INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda a questão da Justiça Restaurativa que é um método diferenciado de solução de conflitos, devido nela haver uma evidente característica de inclusão e responsabilidade social, de modo que através de suas propostas de encontro, diálogo e reparação do dano causado acarretará no fortalecimento das pessoas envolvidas bem como da comunidade, para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos de um modo mais humano e eficaz quando comparado ao sistema retributivo. Dentro desta perspectiva, fizemos um recorte da Justiça Restaurativa no aspecto relativo ao princípio da obrigatoriedade, princípio cujo o qual é tido por ser o fundamento de que o Ministério Público deve proceder o ajuizamento da ação penal pública quando presentes os requisitos legais, independente da manifestação ou sem levar em consideração o interesse das partes envolvidas. Tal princípio se faz importante ser analisado devido a certa resistência percebida por parte de membros do Ministério Público em adotar a aplicação da Justiça Restaurativa e seus métodos de solução de conflitos, cuja justificativa tem sido feita apoiada referido princípio da obrigatoriedade. Desta maneira, no primeiro capítulo, a Justiça Restaurativa será tratada desde seu surgimento nos primórdios da civilização, onde também observará características peculiares sob a forma que são aplicadas nos países que dela já se utilizam. Após uma análise do ponto de vista histórico, se passará a abordar os métodos restaurativos mais comuns, a fim de esclarecer o seu funcionamento, estrutura, finalidade, mas sempre lembrando que tais métodos não se resumem aos tão somente aqui tratados. O final do primeiro capítulo será dedicado a tratar acerca da Justiça Restaurativa no Brasil, abordando desde o seu surgimento em nosso país, os projetos pioneiros realizados, bem como a sua introdução no ordenamento jurídico pátrio, principalmente através da resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça-CJN e da Lei nº 12.594/2012, que trata acerca do SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. O segundo capítulo deste trabalho será dedicado a tratar acerca do Ministério Público brasileiro e o princípio da obrigatoriedade na ação penal pública, de modo a esclarecer o trabalho desenvolvido por tal órgão, bem como a abordar este princípio tido como indispensável pela doutrina majoritária e que acaba por conflitar com a aplicação da Justiça Restaurativa. Dito isto, iniciaremos através de uma abordagem histórica do Ministério Público brasileiro, tratando de aspectos desde o seu surgimento até os dias atuais. Posteriormente será tratado acerca de sua titularidade nas ações penais públicas, desde a previsão constitucional para tal e passando por uma breve explanação acerca de como a titularidade é exercida, a fim de elucidar o funcionamento da mesma para auxiliar na compreensão do presente trabalho. Finalizando o segundo capítulo, tratar-se-á acerca do princípio da obrigatoriedade, cujo qual, de acordo com a doutrina majoritária pátria é um princípio fundamental e indispensável nas ações penais públicas, e que acaba sendo utilizado pelos Órgãos Ministeriais a fim de justificar a não aplicação da Justiça Restaurativa No decorrer da análise poderemos observar que o princípio da obrigatoriedade não se encontra totalmente compatível com as necessidades atuais, nem traz o resultado que o mesmo deveria trazer. Ao chegarmos ao último capítulo, após termos analisado os dois fundamentos principais do presente trabalho, quer seja a Justiça Restaurativa e o princípio da obrigatoriedade a que se vincula o Ministério Público na ação penal de natureza pública, poderemos observar que o princípio da obrigatoriedade não se encontra totalmente compatível com as necessidades atuais, nem traz o resultado que o mesmo deveria trazer, acabando ainda por conflitar com a aplicação da Justiça Restaurativa e muitas vezes obstar a sua aplicação. Finalizando, abordaremos uma possível forma de se coadunar o princípio da obrigatoriedade com os ideais e valores da Justiça Restaurativa, garantindo assim, uma plena aplicação da mesma. Desta forma, o presente trabalho terá por objetivo principal demonstrar que a Justiça Restaurativa é uma realidade necessária, com casos de sucesso em diversos países e inclusive nos projetos aplicados no Brasil, e que a mesma deve ser difundida e ampliada, compreendendo assim, que as necessidades humanas são mais vastas e vão além de uma simples retribuição estatal a um crime praticado, de modo a mudar relações, quebrar paradigmas, fortalecer a comunidade Para o desenvolvimento do presente estudo foram realizadas pesquisas bibliográficas, tendo como principais fontes as doutrinas, trabalhos acadêmicos, artigos, revistas jurídicas, pesquisas e informações de sites especializados, bem como análise da legislação brasileira. O método utilizado para desenvolver o presente trabalho foi o método dedutivo, onde aproveitamo-nos de textos teóricos sobre o presente tema, realizando-se assim uma revisão bibliográfica e com isso inserimo-nos posteriormente ante ao atual cenário do direito processual penal brasileiro bem como buscamos encontrar uma possível solução que possa ser adotada a fim de garantir uma plena aplicação da Justiça Restaurativa em nosso ordenamento. 1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: ASPECTOS GERAIS O estudo a respeito dos aspectos históricos da Justiça Restaurativa se faz necessário para que possamos compreender brevemente detalhes referentes a sua origem, sua evolução histórica e com isso obter uma maior familiaridade com o tema que será tratado no delinear deste presente trabalho. 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA Antes de adentrarmos nos aspectos que dizem respeito ao surgimento e a evolução histórica da Justiça Restaurativa, saliento uma breve definição acerca do significado da mesma, e a partir desta, restar-se-á mais fácil o entendimento de todo o tema abordado: Justiça Restaurativa é uma abordagem que visa promover justiça e que envolve, tanto quanto possível, todos aqueles que têm interesse numa ofensa ou dano específico, num processo que coletivamente identifica e trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de restabelecer as pessoas e endireitar as coisas na medida do possível. (ZEHR, 2017, p. 54). A Justiça Restaurativa possui um grande antagonismo ante a justiça retributiva, e resta-se clara tal afirmação desde um primeiro momento onde passamos a compará-las, sendo que na justiça retributiva temos praticamente como conceito que a mesma intimida a sociedade ao impor o seu poder coercitivo e punitivo estatal, em busca do cumprimento das leis, e a vítima acaba possuindo um caráter acessório. (DE VITTO, 2005, p. 42). Na Justiça Restaurativa, temos por princípio segundo De Vitto (2015, p. 43-44), o caráter social e comunitário, fundado na função reabilitadora da pena em relação ao ofensor, bem como agregando um caráter de utilidade para a resposta estatal, reduzindo-se com isso, os efeitos nocivos da pena e agregando a vítima o seu valor e seus interesses deixados de lado quando comparada ao tratamento recebido pela mesma diante da justiça tradicional, a fim de que os danos sejam reparados e um futuro seja traçado a partir daquele momento para todos. Tal antagonismo pode ser melhor compreendido na forma como disposta na Tabela 01, cuja qual abarca de forma sintetizada algumas mais das incompatibilidades entre ambas: Tabela 01 – O antagonismo entre a Justiça Retributiva e a Justiça Restaurativa Justiça Retributiva Justiça Restaurativa • O crime é uma violação da lei e do Estado. • O crime é uma violação de pessoas e de relacionamentos. • As violações geram culpa. • As violações geram obrigações. • A Justiça exige que o Estado determine a culpa e imponha uma punição (sofrimento). • A justiça envolve vítimas, ofensores e membros da comunidade num esforço comum para reparar os danos, “consertar as coisas”. • Foco central: Os ofensores devem receber o que merecem. • Foco central: as necessidades da vítima e a responsabilidade do ofensor de reparar o dano cometido. Fonte: Zehr, 2017, p. 37. Após esta breve comparação e definição, passamos a tratar da origem da Justiça Restaurativa em si, cuja qual pode nos remeter à um passado bem longínquo, tendo sua origem em tribos indígenas, cujas quais utilizavam-se de métodos semelhantes entre seus membros para tratar acerca de crimes ocorridos no âmbito de convivência tribal, repristinando assim, a ordem abalada e ressarcindo o dano sofrido, reequilibrando com isso o contexto social. (SICA, 2007). Os tratamentos dos indígenas para com os seus semelhantes, quer seja das tribos Maoris na Nova Zelândia e Austrália ou First Nations no Canadá, segundo Sica (2007, p. 23), foram as raízes da aplicação de métodos da Justiça Restaurativa nestes países. Para Garcia (2017), as formas de negociações dadas entre os indígenas representavam um modelo de comunidade pautado por valores essencialmente coletivos, que buscavam manter a coesão e harmonia social, restabelecendo o equilíbrio rompido mediante a prática do delito através de negociações entre todos, não havendo exclusão