Esta breve reflexão se propõe analisar o que podemos sustentar como Direito à Consciência a partir da Constituição Federal de 1988, em somatória aos seus preceitos e princípios basilares e mediante a fruição dos direitos fundamentais.
De certa forma, o Direito à Consciência – para se tomar de uma metáfora – equivaleria à extensão da formação de “livre convicção” que dá forma à magistratura. Porém, o Direito à Consciência em muito se espraia distante de um sentido meramente tecnicista, visto que deve alcançar o homem médio em sua comum.
Neste aspecto, mais nos apoderamos do “intelectual orgânico” de Gramsci, no ideal do legítimo intérprete da Constituição, de que fala Häberle, do que das tecnicalidades jurídicas. Portanto, a sustentação do Direito à Consciência se deve à mais ampla e integral amplitude garantida pela Carta Política de 1988. A saber, partindo-se do preâmbulo, do Princípio Republicano, do Estado de Direito Democrático, da constância da igualdade e da liberdade, à emancipação, formação e participação garantidas pela descentralização do poder e que está referendada em todos os artigos e incisos que reportam a participação como direito-dever multidimensional (saúde, assistência social, segurança, educação e outros), bem como mediante a democratização do espaço público e a existência/resistência adjudicada em todos os fóruns, sessões, comitês e audiências públicas. Além dos demais Colegiados públicos e sociais, populares e com “participação ativa” da iniciativa pública e privada, como Conselhos, Comitês, Comissões, Grupos, Juntas, Equipes, Mesas, Fóruns, Salas e “qualquer outra denominação”, asseguradas na CF88.
A antítese da Carta Política, neste escopo, viria com o recrudescimento do analfabetismo político e disfuncional, com a soberba de poderes mandatários que arruínam qualquer sinal de cidadania ativa (Benevides), quando o próprio Poder Público age negativamente, em prol do fascismo que se desenrola na cultura, na sociedade e nos aparatos estatais. Portanto, o antídoto à negação ao Direito à Consciência, estaria previsto no capítulo da Educação, da Carta Política de 1988, como educação pública de qualidade, crítica, de efeito emancipatório e civilizatório, pluralista e atinente à participação popular.
Para efeito didático, deveríamos construir nossa lógica em duas partes: antídoto e antítese. A síntese, salutar à coisa pública (ou não), nos dirá a história do fascismo nacional daqui por diante. Porque, na realidade, o realismo político nos convence que o diagnóstico é sempre limitado, e não surpreendentemente revela um momento, para usar de metáfora, muito assemelhado ao ornitorrinco.
Nesta conjugação, indaguemos agora se a pandemia do novo coronavírus tem algo a ensinar à opinião pública, como deserto de interesses quase-medíocres: O mundo sairá da pandemia melhor ou pior do que quando entrou? Não há bola de cristal, só o realismo político, e não fosse pela generosidade humana a resposta poderia ser simples: voltaremos à toda à estação planetária do “homini lupus homini”. No caso nacional, agreguemos desde já o fenômeno do bolsonarismo e seu apego à ilogicidade, à irracionalidade fascista, como um tipo de “oligofrenia política” ou Idiocracia.
O fundo dessa questão, por sua vez, é societal (econômica, moral, política, social, cultural) e não se restringe aos efeitos da globalização, mas sim desvela o substrato econômico que está em sua base. O problema econômico, com enormes desdobramentos políticos – e isto não se configurou com a pandemia do “novo” coronavírus –, decorre do capitalismo financista, disruptivo, altamente concentrador de renda e de poder.
Basta pensarmos que cinco megaempresas transnacionais controlam toda a informação relevante do mundo: IBM, Facebook, Google, Apple, Amazon. Isto torna a informação um bem altamente rentável, praticamente a custo zero porque o produtor de dados é o próprio usuário e o faz alegremente. O que, então, prefigura-se como um tipo de Capitalismo da Informação – ou Totalitarismo Digital.
Além disso, a globalização deu vazão a um ciclo ou modelo produtivo que remonta aos anos 50-60 do capitalismo, derivado do aumento crescente da taxa de obsolescência dos bens de produção e de consumo – isso já apontava o “robô alegre” de Wright Mills. O que, por sua vez, eleva grandemente a degradação ambiental e força ao limite a recuperação natural do Planeta, bem como as investidas contra as reservas naturais. Então, também é um capitalismo de altíssimo risco.
