UM CASO EM QUE SE INVOCA ERRO
Rogério Tadeu Romano
I – O FATO
Segundo o site do jornal O Globo, em 8 de março do corrente ano, a justiça do Paraguai suspeita que o jogador Ronaldinho Gaúcho e seu irmão, Roberto de Assis, estariam envolvidos em outros crimes além do uso de passaporte falso. Em entrevista exclusiva ao "Esporte Espetacular", o promotor Osmar Legal, responsável pelo caso em Assunção, destacou que a justiça paraguaia já tem as informações sobre como os brasileiros tiveram acesso aos documentos adulterados e que ambos estão colaborando com as investigações.
Ao ser perguntado sobre quais seriam os outros crimes, o promotor não revelou detalhes:
— Ainda não podemos adiantar sobre os passos das investigações, mas há indícios que outros crimes foram cometidos — disse.
Na mesma entrevista, Legal afirmou que a justiça paraguaia já confirmou que Ronaldinho e o irmão usaram o passaporte falso para sair do Brasil e entrar no país vizinho.
— Temos informações que eles já receberam os documentos falsos ainda no Brasil e também sabemos que eles utilizaram esses documentos para entrar no Paraguai. Os passaportes têm registros e assinaturas deles, então para nós fica claro que foram utilizados — acrescentou o promotor. — Essas informações ainda são sigilosas, mas nós já temos informações concretas sobre como esses passaportes chegaram ao Ronaldo e ao Assis.
O promotor indicou que os brasileiros estão contribuindo com o andamento das investigações, porém, destacou que isso não significa que eles assumiram a culpa pelo crime.
Ao ser perguntado sobre quais seriam os outros crimes, o promotor não revelou detalhes:
— Ainda não podemos adiantar sobre os passos das investigações, mas há indícios que outros crimes foram cometidos — disse.
Na mesma entrevista, Legal afirmou que a justiça paraguaia já confirmou que Ronaldinho e o irmão usaram o passaporte falso para sair do Brasil e entrar no país vizinho.
— Temos informações que eles já receberam os documentos falsos ainda no Brasil e também sabemos que eles utilizaram esses documentos para entrar no Paraguai. Os passaportes têm registros e assinaturas deles, então para nós fica claro que foram utilizados — acrescentou o promotor. — Essas informações ainda são sigilosas, mas nós já temos informações concretas sobre como esses passaportes chegaram ao Ronaldo e ao Assis.
O promotor indicou que os brasileiros estão contribuindo com o andamento das investigações, porém, destacou que isso não significa que eles assumiram a culpa pelo crime.
Para o advogado Sérgio Queiros, em entrevista publicada o Globo Esporte. com, os documentos paraguaios foram oferecidos a Assis, que teve interesse na naturalização com intuito de realizar negócios no país. No entanto, o irmão de Ronaldinho acreditou que fossem documentos verdadeiros quando os recebeu.
- Eles não tinham a ciência de que os documentos eram ilegítimos. Ronaldo tem o segundo passaporte, espanhol. Ao receberem os documentos, para eles estava tudo ok. Tanto que apresentaram.
O advogado detalhou o processo desde a última quinta-feira e disse não enxergar motivo para investigação após Ronaldinho e Assis se apresentarem para esclarecer os fatos.
- Ambos portavam passaporte e identidades brasileiros, Ronaldo com o passaporte espanhol. Então não havia dolo, vontade de prejudicar o país ou em benefício próprio. Poderiam entrar de outra maneira no país. Não houve dolo. Houve, sim, um ilícito. Tanto que de livre e espontânea vontade apresentaram o documento, acharam que estava legal. Com isso, o promotor lançou parecer para que o processo fosse extinto e finalizado.
Para um cidadão brasileiro entrar no Paraguai basta o RG. Trata-se de país do Mercosul, onde não há necessidade de passaporte para tal. Por que será que o ex-jogador Ronaldo Gaúcho e seu irmão se envolveram com passaporte falso paraguaio?
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido dos irmãos e ex-jogadores de futebol Ronaldinho Gaúcho e Roberto Assis para que seus passaportes fossem liberados, de acordo com informações do UOL.
