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O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva dos direitos dos idosos

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15/02/2006 às 00:00
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7. A defesa coletiva dos direitos dos idosos pelo Ministério Público

            A partir dos subsídios teóricos dos itens anteriores, trataremos especificamente da tutela coletiva dos direitos dos idosos pelo Ministério Público. Não será nosso propósito inventariar todos os temas que possam ser objeto de atuação do Ministério Público - até porque isso seria impossível diante da dinamicidade dos fatos -, mas apenas apontar algumas possibilidades de atuação. Além disso, abordaremos algumas especificidades do Estatuto do Idoso no que se refere ao processo coletivo.

            O Estatuto do Idoso, no art. 74, I, conferiu atribuição ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. Esse dispositivo poderia até mesmo ser considerado desnecessário, já que reproduz, em nossa opinião, o que já estabelece a Constituição. Ou seja, mesmo que não houvesse esse dispositivo, ou mesmo que inexistisse o Estatuto do Idoso, o Ministério Público estaria legitimado para a tutela dos direitos metaindividuais e individuais indisponíveis dos idosos [113].

            Entretanto, em face da existência das interpretações restritivas que descrevemos em itens anteriores, a norma do Estatuto do Idoso assume particular importância, já que explicita, de maneira bastante didática, que o Ministério Público é legitimado para a defesa de direitos individuais homogêneos dos idosos, sendo que a redação do dispositivo foi feliz ao não vincular o conceito de direitos individuais homogêneos com a nota da indisponibilidade. Em suma, esse dispositivo consagra a posição defendida nos itens anteriores e espera-se que com a explícita consagração normativa, ao menos no que se refere aos idosos, a jurisprudência não amesquinhe a tutela dos direitos. [114]

            Vejamos agora algumas hipóteses em que se revela possível e necessária a atuação do Ministério Público na tutela coletiva dos direitos dos idosos.

            A omissão administrativa é campo fértil para as ações coletivas [115] e o Ministério Público poderá ajuizar diversas ações que visem a obrigar a atuação do poder público em favor dos direitos dos idosos [116]. Assim, poderá ser ajuizada ação coletiva para que sejam construídas entidades públicas de abrigo para idosos [117]; ação coletiva visando a um adequado tratamento de doenças crônicas que atinjam idosos (art. 79, I e II, do Estatuto do Idoso) [118]; ação coletiva para fornecimento de medicamentos [119]; ação coletiva para efetivar o direito à educação do idoso [120]; ação coletiva para garantir adequada locomoção para os idosos (acessibilidade), conforme art. 38, II e III, do Estatuto do Idoso, etc.

            O acesso ao lazer e à cultura também é tema que merece a atuação do Ministério Público, valendo lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade da instituição para o ajuizamento de ação coletiva visando a garantir o ingresso de aposentados gratuitamente em estádios de futebol, sob o fundamento de que o lazer [121] dos idosos possui relevância social. [122]

            Outra área de atuação importante do Ministério Público para a tutela coletiva dos direitos dos idosos é a fiscalização de entidades de atendimento, asilos e abrigos para idosos. Constatando irregularidades, e não havendo meios de saná-las, deve o Ministério Público ajuizar ação coletiva para suspensão das atividades ou a dissolução da entidade (art. 55, § 3o, do Estatuto do Idoso), podendo inclusive pleitear reparação por danos morais para os idosos residentes. A prática vem demonstrando que diversos asilos não possuem condições mínimas para o acolhimento de idosos e a atuação do Ministério Público está sendo fundamental para o resguardo dos direitos dos abrigados. Note-se que as entidades de atendimento prestam serviços (art. 35 do Estatuto do Idoso) e, portanto, enquadram-se também nas regras do Código do Consumidor [123], o que, entre outras conseqüências, pode ser interessante no caso de ser pleiteada alguma indenização e haver necessidade de desconsideração da personalidade jurídica.