Como o modelo de produção é capaz de combinar técnicas globalizadas de produção, por exemplo, cadeias transnacionais de produção e montagem dos bens de uso, consumo e de produção, com os piores níveis de degradação humana no trabalho (leia-se equiparação ao trabalho escravo), conectando países diferentes na linha de montagem, ainda se manifestam outras implicações sobre os regimes políticos: avanço imensurável da desigualdade social, crescimento vertiginoso da miséria humana, degradação incontrolável do meio ambiente e dos marcos societais de convivialidade (dado que se luta, literalmente, por um prato de comida), incapacidade óbvia dos regimes e dos sistemas políticos responderem com alguma satisfação mediana, visto que os próprios “sistemas peritos de controle social” estão esgotados: a imensa maioria dos 7 bilhões de pessoas vivem na indigência social/moral ou perto disso.
A fonte de renda e de financiamento dessa engrenagem político-econômica é o sistema financeiro: ganha na prosperidade econômica, ganha muito na crise, seja ela imobiliária (de caloteiros e trapaças mais miúdas) seja na crise pandêmica de 2020. Tome-se apenas o exemplo brasileiro: o sistema financeiro deverá receber algo em torno de um trilhão, enquanto o Congresso Nacional discute se sobretaxa os servidores públicos a fim de aumentar o desconto em folha, em mais 20%, gerando recursos na casa de 20 milhões, ou seja, economia pífia. Some-se a esses dados o fato de que o “pacote da saúde” prevê uma bolsa de 600 reais para trabalhadores e trabalhadoras fora do mercado formal, porém, um trilhão para o sistema financeiro sem necessidade de devolução desse aporte ao erário, no pós-crise pandêmica.
Por fim, a resposta anti-política – no sentido de negação do espaço público democrático –, e não só no caso brasileiro recente, tem sido o fortalecimento de golpes institucionais: nosso próprio país quando o STF inventou a “reserva do possível”, isto é, a chancela de que os direitos fundamentais sociais são impossíveis de serem tratados como determina a Carta Política de 1988; Honduras, em 2012, ao dar esboço inicial à forma-Estado do que se pode denominar de Ditadura Inconstitucional; novamente no Brasil, no golpe de 2016, e, em 2020, os ameaços de Estado de Sítio – que, por sua vez, fariam coro ao Estado de Exceção, plenamente excepcional, já autenticado no Equador neste mesmo 2020. Ou à Hungria, em que o parlamento conferiu uma “leis de plenos poderes” ao mandatário a fim de prender todos os seus opositores .
Se olharmos ao redor do globo, a partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim, a meca neoliberal – plantada desde Pinochet, na triste ditadura chilena –, veremos incontáveis projetos, tentativas e implantações de Estado de Exceção sob variadas argumentações, mas com o foco na sedimentação de um sistema financeiro especulativo, disruptivo do Processo Civilizatório, e que se configurasse apto aos anseios neoliberais. Nem é de se questionar se serviços secretos e agências provocadoras de instabilidade sistêmica estiveram ou estão presentes em todos esses cenários, porque é óbvio que sim. A presença de tais organizações, CIA, FMI e outras – depois legalizadas pelo Fórum de Davos –, revelam, ao fim desta breve análise, um real nódulo político-jurídico: a “democracia liberal” sofre acometida do mal da negação ao liberalismo e ao republicanismo desde a origem. Um mal “ab ovo” da democracia representativa estadunidense e congêneres, a contar de O Federalista.
Sob a forma do Bonapartismo soft ou cesarismo pós-moderno (entre Losurdo e Gramci), a alta concentração de poder executivo, capaz de guerrear com o mundo, sem a menor capacidade de instituir um sistema de freios e contrapesos, diante da inexistência da liberdade (haja visto a sociedade de controle) e da soberania popular – com a imposição do revisionismo e da pós-verdade –, a Política é segregada à ágora grega. A resistência a isto, obviamente sistêmica e sistemática, por sua vez, poderia passar por uma pergunta seminal: necessitamos de “novos” Kybernets ou de condottiere, césares, bonapartes?
Mas, cabem outras questões derivadas: são todos iguais, quando se trata de uma democracia de massas incapaz da legitimidade democrática popular? Há outro caminho, atalhos, “veredas” mais fáceis, menos íngremes, do que as ladeiras que conhecemos para olharmos de frente o Direito à Consciência? É razoável supormos alguma forma de consciência neste breve século XXI, em que a Guerra Híbrida (Korybko) adquire força e forma de necropolítica (Mbembe) – “alguns inocentes vão morrer, a economia precisa crescer, fazer o que...” – movidas pelos efeitos virais das Fake News? A Polis, a Carta Política, o Direito, a Ética (capitalista), serão anteparo suficiente? Basta-nos distribuir renda, se a renda – apenas dividida – concorre formosamente para o consumismo?