do membro infrator ou punições com caráter vingativo, desta forma sendo vista como uma justiça de caráter social. E com esta finalidade foram utilizadas inicialmente, pois tais países se encontravam em crises envolvendo os indígenas de um lado insatisfeitos com a forma como a justiça tradicional era aplicada contra os seus, e com o caráter nada restaurativo que possuíam indo contrária aos tratamentos tribais, onde após muita discussão e estudos, com as aplicações pode-se verificar o quanto positivamente este método se fizera. (MAXWELL, 2005). Deste momento em diante, passou-se a ser utilizada e a estar cada vez mais presente nos diversos países, antevisto os resultados satisfatórios percebidos em sua aplicação. Em se tratando de tempos atuais podemos enxergar a Justiça Restaurativa tomando nome e forma como a temos hoje a partir da década de 70, onde vários países do mundo passaram de alguma forma a inseri-la em seus ordenamentos a fim de tratar alguns tipos de delitos ocorridos em seu território, e desde então tem se desenvolvido a cada dia acompanhando as necessidades da sociedade, ampliando o rol de abrangência que agora não se limitando somente à pequenos delitos como era em seu início. (ACHUTTI, 2016). Em Kitchener, no estado de Ontário-Canadá, no ano de 1974 têm-se como o marco inicial do surgimento do interesse ocidental pela Justiça Restaurativa, onde a partir de um programa de reconciliação comunitário entre vítima e ofensor, os conflitos eram mediados entre as partes após a aplicação de uma decisão judicial. (ACHUTTI, 2016). Atualmente se encontra expandida por inúmeros países, cada qual com o seu método de introdução e de sucesso na aplicação da mesma, focando principalmente em estar acompanhando as necessidades da sociedade, suprindo lacunas que a Justiça Tradicional deixa, passando a trabalhar em conjunto com a mesma e indo além de uma simples mediação da qual se originou. (ZEHR, 2017, p. 59). A Justiça Restaurativa possui um contexto visando as necessidades sociais, indo além de uma simples retribuição estatal punitiva, focando nos interesses dos envolvidos e da sociedade, buscando uma integração entre todos e não um distanciamento, como ocorre no sistema judicial tradicional. (ACHUTTI, 2016). Uma sucinta frase de Zehr define claramente o sentimento cujo o qual têm norteado a todos pela busca dos métodos da Justiça Restaurativa ante ao sistema judicial tradicional, amplamente presente pelo delinear de nossa história: “Muitos sentem que o processo judicial aprofunda as chagas e os conflitos sociais ao invés de contribuir para seu saneamento e pacificação.” (ZEHR, 2017, p. 11). Deste modo, após este breve histórico acerca do surgimento e evolução da Justiça Restaurativa, se faz necessário abordarmos seus principais objetivos, onde com isso, compreenderemos o que este método busca, bem como esclarecerá muitos dos mitos criados a respeito de tal assunto. 1.2 FUNÇÕES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA Ao analisarmos as funções da Justiça Restaurativa, podemos desmistificar tal instituto, e com isso também quebrar o paradigma existente acerca do tema, onde muitas das vezes, o mesmo passa a ser conhecido através de pessoas que não possuem qualquer tipo de bagagem sobre a matéria, gerando informações inverídicas ao seu respeito. Podemos começar dizendo acerca do principal equívoco que se tem a respeito da Justiça Restaurativa, que é o de a mesma não possuir como função principal gerar uma descarcerização em massa, como pregado por muitos desinformados, os quais acabam por fomentar um preconceito interno nas pessoas que não tiveram contato algum com o tema, cujas quais passam a acreditar que um processo tão complexo se dá somente a este fim. Resta claro que uma descarcerização se faz necessária em muitas das vezes, pois o ato de manter uma pessoa que cometeu um crime atrás das grades, custa muito mais além de altos valores monetários, bem como no âmbito psicológico e social, mas como dito anteriormente, não se limita somente a isto e não cabe a este trabalho tratar à respeito deste problema. Tal sistema restaurativo tem por função central a compreensão por todos de que convivemos em sociedade, e que desta forma estamos todos interligados diariamente de alguma maneira, pois em dias atuais praticamente nenhum ser humano vive em total isolamento, respeitando assim, as individualidades com igual valoração para o desenvolvimento do todo. Com isso, trilham-se rumos para a coletividade, cabendo a todos os que se sentirem envolvidos com os problemas presentes a dialogar e expor sua opinião, construindo um sistema mais humano no tratamento de problemas de âmbito penal, superando assim, o velho estigma de crime e castigo. A partir deste princípio mor, têm-se a preocupação com a não exclusão de um membro pelo mesmo ter se desvencilhado dos “trilhos sociais”, mas sim a realização de um trabalho envolvendo toda a sociedade, para que com isso, o traga novamente a convivência social com o entendimento acerca da importância das responsabilidades que possui, e quando possível uma maneira de ressarcir ou atenuar o dano causado. De acordo com Van Ness (2007, p. 5 apud ACHUTTI, 2016), “[...] seu objetivo maior é transformar a maneira como as sociedades contemporâneas percebem e respondem ao crime e a outras formas de comportamentos problemáticos.”. Sendo assim, compreende-se então que, a função principal da Justiça Restaurativa se dá na mudança de percepção que possuímos em relação aos outros no nosso dia a dia, passando a compreender os problemas além de um mero julgamento, e indo a fundo, entendendo sua origem, maneiras de se resolvê-lo, bem como se dará o futuro a partir daquele momento. Tal assunto é muito versátil, pois, cada país ao implantar a Justiça Restaurativa em seu território, imputa a ela uma função, devido a mesma ser muito flexível, podendo atender a mais diversas necessidades. Uma outra função da Justiça Restaurativa comumente presente em vários países que se utilizam de tal modelo, está no fato de se empoderar as partes da relação ou lide, onde todas terão poderes iguais, sem imposição ou obrigação alguma, onde irão dialogar, expondo seus pensamentos, e deste modo, passando de uma justiça vertical impositora à uma justiça horizontal igualitária, objetivando diálogo, respeito e igualdade. (ZEHR, 2008). Susan Sharpe (1998, apud ZEHR, 2017, p. 54), resume as principais funções da Justiça restaurativa através de três pontos: I - Colocar as decisões-chave nas mãos daqueles que foram mais afetados pelo crime; II - Fazer da justiça um processo mais curativo e, idealmente, mais transformador e III - Reduzir a probabilidade de futuras ofensas. Cabe ressaltar que, dentre os autores supramencionados não existe um senso comum acerca das funções e objetivos da Justiça Restaurativa, onde por ser a mesma algo flexível que se adequa as necessidades da sociedade a mesma pode adquirir infinitas funções. Após tratarmos sobre as principais funções da Justiça Restaurativa, passamos adiante, ao abordarmos os métodos restaurativos, onde poderemos compreender como a Justiça Restaurativa é exercida na prática. 1.3 MÉTODOS RESTAURATIVOS Os métodos restaurativos que aqui serão tratados nada mais são do que as formas como podem ser aplicadas a Justiça Restaurativa, ou seja, nos diversos países que a adotam, há esta diversidade ou preferência por um método de aplicação da mesma, dentre os muitos métodos, trataremos especificamente com relação a Mediação Vítima Ofensor Comunidade (MVO), Conferências de Grupos Familiares e Círculos Restaurativos, os quais terão sua breve definição abordadas neste texto. Iniciando pela Mediação Vítima ofensor (MVO), temos que a mesma pode ser realizada somente entre vítima e o ofensor, onde o foco principal se dá entre o contato e o diálogo entre ofensor e ofendido, mas nada obsta a participação de familiares ou de membros da comunidade neste procedimento. (LIMA, 2017, p. 153). Neste método, os encontros entre as partes envolvidas iniciam-se com encontros individuais entre o mediador e cada uma das partes, onde neste primeiro momento o mediador irá compreender as questões envolvidas e assim planejar o método de condução da conciliação, após este primeiro momento, os encontros poderão ser realizados tanto em conjunto, como individualmente, de acordo om a preferência das partes. (LIMA, 2017, p. 153). A mediação se dá em um ambiente seguro, onde o mediador após compreender as especifidades do caso, utilizando-se de técnicas baseadas nos princípios restaurativos busca a reparação dos conflitos presentes dialogando com as partes e proporcionando oportunidade de diálogo entre elas para que ambas compreendam a situação envolvendo ambas, a fim de solucionarem o problema de forma voluntária, ou seja, sem forçar qualquer tipo de entendimento entre as partes envolvidas, cujo qual poderá ocorrer naturalmente deste processo. (ACHUTTI, 2016; CNJ, 2016, p. 141-146). Já nas Conferências de Grupos Familiares, diferentemente do método supracitado, Lima (2017, p. 151-152) menciona a fundamentalidade acerca da participação de familiares das partes envolvidas, para com isso, receberem apoio delas ao participarem. Para Meiado (2016), o