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A Suprema Corte americana e a defesa das liberdades públicas:

uma breve análise da jurisprudência firmada, em sede de revisão judicial, sobre os princípios da liberdade religiosa e da separação Estado/igreja

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3.separação igreja/estado

Dois casos, por sua relevância e pela repercussão que geraram, devem sempre ser citados, quando se trata de efetuar um estudo da jurisprudência norte-americana no que concerne ao princípio da separação Igreja/Estado.

O primeiro deles, foi o caso Everson v. Board of Education of Township (o caso do ônibus de New Jersey), no qual a Corte reconheceu a constitucionalidade de lei estadual que autorizava os Distritos Escolares a realizar contrato para o transporte de crianças de casa até as escolas paroquiais e vice-versa, por entender que não procedia a alegação de que o dinheiro público estaria sendo usado para promover o deslocamento de crianças até escolas paroquiais católicas, eis que se tratava, naquele caso, unicamente, de legislação visando ao bem-estar público. Para os Justices vencidos, no entanto, tratava-se, no caso, de um inconstitucional auxílio direto, mediante dinheiro público, à educação religiosa.

Já no caso Mc Collum v. Board of Education, de 1948, a Suprema Corte julgou a inconstitucionalidade da concessão estadual de uma hora livre de educação religiosa (protestante, católica ou judaica), durante o horário das aulas, no prédio da escola, de comparecimento obrigatório e cujos professores, apesar de não serem pagos pela escola, estariam submetidos à supervisão desta.

Entendeu-se, nessa ocasião, que "Aqui não somente são usados prédios de escolas públicas, mantidas pelo Estado, para a disseminação de doutrinas religiosas, como o Estado oferece a grupos sectários inestimável auxílio no sentido de fornecer-lhes alunos para suas aulas de religião, através do instrumento compulsório das escolas públicas estaduais. Isso não é separação da Igreja e do Estado". [38]

Quatro anos mais tarde, como acentuado pela Professora Lêda Boechat, a Suprema Corte culminaria por limitar a decisão tomada no caso Mc Collum, ao julgar de maneira contrária em situação de grande similitude.

Neste caso (Zorach v. Clauson), a instrução religiosa seria ministrada fora da escola, mas durante o horário regular escolar, com freqüência obrigatória para os inscritos, devendo, os não-inscritos, permanecerem nas salas de estudo.

Ao defender a constitucionalidade da lei estadual, afirmou, o Relator para acórdão, Justice Douglas, que não há, no Bill of Rights, uma "filosofia de hostilidade à religião".

Desse modo, "quando o Estado encoraja a instrução religiosa ou coopera com as autoridades religiosas para ajustar o esquema de seu horário às necessidades sectárias, segue o melhor caminho de nossas tradições e respeita a natureza religiosa do povo americano".

Para os juízes vencidos, o caso, tal como ocorria na hipótese do julgamento Mc Collum, equivalia à admissão da educação religiosa compulsória, eis que os alunos que não desejassem comparecer às aulas religiosas deveriam ficar retidos nas salas de estudos das escolas.

Como bem salienta a Professora Lêda Boechat, existem poucas dúvidas de que "surgirão e serão levados à Corte Suprema controvérsias adicionais sobre a relação constitucional Igreja/Estado", sendo, esta delicada questão, um "outro problema potencialmente explosivo, com o qual o povo americano terá de aprender a viver". [39]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÁSICAS

BAUM, Lawrence. A Suprema Corte Americana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

DOUGLAS, Kmiec. The American constitucional order history, cases and philosophy. Stephen B. Presser, 1998.

FISS, Owen. The Irony of Free Speech. Cambridge:. Harvard University Press, 1996.

GARVEY, Gerald. The constitutional revolution of 1837 and the myth of marshall’s monopolith. Salt Lake City: The western Political Quarterly, 1965.

HALL, Kermit L. The Oxford guide to the United States Supreme Court decisions. New York: Oxford University Press, 1999.

LOCKHART, William. Constitutional rights and liberties cases comments. Paul West Publishing, 6ª ed., 1986.

MASON, Alpheus Thomas. A Suprema Corte – Baluarte da Liberdade. Rio de Janeiro: Distribuidora Record, 1967.

MENDES, Gilmar Ferreira/ COELHO, Inocêncio Mártires/ BRANCO, Paulo G. Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª ed., 2ª tiragem, Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.

_____. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais – Garantia Suprema da Constituição. São Paulo: Atlas, 2000.

PATRICK, Juillard. Les orientations de la jurisprudence constitutionnelle de la cour supreme etablissement du march unique et renforcement des libertés publiques, in Revue française d’études constitutionnelles et politiques, nº 59, 1991, p. 59/75.

RODRIGUES, Lêda Boechat. A Côrte Suprema e o Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.

_____. A Côrte Suprema dos Estados Unidos. Sua jurisdição e atual Regimento Interno. Rio de Janeiro: 1956.

_____. A Côrte Suprema e as liberdades de palavra e de imprensa. Rio de Janeiro: 1957.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituição Concretizada. Construindo pontes com Público e o Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

_____. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

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Notas

01 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais – Garantia Suprema da Constituição, São Paulo: Atlas, 2000, p. 104.

