VAMOS PERDER UMA CHANCE?

A oportunidade que a pandemia Coronavírus está nos dando.

25/03/2020 às 01:49
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No isolamento social imposto pela COVID-19 os seres humanos tem uma oportunidade ímpar de fazer uma pausa para desacelerar, desapegar e olhar para dentro.

VAMOS PERDER UMA CHANCE?

O pior disso tudo é que muitos de nós vamos acabar perdendo uma chance. A pandemia Coronavírus nos pegou pra valer e ainda teremos muito sofrimento, muitas mortes, muito desemprego e uma crise socioeconômica sem precedentes.

Tudo isso vai passar, claro. Em algum momento, daqui alguns meses, começaremos a retomar nossas rotinas. Sairemos da crise, reconquistaremos empregos, reativaremos empresas, restauraremos a vida social. Mas aí, olhando para trás, poderemos perceber que deixamos de aproveitar uma valiosa oportunidade. Evoluir.

Sim, todos já percebemos que a pandemia, ao nos recolher em casa, acabou nos religando com nossa condição humana, que já andava meio esquecida há décadas. Desde a revolução industrial, no século XVIII, e principalmente após a revolução tecnológica a partir dos anos 60/70, o homem está cada vez mais distante de si mesmo, preenchendo incessantemente suas lacunas com tudo o quanto o mundo material tem a oferecer. A cereja do bolo da alienação veio com a comunicação via internet, que de um lado viabilizou uma incrível interação humana, trazendo consigo aceleração do progresso civilizatório, mas por outro afastou as pessoas; desumanizou. Há tempos a sociedade está menos social. Pois então.

Forçados a ficar em casa, temos agora uma oportunidade de ouro para desacelerar, meditar, refletir, e finalmente desapegar um pouco das coisas materiais.

Existe uma prática de meditação budista chamada Vipassana, que consiste num isolamento silencioso de dez dias, em que a pessoa não fala nada e não se comunica com ninguém, apenas contemplando a si mesma, olhando para dentro, experimentando seus insights naturais. Agora teríamos a chance de uma Vipassana personalizada. Pensar um pouco sobre quem somos, o que fazemos, para onde vamos. Mas dificilmente a gente consegue.

Não conseguimos desacelerar, ainda que longe do emprego ou da empresa, porque a mente não pode parar de planejar as medidas compensatórias e o recomeço. Não conseguimos desapegar, porque justamente agora que estamos limitados, circunscritos ao nosso espaço doméstico, achamos que precisamos de muitas coisas externas para passar o tempo, para distrair e fugir do marasmo, do estresse, da depressão. É como se tudo o que materialmente nos preenche (lazer, viagens, carros, smartphones, roupas, festas, bebidas etc) também nos entorpeça. E não é nada fácil se livrar desse entorpecente. Por isso não conseguimos desacelerar, desapegar, nada. Pelo contrário, passamos o tempo nos estressando com o mero passar do tempo.

Logo, logo, tudo voltará ao normal. Não mudaremos muito, infelizmente. Talvez ficaremos mais precavidos, talvez pensaremos em valorizar mais a vida, os amigos, a família. Mas serão pensamentos fugazes, que logo serão substituídos pelas prioridades do cotidiano.

A esmagadora maioria de nós vai perder a grande chance. Não vamos despertar. Não vamos entender que precisamos nos reconectar conosco mesmos para compreender melhor o mundo. Ninguém vai encontrar Deus em lugar nenhum a não ser dentro de si mesmo. É lá que ele está, e é lá que estão as respostas, as verdades mais profundas. Mas para isso é preciso dar um tempo a si mesmo. Parar um pouquinho no meio da correria, silenciar a mente dos ruídos do mundo exterior.

Agora é o momento, não podemos sair de casa e temos todo o tempo do mundo. Mas infelizmente não vamos aproveitar essa chance. Precisamos matar tempo antes que o tempo nos mate. Ou não?

Sobre o autor
Nelson Zunino Neto

Advogado, pós-graduado em Direito Eleitoral e em Direito Ambiental, atuante principalmente em Direito Eleitoral, Empresarial, Administrativo e Civil. Autor do livro Tempo mínimo de propaganda eleitoral em rádio e tv, 2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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