O arbitramento e majoração de honorários advocatícios de sucumbência à luz do caput e §11 do artigo 85 Novo Código de Processo Civil

24/02/2020 às 18:48
Leia nesta página:

A desobediência às regras de fixação e majoração de honorários advocatícios de sucumbência viola seu caráter alimentar e gera insegurança jurídica.

Notas introdutórias

Por proêmio, convém destacar as diversas nuances que o processo civil atual vem enfrentando – ainda eivado do espírito de interpretação do finado Código Buzaid; isto é, nos casos em que sua aplicação ainda não é necessária.

Estes comentários, a título de construtivismo crítico e reflexivo, limitam-se à ótica da advocacia após anos de muita batalha para o arbitramento digno de honorários de sucumbência na nova codificação processual – unilateralmente violada no momento de sua fixação; talvez, la trahison des clercs, a traição dos letrados, ao criar a dicotomia que pretendemos explorar com este breve ensaio.

Como elemento de equalização do trabalho do advogado, conquanto instrumento de coibição do abuso do direito de petição1, a majoração da verba honorária visa prestigiar o trabalho do advogado após a submissão do tema objeto da ação de origem às instâncias superiores. No entanto, justamente neste aspecto é que reside a controvérsia a ser evidenciada, que dá azo à insegurança jurídica e quesitos dúbios ao qual está submetido o advogado – e viola frontalmente o caráter alimentar da verba honorária e culmina em seu aviltamento sem que se perceba.

A origem da controvérsia reside justamente no momento da fixação dos honorários advocatícios de sucumbência. O caput do artigo 85 do novo código de ritos dispõe que a “sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, desaguando justamente nos próximos critérios a serem observados pelo pretor no momento do exercício de sua cognição, qual seja, o arbitramento da verba honorária como reflexo de tal exercício do provimento jurisdicional.

Kazuo Watanabe2, em seu escólio sobre cognição, prelecionou que se trata de importante técnica de adequação do processo à natureza do direito ou à peculiaridade da pretensão a ser tutelada. Destacou que inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer espécie de cognição: até mesmo na ação de execução por título judicial o juiz é “seguidamente chamado a proferir juízos de valor”, ao que o nobre doutrinador parafraseia o professor Cândido Dinamarco.

Possível asseverar, com efeito, que os critérios estabelecidos pela legislação processual estão interligados ao exercício da cognição (plena, sumária e rarefeita) do magistrado. Tal análise observa o comando legal do §2º e seus incisos do artigo 85 do Código de Processo Civil, mostrando-se como importante indexador da lógica jurídico-processual observada pelo magistrado no momento do arbitramento – e que, opera, concomitantemente, como punição à parte contrária, o que pode ser objeto de estudo próprio futuramente.

Diz a redação do supramencionado §2º do artigo 85 que os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Para tanto, observa o juiz o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Não obstante a legislação positivar análise do trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço, merece breve comentário, concessa venia, se tratar de questão de muita subjetividade. A mens legis, neste espeque, falha em capturar a nuance personalíssima do advogado ao lidar com determinado caso, aflições e angústias do jurisdicionado, outorgando o poder de análise ao pretor ao que Piero Calamandrei chamou de empenho de fidelidade durante o exercício da jurisdição por ordem de ascetas civis. Todavia, impende salientarmos que não se trata de objeto de estudo deste ensaio considerações acerca da subjetividade da interpretação acerca do trabalho desenvolvido pelo advogado – duramente criticada pela sociedade hodierna que, pautada no zetgeist da era digital e redes sociais, sente-se à vontade em doutrinar o comportamento dos nobres operadores do direito tão prestigiados pela Constituição da República.

