENTE, NA DE BANCÁRIOS, QUE OS RECORRENTES NÃO SÃO, INOVAR A CAUSA TEM SENTIDO PROTELATÓRIO. MULTA A PARTE EMBARGANTE PELO SENTIDO PROTELATÓRIO DO SEU RECURSO.


(TST - ED-RR 4898/78 - 2ª Turma - Rel. Min. MARCELO PIMENTEL, DJ 24.10.80);

A conclusão decorre, logicamente, da combinação dos arts. 300 e 303 do CPC, que impõem à parte trazer toda matéria de defesa em contestação. Além disso, a aceitação de teses inovatórias em grau de recurso provocaria supressão de instância, em flagrante prejuízo da defesa da outra parte e do princípio do contraditório. De grande valia, pois, o precedente.


3. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA DECISÃO IMPUGNADA.

O Pretório Excelso fixou interessante diretriz jurisprudencial a merecer nossa atenção e estudo:

"... FRENTE AO DESCOMPASSO ENTRE A DECISÃO IMPUGNADA E AS RAZÕES DO AGRAVO, ESTE TRANSPARECE COMO SENDO MERAMENTE PROTELATÓRIO."


(STF - 2ª Turma - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento ou Petição nº 146998 - Rel. Min. Marco Aurélio - DJ 19.3.93, p. 4284);

As razões dissociadas da matéria tratada no processo afiguram-se meramente protelatórias, por submeter ao Tribunal a análise de uma questão infundada, sem qualquer possibilidade de sucesso. O recurso, nessa circunstância, serve apenas à finalidade de abarrotar as prateleiras dos Tribunais, sem qualquer probabilidade de reforma da decisão. Aliás, sobre o tema versa a Súmula 284 do STF, de seguinte teor: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". Ademais, a situação enquadra-se, também, no inciso VI do art. 17 do CPC.

Justifica-se plenamente, por isso, a imposição de multa, embora seja sempre necessário averiguar, caso a caso, se não houve erro grosseiro por parte do recorrente, ao invés de propósito protelatório.


4. FALTA DE INTERESSE DE AGIR

A falta de interesse de agir, ou melhor, de recorrer, também pode levar à conclusão de que o recurso visa a protelação do feito. Nesse sentido:

"LITIGANTE DE MÁ-FÉ - RECURSO DO RÉU DEDUZINDO PRELIMINAR DECIDIDA NA SENTENÇA EM CONSONÂNCIA COM O TEOR DA CONTESTAÇÃO - CARÁTER PROTELATÓRIO - CARACTERIZAÇÃO. É de se reconhecer litigância de má-fé ao réu que reclama, em fase recursal, questão preliminar já decidida em consonância com o teor da contestação."

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(2º TAC/SP - Ap. c/ Rev. 335.848 - 8ª Câm. - Rel. Juiz CINTRA PEREIRA - J. 20.8.92);

Da mesma forma decidiu o TARGS:

"LITIGÂNCIA DE MÁ-FE. ASSIM SE PRONUNCIA O EMBARGANTE QUE, NÃO OBSTANTE LOGRAR O QUE DEDUZIU NOS EMBARGOS, AINDA APELA DA SENTENÇA, REEDITANDO ALEGAÇÃO SEM FUNDAMENTO. REPRESENTANDO A APELAÇÃO MERO INTUITO DE PROTELAR O PAGAMENTO DA DIVIDA, IMPÕE-SE A REPARAÇÃO DOS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELO CREDOR DESDE A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO, ATRAVÉS DA CORREÇÃO MONETÁRIA DO PRINCIPAL, JUROS E HONORÁRIOS, SEGUNDO OS ÍNDICES DAS ORTNS."


(TARGS - 3ª Câmara Cível - APC. nº. 24837 - Rel. SÉRGIO PILLA DA SILVA - JULGADOS TARGS 39/394);

O art. 499 do CPC é claro ao dispor que o recurso será interposto pela parte vencida. Dessa forma, sendo vencedora a parte, não terá, via de consequência, nenhum interesse em interpôr recurso, que por isso será considerado protelatório. Além disso, a pretensão também merece censura, por contrariar o texto do artigo supracitado, amoldando-se à hipótese do inciso I do art. 17 do CPC.


5. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DE ADMISSÃO DO RECURSO

O recurso intempestivo também já recebeu reprimenda dos Tribunais pátrios. Nessa linha o seguinte precedente:

"SENDO O RECURSO EMINENTEMENTE RETARDATÁRIO, COM EVIDENTES PREJUÍZOS AO RECLAMANTE PELO DECURSO DO TEMPO, ESTA COMPOSTO O QUADRO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ COM QUE SE HOUVE A RECLAMADA AO PROTELAR A SATISFAÇÃO DO JULGADO.


(TRF da 4ª Região - Agravo de Petição nº 94.04.32102.8-RS - 2ª Turma - Rel. Doria Furquim - DJ 31.1.96, p. 3845);

Elogiável decisão que abre ainda precedente para a reprimenda de todos os futuros casos em que não forem atendidos os requisitos intrínsecos (cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer), e extrínsecos de admissão do recurso (tempestividade, regularidade formal e preparo) (João Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, Forense, 19ª edição, pp. 117/120).

Não há porque se manter conivente o sistema processual com tais modos de proceder, pois denotam a malícia da parte, ou, as vezes, o despreparo de seu patrono. De qualquer forma, merece a penalização, levando-se sempre em consideração o propósito de protelar o feito.


6. REPETIÇÃO DE ARGUMENTOS RECURSAIS AO MESMO ÓRGÃO PROLATOR DA DECISÃO IMPUGNADA

A insistência da parte em submeter a mesma argumentação ao Juízo que já o decidiu, definitivamente, também merece atenção de nossos tribunais, como critério de caracterização do recurso protelatório. Nesse sentido:

"LITIGANTE DE MÁ-FÉ - RECURSO DEDUZINDO QUESTÕES JÁ DECIDIDAS E TRANSITADAS EM JULGADO - CARÁTER PROTELATÓRIO - CARACTERIZAÇÃO. A interposição de vários recursos, sem êxito do recorrente, todos voltados contra a mesma matéria e, com agravante de serem, em sua maioria, cópia reprográfica, caracteriza abuso do direito postulatório.


(2º TAC/SP - Ap. s/ Rev. 427.852 - 6ª Câm. - Rel. Juiz LAGRASTA NETO - J. 22.3.95);

O fato é comum demais em nossos pretórios. No STF é corriqueira a interposição de 3 ou 4 embargos declaratórios em agravo regimental de agravo de instrumento oferecido contra o não conhecimento de recurso extraordinário que não foi conhecido por falta de amparo. Note-se que a própria exposição da nomenclatura do recurso afigura-se protelatória (!).


7. CONCLUSÕES

Enfim, parece-nos que já há um ponto de partida para as futuras decisões, que, aliada a toda construção já feita em torno do preceito contido no parágrafo único do art. 538 do CPC, servirão de inspiração a nossos magistrados na boa aplicação da nova hipótese de litigância de má-fé.

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Sobre o autor
Luiz Claudio Portinho Dias

procurador autárquico do INSS em Porto Alegre (RS), membro do IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luiz Claudio Portinho. Litigância de má-fé. Alterações no CPC. Recurso manifestamente protelatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/793. Acesso em: 22 dez. 2024.

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