A razão tuitiva do Direito do Trabalho e o fenômeno da flexibilização justrabalhista no Brasil.

Construção histórica, paradigma tutelar, crise e contemporaneidade juslaboral

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Resumo:


  • O Direito do Trabalho surgiu como um microssistema jurídico especializado, com o objetivo de regular as relações entre capital e trabalho, tendo como marco a abolição da escravidão no Brasil.

  • A CLT, aprovada em 1943, consolidou os direitos dos trabalhadores urbanos brasileiros, reunindo em um único corpo legal normas do Direito Individual e Coletivo do Trabalho, segurança e higiene, normas processuais, sindicais e administrativas.

  • O Brasil passou por diversos momentos históricos que influenciaram a regulação trabalhista, como a Revolução Industrial, a Era de Ouro do capitalismo ocidental, o surgimento do fordismo e toyotismo, a globalização econômica e a influência do neoliberalismo na política econômica do país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este trabalho dissertará sobre a razão tutelar do Direito Laboral, definindo sua finalidade como microssistema jurídico especializado, elaborando um panorama da flexibilização do ordenamento juslaboral e os prejuízos desse fenômeno no Brasil.

RESUMO

Este trabalho dissertará sobre a razão tutelar do Direito do Trabalho, definindo qual sua finalidade como microssistema jurídico especializado, as causas históricas que ensejaram o seu surgimento, abordando os movimentos socioeconômicos que deram azo à sua intensificação, consolidação, institucionalização e o processo de crise que o circunda na atualidade. A função tuitiva do ramo juslaboral possui foco no seu inovador arcabouço principiológico. A crise do Direito do Trabalho será abordada por meio do fenômeno flexibilizatório, passeando pelos mecanismos políticos, sociais, ideológicos e econômicos que estão por trás do discurso da flexibilização. O Princípio da Proteção seguirá como ponto cardeal deste trabalho, sendo o contraponto argumentativo para o combate jurídico à flexibilização das normas trabalhistas. Em derradeiro, será realizado um panorama da flexibilização do ordenamento juslaboral brasileiro, pontuando os prejuízos que esse fenômeno causou ao mundo do Trabalho no Brasil.

Palavras-chave: proteção; razão tutelar; crise; flexibilização. 

      

ABSTRACT

This paper will discuss the protection of Labor Law, defining its purpose as a specialized legal micro-system, the historical causes that gave rise to it, addressing the socioeconomic movements that led to its intensification, consolidation, institutionalization and the crisis process that surrounds it nowadays. The tuitive function of the juslaboral branch will support the explanation of this research, focusing on its innovative principiological framework. The crisis of Labor Law will be approached through the flexibilization phenomenon, scrutinizing the political, social, ideological and economic mechanisms that are behind the discourse of flexibilization. The Principle of Protection will continue as the cardinal point of this monographic study, being the argumentative counterpoint for the legal combat to the flexibilization of labor standards. Because it is the main instrument to justify the application of labor standards, the Principle of Protection, as well as being the founding pillar of this legal branch, must always lead legal operators in the interpretation and application of Labor Law, as the approach is to come.  Finally, an overview of the flexibilization of Brazilian Labor Law will be made, explaining all the damages that this phenomenon caused to the labor law of the country.

 Keywords: protection; guardianship reason; crisis; flexibility.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 1.1 Revolução Industrial, Hegemonia do Trabalho Assalariado e Grandes Guerras; 1.2 Taylorismo, Fordismo, Toyotismo e Globalização Econômica; 1.3 Esboço da Regulação do Trabalho no Brasil;

2 MORFOLOGIA TUTELAR DO DIREITO DO TRABALHO: 2.1 Razão da Existência do Ramo Juslaboral 2.2 Arcabouço Principiológico do Direito do Trabalho; 2.2.1 Princípio da Proteção; 2.2.2 Princípio da Indisponibilidade; 2.2.3 Princípio da Continuidade da Relação Empregatícia; 2.2.4 Princípio da Primazia da Realidade;

3 FLEXIBILIZAÇÃO JUSLABORAL: 3.1 Introito Semiológico; 3.2 Flexibilização e Desregulamentação; 3.3 Princípio da Proteção: o instrumento primaz contra a flexibilização;

4 MANIFESTAÇÕES DO FENÔMENO FLEXIBILIZATÓRIO NO SISTEMA JUSLABORAL BRASILEIRO: 4.1 FGTS: o princípio da flexibilização; 4.2 Lei n. 6.019/1974: o início da mercantilização da pessoa trabalhadora; 4.3 Lei n. 7.102/1983: a mercantilização do trabalhador se amplia; 4.4 Constituição de 1988: ambiguidades no diploma magno; 4.5 Súmula 331: a alta corte trabalhista capitula; 4.6 Lei n. 9.601/1998: a flexibilização escancarada; 4.7 Lei n. 13.429/2017: a mercantilização do trabalhador chega a seu extremo; 4.8 Lei n. 13.467/2017: o paroxismo da flexibilização; 4.9 Lei n. 13.874/2019: a senda da flexibilização no veio da "Liberdade Econômica";

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS                 

INTRODUÇÃO

As ininterruptas transformações históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas experimentadas na sociedade atual caminham com inopinada celeridade, sobretudo no mundo do trabalho, e ainda estão por ser desnudadas e devidamente compreendidas. As promessas da modernidade estão desmoronando e de suas ruínas renasce uma nova sociedade, disforme e prenhe de contradições.

Os Estados nacionais estão atônitos diante de tantos dilemas estruturais advindos da globalização galopante e irrefreável. Na quadra atual, a humanidade está num ponto paradigmático a respeito de seu porvir, em face dos enormes e inevitáveis problemas surgidos do modo de organização social eleito. As disfunções societárias são inúmeras, a exemplo do meio ambiente combalido por séculos de destruição; da ampliação do xenofobismo nos países de capitalismo desenvolvido; da onipresente publicidade sobre a necessidade de consumir ilimitadamente; da elevação do dogma individualista como panaceia mundial; e, por fim, da exploração da pobreza a patamares desumanos. 

Surgido como objeto jurídico-cultural indissociável do modo de produção capitalista, o Direito do Trabalho convive desde seu nascedouro com as diatribes ínsitas a esse sistema de produção econômico, situação que sempre desemboca em desveladas críticas a esse ramo jurídico por parte dos detentores dos meios de produção, a denominada classe empresarial-empregadora.

A notória precarização e informalidade das relações trabalhistas, os elevados índices de desemprego, a pauperização das condições de vida dos trabalhadores, a intensa robotização dos postos de trabalho do setor industrial são fenômenos que atingem o mundo do trabalho de modo profundo e com consequências graves sobre a regulação jurídica realizada pelo ordenamento juslaboral. As relações sociais trabalhistas estão se deteriorando no alvorecer desse novo século, em decorrência das modificações deletérias da base jurídico-trabalhista que regulamenta a relação de emprego. O estudo crítico desses fenômenos a pouco elencados é de supina importância para o combate ao derruimento dos direitos trabalhistas, e como forma de buscar a permanência do Direito do Trabalho como instrumento jurídico eficaz de regulação das relações laborais de produção no sistema econômico hegemônico deste momento histórico-social.

No bojo dessas vicissitudes do mundo do trabalho e de suas inevitáveis consequências sobre o ramo jurídico especializado que regula a relação capital-trabalho (empregador-empregado), tem-se o conhecido fenômeno da Flexibilização das Normas Trabalhistas, matéria de relevante e atual destaque na conjuntura juslaboral vivenciada pelo Brasil. A melíflua mensagem da Flexibilização jacta-se por sua modernidade, contrapondo-se a uma suposta ancilose das normas trabalhistas.

A carga ideológica do discurso flexibilizante é tributária do ultraliberalismo vigente, também alcunhado por neoliberalismo. Diverso do liberalismo de outrora, o ultraliberalismo (ou neoliberalismo) que granjeia o capitalismo presente tem no capital financeiro sua mola mestra, sendo que agora, completamente dissociado do capital produtivo; embora, continue a incensar os totens do liberalismo clássico, quais sejam: Estado mínimo, livre mercado, supremacia dos direitos fundamentais de primeira dimensão e intervenção estatal restrita às relações sociais de reprodução do capital pelo Direito Laboral.

O Direito do Trabalho, que surgiu do embate socioeconômico entre capital e trabalho nos idos da revolução industrial inglesa, institucionalizou-se e firmou-se como o instrumento jurídico por excelência para sindicar as relações de trabalho no modo de produção capitalista. O papel de consolidação do Direito do Trabalho abriu espaço para que esse ramo jurídico se tornasse imprescindível à promoção de um mínimo existencial da pessoa trabalhadora, buscando, destarte, o efetivo respeito à dignidade da pessoa humana no mundo laboral.

A finalidade do Direito do Trabalho está em xeque. De mecanismo indispensável à construção de um capitalismo menos bárbaro, menos desagregador, está sendo colocado na condição de obstáculo ao desenvolvimento desse mesmo sistema econômico, posto como trava impeditiva à competição, ou, como óbice ao livre mercado global. Diante de tantos impasses e ataques, o Direito do Trabalho necessita reafirmar seu ínsito caráter teleológico e protetivo, consolidar categoricamente seus valores sociais e, em derradeiro ato, sobrelevar seus princípios à condição de fortaleza instrumental para sua real e efetiva aplicação nas relações de trabalho, sobretudo, pelas instituições estatais responsáveis pela vigilância desse ramo jurídico indispensável à regulação da exploração capital-trabalho.

Destarte, este trabalho versará acerca da razão de ser do Direito do Trabalho, sobre seu caráter tuitivo, sobre sua essência protetora nas relações de trabalho, examinando como esse instrumento jurídico se tornou insubstituível na consecução de uma sociedade menos desigual. A antípoda argumentativa abordada neste trabalho terá como lastro o fenômeno da Flexibilização Justrabalhista, notadamente no Brasil, tendo por escopo descortinar a origem e seus efeitos deletérios sobre o arcabouço jurídico-trabalhista brasileiro.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

1.1 Revolução Industrial, Hegemonia do Trabalho Assalariado e Grandes Guerras

            As condições históricas e materiais para o pleno desenvolvimento do modo de produção capitalista em patamar internacional se deram no alvorecer do século XVIII, com transformações estruturais de significativa magnitude nas engrenagens do sistema econômico da livre iniciativa. A inserção da força motriz a vapor como tecnologia para movimentação das máquinas torna-se a pedra de toque para o surgimento de nichos industriais, fato que deu origem à denominada Revolução Industrial. A política de expulsão dos camponeses da zona rural leva ao desmoronamento do trabalho domiciliar e artesanal, além de induzir à intensa migração de massas populacionais para os novos centros urbanos, que passam a se desenvolver de forma inédita.

            O trabalho assalariado e subordinado surge como novo paradigma do sistema de produção capitalista, solidificando-se como o modo por excelência de inclusão dos trabalhadores na economia. Todo esse amálgama social, político e econômico teve seu cerne funcional na Inglaterra, que soube canalizar toda a riqueza auferida no decorrer do capitalismo comercial (mercantilismo) para o neófito modelo industrial de produção.

            A Revolução Industrial caracterizou-se por importantes inovações tecnológicas nas máquinas industriais, o que levou à obsolescência das pretéritas fontes de energia, quais sejam: força manual, tração animal e energia cinética dos rios e córregos. O irrefreável crescimento industrial, a difusão da ideologia liberal e a concentração dos meios de produção e de capital nas mãos da classe empresarial trazem à reboque as incipientes manifestações obreiras em parte significativa do continente europeu, tendo por bandeira a busca por melhores condições de labor e vida. O Estado Liberal não intervinha nas relações laborais entabuladas entre empregadores e obreiros. A contratação de mão de obra era infensa à qualquer ditame regulatório estatal, o que levava à compra da força de trabalho por preço vil e submissão dos trabalhadores a jornadas extenuantes.    

            Na segunda metade do século XIX, com a generalização do trabalho assalariado e a concentração dos trabalhadores nos espaços confinados dos parques industriais, cria-se o caldo cultural que favoreceu o nascimento da consciência de classe obreira. A enorme exploração da força de trabalho, combinado com a extrema penúria das condições de vida, levou à união dos trabalhadores em busca de melhorias econômicas e sociais. A insatisfação crescente da classe trabalhadora, força o Estado a sair de sua indolência frente às graves distorções sociais da massa trabalhadora, o que leva às primeiras intervenções estatais no mundo do trabalho.

            O século XX se descortina na política internacional estremecido pelas disputas entre os Estados nacionais europeus por novos mercados de consumo. A industrialização se solidifica, estendendo sua dinâmica produtiva ao planeta. A elevação dos investimentos financeiros no modo produção industrial desemboca em crescimento econômico e em progresso tecnológico jamais vivenciados. O capitalismo se firma como modo de produção econômico hegemônico, influenciando todos os ramos de interação da sociedade, e, com mais ênfase, as relações de trabalho.

            A propagação capitalista e seu inevitável expansionismo levam a sérios problemas diplomáticos entre os Estados europeus, sempre na luta por novos espaços comerciais. O momento crucial do alargamento sem peias do modo de produção capitalista deságua no primeiro confronto bélico entre as nações de proa do capitalismo. Historicamente nominado como a Grande Guerra (ou Primeira Guerra Mundial), esse conflito foi deflagrado em 1914, deixando a Europa devastada, e abalando os valores civilizatórios ocidentais. As repercussões sobre a economia capitalista foram de enorme monta.

            No decorrer da Primeira Grande Mundial, contrariando todos os prognósticos teóricos de viés socialista, a primeira revolução de matiz proletária se deu na czarista Rússia. Esse país, ainda eminentemente feudal, ao fim do século XIX, possuía a maioria esmagadora de sua população localizada no campo, como servos. O governo dos czares lastreava sua força política na aristocracia rural e nos cossacos. Destarte, de onde menos se esperava, ocorre a Revolução Russa, em 1917, tornando-se a primeira experiência histórica de contraponto ao capitalismo liberal então reinante. Acerca desse processo revolucionário russo, segue a análise de Fábio Konder Comparato[1]:

Essa situação de desalento dos trabalhadores durou até outubro de 1917, quando a Revolução Comunista extinguiu a monarquia czarista e fundou na velha Rússia uma república, que se pretendeu baseada nos sovietes, vale dizer, nos conselhos de delegados de operários, camponeses e soldados. Nasceu, então, o maior e único adversário que o capitalismo jamais conheceu em toda a sua história. Igual desfecho, porém, não tiveram os levantes comunistas na Alemanha (janeiro a março de 1919) e na Hungria (julho de 1919), ambos liquidados num banho de sangue.

Nos anos compreendidos entre 1919 e 1929, houve um ciclo político e econômico de instabilidade, no entanto, as matrizes econômicas liberais ainda perduraram de maneira hegemônica nos países de capitalismo central. Desde o início do século XX, Os Estados Unidos da América já figuravam como maior potência econômica mundial. A economia, em virtude do aumento das fronteiras comerciais, demonstrava nítida característica global, denotando uma premente interligação econômica entre os países.

Nesse cenário, no ano de 1929, a economia norte-americana, que já era responsável por cerca de quarenta por cento de toda produção industrial do planeta, imergiu na maior crise econômica mundial do capitalismo então vigente. O colapso advindo da crise de 1929 gerou a maior onda de desemprego já vivenciada, causando pânico e desespero nas pessoas que apenas dispunham de sua força de trabalho para vender. A forte crise econômica no centro de produção do capitalismo espraiou seus tentáculos por toda década de trinta do século XX. O consumo despencou a níveis dramáticos, ocasionando enormes estoques dos produtos industrializados, fato que obrigou uma queda abrupta na dinâmica funcional das indústrias.

No período do entre guerras, acossados pela grande depressão, os países capitalistas centrais empenham-se em arranjar nova conformação política e econômica que os retirassem do colapso em que se encontravam, sobretudo premidos pela real ameaça do modelo socialista de organização social. Os Estados Unidos da América adotam um novo acordo político-estatal, denominado New Deal, cujos fundamentos econômicos refutavam o liberalismo sem amarras ou regulamentação. Esse arquétipo tinha no Estado a mola propulsora do novo desenvolvimento capitalista, colocando por terra o modelo ortodoxo do liberalismo clássico de gestão das economias de mercado até então hegemônicas.  