Pois bem. Retomando o raciocínio anterior, temos que o juízo de valor exercido pelo magistrado analisa as circunstâncias que circundam a atuação do advogado e resulta na definição dos critérios de arbitramento da verba honorária. A problemática se origina justamente no momento em que se decide pela fixação a partir do proveito econômico obtido, valor da condenação ou pelo valor da causa atualizado. O percalço se justifica pelo fato de, após a submissão às instâncias superiores, nos depararmos com questões que poderiam se limitar à semântica processual – com o perdão do neologismo da expressão – que, a rigor da interpretação literal e exegeta dos magistrados, altera completamente o sentido do valor obtido a título de honorários de sucumbência.

Em linhas gerais, com a licença poética da reflexão jurídica que nos recai sobre a proposta deste tema, mostra-se pertinente parafrasear o discurso do saudoso Desembargador João de Assis Mariosi3, outrora companheiro de escritório e exímio mentor deste articulista; em posse de outro nobre pretor de segunda instância, citou Jean de La Bruyère, em tradução livre: “fazer a justiça é esperar uma injustiça!”.

Não haveria melhor introito para sopesar as considerações de aplicações e interpretações à isquemia de direitos do advogado que podem sofrer impactos diretos por questões semânticas processuais que impactam diretamente o cálculo final da verba honorária sucumbencial. Vejamos adiante.


Análise do arbitramento de honorários advocatícios de sucumbência e seus critérios de fixação diante do §11 do artigo 85 do Código de Processo Civil

Como exposto alhures, a nova codificação processual trouxe esperança em várias questões comportamentais no âmbito da operação do direito e seus reflexos ao advogado e jurisdicionado. A esperança de uma nova processualística jazia na uniformização de jurisprudências, fundamentação de sentenças/decisões/acórdãos de acordo com o beneplácito majoritário dos tribunais superiores – daí o bendito §1º do artigo 489 –, bem como a interrupção de discussões acerca de honorários irrisórios que denotam desprezo à advocacia por força do enfadonho artigo 20 do Código Buzaid, que perpetuou inúmeras discussões sobre o desprestígio da verba honorária ao longo de anos.

Com o advento da nova legislação processual, enfrentamos discussões acerca do direito intertemporal, especialmente no que tange aos critérios de fixação de honorários; o que culminou na acertada e incólume decisão do Superior Tribunal de Justiça na Corte Especial, resultando na edição do Enunciado Administrativo nº 7 daquele Sodalício, e fixando como marco temporal a sentença proferida nos autos. Oportunamente, convém destacar que ainda existem magistrados que insistem em contrariar tal norma – o que se afigura razoável denotar por força da experiência empírica deste articulista.

Logo, o que se percebe é verdadeiro avanço na interpretação e proteção ao direito do advogado à verba honorária, mantendo-a incólume de abusos e desmandos de instâncias inferiores que resultariam em verdadeiro aviltamento – como casos de fixação de R$1.000,00 (mil reais) para casos que alcançariam milhões de reais em condenação.

Todavia, ainda reside na hermenêutica processualística a diferença nos critérios de fixação da verba honorária, como exposto alhures no introito que justifica este ensaio. Nota-se que há arbitramento, conforme disposição legal, sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Trazemos para reflexão a seguinte hipótese: sentença de mérito que arbitra a verba sucumbencial de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Nobre leitor, tome como base inicial para nosso raciocínio a verba honorária que incidirá sobre a condenação.

Suponhamos que, a parte vencida, inconformada com o resultado do processo, maneje recurso – tomemos como exemplo prático a Apelação Cível, prevista no artigo 1.009 do Código de Processo Civil – com fito de reformar o comando judicial.

Não se sagrando vencedor, a parte sucumbe em sua pretensão recursal, constando no acórdão que há majoração da verba honorária para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa atualizado, com fulcro no §11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Chamamos à atenção para a linguística: na sentença de mérito, tratamos de valor da condenação, ao passo que no acórdão tratamos de valor da causa atualizado.

Ainda inconformado com o resultado processual, entendendo haver violação à jurisprudência pátria e legislação infraconstitucional, o jurisdicionado maneja Recurso Especial para submeter a controvérsia ao Superior Tribunal de Justiça. Falecendo em sua pretensão, falamos em nova majoração da verba sucumbencial, dessa vez na importância de 15% (quinze por cento) sobre o valor fixado na instância de origem.

