“Sei que os rastros firmes, contundentes e indeléveis que ficaram para trás e marcaram a nossa história são mais longínquos em relação daqueles que ainda tenho a percorrer no caminho espinhoso da vida, mas nada, absolutamente nada, é capaz de apagar a experiência adquirida durante todo esse tempo de agruras, com sabedoria e perspicácia para decifrar a hipocrisia humana, a falsidade abjeta, as fantasias ideológicas, o submundo homiziado nos escombros da maldade, e até mesmo para fazer ecoar o nosso grito de rebeldia, alforria, fruto do direito ao livre pensamento, independência e liberdade de expressão, artigo 5º, IV da CF/88 c/c artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica, trilhando, altaneiro, de forma resoluta na busca de melhores dias para a humanidade”.
RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar em termos perfunctórios acerca do significado do termo Mistanásia e sua íntima relação com a pandemia do coronavírus.
Palavras-Chave. Saúde Pública. Mistanásia. Morte miserável. Morte social.
Muito provavelmente você já ouviu mais de uma dezena de vezes, e sabe o significado da palavra Coronavírus, o que ela representa de risco atual ou grave ameaça para a Humanidade, em seus aspectos sociais, como saúde pública, economia de mercado e livre comércio, que a pandemia já contaminou mais de 500 mil pessoas e matou milhares de vítimas no mundo, em especial, na China, na Itália e na Espanha, mas talvez não saiba ou nunca ouviu falar em Mistanásia.
Mas antes mesmo de revelar o seu real significado, é de bom alvitre citar as disposições do artigo 194 da Constituição da República de 1988, segundo o qual, informa em termos cogentes que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, possuindo como princípio basilar a universalidade da cobertura e do atendimento.
Importante mesmo é a dicção do artigo 196 da CF/88, norma programática que informa ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A saúde consta expressamente da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo XXV, que define que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, in verbis:
Artigo XXV, item 1:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Em 20 de agosto de 2015, é assinada no Brasil, a Declaração Conjunta de Intenção entre o Ministério da Saúde do Brasil e o Ministério Federal da Saúde da República Federal da Alemanha a fim de alavancar o desenvolvimento social sobretudo nos campos de doenças transmissíveis e não transmissíveis, economia da saúde, gestão da saúde, educação em saúde, gestão da qualidade, atenção primária à saúde, práticas regulatórias e pesquisas relacionadas a questões de saúde.
Assim, depois de incursões em textos normativos, passa-se a definir a MISTANÁSIA. Termo muito utilizado nos dias atuais. Trata-se a mistanásia de expressão que deriva do vocábulo grego mis (infeliz) e thanatos (morte), significando, portanto, uma morte infeliz.
Mistanásia também é conhecida por eutanásia social ou morte miserável, sendo que na América Latina e forma mais comum de mistanásia é por omissão de socorro estrutural que atinge milhões de doentes durante sua vida inteira e não apenas nas fases avançadas e terminais de suas enfermidades.
O termo é largamente utilizado hodiernamente para se referir à morte de pessoas que, excluídas socialmente, acabam morrendo sem qualquer ou apenas uma precária assistência de saúde.
Assim, pode-se afirmar que as vítimas da mistanásia são as pessoas que não dispõem de condições financeiras para arcar com os custos advindos dos tratamentos da própria saúde, ficando na dependência da prestação de assistência pública.
Nesse mesmo sentido, pode-se afirmar que também são vítimas da mistanásia aquelas pessoas que ainda conseguem arcar com planos de saúde, mas são privadas de assistência à saúde, em razão do elevado índice de desvios de recursos públicos por agentes políticos e privados desalmados que mergulham num oceano de corrupção e contribuem para as grandes chacinas sociais.
Desta feita, o comportamento omissivo do Estado quando deveria atuar na prestação positiva de ações tendentes a salvaguardar a saúde pública ofende com pena de morte a dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal como direito fundamental do cidadão.
Dignidade da pessoa humana e mínimo existencial se fundem e se tornam garantias inarredáveis de todo cidadão, e tanto isso é verdade que o artigo 170 da CF dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social...”.