O modelo de intervencionismo estatal na economia teve como maior expoente, o economista britânico John Maynard Keynes. Na política econômica keynesiana, o Estado localiza-se como viga impulsionadora das economias, cujo papel é regular a totalidade da renda disponível, por meio de efetiva política monetária e fiscal do poder público, de forma a debelar as crises do sistema capitalista de produção. Um dos focos do modelo keynesiano é a eliminação do desemprego.

Em 1939, devido a diversos fatores causais (nazismo, fascismo, fissuras diplomáticas entre as nações), imbricados umbilicalmente à grande depressão econômica capitaneada pela quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929, o mundo se vê novamente em um conflito bélico mundial de proporções ainda mais devastadoras do que a primeira Grande Guerra. Assim se posiciona Fábio Konder Comparato[2] sobre a segunda Guerra Mundial:

A rigor, a depressão econômica internacional iniciada em 1929 somente findou como início do esforço de preparação para a Segunda Guerra Mundial. Confirmava-se, assim, o estreito vínculo que sempre existiu entre o capitalismo industrial e as atividades bélicas, qualquer que seja o regime político em vigor. Na Alemanha Nazista, por exemplo, a empresa Krupp, por decisão pessoal de Hitler, tornou-se o centro do esforço nacional de rearmamento.

Encerrada a Segunda Guerra Mundial em 1945, dois grandes blocos geopolíticos se consolidaram com vertentes ideológicas diametralmente opostas. Em meio à Guerra Fria, os Estados ocidentais capitalistas, notadamente os europeus, desenvolveram a contento as ideias keynesianas, pondo em prática a intervenção e regulação do mercado. Além do modelo intervencionista estatal sobre a economia capitalista, foram adotadas políticas de valorização do trabalho, de segurança social e de liberdade democrática. O Direito do Trabalho galgou importantes conquistas nesse interregno histórico, consolidando-se como instrumento de escol para regular as relações empregatícias. Todo esse período, que vai de 1945 até o início da década de 70 do século XX, ficou conhecido como a Era de Ouro do capitalismo ocidental. Esse modelo de Estado, de características sociais claras, ficou intitulado como Estado do Bem-Estar Social, manifestando-se como um paradigma de avanço social do ocidente.

1.2 Fordismo, Toyotismo e Globalização Econômica

            Evento histórico universal e com características de complexa apreensão, o fenômeno da Globalização localiza-se com maior nitidez no último quadrante do século XX. Nesse lapso, as nações de capitalismo desenvolvido vivenciaram múltiplas e decisivas mutações na dinâmica organizacional do trabalho, consectário das alterações na estrutura produtiva industrial. A intensa automação das fábricas, decorrente do célere desenvolvimento tecnológico, deu o pontapé para a terceira etapa da Revolução Industrial.

            Data dessa época, a perda da preponderância do padrão fordista/taylorista como modelo primaz da estrutura produtiva industrial. O arquétipo fordismo/taylorismo teve imensa contribuição para expansão do capitalismo no mundo, sendo o modelo industrial preponderante no decorrer da experiência do Estado do Bem-estar Social no século XX. O nome desde modelo produtivo advém de Henry Ford, industrial estadunidense, que viabilizou a linha de montagem em série de veículos motorizados padronizados.

            Henry Ford utilizou-se da teoria da administração científica elaborada por Taylor para desenvolver o modelo industrial de produção em série. Frederick Winslow Taylor (1856-1915) foi o idealizador da gerência administrativa do processo de produção fabril, que entre outras premissas, estabeleceu o parcelamento e simplificação de tarefas, a otimização dos ritmos de trabalho e a cronometragem do tempo de produção pelo empregador.

            O Fordismo, embora tenha surgido no primeiro quartel do século XX, torna-se hegemônico depois de 1945. Sua forma de organização industrial viabiliza acumulação de capital ainda não experimentada pelo capitalismo, e sua influência vai para além das fábricas, moldando um novo modo de vida fundado no consumo.

            Na década de 1970 do século XX, o fordismo começa a perder sua hegemonia como modo de produção industrial. O grande desenvolvimento tecnológico e a sobreposição do capital financeiro sobre o produtivo provocam enormes fissuras no mundo do trabalho, com relevantes impactos na organização fabril.

Um novel padrão de organização produtiva industrial começa a nascer, vulnerando a preponderância do modelo fordista. Lastreado na maleabilidade estrutural do trabalho, na multifuncionalidade do obreiro nos postos de trabalho e na volatilidade das demandas advindas do mercado consumidor, surge o Toyotismo. A fábrica japonesa de automóveis Toyota foi a responsável pelo desenvolvimento desse incipiente modelo de produção industrial, advindo daí a consequente denominação da nova gestão fabril. Acerca do toyotismo segue a análise de Maurício Godinho Delgado[3]:   

Sintetizados, em consequência, pelas expressões toyotismo e ohnismo, esses novos sistemas de gestão das empresas, inclusive de sua força de trabalho, evidentemente foram aprofundados e readequados, na própria ambientação do capitalismo ocidental, ao longo dos anos seguintes à década de 1970. Pode-se dizer, de certo modo, em decorrência de tais aprofundamentos e readequações, que toyotismo e ohnismo representam, hoje, fundamentalmente, um emblema ou uma síntese do conjunto de transformações operadas na gestão das empresas e de sua força de trabalho ao longo das últimas duas ou três décadas no Ocidente. O toyotismo visa, em síntese, elevar a produtividade do trabalho e a adaptabilidade da empresa a contextos de alta competitividade no sistema econômico e de insuficiente demanda no mercado consumidor (portanto, adaptar a empresa mesmo a contextos de crise).

Desta forma, o toyotismo surge como contraponto à crise capitalista da década de 70 do século pretérito. Para tanto, modifica a arquitetura da gestão produtiva, refutando a verticalização do fordismo e incensando a versatilidade funcional do empregado, que a partir de então, torna-se mais qualificado e multiespecializado, apto a gerir multifacetadas máquinas. O toyotismo engendra uma reestruturação da produção industrial, descentralizando as atividades nominadas como periféricas, as quais são trasladadas para empresas subcontratadas. Portanto, diferente da verticalização das grandes fábricas do modelo fordista, no toyotismo há uma fragmentação das atividades produtivas entre núcleos empresariais distintos que atuam de maneira reticular e encadeada.

Antes de findar o presente tópico, volta-se à temática da Globalização em face de sua grande importância na derrocada do emprego como forma primaz de inserção no mercado de trabalho capitalista, notadamente nos trinta anos gloriosos do capitalismo ocidental. O fenômeno da Globalização não se reflete apenas no campo econômico, mas também influencia as relações sociais, culturais e políticas. O intuito ideológico da globalização é conduzir o planeta a uma integração econômica, tornando-se um grande mercado, sem fronteiras, sem obstáculos, livre para mercanciar os objetos produzidos, e em última instância, eliminar qualquer óbice às transações financeiras internacionais. As multinacionais mobilizam-se pelo mundo à procura de menores custos de produção com o objetivo de elevar os lucros, com consequências deletérias ao mundo do trabalho e ao trabalhador.

O Neoliberalismo ou Ultraliberalismo é o arcabouço ideológico utilizado de base para a imposição da globalização como fenômeno mundial, valendo-se do mantra de que é o único pensamento econômico viável na sociedade capitalista hodierna. Essa nova ideologia ultraliberal foi capitaneada pelos economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman. Tendo por escopo a substituição do modelo do Estado do Bem-estar Social, o Neoliberalismo tornou-se o contraponto a esse modelo estatal intervencionista. Galgou espaço durante as crises do sistema capitalista no início dos anos 70 do século anterior, momento em que as nações do capitalismo central entram em recessão de importante vulto. Com taxas de crescimento irrisórias e elevação dos níveis inflacionários, o Neoliberalismo campeia impávido sobre a política econômica e a forma de organização da estrutura estatal.

O modelo neoliberal teve sua primeira experiência social na Inglaterra, sob a batuta política de Margaret Thatcher. Do ano de 1979 a 1990, o governo Thatcher empenha-se em aplicar todas as receitas preconizadas pelo ideário neoliberal, sendo destarte, o primeiro país de capitalismo desenvolvido a implementar de forma ortodoxa e incisiva o novo pensamento ultraliberal. Com redução da emissão monetária, eliminação do controle de fluxos financeiros, aumento das taxas de juros, redução dos tributos sobre os altos rendimentos, repressão aos movimentos grevistas, privatização de empresas estatais e cortes no orçamento social, a Inglaterra torna-se o grande laboratório do neoliberalismo.

 A viga mestra do Neoliberalismo é a derruição do Estado do Bem-estar Social. É a supressão de qualquer intervenção estatal nas relações socioeconômicas, com redução drástica do investimento público para as demandas sociais. O intuito é retirar qualquer normatização que impeça o livre fluxo de capitais, seu dogma é a desregulamentação total e absoluta. A via ultraliberal quer a completa omissão do Estado no processo econômico, reduzindo-o a mero fantoche do capital especulativo e financeiro.

A retomada das políticas econômico-liberais nos anos de 1980 e de 1990, com visceral continuidade no início dos anos 2000, após cinco décadas de ostracismo desse ideário, levou o mundo capitalista novamente a uma crise de proporções incalculáveis no ano de 2008. Mais uma vez, a insensibilidade dos dirigentes estatais e a ganância dos sujeitos internacionais econômicos descambaram em outra cíclica crise do modelo capitalista de produção. Lapidares são as palavras de Fábio Konder Comparato[4] sobre a crise planetária de 2008:

Os efeitos da crise mundial aberta em 2008 afetaram duramente todos os setores econômico-financeiros, com graves repercussões sobre o nível e a qualidade de vida das populações do mundo inteiro. Houve queda acentuada na taxa de crescimento do produto bruto mundial, acompanhada de séria redução no comércio internacional, com imediata repercussão sobre os níveis de consumo. Já nos primeiros meses da crise, as falências se sucederam rapidamente.

1.3 Esboço da Regulação do Trabalho no Brasil

            O processo das relações trabalhistas brasileiras possui peculiaridades que a diferem da ambiência histórica dos países capitalistas desenvolvidos. O Brasil colonial e imperial desenvolveu-se por meio da mão de obra escrava trazida nos navios negreiros de diversas partes do continente africano. Os ciclos econômicos do açúcar e do ouro se valeram da exploração da escravidão, e assim, ela foi a forma por excelência das relações trabalhistas durante os quatro séculos iniciais da história brasileira. As repercussões do modo de produção escravocrata no Brasil se fazem presentes até a quadra atual, com inegáveis prejuízos na formação das relações econômico-sociais, constituindo-se em uma das mais desiguais nações do mundo. A escravidão deixou chagas profundas na sociedade brasileira.

            A escravidão no Brasil é relevante para o Direito do Trabalho, posto que, apenas com a abolição ao fim do século XIX, viabilizaram-se as condições materiais para regulação jurídica do trabalho assalariado e livre. O Direito do Trabalho no Brasil surge a partir da extinção da escravidão, emergindo assim a possibilidade de pactuação contratual trabalhista entre sujeitos livres (empregador e trabalhador). O trabalho subordinado, objeto nuclear do Direito do Trabalho, torna-se possível e hegemônico após a abolição da escravidão no Brasil. Maurício Godinho Delgado[5] traz esta preleção acerca do surgimento do Direito do Trabalho no país:

Embora a Lei Áurea não tenha, obviamente, qualquer caráter justrabalhista, ela pode ser tomada, em certo sentido, como o marco inicial de referência da História do Direito do Trabalho brasileiro. É que ela cumpriu papel relevante na reunião dos pressupostos à configuração desse novo ramo jurídico especializado. De fato, constituiu diploma que tanto eliminou da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo justrabalhista (a escravidão), como, em consequência, estimulou a incorporação pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de trabalho: a relação de emprego. Nesse sentido, o mencionado diploma sintetiza um marco referencial mais significativo para a primeira fase do Direito do Trabalho no país do que qualquer outro diploma jurídico que se possa apontar nas quatro décadas que se seguiram a 1888.

O fim do trabalho escravo, a incentivada imigração estrangeira (sobretudo do continente europeu) e a ida de parte da população rural para o meio urbano fizeram com que uma marcha de urbanização começasse a se esboçar com mais vigor no país.

Datam do final do século XIX os primeiros instrumentos normativos de regulação das relações trabalhistas no Brasil, caracterizados de forma esparsa e ainda sem nenhuma sistematização. Exemplos dessa inicial produção normativa são: Decreto n. 1.162, de 12 de dezembro de 1890, que retirou a tipicidade penal da greve; e, o Decreto n. 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores nas fábricas da capital federal de então (Rio de Janeiro) e criou a Inspeção do Trabalho. A Constituição da República de 1891, de concepção ideológica liberal, não albergou qualquer regulamentação acerca das relações de trabalho.

Adentrando o século XX, são promulgados novos instrumentos normativos de conteúdo juslaboral como o Decreto n. 1.150, de 5 de janeiro de 1904, que conferiu privilégio para pagamento de dívida proveniente de salários de trabalhador agrícola. Em 1907, o Decreto 1.637, de 5 de janeiro, regulamentou a criação dos sindicatos profissionais e sociedades cooperativas.

O emergente processo de industrialização de São Paulo viabilizou as primeiras manifestações coletivas obreiras através de consistentes movimentos paredistas, influenciados em grande medida pelos trabalhadores imigrantes europeus. Exemplo vigoroso dos movimentos grevistas da segunda década do século XX é a greve geral de 1917, que iniciada na capital paulista, espraiou-se pelo Rio de Janeiro e outros estados, notadamente ao Rio Grande do Sul. Ao fim desse intenso movimento paredista, os obreiros lograram alguns êxitos por meio de ferrenhas negociações, como aumento salarial, reconhecimento do direito de reunião, libertação dos líderes do movimento grevista e garantias a respeito de proteções laborais dos empregados.

Na década de 1920, a atuação legiferante continua espasmódica e pontual. A Lei Eloy Chaves, de 24 de janeiro de 1923, aplicável aos ferroviários, introduziu o instituto jurídico da estabilidade no emprego, um direito que terá maior abrangência no decorrer do desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil. Em 1925, a Lei n. 4.982, de 24 de dezembro, garante a concessão anual de 15 dias de férias, sem prejuízo da remuneração, aos empregados dos estabelecimentos comerciais, industriais e bancários. Por fim, em 1927, o Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro, institui o Código de Menores, com proibição do trabalho para menores de 12 anos, proibição do trabalho para menores de 18 anos em atividades noturnas e perigosas, e limitação da jornada dos menores a seis horas com intervalo de uma hora para descanso.    

O ano de 1930 é o marco da efetiva e inicial regulação das relações de trabalho pelo Estado Brasileiro, momento em que a ideologia intervencionista, com viés corporativista, passa a reger e defrontar-se com a questão social. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio é criado por meio do Decreto n. 14.433, de 26 de novembro de 1930, como forma de internalizar, sob a tutela estatal, a regulação entre capital e trabalho, nos moldes agora preconizados pela nova correlação de forças políticas que chegou ao poder. Na linha dos inúmeros decretos que sobrevieram após a criação do Ministério do Trabalho, destaca-se a "Lei dos Dois Terços" (Decreto n. 19.482, de 12 de dezembro de 1930), que limitou a entrada no território nacional de estrangeiros de "terceira classe", e reservou dois terços dos postos de trabalho das empresas brasileiras aos brasileiros natos. De 1931 a 1932, há uma profusão de decretos regulando: jornadas de trabalho na indústria e comércio; condições de trabalho para as mulheres nesses mesmos setores econômicos; identificação do trabalhador por meio da carteira profissional; instituição da convenção coletiva de trabalho, galgando aos sindicatos reconhecidos pelo Estado o poder de criar normas coletivas ancilares às normas heterônomas.

Em 1934 é promulgada uma nova Constituição da República, em substituição à de 1891. Essa Carta Magna inaugura, ao menos na forma jurídica, o Estado social no Brasil. De forma inédita, são regulados diversos direitos sociais, a exemplo da autonomia sindical (inclusive com pluralidade sindical, nunca vigente), da jornada de oito horas, da proibição do trabalho aos menores de 14 anos, do salário mínimo, do repouso hebdomadário, férias anuais remuneradas, assistência à gestante e previdência social, e reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. A Carta de 1934 teve vida exígua. Com o golpe que fundou o Estado Novo, adveio a outorga de nova Constituição, a de 1937, acabando por concentrar poderes na Presidência da República. A Constituição de 1937 amplia o rol de direitos trabalhistas, no entanto, proíbe a greve, declarando-a como recurso antissocial ao capital e ao trabalho.