apoio dos familiares do ofensor se faz fundamental para que o mesmo se sinta seguro em assumir sua responsabilidade perante sua conduta praticada, e diante da vítima e seus respectivos familiares poder se retratar e reparar o dano na medida em que seja possível. Ressalta Lima (2017, p.152) que vítima poderá optar por não participar pessoalmente, muitas das vezes isso se dará em casos que envolvem violência contra a mulher e crimes sexuais, os quais podem trazer um constrangimento enorme para quem os sofreu. Apesar da vítima não comparecer pessoalmente em determinados casos, ela poderá participar do processo restaurativo através de outras formas, como videoconferência, gravação de áudios ou até mesmo escrevendo cartas ou e-mails. (LIMA, 2017, p. 152). Igualmente ao realizado na mediação vítima e ofensor, o processo se dará inicialmente através de atendimentos separados das partes com o facilitador, onde ele buscará compreender o caso e desenvolver sua estratégia de abordagem e desenvolvimento da conferência. Após este primeiro momento, o facilitador estimulará o diálogo entre o ofensor e a sua família a fim de que conversem acerca do caso, bem como possam definir uma forma de reparação a ofensa sofrida que deve ser apresentada a vítima posteriormente. (LIMA, 2017, p.151-152). Por fim, desta maneira, ao final do processo ter-se-á um plano de reparação a ser seguido, visando atender aos interesses de todos envolvidos. Finalizando a abordagem dos métodos restaurativos, trataremos acerca dos Processos Circulares, o qual possui uma abrangência mais ampla na busca de uma solução para o conflito, antevisto que os conflitos estão presentes nos contextos sociais e não devem ser mantidos somente entre as partes diretamente envolvidas. Desta forma, além das partes envolvidas, podem participar dos encontros seus familiares, pessoas de sua confiança, profissionais de políticas públicas, representantes do Ministério Público, bem como representantes de diversas instituições e membros interessados da comunidade. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, 2015). Apesar de ter uma abrangência maior, este método não reduz as responsabilidades das partes diretamente envolvidas, somente amplia a participação para a comunidade interessada e ou afetada, para que também compreendam e participem de uma solução acerca daquele fato. (LIMA, 2017). O Processo Circular possui alguns procedimentos a serem seguidos, sendo assim, o torna mais complexo que os demais métodos tratados acima, procedimentos dentre os quais trataremos abaixo. Segundo Pranis (2010, p. 25-32), dentre os principais procedimentos se encontram os seguintes: a) As partes deverão ser dispostas na forma de círculo; (PRANIS 2010, p. 25). b) Todos os presentes terão direito a expor sua opinião, sendo assim, para que seja respeitado o momento de cada um existirá um “bastão da fala”, onde passará por todos do círculo e dando oportunidade de fala a quem o estiver segurando no momento, caso o mesmo deseje; (PRANIS 2010, p. 26). c) Os encontros sempre serão fundados em respeito, sinceridade e compreensão; (LIMA, 2017, p. 150). d) O facilitador irá elaborar questões das quais serão tratadas individualmente pelos membros presentes no círculo, sendo o número máximo de questões a serem feitas determinadas pelo facilitador de acordo com as necessidades de cada caso; (PRANIS, 2010; LIMA, 2017). e) Poderá haver a presença de auxiliares do facilitador, fazendo anotações e apontamentos. (LIMA, 2017, p. 150) Ao final do processo, o facilitador em conjunto com os demais membros do círculo, construirão planos de ação bem como estratégias a serem seguidas pelas partes, para que assim, se resulte em uma satisfação acerca do problema ali tratado agregando valores a todos os presentes. (ACHUTTI, 2016; PRANIS 2010, p. 25-32). Ao abordarmos os processos desenvolvidos em cada método, podemos compreender a importância e o diferencial da Justiça Restaurativa frente a Justiça Retributiva tradicional, visto que, claramente a primeira se faz além de uma simples punição e castigo, envolvendo além de reparação do dano, um senso de compreensão de todos para com o fato, suas causas e as formas de se reatar este elo rompido no momento da ofensa. Reatando-se este elo rompido, vê-se que a vítima, o indivíduo e a sociedade possuirão um acordo conjunto onde todos participaram de sua elaboração, atendendo aos interesses da vítima, pessoa esta a mais prejudicada pelo fato, do ofensor que deseja reparar a ofensa praticada e compreender os males causados por ela e da sociedade, cuja qual todos pertencem, assim mantendo todos os vínculos sem uma exclusão social. (LIMA, 2017). 1.4 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO MUNDO Conforme já mencionado anteriormente, a Justiça Restaurativa se origina de tradições indígenas de tempos indefinidos, mas aqui trataremos acerca da Justiça Restaurativa se inserindo nas sociedades modernas, cujas quais se difundem e se encontram em constante desenvolvimento até os dias atuais. Braithwaite (1997, apud SICA, 2007, p. 21), sustenta que o modelo base da Justiça Restaurativa foi o modelo dominante durante a maior parte da história humana, ressaltando que o modelo retributivo-punitivo, cujo qual é o modelo dominante no momento atual e focado somente em prisão, só é percebido há cerca de apenas dois ou três séculos. Passando acerca deste período, podemos perceber o grande marco inicial da Justiça Restaurativa moderna se dando no início da década de 70, em especial na América do Norte e Oceania. (ZEHR, 2017, p. 24-25). No princípio, os modelos eram mais focados em descarcerização e tratamentos com delinquentes, os quais se encontravam com as vítimas para fins de ressarcir o dano causado por seus atos, bem como para tratamento de delitos envolvendo aborígenes e indígenas. (ACHUTTI, 2016). Deste ponto em diante, visto ao amplo sucesso, a Nova Zelândia utilizou-se da Justiça Restaurativa como base para o tratamento de todas infrações infanto-juvenis. (ACHUTTI, 2016) Já na Austrália, cuja qual se baseou nos métodos adotados na Nova Zelândia, cada estado possui autonomia acerca de qual método restaurativo irá aplicar e em quais ocasiões, tendo se iniciado através da institucionalização de tais práticas em âmbito escolar. (ROCHA, 2014). Já na Europa, podemos ver a Justiça Restaurativa presente no Reino Unido através de tratamento em delitos envolvendo menores de idade, através de pesquisas e aplicações em áreas de grande demanda no país. (ACHUTTI, 2016). Na Espanha, fora introduzida também acerca do tratamento penal contra menores, onde somente quando não reparado o dano a vítima, se prossegue com a ação penal. (ROCHA, 2014) Em Portugal, a prática consiste em uma mediação entre vítima, ofensor e familiares, mas somente nos casos de natureza privada ou semiprivada, ou seja, onde a vítima possui o direito de desistência da ação, pois passando pelo processo de mediação e ao final o mesmo tendo sido frutífero, poderá se extinguir a ação, ou caso negativo, prosseguir-se-á de forma como sempre ocorrera judicialmente. (MEIADO, 2016, p. 71). Partindo para a África do Sul, o início de uma utilização de métodos restaurativos naquele país se deu com as Comissões de Verdade e Reconciliação, onde opressores e vítimas do antigo regime do apartheid, expunham os fatos ocorridos no caso em busca de verdade e conciliação dos povos antes separados, sendo utilizado até os dias atuais, onde apesar de não estar legalmente regulamentado, tais mediações podem ensejar o arquivamento de processos se o juiz entender por bem fazê-lo. (ZEHR, 2017, p. 12). No Canadá, tido como um dos países precursores na prática da Justiça Restaurativa, o juiz no momento da decisão pode recomendar a aplicação dos métodos restaurativos no caso. (SICA, 2007, p. 98). Tal modelo canadense encontra-se inserido no interior de cada cidadão, onde estes compreendem o método e sua importância para solução de conflitos, sendo amplamente aceito por todos. Passando para a América do Sul, podemos citar a Argentina, onde em 1996, foi estruturado um grupo de mediação para solução de conflitos de ordem penal, com cooperação entre o Ministério da Justiça Argentino e estudantes de direito da Universidade de Buenos Aires. (ROCHA, 2014). No Chile, houve um procedimento semelhante ao argentino, onde estudantes tiveram a oportunidade de desenvolver métodos alternativos de solução de conflitos, e assim, divulgá-los à sociedade, exercendo tal método de forma gratuita e atendendo aos interesses daquele povo. (ROCHA, 2014). Grande evolução a respeito da Justiça Restaurativa teve a Colômbia, onde o referido método fora introduzido em sua Constituição, bem como em seu Código de Processo Penal, antevisto o resultado amplamente satisfatório que apresentou. (GARCIA, 2017). 