            De todo modo, não obstante a prática comprovar que a atuação do Ministério Público na fiscalização das entidades de atendimento é fundamental, a medida do fechamento ou dissolução da entidade deve ser considerada excepcional, inclusive porque os idosos abrigados podem não ter outro local apto que os acolha imediatamente. A ponderação e a adequação à realidade de cada comarca se fazem mais presentes do que nunca em questões asilares. Outras peculiaridades referentes aos asilos, casas geriátricas e unidades de atendimentos e que, na medida do possível, merecem atenção quando do ajuizamento de ações coletivas são as seguintes: a) freqüentemente o asilo está instalado em casarões antigos que possuem valor histórico e, em razão disso, não podem receber todas as adaptações necessárias para a segurança e conforto dos idosos sem descaracterizações arquitetônicas. Note-se que estamos diante de conflitos entre direitos [124] transindividuais que deverão ser compatibilizados de acordo com o caso concreto, sem que haja sacrifício exclusivo de um deles; b) dadas as especificidades dos estabelecimentos asilares, é de todo conveniente que as ações coletivas sejam instruídas com dados multidisciplinares, como laudos sanitários, estudos sociais etc., o que reforça a idéia de que os Ministérios Públicos devem cada vez mais se preocupar com a formação de quadros técnicos próprios para o suporte dos Promotores e Procuradores; c) deve haver uma atenção especial com o recebimento de pensões ou benefícios pecuniários pelos idosos abrigados, já que é comum que algum funcionário ou sócio da própria entidade possua procuração ou seja curador dos abrigados, de modo que pode haver interrupção dos pagamentos; d) pelo mesmo motivo da alínea anterior, deve ser incluído na ação coletiva pedido acerca de eventual apropriação indevida de bem móvel (o que inclui seus benefícios pecuniários) de idosos; e) como invariavelmente há tratamento inadequado aos idosos pelas entidades rés em ações coletivas, é viável a inclusão de pedido de dano moral coletivo; f) não raro as cidades do interior possuem apenas um estabelecimento asilar, normalmente privado, de modo que a atuação do Ministério Público deverá também se dar junto ao Poder Público, a fim de viabilizar a remoção dos idosos, caso tal medida seja necessária.

            A tutela coletiva dos direitos dos idosos pelo Ministério Público também se mostra bastante efetiva nas relações de consumo, especialmente no que se refere aos contratos de prestação de serviços em entidades de atendimento e de planos de saúde [125], inclusive com pedido de reparação de dano moral coletivo [126], dependendo da hipótese. Para a discussão das cláusulas contratuais de planos de saúde a legitimidade do Ministério Público é tranqüila, em razão do que já dispõe o Código do Consumidor, vindo o Estatuto do Idoso apenas incrementar essa atribuição [127].

            Para a garantia de transporte gratuito dos idosos, na forma do disposto no art. 230 da Constituição e dos arts. 39/40 do Estatuto do Idoso, a ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público tem se mostrado importante instrumento, embora o Superior Tribunal de Justiça venha sistematicamente negando esse direito. [128] São diversas as ações coletivas ajuizadas pelos Ministérios Públicos dos Estados e também pelo Federal, já que as empresas de transporte – todas concessionárias de serviço público, vale ressaltar, apesar do truísmo, para incrementar o absurdo da situação – são contumazes violadoras dos direitos dos idosos.

            7.1. A questão previdenciária

            A legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ações que cuidam de benefícios previdenciários sempre nos pareceu evidente, tendo em vista o inequívoco interesse social presente em tais situações. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, modificando entendimento anterior [129], passou a negar legitimidade ao Ministério Público sob o argumento de que se trata de ações para a defesa de direitos individuais homogêneos, sem que haja relação de consumo [130].

            Como já demonstrado nos itens antecedentes, esse raciocínio é completamente equivocado, já que os direitos individuais homogêneos não estão confinados às relações consumeristas. Além disso, é incorreta a generalização que faz o Superior Tribunal de Justiça, ao considerar que ações coletivas que cuidam de matéria previdenciária tutelam sempre – e apenas - direitos individuais homogêneos. A pretensão veiculada na ação é que revela qual o direito está sendo tutelado e não a matéria que é discutida.

            Um exemplo para ilustrar o afirmado: se a ação se limita a pleitear a revisão de benefícios previdenciários pelos índices legais, trata-se de direitos coletivos; caso haja pedido de restituição do que foi pago indevidamente por erro de cálculo, tratar-se-á de direitos individuais homogêneos. Ou seja: o simples fato de se tratar de matéria previdenciária não significa que estejamos diante de direitos individuais homogêneos [131].