Durante o Estado Novo, foi instituída a Justiça do Trabalho através do Decreto-lei n. 1.237, de 1º de maio de 1939, sendo efetivamente inaugurada no país em 1941, também em primeiro de maio. Tanto a Constituição de 1934 quanto a de 1937 faziam referência à Justiça do Trabalho, entretanto como órgão pertencente ao Poder Executivo.

Em 1º maio de 1943, por meio do Decreto-lei n. 5.452, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, o mais importante e emblemático instrumento jurídico infraconstitucional de regulação das relações empregatícias brasileiras. Fruto da sistematização da farta legislação trabalhista produzida desde 1931, a CLT condensou num único corpo legal os direitos dos trabalhadores urbanos, agora universalmente protegidos por suas normas. A CLT fez o papel de um real código trabalhista. O seu conteúdo normativo abarcou o Direito Individual do Trabalho, o Direito Coletivo do Trabalho, as normas de segurança e higiene do trabalho, as normas processuais trabalhistas, o Direito Sindical, o Direito Administrativo do Trabalho, e, por fim, a organização da Justiça do Trabalho.

Findo o Estado Novo, e com a promulgação da Carta Constitucional, em 1946, novos direitos trabalhistas são alçados à Carta Magna, como: a estabilidade na empresa, a participação obrigatória e direta nos lucros da empresa na forma a ser regulada legalmente, o seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho e o reconhecimento do direito de greve. A Justiça do Trabalho passa a integrar a organização do Poder Judiciário, saindo da alçada do Poder Executivo.

Nesse novo período democrático, que se estende até 1964, alguns diplomas legais são sancionados, instituindo e regulamentando mais direitos trabalhistas. Nesse catálogo, figuram: repouso semanal remunerado (Lei n. 605/1949), gratificação natalina (Lei n. 4.090/1962) e o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/1962). Em 1964, o Brasil passa a vivenciar mais um momento de quebra da institucionalidade democrática, com o advento da ditadura militar deflagrada em 31 de março daquele ano.

As Constituições outorgadas nos anos de 1967 e 1969 em nada acrescentaram aos direitos trabalhistas, pelo contrário, houve o início da derrogação do instituto da estabilidade no seio do Direito do Trabalho brasileiro, ao fazer a inserção do fundo de garantia como dispositivo instrumental substitutivo da estabilidade na época em vigor.

No ano de 1974, entra em vigência a Lei 6.019, diploma normativo de imenso prejuízo às relações de trabalho do ramo privado no Brasil, já que possibilitou a inauguração da intermediação ou locação da mão de obra. Essa lei teve imenso impacto na regência clássica bilateral dos contratos trabalhistas, e influenciou a viabilização e disseminação da terceirização no ordenamento justrabalhista pátrio e nas práticas empresariais vindouras.

Após a derrocada do regime militar (1964-1985), a sociedade brasileira volta a respirar uma atmosfera democrática e plural. Para referendar esse novo ciclo político brasileiro, é promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, texto magno de notável conteúdo social, sem precedentes nas cartas magnas anteriores. Essa Carta Constitucional é, de maneira inconteste, o mais bem acabado instrumento jurídico da história política brasileira, fundado no pilar da dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho.

No decorrer dos anos 90 do século XX, o Brasil passa a adotar de modo intenso a agenda neoliberal, subordinando-se aos ditames dos organismos econômicos internacionais e aos países de capitalismo desenvolvido. Nesse interregno, inúmeros e exitosos ataques à regulação jurídico-trabalhista são perpetrados. Implantação do "banco de horas", regulação da terceirização pelo Tribunal Superior do Trabalho e sua consequente massificação em diversos setores econômicos, adoção do contrato a tempo parcial e instituição do contrato provisório à revelia do regulamentado na CLT são alguns exemplos da tentativa de desmoronar a já limitada regulação das relações trabalhistas no Brasil.

O cenário político ultraliberal da década de 1990 recrudesce por essas plagas de maneira impactante sobre a regulação do trabalho nos anos de 2016 a 2019. A intensidade das políticas monetaristas, o desemprego assolante, a retomada das privatizações e os cortes em investimentos sociais demonstram o desmonte do Estado Social proposto pela Carta Constitucional de 1988. Precisa é a lição de Maurício Godinho Delgado[6] acerca da atual quadra histórica:

Lamentavelmente, nos anos de 2016/2017, o País assistiu à retomada dos desgastados pensamento e agenda ultraliberalistas, com propostas agressivas de derruição das políticas públicas democráticas e de inclusão socioeconômica e, nesse conjunto, consequentemente, também propostas agressivas de restrições previdenciárias e de desregulamentação e flexibilização justrabalhistas.

2 MORFOLOGIA TUTELAR DO DIREITO DO TRABALHO

2.1 Razão da Existência do Ramo Juslaboral

Conforme explanado no tópico anterior, o conjunto de fatores históricos e econômicos que influenciou o surgimento de um novo ramo autônomo do Direito emergiu do processo revolucionário industrial europeu. Desde seus primórdios, o Direito do Trabalho sempre foi estigmatizado e refutado pelos detentores dos meios de produção e do capital como meio jurídico de regulação da compra e venda da força de trabalho. Para a classe empresarial, a livre pactuação do trabalho deveria seguir os diplomas normativos dos contratos particulares, situação que explicita o pensamento hegemônico do capitalismo do século XIX.

O Direito do Trabalho é instrumento jurídico oriundo do próprio sistema econômico capitalista. É produto cultural atávico às engrenagens capitalistas de produção. Sendo, portanto, um fenômeno consectário dos embates e vivências decorrentes das lutas de classes oriundas do capital e do trabalho. Sua função é minimizar a exploração desenfreada da força de trabalho, viabilizando a organização social e econômica do próprio capitalismo e sua reprodução.  

A respeito da ligação umbilical entre o Direito do Trabalho e capitalismo, Maurício Godinho Delgado[7] traz o seguinte ensinamento:

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa. A existência de tal ramo especializado do Direito supõe a presença de elementos socioeconômicos, políticos e culturais que somente despontam, de forma significativa e conjugada, com o advento e evolução capitalistas. Porém o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia.

  Destarte, o Direito Laboral é tributário de toda a efervescência econômica, social e jurídica do início do capitalismo industrial, notadamente no século XIX, sendo este, o ponto histórico do seu aparecimento no mundo do trabalho ocidental. Como peculiaridade desse novo ramo jurídico especializado, a coletividade é a marca distintiva, indo de encontro com o individualismo, sobejamente dominante nas relações privadas de intercâmbio material.

O aparecimento do Direito do Trabalho é consequência direta da extinção do trabalho servil encontrado no sistema feudal e a eclosão do trabalho livre (ao menos juridicamente) no modo de produção capitalista. Assim, o cerne catalisador do Direito Laboral é o trabalho subordinado, sendo este, o núcleo substancial da relação empregatícia, e esta, o objeto por excelência desse ramo jurídico. A relação de emprego é o moto-contínuo do Direito do Trabalho, e em torno dela, orbitam todo o conjunto de regras, princípios e institutos jurídicos qualificadores da especificidade do sistema juslaboral.  

Os primórdios de construção do Direito do Trabalho têm íntima ligação com o Direito civil-obrigacional, muito em face do ideal liberal que regia as relações de trabalho no início do capitalismo industrial. Com o desenvolvimento, consolidação e autonomia do ramo juslaboral, houve completa clivagem entre o Direito do Trabalho e o ramo obrigacional do Direito Civil. O ramo jurídico laboral adquiriu singularidades no decorrer do século XX que possibilitaram a sua independência metodológica, a insurgência de vasto e unívoco campo doutrinário, o surgimento de principiologia inovadora, e por fim, conteúdo material imponente. Embora tenha havido a dissociação científica entre esses dois ramos do Direito, ainda há interação do Direito do Trabalho com o Direito Civil, inclusive autorizado pela própria CLT, desde que haja respeito às diretrizes principiológicas trabalhistas. Nenhum ramo jurídico é estanque em sua interpretação e aplicação, visto a existência de um universo maior, qual seja, o ordenamento normativo, capitaneado pelos valores, normas e princípios albergados pela Constituição. O diálogo entre os diversos segmentos que integram o ordenamento jurídico é necessidade cada vez mais premente em virtude da complexidade das relações sociais no mundo atual, sempre respeitando, obviamente, as peculiaridades de cada ramo.

O Direito do Trabalho legitima sua existência por ser um instrumento jurídico vital para proteção do trabalho humano no modo capitalista de produção. Essa é a sua essência, a sua razão de ser; tutelar o ser humano que põe à disposição sua força de trabalho, como único meio de sobrevivência. A característica tuitiva do ramo juslaboral advém das conformações inatas à relação capital e trabalho. É um segmento da árvore jurídica que se ramificou com intuito marcadamente protetivo-teleológico, sendo essa sua alma, seu vigor, a fonte viva de seu devir. O Direito do Trabalho surge com o papel de atenuar a exploração desarrazoada do ser humano, trazendo regras mínimas para que o empregador não torne o empregado mero objeto da produção. Outra função do Direito Laboral é a própria conservação do sistema econômico capitalista, já que esse ramo jurídico especializado permite e legitima, por meio do contrato de trabalho, a apropriação monetária pelo empresário de grande parte do trabalho prestado pelo obreiro.

 Muito embora seja clarividente essa função conservadora, dando ao Direito do Trabalho um dualismo funcional (melhoria de condições de trabalho e manutenção do sistema econômico capitalista), essa faceta bifronte não retira o caráter essencialmente civilizatório do ramo juslaboral durante o último sesquicentenário de sua vigência. Maurício Godinho Delgado[8] assim leciona sobre a função política conservadora do Direito do Trabalho, a derradeira função desempenhada por este ramo jurídico consoante sua doutrina:

Concluindo-se o exame dos papéis mais relevantes do Direito do Trabalho, seria ingenuidade negar-se que não tenha tal ramo jurídico, de modo concomitante, também uma função política conservadora. Essa função existe na medida em que esse segmento normativo especializado confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea. A existência do Direito do Trabalho não deixa de ser, assim, um meio de legitimação cultural e política do capitalismo - porém concretizada em padrão civilizatório mais alto (e não nos moldes do capitalismo sem reciprocidade, sem peias). Por isso é que o reconhecimento desse papel conservador não invalida as funções anteriormente especificadas. Na verdade, o divisor aqui pertinente é que identifica dois polos opostos: no primeiro, o capitalismo sem reciprocidade, desenfreado, que exacerba os mecanismos de concentração de renda e exclusão econômico-social próprios ao mercado; no segundo polo, a existência de mecanismos racionais que civilizam o sistema socioeconômico dominante, fazendo-o bem funcionar, porém adequado a parâmetros mínimos de justiça social.

Continuando na vereda funcional do Direito do Trabalho, a obra doutrinária de Alice Monteiro de Barros[9] discorre também a respeito das funções desse ramo jurídico, demonstrando alguns pontos de similitude com a lição doutrinária do Maurício Godinho Delgado, embora com denominações distintas. A doutrina dessa insigne e saudosa doutrinadora assim explana sobre as funções do ramo juslaboral:

O Direito do Trabalho, qualquer que seja a natureza que se lhe atribua, possui, conforme a concepção filosófica de seus expositores, as funções tutelar, econômica, conservadora ou coordenadora. A função de tutela dá-se em relação ao trabalhador, dada a sua condição de hipossuficiente. Outros sustentam que sua função é econômica, tendo em mira a realização de valores; por conseguinte, todas as vantagens atribuídas ao empregado deverão ser precedidas de um suporte econômico. Em contraposição a essa vertente, há quem diga que o Direito do Trabalho visa à realização de valores sociais, não econômicos, com o objetivo de preservar um valor universal, que é a dignidade humana. Há, ainda, os que atribuem ao Direito do Trabalho uma função conservadora. Afirmam que ele é um meio utilizado pelo Estado para sufocar os movimentos operários reivindicatórios. Sustenta outra linha de pensadores que o Direito do Trabalho possui uma função coordenadora, na medida em que coordena os interesses entre capital e trabalho.

O raciocínio que traz à luz o caráter tutelar, tuitivo ou protetivo do Direito do Trabalho é a sua própria razão de existir. Sua existência apenas se faz importante porque sua essência é a proteção das relações trabalhistas de emprego. Seu escopo é regulamentar e reger um arnês tuitivo, que viabilize a mínima sociabilidade nas relações entre o ser que aliena sua força de trabalho e o ser que compra a força de trabalho. O intuito teleológico no Direito do Trabalho vai às últimas consequências, sempre em busca de melhores condições contratuais de trabalho, aqui se encontra sua vitalidade. Seu objetivo é minimizar as desigualdades do modelo socioeconômico capitalista.    

A coerência tuitiva do Direito do Trabalho está respaldada pelo rol principiológico inovador, pelas regras de regência da relação de emprego e pelos peculiares institutos jurídicos. A coesão operacional desses elementos é que vai bosquejar o âmago finalístico do sistema juslaboral, fundamentando a necessidade de sua existência como objeto cultural. O Direito do Trabalho, sem o seu espírito de proteção, nos moldes acima delineados, não teria razão para existir. A compreensão ontológica desse ramo especializado perpassa pelo seu imensurável papel histórico e social, desde seu surgimento até a sociedade dos dias de hoje.

Destarte, é indene de questionamentos, que o Direito do Trabalho tem função civilizatória de imenso quilate, e a proteção do trabalhador é o baluarte de sua existência, retirar ou diminuir o seu caráter tuitivo é eivá-lo em sua essência.

          

2.2 Arcabouço Principiológico do Direito do Trabalho

A deferência ao papel estruturante-normativo dos Princípios no Direito Laboral é de supina importância para exata apreensão das vigas que delineiam esse ramo especializado do Direito. A peculiaridade dos Princípios Juslaborais está na sua função inovadora e edificante, sendo um dos substratos jurídicos que fizeram o Direito do Trabalho se desgarrar de sua inicial ligação com o ramo obrigacional do Direito Civil.

 Os Princípios possuem posição privilegiada no funcionamento do ordenamento jurídico, servindo de fundamento basilar para a compreensão, informação, interpretação, aplicação e resolução das quizilas de ordem pragmática oriundas das relações humanas intersubjetivas.  Conhecer e estudar os princípios de cada ramo jurídico é o ponto fulcral de partida para compreender os meandros funcionais de cada sistema componente do ordenamento normativo.      

Sobre o conceito de princípio jurídico, irrepreensível é a significação trazida por Celso Antônio Bandeiro de Mello[10]:

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Nesse diapasão, os princípios do Direito Laboral lhe dão suporte qualificador, unificador e singular acerca de sua finalidade como objeto jurídico especializado no ordenamento pátrio.  Diante das lides advindas das relações laborais, notadamente das relações empregatícias (cerne existencial do Direito do Trabalho), os princípios terão papel crucial em reafirmar diuturnamente o caráter tuitivo desse ramo jurídico, de maneira a manter íntegro todo o alicerce sobre o qual se assenta o Direito do Trabalho, sob pena de desnaturá-lo, caso haja transgressão de seu conjunto principiológico.

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Continuando na seara principiológica, o presente trabalho passará a descortinar e descrever os principais princípios específicos que caracterizam e discernem o Direito Laboral como ramo jurídico autônomo. A abordagem terá por baliza os princípios mais comumente aceitos como peculiares ao Direito do Trabalho pela doutrina justrabalhista, adotando o critério da uniformidade e similitude entre os diversos doutrinadores.      

2.2.1 Princípio da Proteção

O Direito do Trabalho somente se concebe e tributa sua existência em virtude de sua carga principiológica que o qualifica como ramo jurídico especializado. E o destaque de sua concepção jurídica, tem no Princípio da Proteção, o mais relevante pilar de sustentação do Direito Laboral. O Princípio da Proteção é o início, o meio e o fim do Direito do Trabalho. A atuação normativa desse ramo jurídico apenas se justifica calcado sob o manto onipresente do princípio em tela. Desconsiderar o Princípio da Proteção é retirar a alma que anima o ramo juslaboral, é tornar sem efeito o sopro criador e vivificador de todo o sistema normativo que regula as relações de trabalho empregatícias. Dessa forma, esse princípio é presença indefectível no Direito do Trabalho, sem ele, não se justifica sua existência.