1.5 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL Chegando finalmente ao Brasil, passaremos a tratar acerca da Justiça Restaurativa em nosso país, onde a mesma teve seu surgimento teórico na década de 90, quando pesquisadores a viram como uma possível alternativa ao sistema penal tradicional, ante o grande sucesso que vinham tendo diversos países que a haviam introduzido em sua legislação. (CNJ, 2016). Mas de um modo efetivo e mais aplicável podemos notar sua ocorrência há aproximadamente a 13 anos, sendo 3 projetos pilotos de início, ocorrendo nas cidades de Brasília/DF, Porto Alegre/RS e São Caetano do Sul/SP. (CNJ, 2016). No plano normativo, especial destaque merece a Lei nº 12.594/2012, que trata acerca do SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, e determina que medidas restaurativas sejam aplicadas no âmbito das medidas socioeducativas. (BRASIL, 2012). Tal premissa restaurativa já se faz evidente ao analisarmos o artigo 1º, §2º, inciso I da referida lei, que prevê a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação. Neste ponto, observa-se que ao definir como objetivo da medida socioeducativa a responsabilização do adolescente acerca das consequências de seus atos praticados e incentivar a reparação dos danos sempre que possível, estamos diante de princípios basilares da Justiça Restaurativa, cujos quais já foram tratados anteriormente. Desta forma o SINASE incorpora os princípios da Justiça Restaurativa na aplicação de medidas socioeducativas, assim desde a adolescência já se define um tratamento menos invasivo, violento e repulsivo ante as infrações cometidas. Ademais, resta-se evidente no artigo 35, III da Lei 12.594/2012, a prioridade para a realização de práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas. Tal implementação de premissas restaurativas no tratamento de infrações infanto juvenis, além de abordar acerca do fato que ocorre no presente, possui um viés de mudança futura, visando prevenir assim que o jovem de hoje possa ter uma progressão criminal mais à frente. Além desta lei, há em trâmite no Congresso Nacional, propostas de alterações do Código Penal, Código de Processo Penal e Juizados Especiais, onde através da PL 7.006/2006, visando facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. (BRASIL, 2006). O passo fundamental dado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, se deu através da Resolução 225/2016, a qual apresenta diretrizes para a aplicação do método restaurativo em diversas áreas no âmbito de direito penal e processual penal pátrio. (LIMA, 2017, p. 121-122). Esta Resolução, visa contemplar diferentes metodologias de implementação de práticas restaurativas, além de difundir ainda mais o tema dentro do Poder Judiciário e junto à sociedade, tendo em vista que no ano de sua implementação, apenas seis dos 27 Tribunais de Justiça do nosso país, possuíam alguma normatização ou portaria a respeito da Justiça Restaurativa. Através desta Resolução, a Justiça Restaurativa poderá ser instituída de acordo com a necessidade individual presente em cada Tribunal, e de certo modo acaba por antecipar tais propostas de modificação do nosso ordenamento tratado supra, enquanto as mesmas não ocorrem. (CNJ, 2016). Tendo em vista a grande importância desta resolução ante ao tema deste trabalho, apresentam-se doravante seus principais pontos e peculiaridades, a fim de trazer clareza quanto aos métodos aplicados em nosso país. Já em seus artigos iniciais, a resolução prevê que a Justiça Restaurativa poderá ocorrer de forma alternativa ou concorrente com o processo tradicional, devendo suas implicações serem consideradas caso a caso à luz do correspondente sistema processual e objetivando sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a comunidade, ou seja, a mesma não visa uma substituição do método utilizado atualmente, mas sim agregar ao mesmo alternativas mais amplas para a solução de um litígio, de uma forma mais humanizada e moderna. (BRASIL, 2016). No ponto de vista do conselheiro relator da resolução Bruno Ronchetti, em entrevista concedida a repórter Luíza Fariello do Portal de Notícias CNJ, a resolução nº 225 do CNJ se trata: [...] de importante marco normativo para o Poder Judiciário que, ao difundir a aplicação coordenada e qualificada dos procedimentos restaurativos em todo o território nacional, assume relevo decisivo para a mudança do atual panorama de nosso sistema de Justiça criminal e infanto juvenil, além de consubstanciar-se como meio de concretização de princípios e direitos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o acesso à Justiça e o exercício da cidadania, com vistas à pacificação social. (FARIELLO, 2016). Os acordos decorrentes do procedimento devem ser formulados a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos os participantes, os quais a qualquer momento poderão se valer de orientação jurídica qualquer seja o estágio do procedimento, devendo os acordos conterem obrigações razoáveis e proporcionais, que respeitem a dignidade de todos os envolvidos. (BRASIL, 2016). Dentre as possibilidades de acordo, podemos nos deparar principalmente com o que versa sobre reparação dos danos causados a vítima quando possíveis, e desta forma satisfazer a necessidade daquele que foi ofendido e prejudicado. Esse acordo quando formulado poderá além de reparar danos, ocasionar em implicações na esfera judicial, onde ao analisá-lo para homologação o juiz poderá utilizar-se do mesmo a fim de fundamentar a pena a ser aplicada ao réu, ou até mesmo implicar em uma não persecução penal por ter ocorrido a composição civil dos danos. Achutti (2016) enxerga ainda outras possibilidades que poderão ocorrer em caso de êxito entre as partes no processo restaurativo: [...] o juiz, ao final, poderá levar em consideração o acordo restaurativo no momento de prolatar a sentença – o que, se bem compreendido pela magistratura, poderá resultar em uma nova possibilidade de atenuação da pena ou até mesmo de absolvição – ou, ainda, no renascimento da atenuante genérica prevista no abandonado art. 66 do Código Penal. O programa poderá ser implementado com a participação de todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça–CNJ a sua organização. (BRASIL, 2016). Os Tribunais deverão oferecer espaço adequado e formar a equipe de facilitadores restaurativos para a realização do atendimento, bem como zelar para que cada unidade mantenha a rotina dos atendimentos, elaborando registros e dados estatísticos. (BRASIL, 2016). O procedimento restaurativo poderá se dar em qualquer fase processual, seja pelo Juiz, Ministério Público, Defensoria Pública, pela vontade das partes, seus advogados ou até mesmo setores de atendimento psicológicos e assistentes sociais. Ademais, a Autoridade Policial também poderá sugerir a aplicação de procedimentos restaurativos ao conflito no Termo Circunstanciado ou Inquérito Policial. Este ponto se faz bastante interessante, pois os procedimentos restaurativos poderão ser aplicados desde a fase policial, ou seja, pré processual, até mesmo após o cumprimento de uma pena, não tendo uma imposição específica do momento em que deva ser realizada. As sessões se darão voluntariamente e as partes bem como seus familiares estarão livres para comparecer sem necessidade alguma de intimação judicial ou coerção, prezando-se pela liberdade e autonomia de cada parte. (BRASIL, 2016). Caberá ao facilitador promover o diálogo e escuta entre os envolvidos, sempre ressaltando acerca do sigilo e da voluntariedade daquele ato, das causas que contribuíram para aquele conflito, as consequências geradas e que ainda poderão se originar daquele ato e o valor social daquela norma que fora violada. (BRASIL, 2016). Ao final da sessão, caso não necessite se designar outra para dar continuidade ao caso, poderá ser formulado o acordo, que será posteriormente submetido a vista do Ministério Público e será homologado pelo Juiz responsável se preenchidos os requisitos legais. (BRASIL, 2016). Caso não obtenha êxito na sessão, resta-se vedada a utilização do insucesso para majoração de eventual sanção penal ou meio de prova. Através da presente resolução, é interessante mencionar que os métodos restaurativos vêm sendo difundidos e são objeto de estudos de aplicação para além do previsto e mencionado neste presente trabalho, obtendo resultados de certa forma muito satisfatórios. A título de exemplo, cabe-se mencionar o Projeto Despertar, realizado na Unidade Prisional de Goianésia-GO, de forma que voluntários utilizam-se de círculos restaurativos com os detentos de qualquer situação, quer seja preso provisório ou condenado em cumprimento de pena, de forma para com esse procedimento restaurativo se resgatar a autoestima, a valorização do outro que o cerca bem como o senso de responsabilização de suas ações e danos causados no contexto social em que convivia anteriormente. (MIRANDA; LOPES, 2019). Tal procedimento é visto como muito promissor, devido também a sua difusão pelos próprios detentos que acabam por aplicar os procedimentos que participaram aos seus colegas de cela, não se limitando somente aos círculos. (MIRANDA; LOPES, 2019). Com isso o projeto passou a ganhar força e convenceu até os diretores da unidade prisional e o supervisor de segurança prisional, cujos quais inicialmente se encontravam descrentes de que um simples processo circular fosse tornar os detentos pessoas melhores, mas ao perceberem que os detentos ao se sentirem importantes e valorizados passaram a repensar em suas condutas e atitudes antes de agir ,mantendo-se com isso fora do mundo do crime. (MIRANDA; LOPES, 