            De todo modo, mesmo incidindo em lamentável erro ao desprezar o objeto litigioso na análise da natureza do direito tutelado, o Superior Tribunal de Justiça comete pior equívoco ao negar legitimidade ao Ministério Público, desconsiderando o disposto nos arts. 127 e 129, III e IX, da Constituição. Realmente, o interesse social está intrínseco nas questões previdenciárias [132], o que faz com que haja uma legitimidade in re ipsa do Ministério Público para ajuizar ações coletivas em defesa dos direitos dos segurados. [133]

            Se já nos parecia plenamente possível o ajuizamento de ações coletivas pelo Ministério Público em questões previdenciárias, a edição do Estatuto do Idoso torna indiscutível a matéria, já que, além de prever uma série de direitos previdenciários, expressamente confere legitimidade ao Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos idosos. Aliás, se a partir do Estatuto do Idoso o Superior Tribunal de Justiça continuar desprezando a Constituição e mantiver seu entendimento de que os direitos individuais homogêneos só podem ser tutelados quando houver lei expressa, será obrigado a excluir do âmbito de eficácia subjetiva da decisão coletiva todos os segurados da previdência que não forem idosos, o que configurará uma situação no mínimo desarrazoada, para não dizer esdrúxula.

            Todos esses fatores demonstram que a questão deve ser resolvida com maior simplicidade: o Ministério Público possui legitimidade para o ajuizamento de ações que tutelem direitos previdenciários porque está constitucionalmente autorizado para tanto, seja porque se trata de direitos coletivos, seja em razão do inegável interesse social legitimador da tutela de direitos individuais homogêneos [134].

            Ainda em relação à questão previdenciária, vale lembrar a recente ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em razão da suspensão do pagamento de benefícios previdenciários a beneficiários que possuíssem noventa anos de idade ou mais [135], visando ao ressarcimento dos danos materiais e à reparação dos danos morais individuais e coletivos sofridos pelos idosos.

            Lembre-se também que o Estatuto do Idoso prevê, em seu art. 34, que aos idosos, a partir de sessenta e cinco anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de um salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social, o que, além de alterar o art. 20 da lei 8742/93, pode exigir a atuação coletiva do Ministério Público para resguardar tal direito, que já vinha atuando para tutelar adequadamente o direito previsto no art. 203, V, da Constituição, já que o INSS vem exigindo abusivamente a comprovação de incapacidade para atos da vida diária para a concessão do benefício [136].

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            A fim de demonstrar a importância do papel do Ministério Público na tutela coletiva dos direitos dos idosos e da variedade de hipóteses em que sua atuação poderá ocorrer, vale descrever uma interessantíssima ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal junto à Justiça Federal em Campinas [138], que decorreu de uma questão previdenciária: após procedimento administrativo, constatou-se que dois advogados se apropriavam indevidamente de aproximadamente metade dos valores devidos a seus clientes em causas previdenciárias. Identificaram-se dezenas de idosos que foram lesados e apurou-se que mais de trezentos mil reais foram apropriados pelos advogados, que possuíam poderes para receber tais quantias. Diante desse quadro, além das medidas criminais cabíveis, o Ministério Público Federal ajuizou ação coletiva com base no Estatuto do Idoso, cuja pretensão era evitar que se repetissem tais condutas, pleiteando-se, em antecipação de tutela, que fossem excluídas de todas as procurações outorgadas por idosos aos tais advogados a expressão "poderes especiais para receber", compreendendo-se o poder para levantar alvarás, a fim de que somente os idosos pudessem levantar os alvarás com o numerário a que tinham direito, tendo sido ainda requerida a obrigação de que os réus apresentassem procurações atualizadas dos idosos, com o fim específico para levantamento de valores disponíveis em Juízo, inclusive especificando os valores que serão entregues ao idoso e os valores que serão recebidos a titulo de honorários, sempre quando do levantamento de alvarás.