Muito embora haja uma profusão de princípios elencados pela doutrina juslaboral, nem sempre congruente, a unanimidade em torno do Princípio da Proteção é incontestável. O estudo e a pesquisa principiológica do ramo juslaboral, invariavelmente, começa por esse princípio, sendo ele o fio condutor da arquitetura justrabalhista. O Princípio Tutelar é o cerne e a matriz de qualquer robusta investigação científica do Direito do Trabalho.

Da lavra doutrinária do grande e saudoso jurista uruguaio Américo Plá Rodrigues[11], segue a significação basilar do Princípio da Proteção:

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde a objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

Outra definição do princípio em comento, trazida por um jurista de sublime importância para a doutrina juslaboral brasileira, notadamente no campo do estudo principiológico do Direito do Trabalho, em clássica obra, é a externada por Luiz de Pinho Pedreira da Silva[12]:

Podemos definir o princípio de proteção como aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores.

Em derradeiro, cabe trazer à baila, a conceituação do Princípio da Proteção feita pelo juslaboralista Maurício Godinho Delgado[13], em face do encorpado valor semântico:

Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia - o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente.

Assim, extrai-se das veredas conceituais supramencionadas, que o Princípio da Proteção delineia a construção do sistema protetivo juslaboral, cuja finalidade-mor é a busca da atenuação das distorções socioeconômicas ínsitas às relações de trabalho (empregador-empregado). Justifica-se, portanto, o caráter tuitivo do Direito do Trabalho, que tem nesse princípio um poderoso instrumento de tutela jurídica da parte destituída de capital ou dos meios de produção no sistema econômico ora hegemônico. A imbricação entre o Direito do Trabalho e o Princípio da Proteção é indissolúvel.

O pálio protetivo deferido ao obreiro, parte débil na relação laboral, advém desde o nascedouro do ramo juslaboral, mesmo em épocas de comedido quadro normativo regulador. A intensificação e consolidação do Direito do Trabalho no decorrer do século XX, tornando-o pedra angular da sindicalização das relações de trabalho, elevou o Princípio da Proteção à imprescindível sustentáculo do arcabouço normativo trabalhista.

Nessa toada, esclarecedoras são as palavras da jurista Valdete Souto Severo[14] acerca da função do Princípio da Proteção no Direito Laboral:

Em outras palavras, no princípio está a proteção e se a afastarmos, nós desconfiguraremos  esse direito, não porque retiramos a sua essência, mas porque retiramos a razão pela qual ele foi criado e existe até hoje, sua função. Isso é linguagem. A linguagem social do Direito do Trabalho é a minimização dos efeitos nocivos que a troca desigual (dinheiro x vida), que o Estado permite e incentiva, provoca no homem-trabalhador e na sociedade em que ele está inserido. Então, todas as regras trabalhistas devem ser orientadas, contaminadas, pelo princípio que as institui, a "proteção ao trabalhador".

2.2.2 Princípio da Indisponibilidade

Dentro do sistema principiológico do Direito Laboral, onde o Princípio da Proteção se coloca como o ponto de referência primordial, irradiando a necessária força de coesão que garante a existência desse ramo especializado do ordenamento jurídico, é de supina importância discorrer sobre o Princípio da Indisponibilidade, o qual sofre forte influência ontológica daquele "princípio-mor". Esse princípio, que gravita rente ao centro referencial do Direito do Trabalho, possui grandiosa utilidade nas relações trabalhistas entabuladas entre empregador e empregado, por garantir a impossibilidade de despojamento de direitos por parte deste último, por sua simples liberalidade.

Desta forma, o Princípio da Indisponibilidade coíbe a transação e a renúncia realizadas por manifestação de vontade do obreiro (expressa ou tácita), cujo objeto seja a diminuição de garantias, direitos ou proteções sacramentados pelo Direito do Trabalho. O sistema juslaboral é refratário a qualquer tentativa de derruição dos direitos trabalhistas, imantados que são pelo viés imperativo de suas normas.

Acerca deste princípio, Maurício Godinho Delgado[15] traz memorável explanação:

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar efetiva liberdade no contexto da relação empregatícia; é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial.

2.2.3 Princípio da Continuidade da Relação Empregatícia

Infere-se do presente princípio que as relações contratuais de emprego tendem a se prolongar no tempo, indefinidamente, de forma a garantir a inserção indeterminada do obreiro nas engrenagens empresariais, fato que visa assegurar a extensão gradativa do rol de direitos trabalhistas, possuindo como finalidade mediata, a busca da plenitude do desenvolvimento individual e coletivo perante a sociedade socioeconômica, na qual, o trabalhador é personagem de enorme protagonismo.

Tal princípio é essencialmente favorável ao trabalhador, visto sua continuidade na relação contratual empregatícia ser um mecanismo de desenvolvimento social e econômico. E por ser algo em benefício do obreiro, não há possibilidade de ser manuseado em seu detrimento; pois, nunca deve tolher a possibilidade do trabalhador, por livre e espontâneo exercício dos seus direitos trabalhistas ou por sua expressa manifestação de vontade, galgar melhores condições de trabalho, seja em contrato trabalhista vigente ou em outro a ele ofertado. Assim, cuida-se, sempre, de vislumbrar a perenidade contratual trabalhista como ferramenta benéfica ao alienador da força de trabalho e à sociedade como um todo, opondo-se ao imediatismo do lucro premente do modo de produção capitalista.

   A instabilidade do vínculo trabalhista no decorrer de um contrato de emprego é perniciosa ao obreiro e à coesão social, já que a insegurança gera temores à parte hipossuficiente, levando-o a se submeter, muitas vezes, a situações indignas de trabalho. A estabilidade nas relações trabalhistas é salutar ao convívio social, ao desenvolvimento econômico, e, sobretudo, à garantia de um futuro harmonioso para o conjunto da sociedade.

Maurício Godinho Delgado[16] assim trata deste princípio sob uma perspectiva finalista:

Informa tal princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.

Em derradeiro, cabe ressaltar, que os contratos empregatícios são em regra por tempo indeterminado, e, excepcionalmente, por tempo determinado. É dessa lógica constitutiva das relações de emprego que dimana o princípio em tela. A essência do Princípio da Continuidade é um dos mais combatidos pela classe empresarial e pelo processo de flexibilização das normas trabalhistas, e como exemplos da desidratação deste princípio ao longo da história do ramo juslaboral brasileiro, elencam-se: implantação do regime do FGTS, extinção da estabilidade decenal, proliferação de contratos de viés temporário, não regulamentação infraconstitucional do inciso I, do art. 7º da CF/88 e, por fim, inserção do contrato intermitente pela mais recente reforma.

2.2.4 Princípio da Primazia da Realidade

Trazendo a significação da prevalência da realidade fática das relações empregatícias sobre qualquer formatação documental entabulada entre os sujeitos do liame laboral (empregador-empregado), o Princípio da Primazia da Realidade denota a sobreposição do pragmatismo cotidiano dos direitos e obrigações vivenciados no decorrer do contrato de trabalho, em detrimento da formalidade jurídica dissonante de sua real prática ou dissimuladora de atos jurídico coibidos pelo Direito do Trabalho.

Irretocável e precisa é a noção acerca deste princípio feita originalmente por Américo Plá Rodriguez[17]: "O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos".

Em relação à importância instrumental desse princípio na seara trabalhista, a lição doutrinária de Maurício Godinho Delgado é de valor didático relevante:

O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não deve, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato (ilustrativamente, documento escrito para a quitação ou instrumento escrito para contrato temporário), o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação.

3 FLEXIBILIZAÇÃO JUSLABORAL

                       

3.1 Introito semiológico

O fenômeno da flexibilização possui uma multifacetada significação, a depender invariavelmente da lente utilizada para apreender seus signos. As abordagens econômicas, jurídicas, ideológicas e políticas serão as vigas condutoras da análise inicial deste tópico, cujo objetivo será examinar e dissecar a constituição desse fenômeno sob uma perspectiva histórica; evocando, necessariamente, a repercussão da Flexibilização sobre o Direito do Trabalho, com ênfase no ordenamento pátrio.

A significação do étimo é sempre importante na análise de qualquer fenômeno social, posto que, a palavra utilizada para denominação, em grande medida, já carrega em si, um rol semântico considerável acerca do objeto estudado. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[18] atribui o seguinte significado ao verbo flexibilizar: "tornar(-se) menos rígido". Ao adjetivo flexível, o precitado dicionário traz o seguinte conceito: "que se dobra ou curva com facilidade; arqueável; que se acomoda facilmente às circunstâncias, que é facilmente influenciável; dócil; maleável, compreensível". Vê-se que flexibilização é palavra substantivada, derivada de flexível, de onde se extrai seu radical constituidor. A definição vocabular já apresenta alguns signos cruciais para desvelar o fenômeno em tela.

Nessa vereda, o Direito do Trabalho é tachado de obsoleto, caquético, retrógrado, inviabilizador do progresso econômico, extremamente protetivo, paternalista, rígido. O que denota, portanto, um discurso difamatório propalado aos quatro cantos do mundo, cuja carga ideológica é patente, classista e irracional. No entanto, essa oratória é muito impactante no mundo do trabalho, galgando espaço até entre muitos operadores do Direito Laboral, cooptados que são, pelo canto de sereia do ultraliberalismo.   

Mesmo sendo um produto cultural do capitalismo, a verdade é que a classe que vive da compra do tempo de vida e trabalho do empregado, nunca aceitou qualquer forma normativa que se imiscuísse nos mecanismos de gestão do modo de produção capitalista. Em quadras históricas de crise econômica, como a hodierna, o primeiro a ser sumariamente sentenciado como culpado é o Direito do Trabalho, o que é um paradoxo lógico-existencial. A contradição máxima do discurso de culpabilização do Direito Laboral como responsável pelas cíclicas crises do modo de produção capitalista é solar, porque, sendo o ramo justrabalhista, fruto do próprio sistema socioeconômico, sendo assim uma consequência, jamais poderia ser causa de crise alguma, por impossibilidade lógico-existencial. Vê-se que o discurso da flexibilização é falacioso, e uma análise por mais perfunctória que seja, descortina o que há por detrás desse fenômeno. As crises econômicas são ínsitas às engrenagens do próprio modo de produção capitalista, e, por conseguinte, ele mesmo é a causa de suas contradições e atritos em sua dinâmica procedimental.   

Como o Direito é linguagem e tecnologia a serviço da interação intersubjetiva humana, nas plagas do ramo justrabalhista iniciou-se um movimento de intenso questionamento sobre a regulação do Direito do Trabalho. Partindo do fictício discurso monolítico da rigidez desse microssistema jurídico, descortinou-se a Flexibilização, como o contraponto à "inflexibilidade" das normas juslaborais. O fenômeno da Flexibilização teve e tem campo fértil em momentos de crise do sistema capitalista, e se utiliza desses momentos para destilar seu corolário de soluções, sempre em prol do capital, e nunca a favor de relações mais equânimes (menos desiguais) no mundo do trabalho.

Os conceitos elaborados pelos mais diversos doutrinadores do Direito do Trabalho acerca da Flexibilização são bastante polissêmicos e com óticas distintas. Essas definições do fenômeno flexibilizatório das normas trabalhistas transitam desde o conformismo e aceitação da Flexibilização como fenômeno econômico e político inevitável no Direito do Trabalho, até posições mais consonantes com a razão de ser desse ramo jurídico especializado (proteção ao trabalhador), adotando, assim, esta última corrente, um caráter progressista e crítico tão parelho com a finalidade do sistema juslaboral.

Iniciando pelos conceitos favoráveis à Flexibilização, delineados como consequências inevitáveis dos mecanismos de produção econômicos ou como solução para os entraves criados pelo próprio sistema econômico, a exemplo do desemprego, as palavras de Arion Sayão Romita[19] traduzem essa corrente:

Novamente deparamos questão semântica: o conceito de flexibilidade está longe de ser unívoco e todos - governos, empresários, sindicatos de trabalhadores - o manejam de acordo com seus propósitos específicos. Todos, de modo geral, o admitem, porque ninguém deseja aparecer como defensor do contrário, ou seja, da inflexibilidade. Que medidas, contudo, devem traduzir essa flexibilidade, com repercussão sobre as normas de Direito do Trabalho? Basicamente, podemos afirmar que a flexibilidade concerne às formas de contratação, à duração do trabalho, à estipulação de salários, à negociação coletiva e, sobretudo, ao regime de dispensa. O objetivo - geralmente aceito sem discrepâncias dignas de nota - seria o de ampliar a produtividade das empresas. O aumento da produtividade pode ser direto, quando resulta de produção adicional por empregado, ou indireto, quando deriva de maior flexibilidade no trabalho.

Outra autora que singra na corrente favorável à flexibilização, utilizando-se de um cabedal de argumentos de matiz preponderantemente econômicos, reproduzindo a cantilena ficcional do ancilosamento das normas trabalhistas, é Rosita de Nazaré Sidrim Nassar[20], que assim descreve o fenômeno em discussão:

Significa que a flexibilização das normas trabalhistas não exaure ou traduz a totalidade do fenômeno flexibilizatório. Este, vimos linhas atrás, é bem mais abrangente, compreendendo estratégias políticas, econômicas e sociais e não apenas jurídicas. Mesmo no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilização não se faz através de única forma. Atua por intermédio de procedimentos variados. Daí a referência a conjunto, ou seja, reunião de medidas, que ainda não receberam tratamento doutrinário sistematizado. Visam prover o Direito do Trabalho de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento. O Direito precisa acompanhar as alterações ocorridas na realidade social à qual se dirige, sob pena de tornar-se ineficaz, deixando de produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios. O Direito do Trabalho, mais do que qualquer outro ramo da Ciência Jurídica, precisa estar atento à necessidade de adaptação de suas normas, pois tem em mira realidade mais acentuadamente mutável. Os instrumentos flexibilizatórios objetivam, exatamente, propiciar o rápido amoldamento do complexo normativo laboral às mudanças decorrentes de flutuações econômicas, evoluções tecnológicas ou quaisquer outras alterações que requeiram imediata adequação da norma jurídica. Traduzem-se tais instrumentos pela destituição do rigor com que tradicionalmente se revestem as regras laborais, permitindo se ajustem com presteza às novas contingências socioeconômicas.

Navegando por corrente contrária ao discurso flexibilizatório, parte substancial da doutrina, coadunando-se com a teleologia do Direito Laboral, rechaça a flexibilização, por ser derruidora das normas trabalhistas. Nessa vereda, Maurício Godinho Delgado[21] tece as seguintes críticas a respeito do tema ora em foco:

As experiências de alterações normativas trabalhistas concretizadas nas décadas finais do século XX, a partir do diagnóstico de que o trabalho e o emprego estavam em crise, tiveram um mesmo direcionamento essencial: a desregulamentação e a flexibilização das normas jurídicas trabalhistas, de modo a diminuir a retribuição do valor-trabalho na sociedade contemporânea. Tal direção legislativa harmoniza-se com as análises da economia e da sociedade, com suas respectivas recomendações, que foram hegemonicamente construídas nas décadas de 1970/1980. De maneira geral, tais análises perfilaram-se em torno do suposto império de determinações inescapáveis da terceira revolução tecnológica, da reestruturação empresarial externa e interna, além da acentuação da concorrência capitalista. Todos são diagnósticos que incorporavam (e incorporam), em maior ou menor medida, os traços centrais da matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego no capitalismo de finais do século XX e início deste século. Assentado tal diagnóstico sombrio, tornava-se politicamente palatável o rigoroso remédio da precarização dos direitos trabalhistas. O argumento corrente sustentava (e ainda o faz) que a redução do custo trabalhista para as empresas teria o condão de elevar o número de contratações no sistema socioeconômico, mesmo que por meio de pactos menos retributivos da força de trabalho.

No mesmo diapasão, segue a inconformidade acerca do fenômeno da flexibilização, proferida por Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti[22]:   

Sob os auspícios do neoliberalismo, a essência desse fenômeno definido como flexibilização está centrada na eliminação, diminuição e substituição da norma protetora do trabalhador por outra norma em favor do empresário, e não na adaptação da norma estatal para se quebrar a sua rigidez. O modelo de flexibilidade tal como se quer hoje retira do contrato de trabalho a rede protetora, o relegando à autonomia da vontade, que substitui integralmente o elemento heterônomo de proteção proveniente da lei ou autônomo proveniente da negociação coletiva. Sendo assim, pode-se afirmar que a eficácia econômica é o valor supremo de perseguição da ideologia neoliberal, para qual a rigidez das leis trabalhistas constitui-se em obstáculo intransponível. Trava-se, por conseguinte, um conflito entre a concepção liberal e a intervencionista.