2019). Neste caso de sucesso pode ser observado que a Justiça Restaurativa pode ir muito mais além do que ela fora inicialmente prevista, ultrapassando a premissa de apenas um encontro entre a vítima e o ofensor para ter um caráter ressocializador que até então apesar de previsto no artigo 1º da Lei de Execuções Penais, onde vê-se na prática a clara a deficiência do sistema em promover a integração harmônica dos condenados à sociedade. Posto isto, denota-se que a Justiça Restaurativa pode ser utilizada em conjunto para com o cumprimento de pena a fim de trazer de volta o sentimento de humanidade do detento, o fazendo refletir sobre suas ações e sobre novos rumos a seguir daquele momento em diante. Desta maneira, apesar de ainda não estar incluída em nenhuma lei advinda do Congresso Nacional, tal prática restaurativa vêm sendo utilizada pelos tribunais de diversos estados, e para os mais diversos tipos de delitos, se tornando um modo claro e eficaz de se solucionar uma lide sem se prender ao método do sistema tradicional de justiça, hoje claramente preponderante. A presente resolução se dá como a base fundamental a ser adotada e observada para a realização dos procedimentos restaurativos, uniformizando assim sua aplicação em todo o território nacional, sendo plena a sua importância para a partir dela se propagar de um modo mais equânime as propostas restaurativas. Além de uma uniformização em sua aplicação, a Justiça Restaurativa encontra outras barreiras à sua aplicação e as quais precisam ser rompidas, tal como uma das principais que seria o desejo de punir e de ver o infrator sofrer pelo delito que cometeu, desejo o qual se construiu através dos tempos e encontra-se presente no interior da grande maioria da população. Outra barreira visível atualmente é a do costume da população em ver seus desejos substituídos pelo desejo estatal, de serem tutelados e assim não compreendem que também possuem um poder de decisão, de mudança que independe muitas vezes da vontade do Estado. (NETO, 2016). Também cabe ressaltar que a falta de informação acerca de tais métodos, e a oposição de muitos membros do poder judiciário contribuem para que haja uma repulsa tratando-se acerca da Justiça Restaurativa. Ao tratarmos de um futuro para a Justiça Restaurativa, podemos enxergar que tal método só tende a crescer e se desenvolver no sistema jurídico brasileiro, principalmente através da resolução supra tratada, onde romperá as barreiras para a sua ampla aplicação, além de proporcionar benefícios a todos os envolvidos além de uma humanização no tratamento de cada cidadão. Após abordarmos os principais assuntos pertinentes para compreendermos acerca da Justiça Restaurativa, passaremos ao próximo capítulo, onde trataremos sobre o Ministério Público brasileiro, abordando além de sua história, sua titularidade nas ações penais de natureza pública e ainda sobre o princípio da obrigatoriedade que será um aspecto conflitante no presente trabalho. 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE NA AÇÃO PENAL PÚBLICA Antes de adentrarmos acerca dos temas inerentes ao Ministério Público que se fazem necessários na análise feita pelo presente trabalho, cabe-se ressaltar informações acerca de sua história e como tal órgão conquistou a enorme importância que possui nos dias atuais. 2.1 A HISTÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO Ao tratarmos acerca do Ministério Público, temos de compreender que as primeiras menções a este instituto datam das Ordenações Manuelinas do ano de 1521 e das Ordenações Filipinas do ano de 1603. Neste primeiro momento, existiam as figuras do promotor de justiça para fiscalizar a lei e promover a acusação criminal, enquanto o procurador era subdividido entre procurador da coroa, e procurador da fazenda. (MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, 2019). No decorrer do tempo, o referido órgão fora tratado por algumas de nossas Constituições Federais, bem como não mencionado por outras, até que finalmente na Constituição Federal de 1988 fora tratado com mais afinco. Na Constituição Federal de 1988, o Ministério Público brasileiro fora definido como instituição permanente, com primordial função jurisdicional ao Estado, onde lhe foram atribuídas a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis bem como a titularidade nas ações penais púbicas. (SILVA, 2014, p. 605). Deste modo, hoje o Ministério Público brasileiro se faz um órgão totalmente independente, não subordinado a nenhum dos três poderes, onde cada membro do Ministério Público, quer seja em âmbito federal quanto estadual possui autonomia para seguirem suas convicções dentro da lei. Suas funções são indelegáveis, e sua instituição não pode ser extinta, garantindo assim amplos poderes para os membros atuarem com ampla liberdade funcional em suas atribuições. O Ministério Público atualmente abrange o Ministério Público da União, que compreendem ser o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios bem como o Ministério Público na esfera estadual. Assim, após abordarmos os aspectos históricos do Ministério Público no Brasil, passaremos no a outro ponto fundamental para caminharmos acerca da tratativa do tema deste presente trabalho, ou seja, a atuação específica do Ministério Público na seara criminal, mais precisamente diante das ações penais públicas. 2.2 A TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÕES PENAIS PÚBLICAS O Ministério Público segundo o art. 129, inciso I da Constituição Federal de 1988 é o órgão legitimado a promover privativamente as ações penais públicas na forma da lei. Tal legitimação decorre de o Ministério Público ser um órgão que possui suas atribuições resumidas na defesa da ordem jurídica, defesa do regime democrático, defesa dos interesses sociais e defesa dos interesses individuais indisponíveis. (PADILHA, 2018). Estas atribuições foram conferidas ao órgão com a Constituição Federal de 1988, cuja qual também tornou o Ministério Público um órgão independente, ou seja, não subordinado a nenhum dos três poderes, tendo liberdade de agir e com isso poder exercer seu papel livremente. (CANOTILHO et al., 2018). Desta maneira, ao ser-lhe incumbido da titularidade das ações penais de natureza pública, passou este a ter o dever de zelar pela defesa dos interesses sociais, agindo assim em nome da sociedade ao requerer a punição estatal ao que infringe a lei. Assim, se faz necessária uma breve elucidação acerca da ação penal pública, cuja qual encontra-se prevista no artigo 100 do Código Penal, que antevê que as ações penais em regra serão públicas, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Deste modo, a ação penal pública se inicia com a petição inicial do Ministério Público, chamada de denúncia, cuja qual conterá conforme previsto no artigo 41 do Código de Processo Penal a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; a classificação do crime bem como quando necessário, o rol das testemunhas. O conhecimento do fato criminoso e de sua autoria, cujos quais ensejarão o oferecimento da denúncia, se darão através dos autos de Inquérito Policial - IP, relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI, investigações realizadas no âmbito da Promotoria de Justiça – PIC-MP. (AVENA, 2018). Esta será remetida ao Juiz, onde o mesmo ao analisar a denúncia oferecida pelo parquet, poderá rejeitá-la ou recebê-la, uma vez oferecida a denúncia passa a se caracterizar a indisponibilidade por parte do Ministério Público sobre a ação penal iniciada, não podendo mais o mesmo desistir da persecução promovida, devendo caso entenda cabível, pedir a absolvição do acusado no momento oportuno, ou em caso de convencimento acerca dos fatos prezar pela condenação do acusado. (LOPES JR., 2016). Posteriormente a esta breve abordagem acerca da função do parquet nas ações penais públicas, especialmente no âmbito do oferecimento da denúncia e início da persecução penal, se faz necessária uma abordagem mais específica em relação ao princípio da obrigatoriedade do Ministério Público, para tratarmos acerca do tema referente ao presente trabalho. 2.3 O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE A QUE SE VINCULA O MINISTÉRIO PÚBLICO Lopes Jr. (2018), compreende que o princípio da obrigatoriedade rege a ação penal pública, no sentido que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que estiverem presentes as condições da ação, ou seja, a prática de fato aparentemente criminoso, punibilidade concreta e justa causa. Caso não estejam presentes as condições da ação, deverá o mesmo prezar pelo arquivamento dos autos, cujo qual será analisado e decidido pelo Juiz. O princípio da obrigatoriedade, tido como fundamental acerca da atuação do Ministério Público nas ações penais públicas, ao contrário do que se espera, não possui um artigo que o consagre, mas tão somente é retirado da interpretação do artigo 24 do Código de Processo Penal, definindo assim, ao menos teoricamente, a não vigência dos princípios da conveniência e da oportunidade, onde o Ministério Público poderia agir com certa discricionariedade. (PACELLI, 2018). A corrente doutrinária em sua maioria, conforme veremos a seguir, compreende por ser a obrigatoriedade um princípio indispensável ao Ministério Públicos nas ações penais de natureza pública, senão ora vejamos o que menciona Aury Lopes Jr. (2018) em sua obra: A obrigatoriedade (não consagrada expressamente, mas extraída da leitura do art. 24 e do seu caráter imperativo) encontra sua antítese nos princípios da oportunidade e conveniência (não adotados no Brasil na ação de iniciativa pública), em que caberia ao Ministério Público ponderar e decidir a partir de critérios de política criminal com ampla discricionariedade. Em nosso sistema, isso não existe e, estando presentes os requisitos legais para o exercício da ação penal, deverá o Ministério Público oferecer a denúncia. Já Nucci (2016), compreende que o princípio da obrigatoriedade se faz presente em nosso direito processual penal e que a mesmo se consagra pelo fato de “não ter o órgão acusatório, nem tampouco o encarregado da investigação, a faculdade de investigar e buscar a punição do autor da infração penal, mas o dever de fazê-lo.”