Aspectos criminais da Lei nº 8.666/1993.

Crimes licitatórios e correlatos

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Resumo:

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  • O estudo aborda análise dos crimes licitatórios previstos na Lei 8.666/93, incluindo aspectos administrativos sancionatórios, formas de fraudes em licitações e parte processual penal da lei.

  • Foram mencionados crimes correlatos que geralmente ocorrem concomitantemente com os licitatórios, investigando tipos penais administrativos e seus anexos.

  • Utilizou-se conhecimentos jurídicos diversos, principalmente do Direito Penal, Processo Penal, Administrativo e Constitucional, para analisar o funcionamento do sistema criminal brasileiro.



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5. ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS DA LEI 8.666/93

É relevante relembrar que nenhuma criminalização pode dispensar o devido processo legal, que trata de uma das características do Estado de Direito, constituindo a ampla defesa e o contraditório. De acordo com o artigo 100 da lei 8.666/93, os crimes referentes são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la. Já que, conforme o art. 129, I, da Constituição Federal, é função institucional privativa do Ministério Público, promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Entretanto, nada antecipa sobre a outorga ou não de outros direitos e poderes processuais a terceiros no desenvolvimento da consequente relação processual.

Além disso, segundo o §2º do Código de Processo Penal; seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. De acordo com a doutrina de Renato Brasileiro de Lima (2012, pp. 291-294), a ação penal pública incondicionada é denominada assim porque a atuação do Ministério Público não depende da manifestação da vontade da vítima ou de terceiros. Ou seja, verificando a presença das condições da ação e havendo justa causa para o oferecimento da denúncia, a atuação do Parquet prescinde do implemento de qualquer condição. Por sua vez, diz-se que a ação penal pública é condicionada quando o Ministério Público depender de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

O artigo 101 da lei 8.666/93, caput, diz que qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Ou seja, percebe-se que há uma faculdade, o dispositivo faculta a qualquer pessoa a iniciativa de provocar o Parquet. Conforme o parágrafo único; quando a comunicação for verbal, deverá ser lavrado termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas.

O art. 102 mostra que quando em autos ou documentos de que conhecerem os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas, ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes, verificarem a existência dos crimes previstos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Conforme explica o jurista Motta (2005, p. 557):

A regra deve ser lida com o § 2º do art. 74 da Carta Magna. Determina que os magistrados, membros dos Tribunais de Contas e titulares dos órgãos do sistema de controle, constatando a ocorrência de qualquer dos crimes definidos como tais pela Lei, remetam ao Ministério Público os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Registre-se, nesse ponto, não somente a Lei Federal 8.443/93 (Lei Orgânica do TCU) como também a Resolução 15, de 15/6/93, do TCU, que aprova o seu Regimento Interno.

Já de acordo com o artigo 103 da Lei Geral das Licitações, será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se esta não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, no que couber, o disposto nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal. O art. 29 do CPP diz que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. O art. 30 do CPP diz que ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representa-lo caberá intentar a ação privada.

Assim, segundo a doutrina de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, a ação penal privada subsidiária da pública encontra previsão constitucional expressa no art. 5º, LIX, da CF; no art. 29 do CPP e no art. 100 § 3º do CP, estando assim no título reservado aos direitos e garantias fundamentais, não podendo ser suprimida do ordenamento nem por emenda constitucional, sendo verdadeira cláusula pétrea. Além do mais, sobre essa ação, conforme os referidos autores:

Tem cabimento diante da inércia do MP, que, nos prazos legais, deixa de atuar, não promovendo a denúncia ou, em sendo o caso, não se manifestando pelo arquivamento dos autos do inquérito policial, ou ainda, não requisitando novas diligências. É uma forma de fiscalização da atividade ministerial, evitando eventuais arbítrios pela desídia do Parquet. É uma mera faculdade, cabendo ao particular optar entre manejar ou não a ação, gozando como regra do prazo de seis meses, iniciados, contudo, do encerramento do prazo que o MP dispõe para atuar, ou seja, normalmente cinco ou quinze dias, a depender da existência ou não de prisão. (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 183).

O art. 104 da Lei Geral das Licitações fixa o procedimento processual. Conforme o dispositivo, recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 dias para apresentação de defesa escrita, contado da data de seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5, e indicar as demais provas que pretenda produzir. Conforme a jurisprudência brasileira, como trata-se de uma lei especial, ela deve ser aplicada em prevalência ao CPP, respeitando o princípio da especialidade.