Nobre jurisconsulto, ora leitor e operador da ciência jurídica; estamos diante de 3 (três) critérios para a fixação da verba honorária, uma sobrepondo-se à outra. Na origem, em primeira instância, temos valor fixado sobre a verba honorária, na reforma em acórdão em segunda instância temos valor fixado sobre valor da causa e, no âmbito do tribunal superior, a majoração incide em percentual sobre o percentual já majorado.

Com o perdão franqueza, convém destacar, permissa venia, que o advogado é jurista e operador do direito, ao revés de exímio operador das ciências numerárias e matemáticas, posto que os critérios estabelecidos se mostram demasiadamente confusos.

No âmbito prático, deparamo-nos com situações de extrema confusão. Ora, qual o critério para a fixação da verba honorária? Legalmente falando, deveríamos nos ater somente ao critério estabelecido pelo caput e §11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. Recapitulamos a redação normativa transcrevendo que, em caso de sucumbência recursal, o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

Aplicação pura e simples de majoração da verba honorária dentro do critério previamente estabelecido pelo juízo de piso. Entendemos que, se o juízo a quo fixa a verba honorária sobre o valor da condenação, não havendo qualquer recurso que vergasta tais critérios, a majoração incidirá sobre os parâmetros estabelecidos pelo pretor sentenciante. Lógico? Nem tanto.

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Na prática, denunciamos o que se mostra como verdadeira confusão sobre o instituto, já que, conquanto mencionado como majoração de verba honorária, estamos diante de verdadeira reforma de critérios de fixação dos ditos honorários.

Tomemos o sobredito exemplo de fixação. Pela interpretação literal do §11 do artigo 85, caso a parte recorrente sucumba, deve ser a verba honorária fixada pelo juízo de piso. Se houve o arbitramento em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a verba honorária majorada pelo recurso deveria alcançar 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, verbi gratia.

Ao revés, na prática, o que temos observado na redação dos acórdãos das instâncias superiores é a majoração da verba honorária dentro dos parâmetros do novo Código de Processo Civil (§11 do artigo 85), alterando a redação sobre o que incide a verba. Juízo de origem fixa valor da condenação, tribunal superior majora sobre valor da causa.

Daí, retomando o exemplo anterior de manejo do Especial, que majora a verba honorária em 15% (quinze por cento) sobre o valor fixado na instância de origem (os mencionados 12%).

E quando for o momento de apresentar o cumprimento de sentença, qual o arbitramento correto? Da leitura inicial, ao que tudo indica, seria 15% (quinze por cento) sobre o valor originariamente arbitrado. No entanto, na prática, o que se verifica é que há verdadeira alteração dos critérios de fixação da verba honorária que faz diferença no valor final e que pode representar, na verdade, minoração dos honorários advocatícios.

Tomemos o aqui exposado, arbitrando como valor da condenação – com juros e atualização desde a data de citação do réu – o valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Conforme disposição sentencial, os honorários de sucumbência da fase de conhecimento alcançariam a importância de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Grosso modo, poderíamos falar em R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Mas, e se o juízo ad quem, ao aplicar o §11 do artigo 85 majorar a verba para 12% sobre o valor da causa? O que o nobre leitor entenderia? Majoração da verba originária ou novo critério de fixação?

Para minuciar ainda mais a proposta deste tema em comento, consideremos o valor da causa R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

E, ainda naquela hipótese aventada de majoração de 15% (quinze por cento) sobre o valor de majoração da verba na instância de origem (12%)?

Convido o nobre leitor a refletir: qual a matemática empregada nisso? Desconheço a profundidade do conhecimento aritmético de vossas Excelências, mas parece-nos que há, demasiados novos critérios de arbitramento de honorários advocatícios de sucumbência que, na vasta maioria dos casos, sequer são objetos de apelo e objeto de reforma.