. Na mesma linha de raciocínio se encontra Renato Brasileiro de Lima (2017) ao afirmar em sua obra que “aos órgãos persecutórios criminais não se reserva qualquer critério político ou de utilidade social para decidir se atuarão ou não.”. Já nas palavras de Ferreira e Neto (2018, p. 30), os motivos utilizados pelos doutrinadores que defendem ser a obrigatoriedade um princípio presente em nosso ordenamento “voltam-se tão somente a atribuir a titularidade da ação penal pública, em caráter exclusivo, ao Ministério Público. Não se observa, a rigor, a existência de caráter cogente apto a afastar o espaço decisório de seu titular.”. Tal entendimento também compartilha Suxberger (2018, p. 42) ao definir que: Ao se afirmar que, normativamente, os órgãos de persecução penal, em particular o Ministério Público, não dispõem de um espaço decisório na formalização da decisão em favor do exercício da ação penal em juízo, tem-se em contrapartida uma negação da funcionalidade do exercício da titularidade da ação penal. Tal princípio, de acordo com seus defensores, visa obstar um tratamento desigual entre pessoas que cometeram um mesmo crime, quer seja por condição social, racial ou intelectual, de forma que o Ministério Público se restará obrigado a oferecer a denúncia com isonomia, ao não discriminar suas decisões pelos motivos aqui mencionados. Mas ao velar-se por esta isonomia que o princípio da obrigatoriedade vêm a assegurar ao processo penal, denota-se que através da mesma se passa a ignorar a funcionalidade, a realidade prática, a contribuição das políticas públicas e as limitações de funcionamento do sistema de justiça, constituindo, dessa forma, um verdadeiro dogma no direito pátrio. (FERREIRA; NETO, 2018). Sendo assim, podemos compreender que de acordo com Suxberger (2018, p. 38 apud Silva,1999, p.421) que o princípio da obrigatoriedade surgiu com o intuito de ser a realização da igualdade e da justiça pela generalidade, pela busca da agilização das condições socialmente desiguais, onde a atividade estatal, sujeita-se à lei, cuja qual é compreendida como expressão da vontade geral. Observa-se que este princípio está inerente a uma necessidade retributiva estatal presente na época da criação do Código de Processo Penal em 1941, mas as necessidades evoluíram em conjunto com o desenvolvimento humano, onde atualmente, tal princípio não se faz mais tão fundamental e justo diante das várias formas de solução de conflitos já existentes e que possuem casos com maior possibilidade de sucesso frente ao meio retributivo onde o princípio da obrigatoriedade vige.(SICA, 2007). Apesar do majoritário entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca de que o princípio da obrigatoriedade é fundamental para a persecução penal em crimes de ações de natureza pública, poderemos enxergar no próximo capítulo alguns casos que o mesmo fora mitigado, sem prejudicar a atuação ministerial, tão somente reforçando a independência prevista constitucionalmente. Desta forma, atualmente percebe-se uma certa sensação de resistência em muitos dos membros do Ministério Público em utilizarem-se dos princípios da Justiça Restaurativa, de forma que os mesmos acabam por fundamentar tal óbice a uma aplicação dos princípios restaurativos devido ao princípio da obrigatoriedade a que são vinculados. Esta percepção fora claramente percebida por Andrade (2017, p. 154), onde este relata que se restou claro durante as pesquisas de campo realizadas que os órgãos se utilizam de tal premissa a fim de justificar um temor dos mesmos em perderem o monopólio da justiça institucionalizada tradicional, onde na Justiça Restaurativa por não haver monopólio, os poderes são distribuídos as partes. Portanto se faz necessário aos membros resistentes do Ministério Público segundo Andrade (2017) “[...] superar um modelo de poder “sobre o outro” para construir um modelo de “poder com o outro.”, e com isso evitar-se os efeitos instigadores de conflitos entre as partes presentes no processo penal. Á vista disso, podemos compreender que apesar de muitos promotores de justiça adotarem práticas restaurativas, uma parcela deste grupo se encontra resistente a tal instituição, quer seja por ter um ponto de vista mais rígido, quer seja por temer que com ela suas funções sejam diminuídas, afetando seu status ou até mesmo por um apego institucional, argumentações que já se demonstraram totalmente descabidas. (FERREIRA; NETO, 2018). Fundamental e evidente se faz a necessidade de um controle sobre os atos no âmbito da aplicação de procedimentos restaurativos por parte do Ministério Público a fim de não ensejarem estes em tratamentos privilegiados ou lenientes por parte do promotor de justiça e nem que os mesmos se desobriguem a aplicação dos princípios restaurativos, trazendo ao mesmo tempo uma maior segurança para utilizarem-se dos referidos procedimentos. Antes de passarmos para a parte final deste presente trabalho, é indispensável mencionarmos acerca do crime de prevaricação, cujo qual o promotor de justiça incorreria ao não observar o princípio da obrigatoriedade, que se encontra previsto no artigo 319 do Código Penal e que também se utilizam os órgãos ministeriais a fim de justificar a decisão pela não aplicação da Justiça Restaurativa. (CAPEZ, 2018). A prevaricação é um dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral que consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista é de detenção, de três meses a um ano, e multa. Após abordarmos nos dois primeiros capítulos os pontos cruciais e conflitantes para o desenvolvimento do tema principal deste trabalho, bem como a importância desta mudança de dogma ministerial em não aplicar princípios restaurativos pelos motivos tratados supra, passaremos a partir de agora a tratar acerca de uma forma de se coadunar ambos princípios e ampliar a aplicação da Justiça Restaurativa. 3 POSSÍVEIS FORMAS DE SE COADUNAR O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE COM OS IDEAIS E VALORES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA Inicialmente, cabe-nos ressaltar que uma plena aplicação da Justiça Restaurativa se faz necessária diante da evidente ineficiência do sistema penal retributivo atual, onde o desejo estatal pela vingança e retribuição ao ofensor avulta-se sobre os reais interesses e necessidades da vítima, a qual fora pessoalmente afetada pelo delito e que sofrera, bem como os da sociedade. Desta forma, se torna imprescindível encontrar formas a fim de se coadunar o princípio da obrigatoriedade com os reais valores da Justiça Restaurativa a fim de cessar a arguição de que o dogma da obrigatoriedade impede sua ampla aplicação no ordenamento jurídico pátrio, e com isso utilizar-se de formas mais eficazes para a solução dos conflitos atuais, assunto que será tratado no decorrer do presente capítulo. 3.1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: ANÁLISE A PARTIR DO NEOCONSTITUCIONALISMO Previamente, para uma melhor compreensão do tema que será desenvolvido neste capítulo, cabe se ressaltar a respeito do conceito de neoconstitucionalismo, que será o ponto de vista utilizado para solucionar o conflito presente e que segundo as palavras de Mendes e Branco (2017) é o “resultado de reflexões propiciadas pelo desenvolvimento da História e pelo empenho em aperfeiçoar os meios de controle do poder, em prol do aprimoramento dos suportes da convivência social e política.”. Deste modo, observa-se que não há uma mutação física na Constituição Federal, e sim uma evolução em sua interpretação, cuja qual acompanha o desenvolvimento da sociedade de acordo com as reais necessidades trazidas com este, passando-se assim de uma interpretação rígida e estrita para uma interpretação principiológica. Assim, ao enxergarmos o sistema punitivo atual no ponto de vista neoconstitucionalista, podemos compreender que diante da evolução da sociedade, resta-se cada vez mais evidente que formas contemporâneas de soluções de conflitos, neste caso em especial com o foco voltado a seara penal, devam ser utilizadas e não se limitando tão somente às clássicas regras atribuídas em um período totalmente díspar ao que vivemos atualmente. Dito isto, a aplicação dos procedimentos da Justiça Restaurativa se fazem necessários a fim de tornar os procedimentos as quais a mesma são aplicáveis de uma forma mais célere, mais humana, atendendo aos interesses da vítima, da sociedade, e porque não do ofensor, que poderá visualizar sua atitude de uma forma diferente à uma simples reclusão. 