O art. 105 delimita que ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, será aberta sucessivamente, o prazo de 5 dias a cada parte para alegações finais. Segundo o art. 106, decorrido esse prazo, e conclusos os autos dentro de 24 horas, terá o juiz 10 dias para proferir a sentença. O art. 107 expressa que da sentença cabe apelação, interponível no prazo de 5 dias. E o derradeiro art. 108 evidencia que no processamento e julgamento das infrações penais definidas no Estatuto das Licitações; assim como nos recursos e nas execuções que lhe digam respeito, serão aplicados subsidiariamente o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

Recapitulando estes últimos artigos processuais, fica estabelecido que eles preveem procedimentos para a audição de testemunhas de acusação e de defesa; diligências instrutórias e abertura sucessiva de prazo de cinco dias para as alegações finais de cada parte; conclusão dos autos em 24 horas, tendo o juiz dez dias para a sentença; apelação no prazo de cinco dias; e aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.


6. CRIMES CORRELATOS

Os crimes licitatórios dificilmente ocorrem sozinhos, geralmente eles são acompanhados de condutas como: lavagem de dinheiro, associação criminosa, cartel, corrupção, dentre outras. Sobre lavagem de dinheiro, cabe destacar os comentários de Conserino sobre o superfaturamento de contratos públicos (2011, p.31):

Através de superfaturamento de contratos de engenharia, arquitetura, prestação de serviços com a realização de desvios de verbas públicas e pagamento de propinas para integrantes da pessoa política (União, Estado ou Município). Pode-se aditar um contrato público majorando-se sensivelmente o valor contratualmente fixado sob o pretexto de preservar a equação do equilíbrio econômico-financeiro mediante aditamentos, sem quaisquer licitações. Especificamente em relação prestações de serviço poder-se-ia também proceder a falsas medições de coletas de lixo, por exemplo, destinando os valores remanescentes ao pagamento de propina a funcionários públicos que dirigiram e favoreceram determinado certame licitatório para que a empresa X vencesse a licitação de coleta de lixo ou qualquer serviço congênere.

Já a formação de cartel, de acordo com o autor, está dentre as condutas que afetam a ordem econômica, sendo a mais grave, uma vez que destrói a concorrência de mercado, violando os direitos dos consumidores em geral; seja aumentando preços, dividindo mercados ou restringindo ofertas. Além do mais, o cartel prejudica a novidade no mercado, já que os concorrentes são impossibilitados de aperfeiçoar os processos de produção de bens e serviços. Como exemplo, cita-se a existência de cartéis de empresas de gás industrial atuantes no Brasil, visando o controle absoluto do mercado nacional, sugerindo a existência de fraudes em licitações de empresas públicas e privadas sediadas em diferentes Estados.

Outros crimes correlatos bem comuns com os licitatórios são os delitos de associação criminosa e corrupção. A associação criminosa está elencada no art. 288 do Código Penal e estabelece que caracteriza uma associação criminosa associarem-se 3 ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes, com pena de reclusão de 1 a 3 anos. Já a organização criminosa, está prevista na lei do crime organizado, lei 12.850/2013.

Ela estabelece que considera-se organização criminosa a associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional, conforme o art 1º, §1º da referida lei.

Esses crimes geralmente são imputados aos acusados de fraudes em licitações justamente por eles agirem sempre em grupo, realizando conluio na escolha do vencedor. Entretanto, muitas vezes o Ministério Público utiliza do instituto da associação criminosa somente para requerer a prisão temporária de alguns acusados, uma vez que o delito está previsto no rol da lei da prisão temporária nº 7.960/93; abusando assim da autoridade que lhe foi concebida.

Por sua vez, os crimes de corrupção também normalmente são imputados juntamente com os delitos licitatórios. A corrupção ativa se caracteriza quando o particular oferece vantagem indevida a um funcionário público, para obter algum benefício, ou seja, quando um empresário oferece propina a algum integrante da comissão de licitação para obter vantagem no certame licitatório; a pena para este crime é de reclusão de de 2 a 12 anos de prisão, além de multa, e está previsto no art. 333 do Código Penal.