Ora, com arrimo no valor de condenação fictício que estabelecemos, de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), teríamos a importância de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Tal valor adviria da devolução de parcelas pagas e devolvidas, atualizadas desde seus respectivos pagamentos, com juros de mora incidentes a partir da data de citação.

Noutro giro, teríamos a majoração da verba honorária a 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, cuja atualização incidiria a partir da data de ajuizamento da ação, com juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença.

Logo, na prática, teríamos um valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) que se alcançaria a partir de determinados critérios de atualização, mas a verba honorária não incidiria sobre tal valor. Ao contrário, teríamos um parâmetro exclusivo para a fixação da verba honorária por ocasião da “majoração” do juízo ad quem.

Ainda neste mesmo exemplo, consideremos os critérios de atualização monetária a partir do ajuizamento da ação e juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença sobre o valor fictício de R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), que seria correspondente ao montante atribuído à causa. Nesta monta, o valor atualizado nestes parâmetros alcançaria a importância de, digamos, R$175.000,00 (cento e setenta e cinco mil reais). Tal atualização se mostra menos expressiva porque desconsidera a data de pagamentos realizados antes do ajuizamento da ação, na casa de 2 (dois) ou 3 (três) anos.

Com efeito, a tal majoração sobre o valor da causa atualizado alcançaria, em seus 12% (doze por cento) sobre outros critérios do valor atribuído à demanda. No caso, os R$175.000,00 (cento e setenta mil reais). Ora, se os 10% sobre o valor atualizado da condenação do juízo de origem corresponde a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), os 12% sobre o valor da causa atualizado que são objetos de “majoração” de acordo com o §11 do artigo 85 do Código de Processo Civil corresponderiam a R$21.000,00 (vinte e um mil reais).

Deste modo, não haveria que se falar em majoração, mas em ALTERAÇÃO DE CRITÉRIOS NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. Como tateado em hipótese anterior, sem que qualquer das partes questione os critérios ou valores arbitrados, há julgamento ultra petita pela instância superior que incorre em verdadeira minoração dos honorários.

Ainda neste sentido, consideremos que a repetida hipótese de majoração de 15% (quinze por cento) sobre a majoração de 12% (doze por cento) da instância de origem sobre o valor da causa. Confuso? Imagine que, na prática, faz-se a aritmética de 15% sobre 12% para se alcançar a majoração de 1.8% (um ponto oito por cento) sobre os 12% do valor de condenação alcançado pela reforma do acórdão. Na prática forense – e aqui utilizamos argumentos empíricos – isso se revela verdadeiro contrassenso e gera completa instabilidade jurídica na aplicação, posto que se atribuiria acréscimo de 1.8% aos 12% arbitrado na instância de origem, resultando no direito a 13.8% sobre o valor da causa atualizado – ao revés dos 15% esperados.

No exemplo utilizado para refletir o léxico apresentado, o patrono pleitearia o valor de R$24.150,00 (vinte e quatro mil cento e cinquenta reais). Supostamente estaríamos diante de hipótese de majoração de honorários, mas com alteração substancial (minoração) nos critérios de fixação ex officio.

Não se afigura razoável considerar que o valor de origem, os 10% sobre valor da condenação atualizado, se mostre maior e mais rentável do que aquele advindo da dita “majoração” nas instâncias superiores.

Mas, originalmente, o valor não era de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação? Por qual motivo não se majora e se alcança os ditos 12% (doze por cento), ao rigor da lei, sobre o mesmo valor de condenação? Tal pergunta é o objeto deste artigo. Deparamo-nos, novamente, com nova sistemática de fixação de honorários de sucumbência, resgatando o espírito de subjetividade e adequação a bel prazer do operador do direito que permeava o finado Código de Processo Civil de 1973.

Ora, a rigor linguístico, se falarmos em majoração de honorários, necessariamente estamos falando de aumento no percentual originalmente fixado. Se o julgador atribui a condenação da verba sucumbencial em 10% sobre valor da condenação, a majoração obedecerá ao mesmo critério: o de aumento do percentual sobre o valor da condenação.