Induz-se das conceituações e análises supradestacadas, que a flexibilização juslaboral atua para condicionar alterações nas normas trabalhistas como meio de suplantar os interregnos disfuncionais (crises) do sistema de produção capitalista, entretanto, sempre com viés favorável à classe empresarial. Quando se estuda a fundo a Flexibilização, todo o arcabouço ideológico induz para uma única forma de pensamento, impondo a pecha de rigidez ao Direito do Trabalho e de instrumento obsoleto diante das mutações econômicas modernas. Dessarte, o fenômeno da Flexibilização trabalhista, invariavelmente, é pensado como uma via de mais benefícios ao capital, nunca como forma de ajustar as normas trabalhistas a melhores condições de trabalho diante das cíclicas crises capitalistas. A dinâmica conceitual da Flexibilização possui somente um fluxo ideológico, de caráter ultraliberal, que pugna ferrenhamente pela derrocada da regulação das relações entre capital e trabalho pelo Direito Laboral.

Toda ambiência histórica de nascimento do fenômeno da Flexibilização coincide com o início da derrocada do Estado Bem-estar Social no princípio dos anos de 1970, notadamente, na Europa ocidental. Após a segunda guerra mundial, o capitalismo, através das políticas de cunho keynesiano, teve um esplêndido crescimento econômico, aliado à plenitude de ocupação dos postos de trabalho, por meio da relação jurídica empregatícia. Esse mecanismo de inserção no mercado de trabalho (relação de emprego) possibilitou níveis jamais vivenciados de distribuição de renda até meados da década de 1970. Nesse ponto histórico, o mundo vê ressurgir uma nova faceta do liberalismo, cunhada agora de neoliberalismo (ou ultraliberalismo). A disseminação da ideologia neoliberal serve de lastro teórico para sacramentar as mutações estruturais no modo de produção industrial capitalista. O modelo de produção fordista (concentrado e vertical) começa a ceder espaço para o enxuto e horizontal modelo toyotista.

Nessa mesma década (1970), emerge a crise do petróleo, cujo valor de venda foi elevado consideravelmente, e, sendo a base energética hegemônica no seio da sociedade capitalista de então, começa a destravar um inicial processo inflacionário, impondo limites aos ganhos produtivos e de capital, desencadeando uma recessão com impacto mundial. O Estado Providência passa a ser bombardeado diuturnamente pelo seu excessivo intervencionismo e alto custo de manutenção, discurso perpetrado pela ideologia neoliberal. No bojo dessa ebulição, o Direito do Trabalho também é colocado como entrave à produtividade, sendo torpedeado pelo neoliberalismo, e pelas consequentes práticas precarizantes desse ideário (terceirização, contratos temporários, flexibilização normativa).

3.2 Flexibilização e Desregulamentação

Tanto a Flexibilização quanto a Desregulamentação são oriundos de todo aquele processo histórico despontado no último quartel do século XX, já tratado alhures. Filhos diletos do ultraliberalismo, a noção semântica desses dois fenômenos possui distinção, embora o intuito seja similar (derruição de normas trabalhistas), em que pese o grau de atuação de ambos sobre o ordenamento juslaboral. A diferença conceitual e a implementação desses fenômenos no mundo do trabalho, indubitavelmente, servem como estratagema ideológico para galgar a destruição dos direitos sociais e trabalhistas. Quando diante das cíclicas crises do modo de produção capitalista, o arsenal de derruição das normas trabalhistas tem como batalhão de infantaria a Flexibilização e a Desregulamentação, sendo que o uso de um ou de outro vai depender sempre das correlações de forças entre capital e trabalho. Assim, a classe empresarial, por meio desses dois fenômenos, busca uma nova forma de regulamentação da relação empregatícia, diversa do parâmetro normativo vigente, como vereda para ampliar as vantagens, os ganhos e a lucratividade.

Os próprios vocábulos que nominam os dois fenômenos já trazem distinção conceitual significativa, o que reflete no conteúdo dos institutos. A Flexibilização, como definido anteriormente, tem por escopo tornar maleável o Direito do Trabalho frente às mutações econômicas e estruturais do modo de produção capitalista. Possui, portanto, um viés adaptativo do Direito Laboral, mas ainda assim, ele continuará como principal instrumento normativo a reger o contrato de trabalho, não havendo substituição por outro sistema normativo. A Desregulamentação possui um viés radical, posto ser o intuito desse fenômeno a derrogação total do ramo juslaboral, sua completa retirada do ordenamento jurídico. Desregular é não moderar a relação empregatícia através do Direito do Trabalho. Desta forma, a Desregulamentação pugna pela completa retirada do mundo jurídico do seu ramo especializado laboral, por considerá-lo um entrave ao desenvolvimento econômico.

Em relação à diferença entre esses dois fenômenos, Vólia Bomfim Cassar[23] tece a seguinte lição:

A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social.

Dessarte, o grau de intervenção sobre o ramo juslaboral é o que diferencia a Flexibilização da Desregulamentação. Nesta, o Direito Laboral é simplesmente descartado do ordenamento jurídico; naquela, a regulação das relações empregatícias continua a ser regida pelo Direito do trabalho, porém em patamar de garantias e direitos inferior ao modelo então vigente.

José Martins Catharino[24] faz percuciente análise sobre o tema em debate:

Flexibilizar não é desregular. É regular de modo diferente do que se acha regulado. Também, a "flexibilização" pode ser procedida sem que haja privatização, o que não exclui a possibilidade, de acordo com a ideologia do liberalismo econômico, de serem procedidas conjunta e simultaneamente privatização, "desregulação" e "flexibilização", constituindo elos de uma corrente com igual finalidade. Variável, também, o grau de "flexibilização", do mínimo ou máximo, podendo, por consequência, ser de pouca relevância, de alguma, ou até chegar perto de ruptura ou fratura de norma existente. Dando-se isto, ocorrerá "desregulação", com ou sem regulação substitutiva.

Esses dois processos de enfraquecimento do Direito do Trabalho são deletérios para a classe que vive do trabalho. A destruição ou diminuição da sindicalização do Direito Laboral sobre as relações de trabalho é um caminho para maior desigualdade social, para maior precarização das condições de trabalho, para maior subalternização do trabalhador, para maior incidência do assédio físico e moral no trabalho, para maior exploração da massa trabalhadora desempregada, enfim, a própria razão de ser desse ramo jurídico especializado fica relegada ao ostracismo, fato que culmina, em derradeiro ato, com a falência da regulação juslaboral.

O reflexo da Flexibilização e da ideologia ultraliberal sobre os países de capitalismo periférico, como o Brasil, é sentido com maior impacto em face da já precária (ou quase inexistente) política estatal de segurança social. E tanto a Flexibilização quanto a Desregulamentação tendem a se consolidar como pensamento hegemônico, sobretudo pela força econômica dos grandes conglomerados internacionais. Não havendo contraponto sólido a essas precarizantes medidas, a regulação entre capital e trabalho pode não mais ser realizada pelo Direito Laboral, pretensão maior da via desregulatória.

A plena vigência da desregulamentação trabalhista levará a um inevitável retorno ao passado (séculos XVIII e XIX), época em que as relações trabalhistas eram regidas pelo direito civil para entabulação dos contratos de trabalho (mera liberdade formal) ou pelo direito penal, francamente utilizado para coibir os movimentos operários reivindicatórios (consciência coletiva obreira). A Flexibilização, com seu falacioso discurso positivo (menos regulação trabalhista, mais crescimento econômico; em verdade, mais precarização, mais concentração de riqueza), é temerária como método de alteração das normas trabalhistas, uma vez que, a cada nova crise econômica, cíclicas que são no capitalismo, mais um passo é dado rumo à completa desregulamentação das relações empregatícias pelo Direito do Trabalho.

3.3 Princípio da Proteção: o instrumento primaz contra a flexibilização

  Do ser coletivo obreiro, das árduas lutas operárias e do renitente embate com o capital, surge a regulação das relações de trabalho pelo Direito Laboral, sendo esse mecanismo jurídico gestado dentro do próprio modo de produção socioeconômico capitalista. O ramo juslaboral já nasce protetivo e de matriz coletiva, com finalidade social premente. A proteção ao trabalhador é sua razão de ser, seu caráter tuitivo é o sinal de autenticidade de sua própria existência. O Direito do Trabalho somente se justifica como um microssistema jurídico porque se alicerça no Princípio da Proteção; sem ele, todo o edifício desse ramo especializado soçobrará.

A Flexibilização, atávica ao discurso ultraliberal, busca combalir a principal viga estruturante do Direito do Trabalho, o Princípio da Proteção. Nesse intuito, a intenção da classe que vive da exploração do trabalho humano é tornar o ramo juslaboral inerte, disforme, estéril; retirando qualquer possibilidade, por mínima que seja, de intervenção sobre o trabalho subordinado, núcleo da relação empregatícia. A lógica da Flexibilização é o recrudescimento da velha regulação das relações de trabalho pelo Direito comum, ou por qualquer outro instrumento jurídico que deixe livre a pactuação laboral, entre capital e trabalho. Anular o caráter tuitivo do Direito do Trabalho é desconfigurá-lo de tal sorte, que, em se concretizando essa atividade, nada mais haverá nesse ramo que justifique sua existência.

Lapidares são as palavras de Valdete Souto Severo[25] acerca da nuclear posição do Princípio da Proteção no Direito do Trabalho: 

A espinha dorsal do Direito do Trabalho é determinada pela noção de proteção ao trabalho humano. Aí encontramos a justificativa para a existência de regras que limitam a vontade, visando à proteção ao homem trabalhador. Se afastamos o princípio da proteção, já não estamos mais falando de Direito do Trabalho. É isso que precisa ser urgentemente reconhecido. E não se trata de uma constatação teórica. As decorrências práticas são inúmeras. Implica ao intérprete/aplicador a adoção de uma postura comprometida com a proteção ao trabalho humano, de sorte, a afastar ou aplicar as normas jurídicas de forma adequada.  

Nesse diapasão, o Direito do Trabalho, cuja expressão máxima se traduz na aplicação do Princípio da Proteção, não pode, através de seus operadores, sucumbir à insistente vulneração ideológica propalada pelo fenômeno flexibilizatório. É inobjetável que o Direito Laboral deva ser aplicado consoante sua finalidade (proteção ao trabalhador), pois, em assim não sendo, a sua desnaturação fatalmente levará a sua irrelevância, tornando-o prescindível na regulação das relações trabalhistas no sistema socioeconômico hegemônico. A reconstrução e  a reafirmação do Direito do Trabalho perpassam por veemente fortalecimento de seu pilar de sustentação (Princípio da Proteção), utilizando-o diuturnamente como ferramenta jurídica à derruição dos direitos trabalhista.

Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro[26] defende a adoção irrestrita do Princípio da Proteção como mecanismo necessário de combate à flexibilização:

A modificação do mundo do trabalho, com os contratos precários pelos quais se fragiliza a situação do trabalhador, e em que se destaca a redução dos empregos, torna mais premente a adoção do princípio da proteção. A própria história de sua formação e desenvolvimento mostra a preeminência que ele deve ter no momento de transformação das relações trabalhistas. Guarda, assim, o mesmo sentido de sua origem, diante de fatos similares. Então, no início da Revolução Industrial, o capitalismo se fortalecia para a acumulação que o caracteriza; hoje, no novo capitalismo, as formas de acumulação tornam desnecessários os empregos, tornando os trabalhadores descartáveis dentro de uma lógica igual à anterior, que é acentuada pela mobilidade e instantaneidade das relações. O princípio da proteção deve prosseguir no desempenho da finalidade de dotar o Direito do Trabalho de mecanismos que confiram ao trabalhador garantias e compensações por suas desigualdades econômicas e jurídicas. Ademais, o princípio protetor deve ser visto com um significado civilizatório, para fazer face à flexibilização contida na globalização, uma e outra adstritas aos aspectos econômicos.

O substrato civilizatório do Direito do Trabalho está visceralmente vinculado ao Princípio Tutelar, fato que o torna imprescindível para regulação das contínuas alterações nas relações de produção capitalistas, as quais eternamente se transmutam em busca de seu cultuado totem, o lucro desmesurado. Dessarte, o Princípio Tuitivo, confundindo-se com o próprio nascimento do Direito Laboral, deve ser plenamente materializado pelos operadores jurídicos do Direito do Trabalho, e de modo universal, contemplando tanto o âmbito coletivo quanto o individual, até porque, esse princípio rege esse ramo especializado como um todo.    

 4 MANIFESTAÇÕES DO FENÔMENO FLEXIBILIZATÓRIO NO SISTEMA JUSLABORAL BRASILEIRO

A Flexibilização sempre teve vasto campo de atuação no Direito do Trabalho brasileiro, sendo que em alguns momentos, foi vanguarda (às avessas) mundial na derruição de um ramo jurídico que nunca chegou a regular as relações de trabalho empregatícias de modo majoritário, e diversas são as razões para tal acontecimento por estas plagas. Omissão das instituições de regulação do trabalho na aplicação efetiva do Direito Laboral, cooptação dos operadores do ramo juslaboral pelo ideário ultraliberal, poderosa influência do poder econômico nas políticas sociotrabalhistas estatais e flexibilização normativa do direito do trabalho são alguns dos exemplos da parca disseminação e aplicabilidade do Direito do Trabalho nas relações laborais brasileiras.

Um dos efeitos da limitada efetividade do ramo juslaboral no Brasil é o tenebroso cenário de imensas divergências sociais que permeiam toda a história brasileira. O país segue sendo uma das mais desiguais nações do mundo, embora figure entre as maiores economias globais. O Direito do Trabalho, dentro de suas inúmeras funções, mesmo sendo produto do capitalismo, é um mecanismo promotor de melhorias sociais e econômicas da classe que vive do trabalho. Esse microssistema jurídico nunca foi entrave para o desenvolvimento econômico, mas por escopo, tende a evitar a exploração bárbara da classe trabalhadora, limitando os ditames da atuação da classe empresarial, sem romper com a dinâmica do sistema capitalista, por não ser esse seu desiderato, visto ter origem nesse modo de produção econômico, o que, em última digressão, acaba por legitimá-lo.

Tecido esse curto prólogo, neste crepuscular tópico do trabalho, o foco será discorrer sobre as manifestações práticas do fenômeno da flexibilização no conjunto normativo trabalhista brasileiro. Haverá uma abordagem panorâmica, em ordem cronológica, dos principais instrumentos legais de nítido viés flexibilizatório que foram inseridos no ordenamento trabalhista nacional. O desvelar do processo flexibilizatório no Direito do Trabalho pátrio se iniciará pelo primeiro grande cisma no arcabouço protetivo juslaboral, fato que ocorreu com a implantação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que deu o crucial pontapé para a derrocada do instituto da estabilidade decenal então previsto na CLT. Desse modo, o corte temporal desse trabalho será o final da década de sessenta do século XX, com trânsito até os dias atuais, cujo ápice, foram as profundas alterações legislativas no ordenamento juslaboral brasileiro trazidas pelas Leis nº 13.429/2017, nº 13.467/2017 e nº 13.874/2019.

4.1 FGTS: o princípio da Flexibilização

A gênese do processo flexibilizatório das normas justrabalhistas brasileiras se deu com a implantação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ao fim da década de 1960, colocando o Brasil como pioneiro na precarização da normatização dos contratos de trabalho. A quebra da institucionalidade democrática no ano de 1964 pelo regime militar, afora implementar forte repressão às coletividades obreiras e às suas organizações de classe, foi responsável pelo primeiro grande instrumento legislativo de Flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil, a Lei n. 5.107/66, que passou a ter vigência no alvorecer de 1967. Com a criação do FGTS, a estabilidade decenal regulada pela CLT foi fissurada de maneira indelével consoante demonstra a história da precarização normativa em nosso país.   

Acerca do surgimento da primeira lei com viés fortemente precarizante no ordenamento jurídico nacional, Maurício Godinho Delgado[27] tece precisa lição:

No que tange ao Brasil, por fim, o cumprimento de uma estratégia em busca de um modelo desregulado de mercado de trabalho tem seu início com o advento do regime militar, em meados dos anos 1960. Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei n. 5.107/66, vigorante a partir de 1967, se estabelece sistemática alternativa à regulada pela CLT, de modo a tornar a dispensa do trabalhador inquestionável direito potestativo do empregador, sem amarras legais e institucionais relevantes (em contraste com a sistemática legal precedente, que previa alta indenização por tempo de serviço e, desde os dez anos de emprego, a própria estabilidade).