            7.2. Outros Aspectos Processuais do Estatuto do Idoso

            No que se refere à tutela jurisdicional coletiva, o Estatuto do Idoso apresenta algumas peculiaridades, além da questão da legitimidade, que já foi mencionada na nota 57 deste trabalho. Vejamos agora, algumas outras questões.

            Como em todo o sistema processual coletivo, o Estatuto do Idoso não prevê a legitimidade do Ministério Público apenas para o processo de conhecimento, mas também para a execução da sentença, mesmo se tiver sido outro o autor da ação coletiva e desde que permaneça inerte (art. 87 do Estatuto do Idoso, com redação bastante semelhante [139] à do art. 15 da Lei da Ação Civil Pública). No que se refere à execução, o que chama a atenção no Estatuto do Idoso é o disposto no parágrafo único do art. 84, que, à primeira vista, atribui ao Ministério Público a primazia na execução de multa imposta em ação judicial, conferindo legitimidade aos demais entes apenas em caráter subsidiário. Entretanto, deve haver uma interpretação sistemática entre os arts. 84, parágrafo único, e 87 do Estatuto do Idoso, de modo que o autor da ação pode executar a multa e, em caso de inércia, a legitimidade se transfere aos demais legitimados [140].

            Para finalizar este item, resta analisar o regime financeiro do processo coletivo do Estatuto do Idoso.

            Segundo o art. 88, nas ações coletivas não haverá adiantamento de nenhuma despesa processual e seu parágrafo único dispõe que não se imporá sucumbência ao Ministério Público. Vê-se que não há exata correspondência entre o que prevê o Estatuto do Idoso e o que consta no art. 18 da Lei da Ação Civil Pública.

            Apesar das intensas controvérsias doutrinárias [141], tende a se firmar, no que se refere à Lei da Ação Civil Pública, a aplicação uniforme do disposto no art. 18 a todos os legitimados, inclusive ao Ministério Público [142]- [143]- [144]. Esse tratamento diferenciado das ações coletivas nos parece justificado na medida em que incrementam o acesso à tutela jurisdicional. [145]

            Pensamos ser possível compatibilizar o disposto no Estatuto do Idoso com as regras do sistema do processo coletivo. Não se justifica entender que somente o Ministério Público esteja isento da sucumbência e, o que é ainda pior, mesmo em caso de comprovada má-fé. Não se justificam a isenção da sucumbência a apenas um legitimado e a exclusão da responsabilidade em caso de má-fé. Parece-nos que, para não haver quebra do princípio da isonomia e violação do princípio da proporcionalidade, a interpretação deverá ser a mesma que vem sendo dada majoritariamente ao art. 18 da Lei da Ação Civil Pública: todo co-legitimado está isento da verba de sucumbência, salvo comprovada má-fé [146].

            7.3. Atribuição e competência

            Estamos convictos de que a especialização é a melhor solução para que o Ministério Público atinja resultados mais satisfatórios na tutela dos direitos. Para a tutela coletiva de direitos a especialização das promotorias e a necessidade de planos de atuação institucional nos parecem ainda mais evidentes, em razão das peculiaridades próprias do processo coletivo [147].

            As vantagens da criação de promotorias especializadas são evidentes, na medida em que a dedicação exclusiva a uma determinada matéria faz com que o serviço prestado naturalmente se aperfeiçoe rotineiramente. Além da familiaridade com os problemas relacionados com a matéria, que faz com que as medidas necessárias em boa medida já venham sendo elaboradas e testadas, a especialização aproxima e torna mais fácil o diálogo com órgãos governamentais e setores da sociedade que também são responsáveis pela mesma atividade específica ou se ocupam do mesmo tema. A concentração de atribuição, em resumo, desde que dotadas as promotorias de estrutura necessária, possibilita a maior adequação da técnica às necessidades dos sujeitos de direito e, nessa medida, torna mais eficaz a tutela sob a responsabilidade do Ministério Público. Bastante recomendável também a realização de planos de atuação para a efetiva tutela dos direitos dos idosos.

            Na pesquisa que realizamos, identificamos que os Estados comumente criam promotorias especializadas para a defesa dos direitos dos idosos juntamente com a defesa dos direitos de pessoas portadoras de deficiência, como ocorre, por exemplo, em Minas Gerais, no Maranhão, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, havendo inclusive uma Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID) [148]. Em São Paulo, há atribuição exclusiva para a defesa do idoso, sendo que desde 1997 há um Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Idoso.

