Capa da publicação Direitos dos animais: políticas no Brasil e no mundo
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As diretrizes de aplicação dos direitos dos animais no âmbito internacional em comparação as políticas ambientais brasileiras

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17/03/2020 às 15:54
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3. ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL E BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 trouxe a tutela dos animais. Portanto, ainda que seja um direito constitucional a proteção e os direitos a eles, há deficiência perante a sociedade, ainda que vedados os atos de crueldade e qualquer outro de natureza dolosa.

O artigo 225, §1º, inciso VII da Constituição Federal traz a constitucionalidade dos direitos que concernem aos animais.

Art. 225. da CF - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Há várias formas de demonstrar que os animais são possuidores de direitos, bem como sua preservação e proteção é uma atribuição do Poder Público.

Este estudo foi considerado um grande avanço para o reconhecimento no Brasil do direito aos animais e o valor que tem, pois preserva a dignidade, sem crueldade, possuindo o direito a sua vida.

A Constituição Federal trouxe expressamente a proteção, os direitos e os cuidados que lhes são assegurados e, em 1998 a Lei dos Crimes Ambientais veio fortalecer ainda mais o que diz o dispositivo supra.

Ainda sim, existem leis que permitem os comportamentos cruéis bem como a Lei da Vivissecção, Código de Caça e Pesca e a Lei das Cobaias, como por exemplo.

Contudo, de acordo com os ensinamentos de Dias (2005):

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí, pode-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.

Conforme citado do parágrafo supramencionado, a Lei de Vivissecção de nº 6.638, de 08 de Maio de 1979, é uma lei que autoriza o ato de dissecar os animais, ou seja, realizar o estudo de natureza anatomo-fisiológica. No sentido mais genérico, consiste em no estudo da anatomia, na abertura e/ou separação de organismos mortos, com o objetivo de estudar diferentes órgãos ou outras peças anatômicas, esta técnica é muito utilizada nas áreas de ciências biológicas, tais como medicina, biologia, farmácia, odontologia e outras.

Porém, entende-se que a vivissecção não é ilegal perante o nosso ordenamento jurídico, pois esta é disciplinada pela Lei supracitada, revogada pela Lei nº 11.794/2008. Fato que surge um novo questionamento, onde os recentes julgados sobre o tema vêm decidindo na forma de conciliar ambas as normas, fazendo com que não haja qualquer conflito.

Diante do exposto cabe ressaltar que existe uma contradição, ou seja, se os animais enquanto sujeitos de direito tem preservados os direitos a dignidade e o direito a vida, é necessário que existam leis que os protegerem de quaisquer atos de crueldade.

O que se pretende buscar é conseguir, efetivamente, um flagrante para que seja constatada a desnecessidade da realização de tais meios com tanta tecnologia e desenvolvimento que há no mundo nos mostrando diversos tipos de meio alternativos. Consonante ao pensamento de Sylvia Estrella (2013), em seu artigo “Como funciona o uso de animais em laboratórios”.

Entre as práticas usadas com animais de laboratório, está a vivissecção, que é a cirurgia em animais, muito comum em faculdades de biomédica, para estudar seus órgãos e tecidos. Os animais são também usados em testes de novas drogas para os mais diversos fins, além de experimentação de procedimentos cirúrgicos. Na psicologia, são usados para determinar reações à privação maternal, indução de estresse. As indústrias de cosméticos, produtos higiênica e de limpeza usam animais para ver o grau de toxicidade de seus novos produtos. As toxidades alcoólica e de tabaco são testadas em animais. E até para armas químicas são usadas cobaias. (ESTRELLA, 2013, 01).

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª região, em decisão de Ação Civil Pública nº 2001.51.01003777-0, ajuizada pela Frente Brasileira para Abolição da Vivissecção e outros, tratou do tema de forma a descartar qualquer hipótese de antinomia.

O que não se admite é a realização do procedimento sem a estrita observância às disposições legais de regência, porquanto não se justifica que, no interesse da ciência e da formação profissional, se possa infligir aos animais elevado grau de agressão, dor e angústia. A orientação deve ser sempre a de poupá-los, ao máximo, de qualquer sofrimento. Esse é o sentido da lei. Por tal motivo é que, na redação do § 1º, do art. 32, da Lei 9.605/98, comete crime ambiental aquele que “realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”, com a previsão do aumento da pena em um terço, no caso de morte do animal (§ 2º). Neste ponto, ao contrário do que se entende, somente se há que cogitar em meios alternativos, quando a experiência em animais vivos for dolorosa ou cruel, nos exatos termos do dispositivo legal acima. A contrario sensu, afastadas a dor e a crueldade, ou seja, se observadas, integralmente, as regras impostas pela Lei 6.638/79, e, posteriormente, com a sua revogação, pela Lei 11.794/08, não há qualquer impedimento legal à prática da vivissecção.