Em momento magistral de sua obra, José Martins Catharino[28] veicula acerbada e visceral crítica contra o novo modelo de regulação dos contratos de trabalho por meio do FGTS. As palavras são de lucidez ímpar:

Engenhosamente e ardilosamente concebido por economistas liberais – hoje seriam chamados de “neoliberais”, seus autores procuraram “matar dois coelhos com uma só cajadada”. Acabar com a estabilidade, como meio de atrair capitais para arrancada do desenvolvimento econômico, principalmente estrangeiro, e para, acumulando recursos financeiros, atacar o problema da habitação. Combatido unanimemente por inconstitucional, pois a Constituição vigente então – a de 1946 – assegurava o direito à estabilidade, seus genitores inventaram um expediente visando fintar sua inconstitucionalidade. O ardil encontrado foi a opção, formalmente concedida ao empregado, sem que a intenção originária, de acabar a estabilidade, fosse consideravelmente afetada.

A Lei n. 5.107/66, originariamente, estabeleceu em seu primeiro artigo a possibilidade de opção aos empregados, dentro do prazo então definido, de escolherem aderir ao novo regime fundiário ou ficarem na regência do regime de estabilidade decenal celetista. No pragmatismo das relações laborais cotidianas, essa opção foi uma verdadeira falácia, já que os trabalhadores nunca tiveram liberdade para tal eleição, sendo imposto pela classe empresarial o novo regime do FGTS como condição para contratação dos novos empregados ou para manutenção dos vínculos vigentes.

Outro mecanismo jurídico descortinado pelo regime do FGTS foi a plenitude do exercício do direito potestativo do empregador de extinguir o contrato de trabalho ao seu alvedrio e sem qualquer justificativa, situação que elevou o patamar de subordinação e de submissão do empregado aos desígnios do poder empresarial. Wilson Ramos Filho[29] faz interessante e aprofundada análise em face do advento do FGTS no Direito Laboral brasileiro:

Desde então, no Direito brasileiro, ao contrário do que vige em inúmeros outros países com desenvolvimento econômico similar, os empregadores passaram a deter o direito potestativo, de unilateralmente, dar por terminadas relações de emprego sem necessidade de qualquer fundamentação ou justificativa. Essa potestade, esse poder empresarial regulado pelo Direito Capitalista do Trabalho, para além de permitir enorme flexibilidade ao sistema de garantias trabalhistas inerentes a relações de emprego, teria a "virtude" de possibilitar maior controle e disciplina da classe trabalhadora, induzindo submissões diversas. Desde então, o controle, a disciplina e a submissão típicos dos modos de gestão tayloristas e fayolistas, inerentes à sociedade disciplinar que caracteriza o modo de produção capitalista, serão assegurados não mais por intermédio da adesão voluntária a um modo de produção legitimado pelas "promessas fordistas" ou pela "recompensa" depois de dez anos de labor ao mesmo empregador, mas pela ameaça constante de dispensa dos que ousem se contrapor à ordem capitalista imposta ou à tirania do poder subordinante nas relações de trabalho individuais.

Anteriormente ao sistema do FGTS, o Direito do Trabalho albergava unicamente o instituto da estabilidade, que se perfazia após a prestação de serviços pelo empregado ao mesmo empregador, num período contínuo de uma década. Esse instituto justrabalhista teve ascensão no Brasil em 1923 com a Lei Eloy Chaves, porém de âmbito bem restrito (somente aos ferroviários). Em 1935, a estabilidade foi estendida à categoria dos obreiros do comércio e da indústria. Em 1943, a CLT amplia a estabilidade decenal a todos os empregados urbanos. Nas Cartas Constitucionais outorgadas no período do golpe militar, a estabilidade passou a partilhar sua existência com o sistema do fundo de garantia, já institucionalizado em legislação infraconstitucional, como susomencionado.  Em 1988, a Carta Magna então promulgada garante o FGTS como direito universal dos trabalhadores do Brasil, sacramentando a extirpação da estabilidade decenal do sistema juslaboral pátrio. Dessarte, o FGTS foi a pedra fundamental do início do processo de flexibilização das normas trabalhistas, colocando o Direito do Trabalho, desde então, à reboque das políticas econômicas ultraliberais.    

4.2 Lei n. 6.019/74: o início da mercantilização da pessoa trabalhadora

O segundo momento de grande impacto do fenômeno da Flexibilização juslaboral no Direito brasileiro ocorreu com o advento da Lei n. 6.019/74, então conhecida como lei do trabalho temporário. Através desse diploma normativo foram abertas as portas do mundo do trabalho no Brasil para a terceirização das relações de trabalho no setor privado, já que no serviço público essa possibilidade foi adernada com a entrada em vigor do Decreto n. 200/67, que estabeleceu em seu art. 6º, como um dos fundamentos a ser obedecidos pela administração pública, o princípio da descentralização (leia-se: terceirização, conforme foi explicitado no art. 10 deste mesmo decreto).

   O art. 4º do texto original da Lei 6.019/74 trazia o seguinte conceito de empresa de trabalho temporário: "compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos". Dessa definição legal, extrai-se o terceiro interveniente na relação de trabalho entre empregador e empregado, o mero intermediador de "mão de obra", um terceiro que vai lucrar somente com a venda da força de trabalho do obreiro, sem qualquer efeito produtivo no sistema econômico, a não ser mais espoliação da classe que vive do trabalho.  Estava, assim, talhado o pernicioso caminho normativo para o precarizante mecanismo da terceirização no ordenamento nacional.  

Mauricio Godinho Delgado[30] discorre em renomada obra sobre a quebra da clássica relação bilateral empregatícia com a chegada da Lei do trabalho temporário:

O modelo terceirizante da Lei n. 6.019/74 produziu, indubitavelmente, uma inflexão no sistema trabalhista do país, já que contrapunha à clássica relação bilateral (própria à CLT) uma nova relação trilateral de prestação laborativa, dissociando o fato do trabalho do vínculo jurídico que lhe seria inerente. Contudo, ainda assim tal inflexão foi limitada, uma vez que a fórmula do trabalho temporário não autorizava a terceirização, permanente, produzindo efeitos transitórios no tempo.   

      

Vê-se que o texto primitivo do art. 2º da Lei do trabalho temporário assim definia essa modalidade contratual: "Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços”. A transgressão empresarial da restrição imposta legalmente para o trabalho temporário foi a tônica no mundo do trabalho brasileiro, sendo, portanto, a lei do trabalho temporário, em boa parte, reflexo da disseminação da nefasta terceirização nas relações de trabalho no país.

A regência terceirizante dessa lei que se restringia a duas hipóteses, no decorrer dos anos, vai gradativamente se ampliando, seja por meio das práticas empresarias à revelia da ordem juslaboral, seja através de novas leis e regulações jurisprudenciais como se verá adiante neste tópico. Dessarte, a lei do trabalho temporário foi a segunda grande fissura no arcabouço protetivo do Direito Laboral pátrio, em face da inserção e início da legitimação normativa da terceirização nas relações empregatícias brasileiras.

4.3 Lei n. 7.102/83: a mercantilização do trabalhador se amplia  

No início da década de 1980, a terceirização (processo de nítido caráter flexibilizatório) introduzida no Brasil com a lei de trabalho temporário, cuja aplicação e regulação normativa eram de caráter temporal transitório, passa a ter caráter duradouro com a vigência da Lei n. 7.102/83; porém, ainda de aplicação restrita ao setor de vigilância bancária (vigilância ostensiva e o transporte de valores). O fato inusitado dessa lei é justamente ampliar a terceirização nas relações de trabalho de forma permanente, constante, definitiva; embora, vinculada inicialmente a apenas um setor econômico.

Dessa forma, o processo de terceirização vai paulatinamente galgando espaço nas relações de trabalho brasileiras. Mais um passo para o alargamento da terceirização é dado em 1994, com a entrada em vigor da Lei n. 8.863, que, alterando a Lei 7.102/83, amplia o rol de atividades econômicas em que pode ser realizada a intermediação de "mão de obra". Além das atividades anteriores, a Lei n. 7.102/83, alterada pela Lei n. 8.863/94, passa a possibilitar a terceirização permanente na vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas.

4.4 Constituição de 1988: ambiguidades no diploma magno

Indubitavelmente, a Carta Magna de 1988 é o arquétipo normativo de planificação de um Estado Democrático e Social de Direito, ao menos na originalidade de seu texto. Jamais uma Constituição no Brasil alçou com tamanha importância a ideia de coletividade sobrepondo-se ao individualismo que norteava as pretéritas cartas. O rol de direitos fundamentais e sociais é digno de uma sociedade que se pretende menos desigual, mais harmônica, menos individualista, mais próspera, e, sobretudo, substancialmente democrática. E dentro desse intuito de construção de uma nação baseada no primado da dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, o Direito Laboral ganhou destaque inédito no ordenamento constitucional brasileiro.

Embora todas as loas que possam ser feitas à Constituição de 1988, essa carta política fundamental possui ínsitas contradições, inclusive na temática trabalhista. Além disso, o substrato político e ideológico da Flexibilização, que já vinha desde a década de 1960 permeando o Direito do Trabalho, deixou suas marcas nessa Carta. Mais uma vez, Maurício Godinho Delgado[31], em sua obra seminal, traça um panorama interessante desse período:

A transição democrática no Brasil realizou-se, porém, em meio a profunda crise cultural, caracterizada pela incorporação no país, na década de 1990, de linhas de pensamento que propugnavam pela diminuição da intervenção estatal, inclusive normativa, na economia e na sociedade. Essa vertente ideológica defendia a desregulamentação acentuada das relações econômicas e sociais, inclusive na seara do Direito do Trabalho, que deveria, em consequência, criar instrumentos para a mais franca desconstrução ou flexibilização de suas regras jurídicas. De fato, logo após o surgimento da Constituição de 1988, fortaleceu-se no país, no âmbito oficial e nos meios privados de formação de opinião pública, um pensamento estratégico direcionado à total desarticulação das normas trabalhistas, com a direta e indireta redução dos direitos e garantias laborais. Ou seja, mal se iniciara a transição democrática do Direito do Trabalho (já guardando, em si mesma, algumas contradições), a ela se acoplava uma proposta de desarticulação radical desse ramo jurídico especializado. Nesse quadro, a maturação do processo democratizante comprometia-se em face do assédio da proposta extremada de pura e simples desarticulação de todo o ramo jurídico protetivo.

 Dessarte, assim como o Direito, toda Constituição é um objeto cultural, fruto das correlações intersubjetivas humanas, permeado pelos condicionamentos históricos, econômicos, políticos e sociais. A Constituição de 1988 é reflexo das desigualdades socioeconômicas e do embate político entre as classes sociais que tiveram voz na Assembleia Constituinte, situação que decalcou divergências conceituais e jurídicas no texto final.

Nessa toada, a inserção da Flexibilização trabalhista na Carta Magna, mostrou o quão contraditória é a sociedade brasileira e o quanto a classe empresarial é ávida na manutenção de seus históricos privilégios, não aceitando a regência jurídica de basilares instrumentos, cujo objetivo concreto é viabilizar uma nação menos injusta. Exemplos do fenômeno flexibilizatório no âmbito juslaboral na Constituição de 1988 são: vinculação da proteção da relação de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa à legislação complementar (art. 7º, inciso I); tangibilidade redutora salarial por meio de negociação coletiva (art. 7º, inciso VI); descaracterização remuneratória da participação nos lucros e resultados (art. 7º, inciso XI); possibilidade de compensação da jornada laboral por negociação coletiva (art. 7º, inciso XIII); possibilidade de ampliação dos perniciosos turnos ininterruptos de revezamento para além da seis horas por negociação coletiva (art. 7º, inciso XIV); e, estabelecimento de prazos prescricionais para as demandas trabalhistas, em face da ausência de qualquer limitação ao direito potestativo do empregador de resilir o contrato de trabalho sem justo motivo ou arbitrariamente (art. 7º, inciso XXIX).      

          

4.5 Súmula 331: a alta corte trabalhista capitula  

No início da década de 1990, o ideário neoliberal torna-se hegemônico nas políticas econômicas estatais. Privatizações, deterioração dos serviços públicos, desemprego em massa, reformas constitucionais antissociais, e, nesse bojo, o Direito do Trabalho no Brasil não passou incólume, sendo duramente golpeado. A insensatez do fenômeno flexibilizatório que passo a passo vinha deteriorando a regulação dos contratos de trabalho, desde o fim da década de 1960, ganha novo influxo nos últimos dois lustros do século XX. A terceirização que até o ano de 1993 não possuía autorização ou regulamentação legal ampla, exceção feita às Leis n. 6.019/73 e n. 7.102/83 (de restrita atuação), passa a ter o aval do poder judiciário trabalhista, por meio de sua alta corte, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O TST adotava posição contrária à terceirização, vide a edição da Súmula n. 256 de 1986, cujo texto original era: "Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços". No entanto, sucumbindo à onda precarizante das políticas ultraliberais, o TST chancela a adoção da terceirização em patamar jamais vivenciado no ordenamento juslaboral com a edição, em 1993, da Súmula n. 331, cujo teor original era: "I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art.37, II, da Constituição da República). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.  
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial".   

O que de fato ocorreu com a edição da súmula 331 pelo TST em 1993 foi a regulamentação da terceirização no país (súmula com conteúdo material de lei), que até então, em regra, era ilícita, e, continuou sendo até ano de 2017, com a normatização pelo legislador pátrio. Nesse caso, o TST, usurpando o poder legislativo, e de modo inconstitucional, legislou de forma extremamente repulsiva, alimentando a chama da Flexibilização das relações laborais.     

4.6 Lei n. 9.601/98: a flexibilização escancarada

                   

      Essa lei, quiçá, seja a expressão mais bem acabada da hegemonia liberalizante que grassava escancaradamente durante toda a década de 1990. O teor precarizante da lei congraça com o fenômeno da flexibilização juslaboral, tão premente naquela quadra. Ela introduziu no sistema normativo trabalhista um novo contrato laboral por tempo determinado, distinto da regulação celetista estampada no art. 443 (portanto, não havia vacuidade legislativa sobre a matéria em questão - contratos a termo), e com garantias e direitos aos trabalhadores em patamares bem inferiores aos então previstos à época. Como exemplo da redução de direitos e fragilidade na regulação contratual, tem-se: não aplicação a este novo contrato a termo dos arts. 451, 479 e 480, todos da CLT; e, redução da alíquota do FGTS para dois por cento. Um verdadeiro "presente" à classe empresarial dado pelo Estado brasileiro, sempre tão solícito aos petitórios da classe que vive da compra do trabalho humano.

Outra inovação deletéria para o Direito do Trabalho introduzida pela Lei n. 9.601/98, cuja pertinência temática nada tinha a ver com o contrato a termo ali regulado, foi a alteração do art. 59 da CLT, que passou a permitir a compensação da jornada extraordinária com diminuição do labor em outro dia. Essa figura jurídica ficou conhecida no meio laboral como "banco de horas", nome bem apropriado ao momento de mercantilização do trabalho humano tão em voga naquele período (que recrudesceu de forma veemente nos dias de hoje). Assim, essa lei, apesar de enxuta em número de artigos, tem um conteúdo extremamente flexibilizatório. A atual redação do art. 59 da CLT é decorrente da Medida Provisória n. 2.164/2001, que veio flexibilizar ainda mais a regulação do banco de horas, dilatando a possibilidade de compensação pelo empregador para o período de um ano.  

Wilson Ramos Filho[32] traz uma análise interessante sobre a perda de renda do trabalhador com a implantação do banco de horas e a infração à Constituição de 1988 com a entrada em vigor desse regime de compensação:

De fato, a indisfarçada tentativa de transferir renda da classe trabalhadora (até então assegurada pela legislação trabalhista brasileira, aos empregados que trabalhassem em sobrejornada) para a classe empresarial (concedendo-lhe o prazo de até um ano para quitar, mediante compensação, as horas extras devidas, e sem os respectivos adicionais) terminou por estabelecer obstáculos ao estabelecimento dos direitos humanos positivados pela Constituição em vigor, como direitos fundamentais: seja aquele que fixa a jornada em oito horas, seja o que prevê o percentual de 50% para as horas extraordinárias.