Se há alteração no valor sobre onde incidirá a verba honorária, passando a constar valor da causa, estamos diante de arbitrariedade do juízo, máxime quando nenhuma das partes pugna pela reforma dos critérios de fixação da verba honorária previstos na codificação processual. Ora, se a parte recorre somente sobre o mérito e tem a verba sucumbencial “majorada” sobre o valor da causa, quando originalmente foi fixada sobre valor da condenação, estaríamos diante de flagrante arbitrariedade e ilegalidade, corroborando o aviamento de julgamento ultra petita, sem que qualquer parte aventasse a alteração dos critérios.

Na prática, no momento de apresentação de memória de cálculo do cumprimento de sentença, o advogado se depara com verdadeira confusão matemática sobre os critérios a serem obedecidos – e nem sempre corretos e justos – para a cobrança dos sobreditos honorários.

Entramos, então, na já mencionada semântica processual. Não se falaria em nova atribuição de critérios de fixação da verba honorária ao revés de “majoração de honorários”? Denunciamos verdadeira aplicação deturpada do §11 do artigo 85, posto que há aumento do percentual sucumbencial, mas os critérios são completamente dissonantes e que reduzem consideravelmente o valor final a ser percebido pelo advogado.

Nesta toada, o que se traduz de tal prática é verdadeira minoração da verba honorária ao argumento de majoração, já que há redação dúbia em acórdão e que contraria os critérios de origem. E, repetimos ad nauseam, se nenhuma das partes enfrentar a forma de fixação, não estaria o órgão julgador realizando julgamento ultra petita? Falar-se-ia em minoração da verba ex officio, como exposto, consistindo em verdadeiro aviltamento de honorários advocatícios de sucumbência.

Naturalmente que, voltando à questão da cognição enfrentada, o magistrado ad quem poderia entender ser o caso de rever critérios de fixação da verbal sucumbencial; no entanto, tal revisão se consistiria em aplicação deficiente do rigor §11 do artigo 85, já que expressamente menciona que há majoração dos honorários fixados – o que atrai, a rigor, os critérios previamente estabelecidos pelo juízo de piso; em nosso exemplo, os 10% (dez por cento) sobre valor da condenação.

A exegese normativa é simples e clara: o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

A hermenêutica consiste em simplesmente delimitar se a majoração prestigiará os critérios fixados na origem ou se simplesmente aumentarão o percentual com bases em outros critérios. Ora, 10% sobre um valor de condenação atualizado desde o pagamento indevido do débito se mostra muito superior a 15% sobre valor de causa atualizado a partir de data do ajuizamento da ação, muito mais recente. Não deve se observar somente o caráter numerário, sob pena de haver indução do advogado ao erro de se iludir com percentuais que supostamente seriam superiores quando, na prática, se revelam inferiores.

Naturalmente que consideramos, ao nos depararmos com o manuseio normativo em comento, que há a possibilidade de a redação do acórdão da instância superior fazer referência à majoração dentro dos termos elencados pela sentença de origem, verbi gratia, “10% sobre o valor da condenação; majoração da verba honorária em 12% sobre valor da condenação”. Tal hipótese configuraria mero erro material que poderia ser prontamente sanado por Embargos de Declaração no momento oportuno.

Contudo, se de tal ordem se alcança a alteração nos critérios, e os ditos 12% podem ser majorados para 15%, o que se deve observar é a intenção do julgador no momento do novo arbitramento. No exemplo utilizado anteriormente, vimos os 15% majorados sobre o percentual de 12% já fixados, o que se traduziria em tímido aumento de 1.8%.

Entendemos que a redação a ser utilizada no momento da alteração da verba honorária não estaria adstrita ao vocábulo “majoração”, mas à “livre disposição do julgador sobre a verba honorária”. Vejamos na prática como seria melhor aplicado. Confira o exemplo hipotético do comando sentencial:

(...) condeno a parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no importe de 10% sobre o valor da condenação, sendo atualizado a partir de cada parcela e de seu respectivo desembolso, com juros de mora incidentes a partir da data de citação.