O TRF da 1ª Região, em ação civil pública, ressaltou a imprescindibilidade da instituição se credenciar junto ao CONCEA para a realização dos experimentos.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO DA FAUNA E DA FLORA. UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM ATIVIDADES ACADÊMICAS. COMISSÕES DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS - CEUAS. CREDENCIAMENTO JUNTO AO CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL - CONCEA. IMPRESCINDIBILIDADE. I - Nos termos dos arts. 1º, 8º e 13 da Lei nº. 11.794/2008, que disciplina os procedimentos de uso de animais em atividades acadêmicas, é condição imprescindível a essa prática a constituição de Comissão de Ética no Uso de Animais - CEUAs e o prévio credenciamento junto ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal - CONCEA, hipótese não ocorrida, na espécie. II - Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.

Conclui-se então que, se a vivissecção for praticada nos moldes especificados pela Lei que a regulamenta, não configura a experiência cruel, no qual está prevista no artigo 32, §1º da Lei de Crimes Ambientais.

Do qual a não eficácia da Lei 11.794/2008 levaria a uma possível configuração de crime ambiental, fato este que não esboça uma linha de pesquisa cientifica minimamente saudável e uma experiência cruel gerada pela vivissecção.

Portanto, enquanto não surgir lei federal para dar um resultado definitivo e claro sobre a questão, toda parcela da população que luta em prol dos animais se utiliza da Lei de Crimes Ambientais nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, baseando-se no artigo 32:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Quando o §1º cita “quando existirem recursos alternativos”, a lei acaba deixando uma brecha neste artigo. Pode haver outros meios, portanto, para que sejam realizados os testes em animais. Porém, esta prática se tornou cômoda e costumeira neste país.

A RENAMA, Rede Nacional de Métodos Alternativos, também manteve um posicionamento em prol aos animais incitando a desnecessidade da utilização de animais nos testes em seu website com a seguinte passagem do livro “A verdadeira face da Experimentação Animal” de Greif & Tréz (2000, p. 55):

Na realidade, um estudo mais aprofundado sobre a história da medicina revela que as maiores descobertas que produziram um avanço considerável na área da saúde humana ou animal não foram realizadas mediante estudo de animais experimentais, mas sim através do estudo da doença ocorrendo nas populações, da dissecção de cadáveres mortos por causas diversas e outros métodos. Atualmente estes métodos são chamados genericamente como “Alternativos à Experimentação Animal”, porque anos de ciência vivisseccionista pregaram o estigma de que a ciência se construiu com bases na experimentação animal. Nada mais falso. Estes são métodos científicos, em oposição à vivissecção - um método errôneo de experimentação. Qualificar estes métodos como “alternativos” é na realidade considerar a vivissecção como o método oficial. No entanto, fica estabelecido aqui após estas considerações, que apesar de contrariar qualquer ideia de benefícios advindos da vivissecção, será adotado ainda assim o termo “alternativas”, mas por motivos de comodidade.

Quando ficar constatado de que não houve outro meio para realização dos experimentos, entra em ação a Lei das Cobaias nº 11.794/2008 para legislar sobre o método do procedimento, os devidos cuidados, o tratamento, modo de execução, entre outros.

Ainda que o pensamento supremo seja em prol da defesa dos animais a ideia é bastante difusa no ordenamento jurídico brasileiro. Uma vez que, procura-se defender todos os direitos possíveis intrínsecos aos animais e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978, trazer em seu artigo 9º “no caso de o animal ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e morto sem que para ele resulte ansiedade ou dor”.

Há explicito caso de violações dos direitos fundamentais dos animais. Ademais, uma vez que se reconhece que os animais não-humanos têm direitos, é inadmissível criá-los com a finalidade de matar para comê-los.

Já a Suíça foi o primeiro país europeu a adquirir a proteção e direitos dos animais constitucionalmente por levar a sério os animais.