       

4.7 Lei n. 13.429/2017: a mercantilização do trabalhador chega a seu extremo

O ano de 2017 ficará demarcado como o ponto de maior inflexão nos rumos do Direito do Trabalho no Brasil, isto, em decorrência de dois diplomas normativos aprovados no ano em curso, a Lei n. 13.429/2017 e a de n. 13.467/2017. A primeira, que será tratada nesse tópico, radicaliza a precarização das relações empregatícias por meio da plena e irrestrita utilização da terceirização em todos os âmbitos da atividade empresarial; a segunda, flerta com a própria derruição dos direitos laborais, tamanho é o impacto deformador sobre a Consolidação das Leis do Trabalho, alterando, profunda e negativamente, mais de cem artigos do principal instrumento infraconstitucional do ramo juslaboral pátrio. Nunca, na história brasileira, a CLT passou por tão flagrante processo de descaracterização de seu espírito normativo, a ponto de fulminá-la ao ocaso, destruindo o já tão mínimo arnês protetor das relações empregatícias. O fenômeno da Flexibilização chega a seu ápice no Brasil.  

A volúpia com a precarização das relações de trabalho no país vem coroar o fenômeno da flexibilização de forma tão avassaladora que a desregulamentação começa a despontar como o eldorado das classes empresariais. A correlação das forças sociais fez com que as políticas ultraliberais galgassem os espaços políticos no Estado Brasileiro, sendo a tentativa de destruição do Direito Laboral a maior expressão desse momento histórico, cujo objetivo principal é relegar esse mecanismo jurídico de regulação da relação capital e trabalho à completa irrelevância.

A Lei n. 6.019/1974, um dos marcos da Flexibilização no Brasil e primeiro alicerce da terceirização, tratada no tópico 4.2 supra, passou por forte alteração do seu texto normativo através da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, agregando a figura jurídica da empresa prestadora de serviços a terceiros, ou seja, regulamentou a prática deletéria da terceirização, instrumento de precarização por excelência, cujos efeitos são nefastos ao mundo do trabalho. A respeito da terceirização, é de imenso valor, transcrever a lição do juslaboralista brasileiro Márcio Túlio Viana[33], um especialista na temática da terceirização, em obra que já aborda a Lei n. 13.429/2017:

Assim, como dizíamos, ela se insere numa estratégia de largo espectro, e não apenas sob o prisma econômico, mas nas dimensões ética, filosófica e política. É uma das formas mais potentes - e ao mesmo tempo mais sutis - de semear o caos no Direito do Trabalho, subvertendo os seus princípios e corroendo os seus alicerces. E é também assim que o Direito do Trabalho vai perdendo o seu próprio paradoxo, que lhe permitiu ser útil ao trabalhador mesmo servindo ao sistema. Passa a servir apenas ao capital - ou pelo menos vai avançando bem mais nessa direção do que na outra. Coloca-se em xeque não só sua existência, mas sua essência, ou a metade dela. Algumas pessoas - mesmo bem-intencionadas - distinguem a boa da má terceirização, na medida em que uma empresa cumpre ou não suas obrigações trabalhistas. Mas a distinção vê apenas a superfície - sem questionar o fundo. Na verdade, não se trata de saber se há ou não fraudes, mas de concluir que a terceirização é uma fraude. Falar em "terceirização fraudulenta" é redundante.

Nessa vereda, a Lei n. 13.429/2017 institucionalizou a terceirização em âmbito normativo com o acréscimo do art. 4º-A à Lei n. 6.019/1973, cuja redação é a seguinte: "Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. § 1o  A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. § 2o  Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”. Entretanto, como a redação propiciada pela Lei n. 13.429/2017 ainda poderia impossibilitar a terceirização geral e irrestrita, sobretudo nas atividades-fim das empresas, permanecendo então inalterada a regência da terceirização sob os auspícios da Súmula 331 do TST, ou seja, condicionando a adoção da terceirização em face dos critérios de atividade-meio e atividade-fim da atividade produtiva empresarial, houve açodada busca por novo texto do art. 4º-A, fato concretizado pela Lei n. 13.467/2017, nominada pelo epíteto de "reforma trabalhista". Enfim, mais um presente à classe empresarial, a terceirização em atividade-fim legalizada e sem equivalência remuneratória.

O art. 4º-A da Lei n. 6.019/1973 passa a ter a seguinte redação por força da Lei n. 13.467/2017: "Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução". Com esse texto normativo, de preclaro teor flexibilizatório, o ciclo da terceirização atraca em seu zênite, encerrando um longo caminho, iniciado no nebuloso ano de 1974.

4.8 Lei n. 13.467/2017: o paroxismo da flexibilização

            Em 13 julho de 2017 adentra ao ordenamento justrabalhista brasileiro a obra prima do fenômeno da flexibilização, forjada na mais completa linha ideológica ultraliberal. Com vacatio legis de 120 dias, a Lei n. 13.467/2017 veio incensada com o fetiche de ser a modernização da legislação trabalhista, em consonância com o renitente discurso do envelhecimento do Direito do Trabalho e propalada como panaceia para resolução do enorme desemprego atual. Esse discurso de combate ao desemprego sempre foi estratégico para os arautos do modo de produção capitalista em momentos de crise do sistema, pois, inevitavelmente, serve para a implantação de políticas ultraliberais restritivas de direitos, aproveitando-se do impacto social que o desemprego gera no mundo do trabalho, notadamente, para a classe que vive da venda da força laboral.

            Em ocasiões de crise, a exemplo da quadra atual, o capitalismo se reorganiza para continuar sua eterna acumulação financeira. Nessa toada, o Direito do Trabalho volta à ribalta para ser execrado como mecanismo de regulação da relação capital e trabalho, em publicidade tão avassaladora que mesmo as organizações sociais trabalhistas ficam acuadas e deixam de protagonizar a reversão política desse discurso. A partir de 2015, o Brasil passa a vivenciar uma crise socioeconômica de extrema gravidade, fato que se reflete nas relações sociotrabalhistas, desaguando em 2017 como o momento de maior flexibilização ou mesmo desregulação do Direito do Trabalho. Jamais o Direito laboral brasileiro foi tão golpeado como nesse átimo histórico. A tal reforma trabalhista é de magnitude tão ampla, que foge ao escopo deste trabalho, sendo necessário um estudo específico e aprofundado apenas sobre esta lei, já que as repercussões abrangem institutos jurídicos do Direito material e processual do trabalho. Aqui serão pincelados os principais impactos sobre os institutos juslaborais do Direito Material do Trabalho advindos com a aprovação da Lei n. 13.467/2017, e que possuem escancarada face flexibilizatória, sendo que, em alguns pontos desta dita reforma, a desregulamentação mostra sua pérfida cara. Antes, merece transcrição, acerca da hodierna conjuntura social, política e econômica da sociedade brasileira, a lição de Maurício Godinho Delgado[34], que tão bem descortina os meandros do mundo do trabalho nacional: 

De todo modo, com o novo governo instaurado logo a seguir, desde 12 de maio de 2016, é que a política pública recessiva se generalizou e se aprofundou, passando a implementar, praticamente, todos os pontos da agenda e ideário ultraliberalistas provindos dos anos de 1990 no País, além de incrementados pelo pensamento neoconservador ao longo do tempo. A recidiva da regressão antissocial ultraliberalista no Direito do Trabalho brasileira recebia o impactante e uníssono suporte ideológico dos grandes meios de comunicações de massa do Brasil (televisões, rádios, jornais e revistas), atuando em concertação disciplinada e aguda no sentido do desprestígio de todo o Direito Social (Direito da Seguridade e Direito do Trabalho) e de suas instituições públicas e privadas específicas mais relevantes. A essa blitzkrieg impressionante e avassaladora somaram-se interpretações jurídicas relativamente novas, provindas de decisões judiciais de grave impacto. Tais interpretações jurídicas perfilavam-se, infelizmente, na linha de desconstrução dos direitos individuais e sociais trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana, além da desconstrução da matriz humanística e social da Constituição da República Federativa do Brasil, com seus vários e importantes princípios humanísticos e sociais, conhecidos na doutrina pelo epíteto de princípios constitucionais do trabalho - os quais passaram a ser repetidamente negligenciados. Essa retomada da regressão ultraliberalista no Direito do Trabalho brasileiro, dentro de um quadro caracterizado por políticas públicas assumidamente antissociais, lamentavelmente aponta para o alargamento do fosso da desigualdade social no País, com o rebaixamento inevitável do valor trabalho e o impulso à concentração de riqueza na economia e na sociedade.

O elenco deformador da Lei n. 13.467/2017 sobre a CLT é tão significativo, com modificação sobre mais de cem dispositivos, que aqui serão indicadas as mais relevantes e impactantes alterações. Os institutos juslaborais do Direito Material do Trabalho atingidos, entre tantos, são: 1- Extirpação das horas in itenere, suprimindo valores salariais até então integrados à jornada obreira; 2 - Supressão do intervalo intrajornada de quinze minutos para as mulheres em caso de prorrogação da jornada ordinária, medida deletéria à segurança e saúde ocupacional; 3- Restrição do conceito de grupo econômico, dificultando a sua caracterização; 4 - Possibilidade de divisão das férias em três períodos, prejudicando o lazer anual e efetiva desconexão nas relações sociais de trabalho; 5 - Implantação do banco de horas por mero acordo individual escrito a ser compensado em até seis meses, intensificando a jornada extraordinária sem a necessária correspondência financeira ou a correta concessão em folgas; 6 - Eliminação da obrigatoriedade da assistência sindical ou de autoridade do Ministério do Trabalho no ato da homologação da rescisão contratual ou na demissão em relação aos vínculos empregatícios com mais de um ano de vigência, prejudicando o acesso do trabalhador a algum tipo de assistência ou apuração de alguma irregularidade nas verbas rescisórias devidas por um terceiro diverso da relação empregatícia; 7 - Supressão do caráter salarial quando houver irregularidade na concessão do intervalo intrajornada, com indenização apenas do período suprimido, em clara subversão à proteção salarial garantida pelo Direito do Trabalho; 8 - Implementação da inconstitucional jornada 12x36 por mero acordo individual escrito entre empregador e empregado, com indenização do intervalo intrajornada, supressão de gozo dos feriados e não quitação das prorrogações da jornada noturna; 9 - Adoção do precaríssimo contrato de trabalho intermitente, com ampliação da subordinação obreira, pondo o trabalhador em situação de extrema submissão aos arbítrios empresariais e passando também o empregado a partilhar os riscos da atividade empresarial, em completa inversão dos valores protecionistas preconizados pelo Direito Laboral; 10 - Regulamentação do teletrabalho de maneira precarizante, excluindo o direito a horas extras, intervalos, hora noturna e respectivo adicional; 11 - Restrição do conceito juslaboral para equiparação salarial (empregados contemporâneos e do mesmo estabelecimento empresarial), com implantação de dois novos requisitos delimitadores, diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador inferior a quatro anos e dispensa da homologação do quadro de carreira pelo Ministério do trabalho; 12 - Eliminação da estabilidade financeira pelo exercício da função de confiança mesmo após dez anos na atividade, levando a perda da gratificação ao exercente da função que retornar ao cargo efetivo; 13 - Estabelecimento de patamares financeiros (tarifação) para indenização por dano moral, parametrizando os valores de acordo  com o salário contratual, em verdadeira violação à igualdade substancial da pessoa trabalhadora; 14 - Descaracterização salarial de prêmios e gratificações contratuais ou espontâneas, em franca transferência de renda dos obreiros à classe empregadora, situação similar às enumeradas nos itens 11 a 13; 15 - Extrema restrição do conceito de tempo à disposição do empregador, em flagrante prejuízo aos obreiros, ainda quando extrapolar as variações no registro de ponto os cinco minutos diários previstos na própria CLT; 16 - Dispensa de licença prévia da autoridade competente para as jornadas de 12x36 nas atividades insalubres, em prejuízo flagrante à segurança e à saúde ocupacional dos empregados albergados constitucionalmente; 17 - Afastamento do labor em atividades insalubres de grau médio ou mínimo para as empregadas gestantes condicionadas a apresentação de atestado de saúde, quando na redação anterior da CLT bastava a presença da atividade insalubre em qualquer grau para o devido afastamento. Mais uma vez a "reforma trabalhista" desconsidera os mínimos cuidados com a higiene, saúde e segurança ocupacionais, com o agravante de prejudicar não só a trabalhadora, mas também seu descendente em gestação; 18 - Afastamento da empregada lactante de atividades insalubres, em qualquer grau (inclusive grau máximo), condicionada a apresentação de atestado de saúde. Desrespeito completo à saúde da mulher trabalhadora e do seu descendente; 19 - Regulamentação do termo anual de quitação de obrigações trabalhistas, um caminho aberto para possíveis fraudes trabalhistas, em face da exígua força e da precária estrutura sindical da grande maioria dos obreiros no Brasil; e, 20 - Prevalência do negociado em instrumento coletivo de trabalho sobre o legislado nas matérias elencadas no art. 611-A da CLT, com ampla flexibilização do Direito do Trabalho e em franco prejuízo aos trabalhadores, ainda mais em momento de desemprego galopante e diante da fragilidade histórica das organizações sindicais brasileiras. A redação do parágrafo único do artigo a pouco citado chega ao paradoxo de desconsiderar a própria ciência médica, desconsiderando que a duração do trabalho e respectivos intervalos sejam caracterizados como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. O legislador reformista chegou ao descalabro de querer derrogar um fato da natureza fisiológica humana. Essa é a "reforma trabalhista", uma ponte para o pretérito do mundo da regulação entre capital e trabalho no Brasil.

4.9 Lei n. 13.874/2019: a senda da flexibilização no veio da "Liberdade Econômica"

            Depois de um ano e cinco meses da entrada em vigor da denominada “Reforma Trabalhista”, no dia 30 de abril de 2019, os impactos do novo regime jurídico laboral na geração de empregos e no fomento da economia se mostravam inexpressivos. Não obstante, foi produzido e imposto por meio de uma medida provisória (Medida Provisória número 881) um novo conjunto supressões de direitos trabalhistas, novamente sob o argumento de fomentar a economia.

            A mencionada medida provisória tramitou nas casas do Congresso Nacional e recebeu, por iniciativas parlamentares representantes do Capital e do Sistema Financeiro, imensa quantidade de propostas de emendas com novas e graves supressões trabalhistas, o que lhe valeu nos meios midiáticos, a alcunha de “mini reforma trabalhistas” ou “nova reforma trabalhista”. As iniciativas passavam da supressão do direito de coincidência do repouso semanal remunerado com o domingo até a autorização para trabalho dos empregados bancários aos finais de semana. Depois do desgaste político natural, algumas das eliminações de garantias aos trabalhadores foram suprimidas do texto legal e a medida provisória foi convertida em lei cujo teor foi sancionado em 20 de setembro de 2019 e será explorado de modo perfunctório no presente trabalho.

Diz o artigo inicial do no diploma legal:

Art. 1º  Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

§ 1º  O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.

§ 2º  Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.

            Novamente, partindo-se do pressuposto de que a mera existência de legislação regulatória mínima que garanta aos trabalhadores condições de trabalho dignas dificulta e atrapalha a geração de empregos, foram suprimidos direitos trabalhistas em nova e grave mutilação da Consolidação da Leis Trabalhistas. A seguir, de modo bastante resumido e superficial, serão apresentadas as novas alterações legais trabalhistas levadas a cabo pela lei da “liberdade econômica”. Abaixo está transcrito o artigo 15 da mencionada lei, que é dedicado exclusivamente às alterações na CLT.

Art. 15.  A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:    

            Para fins didáticos as alterações juslaborais da nova lei foram divididas em 04 (quatro) campos, todos com impactos relevantes nas relações trabalhistas: definição e exclusão de obrigações para empresas de baixo risco, alterações na emissão e registro na Carteira de Trabalho, mudanças no sistema de controle de jornadas dos empregados e restrição da desconstituição da personalidade jurídica das empresas para cumprimento de obrigações laborais.

            Como já foi adiantado, a alteração legal traz à baila uma nova definição normativa, a de “atividade de baixo risco”. Tal atividade, que ainda carece de regulamentação infralegal, passa a tratar de modo diferenciado, para fins de obrigações trabalhistas e outras, atividades empresariais que não sejam revestidas de periculosidade, insalubridade e que não exponham os empregados aos riscos físicos, químicos, biológicos e de acidentes de trabalho nos ambientes laborais.