Após o julgamento pelo colegiado do tribunal ad quem, consigna-se em acórdão o seguinte verbete:

(...) Em razão da sucumbência integral no apelo, majora-se a verba honorária ao patamar de 12% sobre o valor atualizado da causa, a teor do disposto no §11 do artigo 85 do CPC/2015, advertindo-se que o valor da causa deverá ser atualizado a partir do ajuizamento da ação, com juros de mora a partir da sentença.

Com a interposição de Especial para a instância superior, ainda face à sucumbência integral, sacramenta-se:

(...) Em razão da sucumbência integral no Especial, majora-se a verba honorária ao patamar de 15% sobre os 12% já fixados na instância de origem.

Na prática estamos diante de flagrante livre disposição sobre como se fixar a verba honorária, sem que qualquer enfrentamento sobre tais critérios fossem objeto do apelo.

A rigor da redação do §11 do artigo 85, a redação que consideramos apropriada, ficando adstrita ao vocábulo “majoração”, seria:

(...) Em razão da sucumbência integral no apelo, majora-se a verba honorária ao patamar de 12% sobre o valor da condenação, sendo atualizado a partir de cada parcela e de seu respectivo desembolso, com juros de mora incidentes a partir da data de citação.

Neste caso, a majoração de eventual especial de 15% sobre os 12% poderia ser interpretada como a elevação dos 12% ao patamar de 15%, simplesmente:

(...) Em razão da sucumbência integral no Especial, majora-se a verba honorária ao patamar de 15% tendo como referência os 12% já fixados na instância de origem.

Como exposto, não se sabe se a intenção atual do julgador é de redigir critérios de majoração mínima (como os 1.8% citados) ou se há falha técnica na redação referente ao numerário, causando verdadeira confusão no momento do arbitramento e execução da sucumbência. Qualquer que seja o cenário, não se pode olvidar que a técnica empregada é alterada automaticamente ao crivo do magistrado, justificando-a como “majoração”. Permissa venia, aquilo que se majora, necessariamente aumenta dentro de determinado critério.

Com o perdão da licença criativa, a título figurativo, se entregamos uma bala ao Sr. Tício e resolvemos majorar a quantidade de doces que gostaríamos de lhe proporcionar, entregamos-lhe duas balas. No mesmo exemplo, se entregamos uma bala ao mesmo homem e resolvemos “majorar” o benefício açucarado, entregando-lhe a duas balas partidas ao meio, não estamos aumentando absolutamente nada. Por corolário lógico, a mesma regra se aplicaria à pecúnia estabelecida no momento da fixação da verba honorária.

A rigor, o que temos enfrentado é justamente essa deturpação da majoração prevista por, repetimos, critérios de redação que não se mostram claros. Caso o advogado deixe de questionar o critério pela via eleita que se mostre mais adequada, ficará necessariamente adstrito à leitura e cognição do magistrado de piso no momento da execução da verba sucumbencial – vez que, esgotado o momento de discussão, somente depois se perceberia o esgotamento das oportunidades para estabilizar tais critérios.

O brocardo jurídico dormientibus non succurrit jus, isto é, o direito não socorre os que dormem, se mostra bastante pertinente em tal caso, sendo pertinente também a retórica do jurista Rudolf Von Ihering4 em sua obra A luta pelo direito, ao asseverar que a formação do direito se faz de modo tão imperceptível e indolor quanto a da linguagem, que não precisa de nenhum esforço, de nenhuma luta, nem a busca do direito, pois é a força válida da verdade, que, sem esforço violento, devagar, mas com segurança, abre caminho; a força da convicção, com que se conquista as consciências e que se exprime através de seu manejo – uma nova norma jurídica entra tão facilmente em existência quanto uma regra linguística.