            Em nossa concepção, portanto, a pulverização de atribuição deve ser evitada com a criação de promotorias especializadas, que concentrariam toda a atribuição referente aos idosos em situação de risco, inclusive para a persecução criminal dos tipos penais próprios do Estatuto do Idoso. Evidentemente, cada Ministério Público deverá adaptar sua estrutura administrativa às realidades locais, o que pode significar inclusive a previsão de atribuição concorrente [149] entre promotorias para a tutela de direitos dos idosos, mas o que não nos parece razoável é ignorar a necessidade de especialização na defesa dos direitos dos idosos, ao menos nas capitais e nas grandes cidades.

            Outro ponto importante é a necessidade de as Promotorias contarem com o auxílio técnico de profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros, contadores etc. Invariavelmente os fatos desafiam conhecimentos interdisciplinares e apenas com apoio técnico também especializado é que o Ministério Público desempenhará satisfatoriamente suas funções. Freqüentemente, são necessários os auxílios técnicos de engenheiros, biólogos, bioquímicos, assistentes sociais, psicólogos, sanitaristas, contadores etc., revelando que não é possível uma tutela adequada apenas com conhecimentos jurídicos. Evidentemente há restrições orçamentárias que impedem uma composição estrutural próxima ao ideal, mas isso não pode significar que tal realidade seja ignorada e não sejam tomadas as mínimas providências para adequar o Ministério Público a essa nova e irreversível realidade.

            Especialização e formação de grupo de apoio técnico a seus membros são componentes imprescindíveis para a otimização da tutela coletiva pelo Ministério Público.

            Apenas duas observações sobre a competência.

            Em primeiro lugar, enquanto o Ministério Público vem se especializando cada vez mais na tutela coletiva, o Judiciário não parece se preocupar em criar varas especializadas em julgamentos de causas que envolvam direitos transindividuais. Parece-nos que, para uma maior efetividade da tutela dos direitos, também ao Judiciário caberia a especialização da competência.Entretanto, não temos notícia da criação de nenhuma vara com competência exclusiva para matéria referente aos idosos [150].

            A outra observação que deve ser feita é sobre o art. 80 do Estatuto do Idoso, que dispõe que o critério para fixação da competência para o julgamento das ações coletivas será o domicílio do idoso, sendo que a competência é absoluta. Tal regra discrepa do sistema processual coletivo, que prevê o local do dano como critério para a determinação da competência (art. 2º, da Lei da Ação Civil Pública e art. 93 do Código do Consumidor).

            A inovação do Estatuto do Idoso causa algumas perplexidades e não se mostra como a melhor alternativa para a tutela dos direitos dos idosos.

            O local onde ocorreu (ou ocorreria) o dano foi o critério escolhido pelo sistema processual coletivo em razão das melhores condições para o julgamento da causa e acompanhamento pelo Ministério Público, inclusive facilitando a produção de provas. [151]

            Não desconhecemos que o critério do local do dano também enseja sérias controvérsias, como nas hipóteses de dano de alcance regional ou nacional, da ausência de seção de Justiça Federal no local do dano e de conexão, mas nos parece ainda ser a melhor regra. [152]- [153]

            Como bem observou Flávio Luiz Yarshell, "parece correto dizer que: a) nem sempre o domicílio do idoso será o valor mais relevante sob a ótica da ordem pública e b) nem sempre a imposição do foro do domicílio do idoso será a mais benéfica para ele próprio. [...] A interpretação que há de se ter do dispositivo legal, portanto, deve buscar a harmonia entre a) a preservação dos interesses do idoso, facilitando-lhe o acesso (e não o contrário!); b) o equilíbrio entre as partes no processo, não se podendo extrair da regra um tratamento discriminatório incompatível com a condição do idoso e c) a preservação de outros interesses relevantes para a ordem pública, que também sejam critérios determinantes da competência" [154].

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Sobre o autor
Robson Renault Godinho

promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva dos direitos dos idosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 957, 15 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7974. Acesso em: 25 abr. 2024.

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