Segundo a reportagem, os documentos da dupla estão retidos até que o pagamento referente a um processo de crime ambiental seja pago.
Ronaldinho e Assis foram condenados a pagar indenização e reverter danos acausados em áreas de preservação em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O valor chega a R$ 8,5 milhões.
Com isso, o ex-camisa 10 da Seleção Brasileira segue impedido de viajar pelo mundo para cumprir sua agenda de compromissos, sua principal fonte de renda atualmente.
O objetivo da investigação será verificar se o ex-craque brasileiro e seu irmão, na impossibilidade do uso de seu passaporte nacional, usaram um documento falso, tendo absoluta consciência que cometeriam o ilícito no caso. Para tanto, teriam consciência de que se tratava de documento que teria sido falsificado com objetivo de facilitar as atividades atinentes aos seus negócios no exterior. Outros crimes poderiam ter sido praticados segundo informou a imprensa.
II – ALGUNS ELEMENTOS DO SISTEMA PROCESSUAL DE INVESTIGAÇÃO NO PARAGUAI
Segundo o artigo 136 do Código de Processo Penal paraguaio, o prazo máximo de duração do processo penal será de 04 (quatro) anos, após o qual o juiz o declarará extinto".
Verifica-se, portanto, que o artigo supracitado impõe uma sanção nos casos de não cumprimento do prazo estabelecido, sanção esta que se resume na extinção da ação penal em curso.
Também é fixado um limite para a fase pré-processual, que, uma vez superado, impedirá o futuro exercício da ação penal pela perda do poder de proceder contra alguém.
Certamente a existência de sanção evita abusos e procrastinações indevidas pelo poder público (poder público em geral), possibilitando a justa e célere condução da investigação preliminar e da ação penal.
Além de trazer limites temporais para a fase preliminar e para a ação penal, o Código de Processo Penal paraguaio também fixa prazos para que o juiz decida acerca dos petitórios realizados pela defesa do acusado. Importante mencionar que o não cumprimento dos prazos importam igualmente em graves sanções.
Se o recurso contra uma prisão cautelar não for julgado no prazo fixado no código, o imputado poderá exigir que o despacho seja proferido em 24 (vinte e quatro) horas. Caso não o seja, se entenderá que lhe foi concedida a liberdade.
III – A APLICAÇÃO DA LEI PENAL BRASILEIRA
Segundo o princípio da territorialidade a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a editou, não importando a nacionalidade do sujeito ativo ou passivo.
Assim, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil.
Art. 5º - CP:
Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.
Tem-se a territorialidade absoluta que é aquela que dispõe que só a lei brasileira aplica-se sempre ao crime cometido no território nacional.
Mas há a territorialidade temperada na medidas em que, de modo geral, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil, regra que não é absoluta, ressalvado os Tratados e Convenções Internacionais, quando excepcionalmente poderá a lei estrangeira ser aplicada a delitos cometidos total ou parcialmente em território nacional. Denomina-se este princípio de intraterritorialidade, quando a lei estrangeira é aplicada no território nacional, de fora para dentro do país.
O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5 - CP).
A regra no direito penal brasileiro é a territorialidade. A exceção se dá com a extraterritorialidade que se dá com relação a aplicação de lei brasileira a delitos praticados no estrangeiro. São exceções ao principio da territorialidade.
Há a chamada extraterritorialidade condicionada. Dela diverge a extraterritorialidade incondicionada sempre que se faça aplicação do principio da defesa, onde a nacionalidade e a natureza do bem jurídico ofendido pela ação delituosa desenvolvida no estrangeiro é que justificam a aplicação da lei pátria. São os casos dos crimes praticados no exterior contra o Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União ou contra a Administração Pública, a teor do artigo 7º, inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei 7.209/84.
Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal.
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
IV – A DECLARAÇÃO FALSA PARA PASSAPORTE
No Brasil, a declaração falsa em processo de transformação de visto, processo de naturalização ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro não deixou de ser crime no Brasil com a revogação da Lei n. 8.615/1980 (antigo Estatuto do Estrangeiro), sendo aplicável aos casos a tipificação prevista no artigo 299 do Código Penal, configurando crime de falsidade ideológica.
