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Uma conduta que afronta a ética da magistratura?

01/03/2020 às 15:30
Leia nesta página:

Comenta-se o pedido da OAB ao CNJ para que seja instaurado processo administrativo disciplinar com posterior aplicação da sanção cabível ao juiz Marcelo Bretas por sua conduta político-partidária.

I – O FATO

Acentuou Bernardo Franco, em sua coluna para o Globo, em 18 de fevereiro do corrente ano;

“A cena viralizou mais do que os gols do Flamengo no domingo. Ao som de um hit evangélico, Jair Bolsonaro tira Marcelo Crivella para dançar. Atrás da dupla, rodopia Marcelo Bretas, responsável por julgar os processos da Lava-Jato no Rio.

A festa gospel não foi a única agenda do juiz com o presidente. Antes de subir no palanque da Igreja Internacional da Graça de Deus, Bretas foi ao aeroporto para receber Bolsonaro. Em seguida, acompanhou sua comitiva na inauguração de um viaduto no Caju.

O magistrado foi ao Instagram para celebrar o encontro. “A Cidade Maravilhosa dá boas-vindas ao Sr. Presidente Jair Bolsonaro”, escreveu. Em outro post, ele se mostrou maravilhado com o ministro Augusto Heleno. “Registro de minha admiração”, derramou-se.

O deputado Helio Lopes, eleito com o apelido de Helio Bolsonaro, publicou uma foto ao lado do presidente e do juiz. Pelo sorriso, o papagaio de pirata oficial do bolsonarismo parecia feliz com o reforço.

Desde a campanha de 2018, Bretas usa as redes para se aproximar do capitão. Ele celebrou a eleição do primeiro-filho ao Senado, viajou para a posse em Brasília e visitou o presidente no Alvorada.

A tabelinha pode render dividendos pessoais aos dois. Bolsonaro se associa a um magistrado que prendeu corruptos, e Bretas se cacifa para a vaga reservada a um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo.”


II – O CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA E A LOMAN

O Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado na 68ª Seção do Conselho Nacional de Justiça determina:

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

Por sua vez, a Lei Orgânica da Magistratura(LOMAN) determina:

Art. 107. São deveres do magistrado:

I – manter conduta ilibada na vida pública e particular;

II – zelar pelo prestígio da Justiça e pela dignidade da função;

III – praticar os atos de ofício, cumprir e fazer cumprir as disposições legais, com independência, serenidade e exatidão;

IV – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se a audiência ou sessão e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

V – não exceder, sem justo motivo, os prazos para decidir ou despachar, a fim de assegurar a razoável duração dos processos;

VI – determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais, observada a estrutura judiciária e os recursos humanos e materiais disponíveis;

VII – não manifestar opinião ou juízo depreciativo sobre processos em curso, votos ou decisões de órgãos judiciais, bem assim quanto à atuação dos demais Poderes de Estado ou de partidos políticos, inclusive de seus integrantes, ressalvadas a crítica científica e a relativa ao exercício do magistério;

VIII – exercer permanente fiscalização sobre os servidores subordinados;

IX – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, bem como atender aos que o procurarem, mediante prévio agendamento, ressalvadas as situações de urgência;

X – residir na sede de sua jurisdição, na mesma zona metropolitana ou em localidade contígua, salvo autorização do respectivo tribunal;

XI – cuidar para que as nomeações de peritos e de outros auxiliares não servidores do Poder Judiciário recaiam em profissionais idôneos, com boa qualificação técnica, sem vínculo de parentesco sanguíneo, por afinidade ou civil, inclusive por união estável ou concubinato, com o próprio juiz ou outra pessoa de qualquer modo ligada à causa, até o terceiro grau, observadas, ainda, as regras expedidas pela Corregedoria Geral, pelo tribunal ou pelo Conselho Nacional de Justiça;

XII – coibir o abuso de direito processual e a litigância de má-fé;

XIII – exercer fiscalização sobre cobrança de custas, emolumentos e despesas processuais;

XIV – dedicar-se à Magistratura, sendo-lhe vedada a participação na direção de sociedades com fins lucrativos e associações, salvo daquelas conexas à atividade da carreira, e facultado o exercício do magistério.

A Constituição Federal estabelece vedações vaos juízes com o fim de garantir sua imparcialidade, afastando-o de situações que poderiam caracterizar causas de impedimento ou de suspeição (artigo 95, parágrafo único, incisos I a V, CF), tal como, (i) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função; (ii) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; (iii) dedicar-se à atividade político-partidária; (iv) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas; e (v) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

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III – AS MEDIDAS NECESSÁRIAS

Em consequência disso, a OAB apresentou representação ao Conselho Nacional de Justiça.

A representação, assinada por Felipe Santa Cruz, presidente da ordem, foi feita com base na participação de Bretas em dois eventos em que o juiz esteve ao lado de Jair Bolsonaro e Marcelo Crivella, no sábado, e nos comentários feitos pelo magistrado em suas redes sociais.

A representação da OAB enfatiza que Bretas "não apenas participou de evento de natureza política — festa evangélica na praia e inauguração de obra pública —, em manifesta afronta à vedação constitucional, como acompanhou a comitiva presidencial desde a chegada na cidade do Rio de Janeiro, publicando, ainda, postagens com manifestação de apreço em redes sociais". 

A OAB pede ao CNJ que seja instaurado um processo administrativo disciplinar com posterior aplicação da sanção cabível a Bretas. 

Bretas começou a se aproximar do capitão na campanha de 2018. Depois celebrou a eleição do primeiro-filho ao Senado, viajou para a posse em Brasília e visitou o presidente no Alvorada.

O desembaraço do juiz tem incomodado colegas e investigadores da Lava-Jato. A procuradora regional eleitoral, Silvana Batini, pediu uma investigação sobre o ato na Praia de Botafogo. No ofício, ela cita a “grande projeção midiática” de Bretas.

A mistura da toga com a política contraria a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura.

“A presença de um juiz no palanque contamina a imagem da Justiça, que deve ser imparcial”, critica o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Ele pediu ao Conselho Nacional de Justiça que apure a conduta de Bretas.

Lembro, por oportuno, especificamente, os artigos 17 e 18 do Código de Ética da Magistratura:

Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Além disso, independentemente de apuração pelo Conselho Nacional de Justiça com relação à conduta do magistrado enfocado, poderá o Parquet Federal, no Rio de Janeiro, instaurar inquérito civil para investigar se a conduta narrada fere os ditames do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, uma vez que princípios norteadores da conduta do juiz poderiam ter sido afrontados.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma conduta que afronta a ética da magistratura?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6087, 1 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79636. Acesso em: 18 abr. 2024.

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