CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho procurou-se analisar como a legislação aplicável ao aborto no Brasil impacta no direito à vida e na dignidade da mulher, considerando os dados estatísticos disponíveis sobre a prática e suas consequências, tais como internação e óbitos, além dos argumentos contra e a favor de uma possível descriminalização.
Averiguou-se que, do ponto de vista jurídico, a legislação sobre o aborto estaria, a princípio, coerente com a proteção do direito fundamental à vida intrauterina. Ademais, estaria de acordo com o fundamento da dignidade da pessoa humana ao permitir, excepcionalmente, o abortamento em caso de gravidez de feto anencéfalo, decorrente de estupro ou que coloque em risco a vida da mãe. Entretanto, é imprescindível que a questão seja avaliada também sob o ponto de vista da saúde pública e da realidade social.
Pela análise das estatísticas, certificou-se que tanto as formas que o Estado disponibiliza para prevenir a gravidez quanto a criminalização do aborto não são suficientes para impedir sua prática; que a repressão coloca em risco a vida e a saúde das mães, principalmente as de baixa renda e escolaridade, negras, pardas, indígenas ou que vivem distante dos centros urbanos, as quais muitas vezes recorrem à prática de abortamento fora dos padrões de segurança recomendados pela Organização Mundial de Saúde; que apenas uma minoria das mulheres brasileiras tem acesso a clínicas que, embora clandestinas, ofereçam um mínimo de segurança. Nos países onde a legislação é menos restritiva, conferiu-se que o número de abortos inseguros é significativamente menor. Por esse motivo, a descriminalização geraria menos mortes e internações por aborto clandestino e assim, indiretamente, resguardaria o direito à vida e dignidade humana da gestante.
Verificou-se que, embora a constituição confira proteção à vida intrauterina, a proteção ao ser já nascido é superior, devendo haver uma ponderação entre o direito à vida do nascituro e os direitos humanos da gestante.
Conferiu-se ainda que apenas a descriminalização do aborto não será suficiente para garantir a vida e a dignidade da abortante, devendo o Estado, por meio do Sistema Único de Saúde, assegurar a todas as mulheres os tratamentos e procedimentos necessários à prática segura e a possíveis agravos à saúde humana.
Por fim, é importante que a questão seja avaliada também no que se refere à dignidade do fruto de uma gravidez indesejada. Como seria a vida desse ser? Seria uma criança amada e feliz? Como tudo isso afetaria sua saúde psíquica? São questões que certamente não devem ser desconsideradas.
Diante do exposto, concluiu-se que, em que pese a legislação brasileira aplicável ao aborto, em princípio, estar coerente com a proteção conferida à vida intrauterina, ela deixa de proteger a vida da mãe e viola outros direitos fundamentais, tais como a igualdade, liberdade, saúde física e psíquica e a dignidade humana. Analisando a lei dentro da realidade social e levando em consideração os dados estatísticos de prática de aborto inseguro resultando em óbito e outras consequências indesejáveis, viu-se que não há coerência com a proteção ao direito à vida, sendo necessário uma revisão da legislação referente ao assunto.
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Abstract: This article is about the voluntary interruption of pregnancy and the effects of the prohibitive law at the right to life and at the woman dignity, even when the law searches for a protection of the intrauterine life. A bibliography review about the right to life, the human dignity and the law about abortion in Brazil was made with an analysis of the problem that involves the repression of the abortion and it’s effects at the health, life and woman dignity. After that, arguments and statistics numbers that justify the decriminalization toward the social reality were exposed. The conclusion is that, even according to the juridic protection of the intrauterine life, the prohibition of the abortion is against the protection of women’s life, who frequently practice the abortion exposing themselves to several complications, including death, and violates others fundamental rights, like liberty, equality, health and human dignity, so it’s necessary a review of the abortion law.
Keywords: Abortion. Fundamental Rights. Dignity.