Pois bem: dizia o artigo 125, XIII, da Lei 6.815/80, que foi objeto de revogação:
Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída:
Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.
Já dizia Yussef Said Cahali(Estatuto do estrangeiro, 1983, pág. 553) que tal infração, de certa forma, estava prevista no artigo 299 do CP.
Para Dardeau de Cavalho(ainda que se referindo ao Estatuto anterior, artigo 152), “o sujeito ativo, no caso, há de ser o naturalizado ou aquele que procura registrar-se ou obter passaporte”(Situação jurídica do estrangeiro no Brasil, 1976, pág. 286).
Para Yussef Cahali, porém, a falsidade ideológica que era tipificada no inciso XIII da lei revogada, tanto podia imputar não apenas ao próprio interessado na naturalização, na transformação do visto, de registro ou de alteração de assentamento, como ainda podia ser imputada a terceiro que, com sua declaração falsa, concorre para que aquele resultado fosse alcançado.
Entendia-se, assim, que apenas quando o autor de declaração falsa, que possibilitou transformação do visto, de registro, de alteração, de assentamentos, de naturalização ou obtenção de passaporte para estrangeiro, não for estrangeiro, não for brasileiro, é que estará sujeito a expulsão; o brasileiro não precisaria de declaração falsa para obter para si os expedientes ali previstos.
Por certo, até a vigência da Lei nº 8.615/80 aplicava-se aquele artigo 125, XIII, aplicava-se o princípio da especialidade.
Mas que falar com relação aos fatos posteriores à revogação daquela lei, uma vez que a nova norma não reeditou tal tipo penal obedecido o princípio da reserva de parlamento(princípio da legalidade).
O que é documento?
Documento, como conceitua Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, Atlas, pág. 212) é toda peça escrita que condense graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. O escrito deve ser feito a mão ou por meio mecânico ou químico de reprodução de caracteres. Mas, inexiste a falsificação de documento se trata-se de simples reproduções fotográficas (xerocópias) não autenticadas que não se conceituam como documentos (RTJ 108/156). Mas, é essencial que o documento possa apresentar relevância no plano jurídico, gerando consequências no plano jurídico (RTJ 616/295). Nelson Hungria conceitua o documento como “ todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante”.
O documento, via de regra, é um papel escrito. Mas nem todo papel escrito é um documento, pois nem todo papel tem força probante.
De toda sorte, a veracidade probatória é a objetividade jurídica desses crimes em estudo.
São requisitos do documento:
- Forma escrita, redigidos em língua nacional, seja a mão ou a máquina;
- Determinação da autoria;
- Conteúdo (uma manifestação de vontade, uma exposição dos fatos);
- Relevância jurídica
Determina o artigo 299 do CP:
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
Ora, já se diz que, para o caso, a falsificação teria sido cometida no Brasil.
Há a falsidade material e a falsidade ideológica. Na falsidade material, o documento é falsificado em sua essência (material). Na falsidade ideológica (intelectual), o documento é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo ideal.
Falsificar significa criar materialmente, fabricar, formar, contrafazer. O agente elabora, forja o escrito integralmente ou acrescenta algo a um escrito, inserindo dizeres em espaço em branco. Por sua vez, ao alterar o documento verdadeiro o sujeito ativo exclui termos, acrescenta dizeres, substitui palavras. Nos exemplos de alteração, o papel, sobre o qual o agente trabalha, no seu mister criminoso, preexiste à sua ação e constitui documento verdadeiro, sendo objeto do agente emprestar-lhe aspecto ou sentido diferente daquele com que nasceu e, quando se trata de falsificação, o documento nasce como fruto do trabalho do agente cujo desiderato reside em dar existência a um documento fictício, como disse Sylvio do Amaral (Falsidade documental, 2ª edição, São Paulo, 1978, pág. 49 e 50).
Manzini situava a distinção nas duas acepções que a palavra, expressão, falsidade assume: não genuína e não verdadeira. Verifica-se a falsidade material quando o documento não é genuíno. Apresenta-se a falsidade ideológica quando o documento, apesar de ser genuíno, não é verdadeiro. Na falsidade ideológica, tem-se, por exemplo, quando alguém se declara presente ao ato, quando, na verdade, estava ausente.