3.2 DA FORÇA NORMATIVA CONSTANTE NAS RESOLUÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA-CNJ A resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, mencionada anteriormente refere-se a inovações em aspectos penais e processuais penais, a fim de implementar um meio novo de solução de conflitos, a fim de dar celeridade aos processos penais e humanizar os tratamentos ineficazes que atualmente se utilizam. Cabe ressaltar que o referido conselho fora introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e é uma espécie de controle externo do poder judiciário. (STRECK; SARLET; CLÈVE, 2005). Tal premissa tem gerado muitas dúvidas acerca da capacidade do Conselho Nacional de Justiça-CNJ expedir resoluções que tratem por exemplo do tema referente ao presente trabalho, adentrando acerca de direito penal e processual penal, mas de acordo com o artigo 103-B, §4º, inciso I da Constituição Federal, tal capacidade se encontra totalmente válida, senão vejamos: Art. 103-B, § 4º - Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - Zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;(grifo nosso) Assim, compreende-se que o Conselho Nacional de Justiça-CNJ possui a competência constitucional para expedir resoluções para assuntos no âmbito de sua competência. Tal entendimento foi motivo para impetração de uma ação direta de constitucionalidade-ADC de nº 12/DF, onde fora reconhecido que um ato expedido pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ detém a mesma força normativa das leis não havendo assim que se falar em ato meramente regulamentar, mas em ato normativo primário, já que, assim como aquelas, extrai seu fundamento diretamente da Constituição.(DOS SANTOS, 2017 apud CASTRO; SANTOS, 2011). Castro e Santos, 2011, compreendem que essa decisão do Supremo Tribunal Federal: [...] abriu um precedente para a atuação do Conselho Nacional de Justiça, bem como representa uma inovação no ordenamento jurídico, pois, acabou por elevar uma Resolução expedida pelo órgão ao mesmo patamar de lei. Podemos compreender então que o Supremo Tribunal Federal conferiu as resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ patamares idênticos ao de uma lei, e assim, a Resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça se faz totalmente aplicável ao ordenamento penal e processual penal, ante a capacidade de tratar sobre estes assuntos ter sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal-STF. Após compreendermos que se faz necessária uma mudança de paradigma dos métodos processuais penais e penais em uso atualmente e que se encontram visivelmente ineficientes e desumanos, perceberemos a seguir que o princípio da obrigatoriedade, que é tido por muitos como um óbice a ampla aplicação da Justiça Restaurativa, já fora mitigado em diversos casos, todos visando uma maior celeridade processual e uma modernização processual penal e até o presente momento estão sendo aplicados. 3.3 MITIGAÇÕES AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE JÁ PRESENTES EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO Tendo em vista as objeções alegadas para uma não aplicação plena da Justiça Restaurativa em nosso ordenamento, poderemos notar no decorrer deste tópico que diversas espécies de mitigações a este princípio já ocorreram em nosso ordenamento, e nem por isso foram obstadas em sua aplicação. Abordaremos a seguir algumas delas, a fim de demonstrar sinteticamente os seus aspectos cujos os quais também mitigam o princípio referido, a começar pelo instituto da transação penal previsto no artigo 76 da Lei nº 9.099/1995. A transação penal basicamente é o fato do Ministério Público diante das infrações sujeitas ao Juizado Especial Criminal, quando presentes os requisitos legais, deixar de propor a ação penal e oferecer ao autor do fato a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, ou seja, penas alternativas a prisão, onde após cumpridas as imposições ministeriais, se encerrará o procedimento. (AVENA, 2018). Desta maneira a transação penal consubstancia-se basicamente em um acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor do fato, onde o promotor propõe ao autor uma pena alternativa que não seja privativa de liberdade, dispensando com isso a instauração de um processo. (CAPEZ, 2018). Após a aceitação do acordo proposto, o mesmo deverá ser homologado pelo juiz, quando estiver atendendo os requisitos legais, sendo que quando cumpridos os requisitos do acordo formulado, ensejará na extinção da punibilidade, do contrário em caso de descumprimento, acarretará no oferecimento da denúncia ou queixa. Capez (2018) define que a transação penal é Amparada pelo princípio da oportunidade ou discricionariedade, consiste na faculdade de o órgão acusatório dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la sob certas condições, atenuando o princípio da obrigatoriedade, que, assim, deixa de ter valor absoluto. (grifo nosso). Deste modo, podemos enxergar uma visível mitigação ao princípio da obrigatoriedade, onde o Ministério Público passa a ter uma certa discricionariedade em propor ou não a ação penal. Essa espécie de mitigação fora introduzida no ordenamento jurídico e possui ampla aplicabilidade desde então, se mostrando ser uma alternativa ao processo penal comum carcerário, possuindo um caráter mais célere, de certo ponto humanista ao não submeter o autor de um crime ou contravenção as mazelas do cárcere quando a mesma seja cabível. Posteriormente, podemos encontrar no instituto da colaboração premiada, que é prevista no art. 159 do CP, com a redação dada pela Lei nº 8.072/90 (art. 7º); na Lei nº 12.850/13 (art. 4º e seguintes); na Lei nº 9.080/95, que alterou o art. 25 da Lei nº 7.492/86 e art. 16 da Lei nº 8.137/90; na Lei nº 9.613/98 (art. 1º, § 5º), que cuida dos crimes de lavagem de bens, dinheiro e valores; na Lei nº 9.807/99, que trata do Programa Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas (arts. 13 e 14); e na Lei nº 11.343/06 (art. 41), em relação aos crimes de tráfico de drogas. Tal instituto basicamente se consubstancia a um benefício concedido ao criminoso que denunciar os demais envolvidos no crime que lhe fora imputado, facilitando assim as investigações, cuja informação será valorada pelo juiz e acarretará, quando válida, desde uma redução da pena imposta ou até mesmo uma isenção da mesma. (AVENA, 2018). Este acordo ocorrerá na presença do acusado juntamente com o seu advogado, bem como o representante do Ministério Público, de modo com que o acusado deverá trazer elementos suficientes para incriminação dos corréus, localização da vítima ou restituição de produto criminoso, para que sejam concedidos os benefícios supramencionados. Desta maneira, o Ministério Público ao negociar com o autor delator, onde o este abrirá mão de alguns direitos seus em troca de alguns benefícios que lhe serão proporcionados pelo órgão acusatório, se faz este ato outra mitigação ao princípio da obrigatoriedade, pois ensejará em uma acusação diferente de indivíduos que praticaram do mesmo crime e com o mesmo grau de culpabilidade. (AVENA, 2018). Cabe-se mencionar ainda acerca de outro instituto utilizado atualmente e que também se verifica a ocorrência de idêntica mitigação ao princípio da obrigatoriedade, cujo qual é tratado no Capítulo VII da Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP, denominado de acordo de não persecução penal, que assim se define: Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática [...] Assim, será feita a proposta ao acusado, e este aceitando o acordo será este remetido ao juiz, que, decidindo por ser o acordo cabível e as condições adequadas e suficientes remeterá novamente o mesmo ao Ministério Público para que este possa implementá-lo. Após cumpridos todos os requisitos estabelecidos no acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, conforme o disposto no artigo 18, §11 da resolução supracitada. (CNMP, 2017). Claro que aqui nos limitamos somente em tratar dos elementos mais pertinentes a fim de ressaltar as mitigações ocorridas a fim de demonstrar que estas já ocorrem há certo tempo, sem adentrarmos em todos os requisitos ensejadores a tal proposta, que não se fazem importantes neste presente trabalho. Outro aspecto interessante e importante de se tratar neste presente trabalho se faz no sentido de que as técnicas restaurativas são amplamente aplicadas no âmbito da justiça juvenil brasileira, cuja qual poderemos verificar que possui um caráter baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, sendo este mais humanitário, social e o qual permite uma discricionariedade por parte dos membros do Ministério Público. Tal premissa se faz visível ao se analisarmos o artigo 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, o qual garante poder decisório ao representante do Ministério Público ao estudar o caso, senão vejamos: Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. (BRASIL, 