02 RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano, São Paulo: Revista Forense, 1958.

03 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus. cit., p. 35.

04 Mc Culloch v. Mariland.

05 RODRIGUES, Leda Boechat. opus cit., p. 42.

06 American Insurence Co. v. Canter.

7 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus. cit., p. 45

08 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus. cit., p. 53

09 Wayman v. Southard

10 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 65

11Idem ibidem.

12 Scott v. Sandford

13 Ou seja, foi a primeira vez, passados mais de 50 anos do caso Marbury x Madison, em que a Suprema Corte Americana voltou a declarar a inconstitucionalidade de lei emanada do Congresso.

14 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus. cit., p. 92

15 Nesta linha liberal de proteção ao direito de propriedade e de sua vinculação ao devido processo legal, encontra-se a Constituição pátria de 1988, que, em seu art. 5º, LIV – no Título relativo aos Direitos e Garantias Fundamentais – prescreve que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". (grifo nosso)

16Idem ibidem.

17 MORAES, Alexandre de. opus cit., p. 104.

18 O conceito de razoabilidade que ainda será consolidado pela Suprema Corte Americana servirá de substrato para a definição, quase 50 anos mais tarde, do juízo de proporcionalidade do Direito Alemão.

19 Esse processo de aferição da razoabilidade e da não-arbitrariedade de um ato normativo era chamado de test of reasonableness

20 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 100.

21 MIRANDA, Pontes de. Os fundamentos atuais do direito constitucional. Rio de Janeiro, 1932, p. 116.

22 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 100

23 Vale referir, neste ponto, o voto vencido proferido pelo Justice Holmes no caso Lochner v. New York, no qual este magistrado sustenta o equívoco de se transportar para a Constituição os conceitos e a proteção de determinada teoria econômica: "Uma Constituição não é feita para incorporar uma teoria econômica em particular, seja do paternalismo e da relação orgânica entre o cidadão e o Estado, seja do laissez faire. É feita para pessoas de modos de pensar fundamentalmente diversos e o acidente de nós chamarmos naturais e familiares certas opiniões, ou novas e até chocantes, não deve influir no nosso julgamento quanto à questão de estar ou não a lei que as incorpora em conflito com a Constituição"

24 Deve-se destacar que, ainda hoje, a liberdade contratual reveste-se de grande valor e recebe ampla proteção pela Suprema Corte Americana. Daí porque este Tribunal não admite, ainda hoje, e seguindo as diretrizes que começavam a ser delineadas no caso Lochner v. New York, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Essa restrição à aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, em detrimento da liberdade contratual, ainda que esteja sendo relativamente mitigada, através do desenvolvimento da idéia dos state actions, continua firme na tradição jurisprudencial americana. Cf., entre outros, sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição Concretizada – Construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

25 Regra do Clear and Present Danger.

26RODRIGUES, Lêda Boechat. opus. cit., p. 166.

27MORAES, Alexandre de. opus cit., p. 105.

28 Segundo Lêda Boechat, apesar de a doutrina da posição preferencial das liberdades civis ter sido mais claramente formulada no caso Thomas v. Collins (1945), sua origem pode residir na fórmula de proteção às liberdades da Primeira Emenda, sugerida por Stone, em nota de rodapé ao voto que proferiu no caso United States v. Carolene Products Co. (1938). RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 166.

29 RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 174.

30Brown v. Board of Education of Topeka.

31 VICTOR W. e F. G. Folsom, Jr. Recent restrictions upon religious liberty, American Politicial Sciense Review, vol. 36, 1942, p. 1055-1056, apud RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit. P. 159

32Lovell v. City of Griffin.

33 Cantwell v. Connecticut.

34 Minersville School District v. Gobitis.

35MASON, Alpheus T. The core of free government, 1933-1940: Mr. Justice Stone and ‘preferred freedoms". Yale Law Journal, LXV, 1956, 602.

36RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 167/168.

37O que também evidencia, tal como bem examinado no primeiro seminário apresentado na disciplina "Jurisdição Constitucional", ora ministrada pelo Professor Doutor Alexandre de Moraes, que a força dos precedentes, no sistema do judicial review norte-americano, não se aplica à própria Suprema Corte, que pode rever suas decisões.

38 Trecho de voto do Relator, Justice Black.

39RODRIGUES, Lêda Boechat. opus cit., p. 268.

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Sobre a autora
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

advogada. professora de pós-graduação do IDP/LFG. mestra em direito e estado pela Universidade de São Paulo. membro da ABLIRC - ass. bras. de liberdade religiosa e cidadania

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A Suprema Corte americana e a defesa das liberdades públicas:: uma breve análise da jurisprudência firmada, em sede de revisão judicial, sobre os princípios da liberdade religiosa e da separação Estado/igreja. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 958, 16 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7976. Acesso em: 22 nov. 2024.

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