Quando um documento é genuíno? Quando o autor aparente seja o autor efetivo e quando o documento não tenha sofrido alterações.
Ora, alterações são as modificações de qualquer espécie (rasuras, acréscimos) que se imprimem ao documento autêntico, após achar-se ele definitivamente formado.
A falsidade material, que elimina a genuinidade do documento, poderá apresenta-se como contrafação, quando o documento, redigido por seu verdadeiro autor, padecer as modificações já referenciadas.
Assim se o documento não for contrafeito nem alterado é genuíno. Se, embora genuíno, contiver declaração não correspondente á verdade, a falsidade será tida como ideológica.
A falsa genuinidade (autenticidade) está para a falsidade material, assim como a falsa veracidade está para a falsidade ideológica. Isso porque a falsidade material diz respeito à autoria, à data e ao local da formação do documento. A falsidade ideológica recai sobre aquilo que vem atestado no documento. A falsidade material agride a genuinidade do documento, que não é do autor real, mas aparente. Já a falsidade ideológica recai sobre a veracidade do documento, isto é, sobre o fato de este conter afirmações inverídicas.
A falsidade que o artigo 299 do CP incrimina é a ideológica que se refere ao conteúdo do documento e não o falso material(vide o artigo 298 do CP).
São três as modalidades alternativamente previstas: a) omitir declaração que dele devia constar. A conduta é omissiva. O agente omite(silencia, não menciona) fato que era obrigado a fazer constar; b) inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. O agente diretamente insere(faz constar, coloca) declaração falsa ou diversa da que devia ser consignada; c) fazer inserir declaração falsa ou diversa de que devia ser escrita. O comportamento é semelhante, mas o agente atua indiretamente, fazendo com que outrem insira a declaração falsa ou diversa. Em qualquer das modalidades é indispensável que a falsidade seja capaz de enganar e tenha por objeto fato juridicamente relevante, ou seja, é mister que a declaração falsa constitua elemento substancial do ato ou documento, pois “uma simples mentira, mera irregularidade, simples preterição de formalidade, não constituirão tal tipo, como ensinou Magalhães Noronha(Direito penal, 1995, volume IV, pág. 163). A alteração da verdade deve ser juridicamente relevante e ter potencialidade para prejudicar direito, caso contrário será “um dado supérfluo, inócuo, indiferente”, como explicou Miguel Reale Júnior(RT 667/250). Já no que concerne à simulação, a doutrina estudada não se encontra pacificada. Uns a vinham como falsidade ideológica(contra Bento de Faria, Código Penal Brasileiro, 1959, v. VII, pág. 53). Observo que no que concerne ao abuso de folha assinada em branco, exigia-se que se tratasse de papel entregue ou confiado ao agente para preenchimento. Caso contrário, o falso seria material.
O elemento do tipo é o dolo, na vontade livre e consciente de omitir, inserir ou fazer inserir e o elemento subjetivo do tipo referido pelo especial fim de agir.
O crime consuma-se com a efetiva inserção ou omissão.
A matéria, recentemente, foi objeto de cogitação no A matéria foi discutida pelo STJ no AREsp 1.422.129 – SP.
V – ERRO DO TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO
Estariam os investigados agindo por erro? Teriam consciência da ilicitude? Só uma investigação, respeitado o devido processo legal, pode nos trazer essa resposta. Mister se examine, naquela, se houve dolo, elemento subjetivo do tipo.
O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.
Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.
O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:
a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;
b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;
d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.
A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.
A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.
Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.
Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.
Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.
É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo(Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, pág. 267) coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade(ou ilicitude). O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime(fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.
É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo(artigo 20 do CP) e erro de proibição.