Para empregadores que atuem em atividade de baixo risco a lei estabelece que serão dispensadas quaisquer atos públicos para liberação de atividade econômica.

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

Os impactos trabalhistas, particularmente nas matérias de saúde e segurança do trabalhador já foram sentidos mesmo antes da conversão da Medida Provisória em Lei. Em julho de 2019, a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho alterou, por meio de portaria, a redação da Norma Regulamentadora NR. 1 (Disposições Gerais).

Tal normativo passa a considerar como de baixo risco as atividades econômicas empreendidas por microempresas e empresas de pequeno porte de graus de risco 1 e 2 (previstos na Norma Regulamentadores n.º 04 - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT que, aparentemente, servirá de paradigma para definir atividade de baixo risco até emissão de norma específica) as quais ficarão dispensadas de elaborar os programas de prevenção de riscos ambientais e os programas de controle médico de saúde ocupacional conforme o texto da norma.

1.7.1 O MEI, a ME e a EPP, graus de risco 1 e 2, que declararem as informações digitais na forma do subitem 1.5.1 e não possuírem riscos químicos, físicos e biológicos, ficarão dispensados de elaboração do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA.

1.7.1.1 As informações digitais de segurança e saúde no trabalho declaradas devem ser divulgadas junto aos trabalhadores.

1.7.2 O MEI, a ME e a EPP, graus de risco 1 e 2, que declararem as informações digitais na forma do subitem 1.5.1 e não possuírem riscos químicos, físicos, biológicos e ergonômicos, ficarão dispensados de elaboração do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO.

1.7.2.1 A dispensa do PCMSO não desobriga a empresa da realização dos exames médicos e emissão do Atestado de Saúde Ocupacional - ASO.

1.7.3 Os graus de riscos 1 e 2 mencionados nos subitens 1.7.1 e 1.7.2 são os previstos na Norma Regulamentadores n.º 04 - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho - SESMT.

1.7.4 O empregador é o responsável pela prestação das informações previstas nos subitens 1.7.1 e 1.7.2.

            A nova alteração legislativa produzida pela lei n. 13.874/2019 trouxe, também, mudanças na emissão e anotação da Carteira de Trabalho dos empregados. Segundo a nova lei o documento individual trabalhista será, a partir de então, emitido, preferencialmente, em meio digital. O prazo para anotação da carteira passa de 48 horas para 05 (cinco) dias úteis e todas as informações do trabalhador estarão vinculadas ao número de CPF do empregado. Em relação às férias dos empregados que tenham carteiras em meio digital, o seu registro, evidentemente, será feito por meio de sistema eletrônico. A alteração legal carece, até a data de elaboração do presente trabalho, de regulamentação e operacionalização eletrônica no âmbito do Ministério da Economia.

Abaixo seguem transcritos os novos textos da Consolidação das leis trabalhistas sobre a matéria.

Art. 13.  .........................................................................................................

.......................................................................................................................

§ 2º  A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) obedecerá aos modelos que o Ministério da Economia adotar.

§ 3º (Revogado).

§ 4º (Revogado).” (NR)

“Art. 14.  A CTPS será emitida pelo Ministério da Economia preferencialmente em meio eletrônico.

Parágrafo único. Excepcionalmente, a CTPS poderá ser emitida em meio físico, desde que:

I - nas unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para a emissão;

II - mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta;

III - mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.” (NR)

“Art. 15.  Os procedimentos para emissão da CTPS ao interessado serão estabelecidos pelo Ministério da Economia em regulamento próprio, privilegiada a emissão em formato eletrônico.” (NR)

“Art. 16.  A CTPS terá como identificação única do empregado o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

I - (revogado);

II - (revogado);

III - (revogado);

IV - (revogado).

Parágrafo único. (Revogado).

a) (revogada);

b) (revogada).” (NR)

Art. 29.  O empregador terá o prazo de 5 (cinco) dias úteis para anotar na CTPS, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.

.......................................................................................................................................

§ 6º  A comunicação pelo trabalhador do número de inscrição no CPF ao empregador equivale à apresentação da CTPS em meio digital, dispensado o empregador da emissão de recibo.

§ 7º  Os registros eletrônicos gerados pelo empregador nos sistemas informatizados da CTPS em meio digital equivalem às anotações a que se refere esta Lei.

§ 8º  O trabalhador deverá ter acesso às informações da sua CTPS no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir de sua anotação.” (NR)

“Art. 40.  A CTPS regularmente emitida e anotada servirá de prova:

...................................................................................................................................

II - (revogado);

.........................................................................................................................” (NR)

“Art. 135.  ...................................................................................................................

........................................................................................................................................

§ 3º  Nos casos em que o empregado possua a CTPS em meio digital, a anotação será feita nos sistemas a que se refere o § 7º do art. 29 desta Consolidação, na forma do regulamento, dispensadas as anotações de que tratam os §§ 1º e 2º deste artigo.” (NR)

Dentre as alterações trabalhistas implementadas pela lei n. 13.874, certamente, a que maior potencial nocivo aos trabalhadores e às relações laborais é a nova flexibilização do controle de jornadas. A nova lei altera o texto do artigo 74 da CLT e seus parágrafos.

Art. 74.  O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.

§ 1º (Revogado).

§ 2º  Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.

§ 3º  Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.

§ 4º  Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.” (NR)

A nova redação dobra o efetivo de trabalhadores que torna exigível para empregadores a manutenção de controle de jornada, costumeiramente conhecido como “controle de ponto”. A partir da lei, apenas empregadores que contratem mais de 20 (vinte) empregados mantém a obrigação de controlar a jornada laboral de seus trabalhadores.

Portanto, nos estabelecimentos onde laborem até 20 (vinte) pessoas, o controle da jornada, da concessão de intervalos, de repouso semanal, bem como a prestação de horas extras, ficará completamente ao arbítrio dos empregadores. Caberá aos trabalhadores nesses estabelecimentos, até que surja interpretação jurisprudencial diversa, o ônus integral de provar que as jornadas praticadas nos estabelecimentos empregatícios contrariaram a legislação trabalhista ou que houve desrespeito ao pagamento de horas extras que porventura tenham sido prestadas sem registro de ponto.

No entanto, ainda mais grave do que a diminuição do universo de empregadores obrigados a registrar a jornada de seus empregados é a alteração trazida pelo parágrafo 4º do artigo 74. Este novo dispositivo legal estipula o denominado regime de “ponto por exceção”. No novo regime, o empregador que firmar convenção coletiva, acordo coletivo ou acordo individual escrito com seus empregados no sentido de que seja adotado o “ponto por exceção” no estabelecimento de trabalho, ficará dispensado de realizar o controle de jornada, devendo registrar, tão somente, as jornadas extraordinárias praticadas.

Caso a marcação das jornadas extraordinárias não ocorra, o empregador, desobrigado de registrar o ponto corriqueiro de seus trabalhadores, também estará desobrigado do ônus processual de provar a jornada de seus empregados. Portanto, o trabalhador que porventura labore em estabelecimento autorizado a praticar o “ponto por exceção” e tenha os seus direitos desrespeitados, arcará com todo o ônus de provar que há descumprimento da legislação trabalhista nos atributos jornada e descanso, bem como terá obrigação processual de comprovar que prestou horas extraordinárias no estabelecimento que deliberadamente não as registrou.

Como se sabe, a estagnação econômica promove um quadro de enorme desemprego e de trabalho informal. A dificuldade de encontrar emprego formal transforma o pretenso acordo individual escrito em mera aceitação formal de condições impostas ao empregado que precisa de emprego para promover o seu sustento. Do mesmo modo, dependendo do nível do relacionamento laboral e das condições impostas pelo empregador, é extremamente difícil para o obreiro cobrar, em um estabelecimento dispensado de registrar a jornada de seus empregados, a marcação de jornadas extraordinárias praticadas em regime de exceção. É inevitável que ocorram abusos como a supressão ou redução de concessão de intervalos intrajornada e intervalos interjornadas, bem como a prorrogação ilegal das jornadas de trabalho sem que sequer haja pagamento das horas extras constitucionalmente previstas.

Em um quadro recessivo, de imenso desemprego e informalidade galopante, a retirada de controle das jornadas e da prestação de horas extras, acompanhada do enfraquecimento sindical e da escassez de vagas de trabalho, retiram dos empregados a possibilidade de negociar ou cobrar perante os empregadores que os seus direitos legais sejam respeitados.

Finalmente, merece destaque a alteração no Código Civil que dificulta a desconstituição da personalidade jurídica de empregadores e, certamente, trará consequências em matéria trabalhista. Determina o artigo 7º da Lei da Liberdade Econômica:

Art. 7º  A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:   

Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” (NR)

Até então, era bastante rotineiro que, uma vez identificada a intenção fraudulenta de maus empregadores no sentido de ocultar patrimônio por trás de pessoas jurídicas com burla cumprimento de obrigações trabalhistas, fosse desconstituída a personalidade jurídica de empresa e atingido o patrimônio de seus sócios para a quitação de obrigações sociais trabalhistas. Ocorre que, com o novo texto legal há uma flagrante intenção de dificultar tal processo, blindando o patrimônio de sócios e diminuindo a capacidade jurisdicional de desconstituir personalidade jurídica para possibilitar cumprimento de obrigações trabalhistas.

O objetivo do presente trabalho não permite aprofundar a questão e as consequências jurisprudenciais e práticas da alteração legal só poderão ser corretamente dimensionadas com o passar do tempo e o enfrentamento de casos concretos na seara jurisdicional. O fato é que, em um cenário de grande aumento de inadimplência de obrigações trabalhistas, a iniciativa é questionável e preocupante.

Por fim, conclui-se que, mais uma vez, a opção legislativa para um pretenso fomento do desenvolvimento econômico passa pelo paradoxal recurso de retirar direitos e renda dos trabalhadores, impactando negativamente as já desgastadas relações empregatícias e, de modo mediato, retirando recursos do consumo que é motor de movimento da atividade econômica que se pretende fomentar.                           

     

CONCLUSÃO

Desde seu surgimento, o Direito do Trabalho caracteriza-se por sua razão ontológica, que é a proteção à parte destituída dos meios de produção ou de capital. Sua finalidade é instrumentalizar um mínimo de arcabouço jurídico que viabilize a exploração da classe que vive da força do trabalho em patamares menos bárbaros aos vivenciados nos primórdios do nascimento desse ramo jurídico.

A ambiência social, política, cultural e econômica que favoreceu o aparecimento do Direito Laboral está localizado no processo histórico da Revolução Industrial, o que demonstra que é um produto forjado no seio do modo de produção capitalista. E, em sendo consectário desse modo de produção econômico, além da função tutelar obreira que o peculiariza, tem por escopo também, a legitimação existencial e a reprodução do capitalismo, através de elementos justificadores da exploração do trabalho humano.

Quando o trabalho torna-se livre e subordinado, e a contraprestação salarial justifica a compra do tempo obreiro pela classe empresarial, a extrema exploração nas indústrias no século XIX mostra que a regulação do trabalho pelo individualista direito comum, com sua mera igualdade formal, típica da ideologia liberal, não é suficiente e segura para a gestão     das relações de trabalho.

Desse modo, o Direito do Trabalho nasce da luta coletiva dos obreiros, da reivindicação de classe, da consciência coletiva de organização, tornando-se característica indelével desse ramo. Do seu surgimento, passando pela sistematização, consolidação e institucionalização no decorrer de todo o século XX, o ramo juslaboral é permeado pelas cíclicas crises do sistema econômico capitalista, que diuturnamente são utilizadas para questionar a existência dessa regulação jurídica das relações empregatícias.

O modelo da grande indústria verticalizada do fordismo aliada às técnicas de gestão administrativa tayloristas foi o arquétipo por excelência do modo de produção capitalista nas décadas iniciais do século XX até meados dos anos 1970. Esse modelo rígido, controlador e de produção em massa coincidiu com o auge do Direito do Trabalho como instrumento jurídico primaz de regulação dos vínculos empregatícios. O crescimento do Estado do Bem-estar Social do pós-guerra de 1945 favoreceu e engendrou uma atmosfera de garantias sociais e econômicas para as classes que apenas possuíam sua força de trabalho para inserção no mercado de trabalho. No entanto, na década de 1970, com as crises do petróleo, do incipiente processo inflacionário e a diminuição dos ganhos de capital, o modelo do Estado providência passa a ser fortemente questionado pela classe empresarial dominante. A lógica do modelo fordista/taylorista passa a conviver com uma nova lógica de gestão industrial, o toyotismo. Esse modelo implementa a descentralização produtiva (terceirização da produção), horizontalizando o processo produtivo, sendo que a produção em massa é substituída pela extinção dos estoques. A demanda agora é quem demarca a produção. Os trabalhadores passam a sair da monotonia dos movimentos repetitivos da produção em série fordista para a multifuncionalidade, imergindo na composição de diversas etapas da produção industrial do modelo toyotista.

Em meio às seminais alterações do modelo industrial toyotista, a revolução tecnológica dos meios de comunicação e dos meios computacionais de informática dá ensejo ao processo de globalização econômica, e o mundo torna-se um grande mercado global, bem ao deleite dos conglomerados econômicos multinacionais. Nessa celeuma catártica da crise capitalista na década de 1970, calcado na ideologia ultraliberal (ou neoliberal), a Flexibilização começa a espraiar seu cabedal falacioso contra o Direito do Trabalho. O discurso flexibilizatório é deliberadamente moderno, maleável, jovial, empreendedor e prospectivo, cotejando com o Direito Laboral, demeritoriamente colocado como anacrônico, rígido, prejudicial ao desenvolvimento econômico global. A Flexibilização é a melodia retórica da perniciosa ideologia ultraliberal, que na prática apenas traz dissabores para a classe trabalhadora, e vultosos lucros para a classe detentora dos meios de reprodução do capital.

O fenômeno da flexibilização se descortina no Brasil na década de 1960, em inopinada dianteira em relação ao mundo capitalista, com a implantação do regime contratual trabalhista do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ocasionando a primeira grande quebra no sistema protetivo do Direito do Trabalho brasileiro. A estabilidade decenal é paulatinamente substituída pelo regime do FGTS, anabolizando o direito potestativo do empregador de arbitrariamente extinguir o contrato de trabalho, em linha diametralmente oposta ao direito comparado trabalhista, notadamente, nos países ocidentais europeus, espelho distorcido de nosso Direito Laboral. Na década de 1970, o Brasil dá o passo inicial para o modelo terceirizante de relações de trabalho, alimentando a sanha flexibilizadora das normas trabalhistas. A Constituição de 1988, embora seja o diploma de maior cunho social da história constitucional pátria, não passou incólume ao fenômeno flexibilizatório, amparando dispositivos de expressa matriz flexibilizante.

Nos anos de 1990, o Brasil é varrido pela onda neoliberal, trazendo consigo a derruição de vários direitos trabalhistas e voraz produção legislativa e jurisprudencial de cunho flexibilizatório. Entretanto, é na segunda década dos anos 2000 que o Direito do Trabalho nacional é fortemente abalroado com o auge do processo flexibilizatório brasileiro. A Lei n. 13.467/2017 se torna o diploma normativo de maior inflexão sobre o arcabouço protetivo juslaboral, levando a flexibilização a seu ápice, e com flagrante matiz de desregulamentação. Na quadra atual, a correlação de forças políticas e sociais pende para a destruição da segurança social preconizada na Constituição de 1988, e o Direito do Trabalho é alvejado de maneira insensata, porém deliberada, com a cisão de seu maior diploma infraconstitucional, a CLT.

À revelia de todo o desmonte perpetrado no Direito do Trabalho brasileiro, o momento não pode ser considerado de resignação, embora a balança esteja pendendo para a derruição de direitos laborais, o presente como outrora é de verdadeiro embate visceral das classes sociais componentes do modo de produção econômico ora hegemônico; e, como esse ramo jurídico especializado é fruto da real tensão entre capital e trabalho, seus operadores devem levar às últimas consequências o seu pilar fundamental de funcionamento, o Princípio da Proteção, como única forma de sobrevivência altiva desse importante ramo do Direito.                                  

  

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Enio Carneiro Nepomuceno

Jurista, engenheiro,professor universitário e Auditor-Fiscal do Trabalho. Possui conhecimento jurídico nas área de direito público e trabalhista. Também detém conhecimento no campo da engenharia civil e de segurança no trabalho.

Bruno Costa Ribeiro

Auditor Fiscal do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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