O mínimo existencial possui, assim, uma relação com a dignidade humana e com o próprio Estado Democrático de Direito, no comprometimento que este deve ter pela concretização da ideia de justiça social (Häberle, 2003, p. 356-362).
LAVOR, em ensaio denominado Mistanásia: uma breve análise sobre a dignidade humana no Sistema Único de Saúde no Brasil, apresenta lúcida conclusão sobre o tema, arrematando com autoridade:
A ineficiência do Estado no âmbito da saúde pública resulta na institucionalização de um processo contínuo de mortes prematuras e desarrazoadas, as quais poderiam ser evitadas com os devidos cuidados médicos. Para justificar as mortes por falta de um tratamento digno, o Estado utiliza-se da suposta impossibilidade financeira de arcar com os custos decorrentes de insumos, pessoal e tratamentos hospitalares. Contudo, observamos que tal tentativa de repelir sua responsabilidade constitucional se apresenta inverossímil, porquanto notamos que vultuosos valores são alocados em despesas que não possuem prioridade frente a vida humana, como é o caso de gastos com publicidade institucional. Desse modo, torna-se imperiosa a mudança de postura gerencial de recursos públicos pelo Estado, a fim de que as pessoas que recorrem ao Sistema Único de Saúde não sejam vítimas da mistanásia, sobretudo por distinguir que esta, além de afetar a dignidade dos pacientes, atinge severamente os próprios profissionais da saúde em sua dignidade pessoal e profissional, já que submetidos a ambientes laborais com alto nível de estresse, bem como compelidos a optar por qual vida salvar, ante a ausência da estrutura material necessária.[1]
Certamente, no momento excepcional em que o mundo atravessa, assistiremos uma espécie de genocídio ignóbil por mistanásia, em face de inequívoca incompetência de assassinos sociais, que se dividem muitas vezes por ideologias filosóficas e políticas, contaminados pelo vírus mental e obesidade cerebral, tudo isso, com enfraquecimento dos princípios que informam os laços humanitários como a dignidade pessoa humana e a supremacia da fraternidade.
E assim, se estabelece no mundo, e no Brasil de encantos mil não é diferente, uma espécie de estadocídio piromaníaco que comete toda sorte de atrocidades contra a humanidade, negando direitos comezinhos de sobrevivência, educação, segurança, descasos na prestação de saúde pública, impondo seus podres poderes em nome de um escuso projeto de permanência no poder.
Sei que os rastros firmes, contundentes e indeléveis que ficaram para trás e marcaram a nossa história são mais longínquos em relação daqueles que ainda tenho a percorrer no caminho espinhoso da vida, mas nada, absolutamente nada, é capaz de apagar a experiência adquirida durante todo esse tempo de agruras, com sabedoria e perspicácia para decifrar a hipocrisia humana, a falsidade abjeta, as fantasias ideológicas, o submundo homiziado nos escombros da maldade, e até mesmo para fazer ecoar o nosso grito de rebeldia, alforria, fruto do direito ao livre pensamento, independência e liberdade de expressão, artigo 5º, IV da CF/88 c/c artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica, trilhando, altaneiro, de forma resoluta na busca de melhores dias para a humanidade.
REFERÊNCIAS:
HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Tradução de Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003.
LAVOR. Francisco Paula Ferreira. Mistanásia: uma breve análise sobre a dignidade humana no Sistema Único de Saúde no Brasil. Disponível em https://jus.com.br/artigos/68102/mistanasia-uma-breve-analise-sobre-a-dignidade-humana-no-sistema-unico-de-saude-no-brasil. Acesso em 27 de março de 2020, às 08h54min.
[1] LAVOR. Francisco Paula Ferreira. Mistanásia: uma breve análise sobre a dignidade humana no Sistema Único de Saúde no Brasil. Disponível em https://jus.com.br/artigos/68102/mistanasia-uma-breve-analise-sobre-a-dignidade-humana-no-sistema-unico-de-saude-no-brasil. Acesso em 27 de março de 2020, às 08h54min.