Os fatores exposados neste breve texto podem regular e avançar, internamente, o movimento dos caminhos existentes e de novos horizontes sobre a interpretação da redação do §11 do artigo 85, conspurcando ainda mais a aplicação e legitimando o aviltamento da verba honorária – em completo contraste com o espírito regulador e inovador do Código de Processo Civil de 2015.


Conclusão

Por se tratar de tema sensível à realidade da advocacia e dos constantes retalhos que a verba honorária sucumbencial sofreu ao longo dos anos – tendo sido necessária nova aproximação positivada para que se respeitasse sua fixação com o mínimo de dignidade –, a proposta de reflexão aqui exposta se mostra como verdadeiro interesse do titular do direito em defendê-lo em contraposição, em sua esfera, ao interesse de outrem em desrespeitá-lo; aqui, novamente, inspiramo-nos nos escritos de Ihering.

A realidade prática, testemunhada e enfrentada, mostra-se bastante pertinente à menção à pintura mural quatrocentista encontrada nos Antigos Paços da Audiência, edifício civil mais nobre e mais representativo da Monsaraz antiga, situado na fachada oriental da Rua Direita, no segundo quarto do século XIV, durante os reinados de D. Dinis e D. Afonso IV, como consequência do desenvolvimento administrativo e econômico da vila, em Portugal.

A obra, que se trata de um fresco, representa a figura do bom e mau juiz, estampado perante a Sala do Tribunal, revelando-se como invulgar obra do patrimônio artístico como alegoria da justiça terrena, em que o bom e o mau juiz são os elementos principais, e em que se evidenciam as fórmulas tradicionais de isenção e corrupção humanas.

Tal obra se pronuncia como símbolo de rigor e verticalidade, sendo bastante pertinente a reflexão sobre a aplicação correta do saber normativo e cultural, prospectando aquilo que se espera como a figura idealizada do pretor e o zelo pelo direito alheio.

Convém destacar que o painel inferior e principal apresenta as figuras do bom e do mau Juiz, acompanhadas por figuras comuns de um julgamento civil. O bom Juiz segura a vara reta da justiça com dignidade e expressão solene, em oposição ao mau Juiz com duplo rosto e a vara da justiça quebrada5.

Relembrando a citação inicial do Desembargador Mariosi, sobre fazer a justiça ser esperar uma injustiça, mostra-se pertinente denunciar aplicações que consideramos indevidas e descomedidas sobre a lei processual, fazendo-se paralelo da má aplicação da norma ao descuido do magistrado operador – poeticamente relacionado ao fresco de Monsaraz aqui evocado.

Embora repleta de imperfeições e submissões aos crivos das fragilidades humanas, espera-se na operação do direito que o pretor se oriente na Justiça e na misericórdia do juiz íntegro estampado na obra artística portuguesa do final do século XV, que zela pelo direito do advogado cidadão que ocupa seu lugar de defesa na lei.


Referências Bibliográficas

WATANABE, Kazuo. Da cognição no Processo Civil. 4ª Ed., Editora Saraiva, 2012;

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução J. Cretella Jr e Agnes Cretella, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001;

MARIOSI, João de Assis. Falas oficiais. TJDFT, Brasília, março de 2013.


Notas

1 Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, o § 11 do art. 85. do CPC/2015, que disciplinou a hipótese de majoração da verba honorária em grau de recurso, tem dupla funcionalidade: atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir o exercício abusivo do direito de recorrer.

2 WATANABE, Kazuo. Da cognição no Processo Civil, pp. 36-37.

3 MARIOSI, João de Assis. Falas oficiais. TJDFT, Brasília, março de 2013, p. 117.

4 IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução J. Cretella Jr e Agnes Cretella, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 30.

5 https://www.cm-reguengos-monsaraz.pt/pt/site-municipio/concelho/historia/Paginas/antigos-pacos-audiencia-e-fresco.aspx, acesso em 22 de fevereiro de 2020.

Sobre o autor
Daniel Macedo

Advogado em Brasília/DF. Pós-Graduado em Direito, Constituição e Estado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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