Estima-se que existam 17 (dezessete) milhões de animais na Suíça e desde 2008 foram introduzidas uma série de leis para garantir a saúde e o bem-estar dos animais, constando nos planos de governo, mostrando a Suíça ser um país desenvolvido com baixos índices de desigualdade social, segundo pesquisas feita pela Euro Dicas em 30 de novembro do ano de 2018. (EURO, 2018)

Na mesma fonte, a Suíça possibilita hipótese de conscientização de “curso de pesca sustentável” visando o não sofrimento dos peixes e evitando a extinção das espécies, bem como a microchips implantados nos animais que facilitam a sua localização caso se percam. Essa última modalidade é, ainda, pouco utilizada no Brasil, mas já começou a ser implantada.

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Já na China, o cenário é bem diferente. Sempre foi imposto que quando indivíduos tenham contato com os animais, devem se sobrepor a eles. Não há um pensamento de que os animais também sentem dor, fome, frio, cansaço, ficam doentes e podem morrer.

Outro acontecimento dos Chineses é o famoso Festival de Yulin, do qual segundo a revista Internacional “El País”, publicada em 21 de Junho de 2018, com a manchete de “A grande matança chinesa de cachorros para serem comidos na festa de Yulin” que dizia:

Mais uma vez neste ano, desafiando proibições e alertas sanitários, a cidade chinesa de Yulin realiza nesta quinta-feira, coincidindo com o solstício de verão, seu Festival da Carne de Cachorro e Licor de Lichia, onde milhares de cães serão sacrificados para serem preparados e devorados pelo público. No passado, costumava-se abater 10.000 cachorros durante o festival, mas nos últimos anos a cifra se reduziu para cerca de mil, segundo os organizadores. Mesmo assim, no mundo ocidental, onde o cão é considerado o melhor amigo do homem, as imagens de cachorros enjaulados, decapitados, assados e destrinchados são difíceis de digerir.

O festival de Yulin, na região autônoma de Guangxi (sudeste), por enquanto resiste à lei que proíbe a venda de carne de cachorro em restaurantes, mercados e outros comércios do país, assim como à mobilização de muita gente contrária à matança. Milhões de assinaturas (a última contagem somava 12 milhões) foram recolhidas na China e no resto do mundo para acabar com o sacrifício maciço de cães. (EL PAIS, 2018).

Conclua-se que a China por ser um país desenvolvido tecnologicamente, deixa a desejar quando o assunto é os animais, ou melhor, quando o assunto são cães e gatos. Tendo em vista que, visam trazer mais lucro e mais pessoas para o festival, o que as pessoas não sabem é que estes cães que são servidos durante o festival, são apanhados de forma ilegal, pois costumam ser animas que são roubados dos seus donos ou até mesmo animais de rua.

Acerca do assunto, existem vários posicionamentos como o da Diretora da Organização Animal Ásia à agencia EFE, Jill Robinson.

Existem graves riscos para a saúde pública associados aos cães roubados que são abandonados e não vacinados e que podem hospedar doenças, inclusive a raiva. Ou mesmo que sejam envenenados com cianureto pelos ladrões e que posteriormente entrem na cadeia alimentar. (EL PAIS, 2018).

O grande problema do evento está nos riscos do qual a população está correndo, pelo fato desses animais não serem vacinados, vermifugados ou até mesmo estariam envenenados com cianureto1, pois os ladrões se utilizavam deste composto para matar os animais em larga escala.

Ocorre que, há pessoas que são contra este tipo de festival, como é o caso dos defensores dos animais desta cidade, que divulgam cartazes com a seguinte frase: “Resista ao festival da carne de cachorro e resgate os cães” a fim de conscientizar toda a população, que é para resgatar os animais da rua e não devora-los, até pelo grande perigo que correm. (EL PAIS, 2018).

O fato de o homem ser juridicamente capaz de assumir deveres em contraposição a seus direitos, e inclusive de possuir deveres em relação aos animais, não pode servir de argumento para negar que os animais possam ser sujeitos de direito. É justamente o fato dos animais serem objeto de nossos deveres que os fazem sujeitos de direito, que devem ser tutelados pelos homens.

Assim, entende-se que há necessidade de Leis mais efetivas e punições para que as Leis possam ser cumpridas, uma vez que os animais são sujeitos de direitos e que seus direitos são deveres de todos os homens.

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