São exemplos de erro do tipo:
a) no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a imputação era falsa, não agiu com dolo de caluniar, excluindo-se a tipicidade;
b) no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo ¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o conceito de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina, para a prática de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica, ou paraestatal, supondo que essa espécie de empregado não se reveste da qualidade de funcionário público, incorre em erro do tipo;
c) No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a coisa e a circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao portador, seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que lhe pertence, incorre em erro do tipo;
d) No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra a qual está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar-se de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de desacatar, podendo incidir no crime de injúria verbal;
e) Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em casa, supondo-se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;
f) Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um objeto escuro, imaginando-se tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa, incide em erro do tipo;
O dolo, sabe-se, compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece o dolo, há causa de exclusão da tipicidade.
O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo crime culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.
O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel, pensando ser um objeto que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Não comete furto algum. O erro é escusável.
Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro acidental, sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser humano, sendo que o crime não deixa de existir.
Fala-se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da teoria limitada da culpa essa é a hipótese a tratar no que concerne às descriminantes putativas, do que se lê do artigo 20, parágrafo único, do Código Penal.
Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨
Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.
O erro de proibição exclui a culpabilidade.
O projeto do Código Penal, voltando-se para um pluralismo que inexistia, por certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo, e a reforma de sua Parte Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de crimes de índios, defende que se trata de erro de proibição, quando o índio pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo(artigo 36). Seria um erro de proibição culturalmente condicionado, que exclui a culpabilidade. Assim disseram Zaffaroni e Pierangeli(Manual de direito penal brasileiro, volume I, parte geral, 6ª edição, São Paulo, RT, 2006, pág. 554 e 555).
¨Muito embora existe delito que o silvícola pode entender perfeitamente, existem outros cuja ilicitude ele não pode entender, e, em tal caso, não existe outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir mediante pretensões de tipo etnocentrista, que escondem, ou exibem, a pretendida superioridade da nossa civilização industrial, para destruir todas aas relações culturais a ela alheias.¨
Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.
É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em contradição consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por sua vez, o autor por convicção e o autor de consciência não estão em contradição consigo próprios, uma vez que agem segundo as suas convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus entendimentos, às suas crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo assim o autor por convicção tem consciência do caráter proibitivo do ato, mas em nome de uma certa convicção política, religiosa ou social, nega a natureza criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo à sua a valoração legal, como ensina Eduardo Correia(Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina, 1965, pág. 331).
Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios devem ter a sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas, mas coloca a oposição entre o índio e o homem branco, o que se distancia do direito penal liberal, em sua tradição, que se afirma cega a determinadas características contingenciais.
Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes praticados pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão, para muitos perigosa, do chamada culpabilidade da personalidade ou de pessoa. Para Figueiredo (Liberdade e culpa, pág. 118) considerado o pai do código penal português, culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de conformar o seu existir por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente protegidos.
Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa.
Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece a norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua verdadeira incidência.
Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de mandamento(erro mandamental), quando o agente se encontra em posição de ¨garantidor¨, diante de situação de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é determinada pela norma preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado, supondo que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro inevitável. O tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da tutela, pensa não estar obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o irrequieto pupilo que está se afogando, num exemplo trazido por Francisco de Assis Toledo(O erro no direito penal. São Paulo, Saraiva, 1977, pág. 65).
No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em principio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva prevalente.
Veja-se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide sobre o entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos seus limites jurídicos. É o exemplo da chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao erro de proibição sobre os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso do exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o agente mata o cônjuge ao surpreendê-lo em flagrante adultério
Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre os limites de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo estar o agente da subtração em estado de necessidade, uma vez que está desempregado e com dificuldades financeiras. Ora, estado de precisão não é estado de necessidade.
São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.
A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:
a) matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá-la de um mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;
b) vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar-se o prazo em que o proprietário deveria apanhá-lo,supondo o sujeito que a lei permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;
c) vender mercadoria do empregador para se pagar de salários atrasados;
d) a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita sua conduta por ter sido liberado pela censura.
O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei 7.209/84.
O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que ainda proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o reconhecimento prático da figura do erro de proibição.
Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se observa que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime, sem dúvida, uma expressão coloquial que se distancia da definição científica que se deve dar ao texto da lei penal. Correto afirmar que no erro de proibição evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória, diferentemente do que se lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.
Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá levar em conta de acordo com as qualidades e defeitos do sujeito, sem levar em conta um padrão médio que se dê de comportamento.