1990). Então, o representante do Ministério Público atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional, poderá ter a discricionariedade de conceder a remissão ao infrator, que nas palavras de Nucci (2018), possui a característica de perdão extrajudicial, visto impedir o advento do processo, cuja finalidade seria apurar o ato infracional, fixando-se a medida socioeducativa pertinente, quando fosse o caso. Este perdão, no âmbito dos atos infracionais cometidos por menores, não acarretará em nenhuma contrapartida por parte do beneficiário pela permissão que lhe fora concedida. Ademais, como previsto no artigo 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, a remissão não implica necessariamente no reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, ou seja, é muito benéfica ao infrator e é concedida pela possibilidade de discricionariedade atribuída pelo estatuto ao representante do Ministério Público. Assim, percebe-se que no âmbito dos atos infracionais graças a esta discricionariedade conferida ao parquet, que pode conceder a remissão ao analisar o caso, se encontra mais suscetível a aplicação dos princípios restaurativos. Também através da teoria da proteção integral, pode o órgão acusador utilizar-se de medidas restaurativas frente ao procedimento judicial de menores, por possuírem tal premissa jurídica para os aplicarem. Tal medida torna o procedimento mais adequado, humano, social, e realmente interessado em uma reinserção do jovem na sociedade, eliminando possíveis chances de reincidência por parte do mesmo, bem como uma estigmatização do infrator. Desta feita, denota-se que o princípio da obrigatoriedade tão suscitado pelos membros do Ministério Público como uma intempérie a aplicação da Justiça Restaurativa nas ações penas públicas vê-se não tão intocável por ideais neoconstitucionalistas, pois podemos notar alguns exemplos aqui tratados de que tal princípio fora mitigado sim e nem por isso o procedimento deixou de ser utilizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como uma forma alternativa de solução de conflitos trazida pelos princípios da Justiça Restaurativa pode melhorar a forma de como autor, vítima, bem como toda a sociedade se relaciona diante da ocorrência de um crime, onde com esta se vai muito além de uma retribuição estatal em forma de castigo ao autor do fato. Além disso, no decorrer do primeiro capítulo, também pudemos observar que esta forma de solução de conflitos se encontra em aplicação em diversos países nas mais diversas searas e vem trazendo resultados muito satisfatórios. Abordando-se a função a qual a Justiça Restaurativa se propõe no Brasil, verifica-se que não existe um propósito específico e exclusivo limitando a aplicação da mesma, desta forma, a mesma poderá vir a ser aplicada nos mais diversos âmbitos que dela necessitem, compactuando assim do ponto de vista percebido no presente trabalho de que a mesma em todo seu decorrer histórico passou por diversas modificações nos países que a adotaram a fim de suprir as necessidades específicas daqueles. Deste modo, percebe-se que no Brasil a Justiça Restaurativa se faz uma interessante e necessária ferramenta para a solução de conflitos diante de toda ineficácia do sistema penal retributivo atual, onde a justiça retributiva mais têm acirrado conflitos do que buscado pacificá-los, de modo que não atende aos reais interesses dos envolvidos no fato criminoso, ocasionando total desequilíbrio de relações. Ademais, ao analisarmos que nosso código de processo penal data da década de 40, é evidente que as necessidades abordadas naquele tempo não necessariamente se perfazem atualmente, diante de toda a evolução histórica e social que trilhamos desde então, concluindo-se que a vontade retributiva estatal não se pode sobrepor ao desejo das partes e suas necessidades. Compreende-se que a Resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça–CNJ é o marco principal acerca da introdução da Justiça Restaurativa e nosso ordenamento, e que a partir dele pode-se denotar uma clara divergência por parte dos membros do Ministério Público em aplicarem a mesma. Ao tratarmos no segundo capítulo a respeito do Ministério Público, órgão este de suma importância em nosso país e que veio através de sua história conquistando uma posição fundamental em nosso ordenamento, pudemos compreender sua titularidade nas ações penais públicas, e notar que nestas a vontade da vítima é suprida pelo referido órgão ao buscar uma punição estatal tão somente. Desta forma, ao adentrarmos no âmbito da obrigatoriedade ministerial, denotamos que esta é arguida como o impecílio que obsta a plena aplicação da Justiça Restaurativa em nosso ordenamento, onde é alegado a falta de discricionariedade para tal feito, ou seja, a obrigatoriedade não permite que se tome um rumo diferente diante da notícia de um crime de ação penal pública. Mas ao nos aprofundarmos neste verdadeiro dogma em que se fundam afim de não aplicarem a Justiça Restaurativa, pudemos compreender que tal princípio é apenas uma escusa, e um dos principais e reais motivos seria o apego institucional destes membros diante de um método que dá o poder as partes e não tão somente aos membros do Ministério Público. Referido órgão possui desta forma membros com uma visão fechada acerca da aplicação da Justiça Restaurativa, e assim não estão a aplicando, bem como possui ao mesmo tempo, membros com uma visão digamos que mais moderna e que aplicam os métodos restaurativos e defendem amplamente a sua utilização, assim demonstrando que este dogma da obrigatoriedade não é o fato impeditivo para isso. Tanto é que no decorrer do capítulo terceiro pudemos denotar que várias espécies de mitigações já ocorreram com relação a este princípio e nem por isso foram obstadas em sua aplicação por parte do parquet como tentam o fazer com a aplicação dos princípios restaurativos. Mitigações as quais já são aplicáveis rotineiramente, e trazem consigo uma modernização do processo penal brasileiro, que se aproxima de seus 79 anos de idade, visando acompanhar a dinâmica social atual, trazendo mais celeridade ao mesmo. Pode-se considerar que a Justiça Restaurativa é plenamente viável e aplicável ao processo penal brasileiro, de modo mais eficaz e regrado após a resolução do Conselho nacional de Justiça-CNJ, bem como com as propostas que se encontram aguardando votação no Congresso Nacional e visam incluir a previsão de aplicação de princípios restaurativos dentro do texto do código penal e do código de processo penal, sendo estes grandes marcos para uma mudança de paradigma tão necessária nestes aspectos. Tratando-se da oposição de parte dos membros do Ministério Público em aplica-las efetivamente, é visível que a obrigatoriedade ao ser mitigada não excluirá o órgão de suas funções, de modo que poderão realmente passar a exercer a titularidade das ações penais públicas no momento em que puderem decidir a respeito das mesmas. Assim pudemos ter a impressão de que a Justiça Restaurativa precisa acima de tudo vencer os dogmas presentes não só por parte do parquet, mas por toda grande parte de uma sociedade que está acostumada com um sistema retributivo, onde o castigo é mais importante do que reatar laços rompidos e reestruturar um problema ocorrido. Conseguinte a este primeiro obstáculo, é visível a grande valia que a Justiça Restaurativa trará quando efetivamente aplicada, pois, ao contrário do que muitos compreendem, não será o crime afastado da tutela jurisdicional, não importará em perda de poder dos promotores de justiça, antevisto que eles participarão e que ocorrerão respostas acerca do crime praticado, podendo implicarem em algo mais concreto ao que seria caso fosse tratado o caso somente na justiça retributiva comum. Tais objetos impostos pela Justiça Restaurativa precisarão de um controle e regulamentação acerca de limites nos acordos ali firmados, cujos quais podem ocorrer antes durante ou até depois da aplicação da pena tradicional. Finalizamos assim este presente trabalho com uma visão de que os princípios e valores internos do referido órgão não podem sobrepesar as necessidades sociais, prejudicando assim todo um dinamismo e modernidade proposto por tal método e que acabam por serem obstados por um mero status ministerial, de modo que após esta superação dogmática a Justiça Restaurativa será amplamente aplicada e se amoldará aos fatos que dela necessitem, trazendo o processo penal diante dos dias atuais, com humanização, participação efetiva das partes, celeridade e efetividade, conforme ocorrera nos demais que a adotaram. REFERÊNCIAS ACHUTTI, Daniel Silva. Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. 2. ed. 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Justiça Restaurativa e a atenuação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública
O sistema penal e processual penal atualmente se encontram ineficazes para atingir os seus objetivos e carecem de uma modernização para suprir as atuais necessidades da sociedade. Deste modo, analisa-se a Justiça Restaurativa sendo aplicada nestes casos.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.
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