Já a corrupção passiva ocorre quando o funcionário público solicita uma vantagem indevida a um particular, ou seja, seria o inverso da situação, quando alguém da comissão de licitação solicita propina a algum empresário para beneficiá-lo no certame, a sua pena é de reclusão de 2 a 12 anos além de multa, e está previsto n art. 317 do Código Penal. Ressalta-se que esses crimes de corrupção, são crimes formais, ou seja, não importa se a propina é aceita ou não, o simples oferecimento/solicitação da vantagem indevida já caracteriza o crime.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, os aspectos criminais da lei 8.666/93 se mostram bastante detalhados, juntamente com as sanções administrativas aos agentes públicos e aos particulares. Por sua vez, os aspectos processuais penais da referida lei se mostram mais simples e objetivos. Já os crimes correlatos são um meio termo, a depender da legislação aplicada.

Esta pesquisa se mostra relevante uma vez que aprofunda os conhecimentos penais, processuais penais e administrativos, tanto em legislações quanto em doutrinas e jurisprudências.

Trata-se de um tema de grande interesse social, pois abarca as condutas, as infrações, os crimes que ocorrem todos os dias no setor das compras públicas realizadas tanto pelos entes públicos. Além dos delitos mais correlacionados a essas infrações, ou seja, acontecimentos do cotidiano que nem sempre são tratados com a devida importância, causando uma ignorância estrutural na sociedade.

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Conclui-se que o presente estudo contribui para uma prática mais eficaz nas atividades profissionais relacionadas aos temas. Como por exemplo: no trabalho defensivo de um advogado; no trabalho investigativo de um delegado; na função acusatória de um promotor; nas atividades dos integrantes de uma comissão de licitação; nas práticas dos consultores em licitação; nos estudos de acadêmicos, dentre outras. Por sua vez, cabe salientar que a legislação sobre crimes licitatórios apesar de estar bem detalhada, precisa ser atualizada e aperfeiçoada, já que data do ano de 1993, e precisa ser complementada.

Mostra-se mais coerente substituir as penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, e por multas; pois sabemos que o cárcere de nada adianta, além de estar superlotado e ser um estado de coisas inconstitucional; não ressocializa, pelo contrário, antissocializa, especializa no crime organizado.

Além disso, tais condutas em sua maioria não são cometidas com violência e visam sempre vantagens econômicas, logo, a aplicação de multas faz mais sentido. Além do mais, os agentes ativos dos crimes licitatórios e correlatos são empresários e funcionários públicos, ou seja, pessoas com poder econômico, logo, podem pagar.

Assim, a arrecadação do valor das multas e do sequestro e leilão dos bens dos criminosos condenados, seria revertido em favor da sociedade, beneficiando escolas, hospitais, institutos sociais, dentre outros; em vez de simplesmente aprisionar e dar prejuízos imensos para o Estado.

Cabe ressaltar também, que o tema deve ser mais conhecido por motivos de garantias constitucionais, porque existem muitas investigações que são baseadas em meras ilações do Ministério Público, sem provas, caracterizando um abuso do poder de indiciar, e dos institutos das prisões cautelares (prisão temporária e prisão preventiva); destruindo reputações, abusando da autoridade e ignorando os direitos constitucionais.


REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CONSERINO, Cassio Roberto. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2010.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. I. 2. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

ROMANO, Rogério Tadeu. Crimes contra a Licitação. p. 11. Disponível em: https://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca-old/doutrina/Doutrina380-crimes-contra-a-licitacao.pdf. Acesso em: 19 de dezembro de 2019.

STF. EMB. DECL. NO INQUÉRITO 3.331 MATO GROSSO. Primeira Turma. Relator: Min. Edson Fachin. DJ: 03/05/2016. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10974898. Acesso em: 15 de dezembro de 2019.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

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Sobre os autores
Gustavo Vieira Valente Figueiredo

Advogado. Bacharel em Direito pelo Instituto Camillo Filho.

Paulo Gregório Furtado da Silva

Delegado de Polícia Civil. Bacharel em Direito pelo Instituto Camillo Filho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho elaborado como critério obrigatório para a obtenção do título de especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Adelmar Rosado em parceria com a Escola do Legislativo Prof. Wilson Brandão, sob a orientação do Professor Francisco de Sousa Vieira Filho, Mestre em Direito Constitucional; e do Professor Adauto Galiza, Mestre em Ciências Políticas.

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