4 A interpretação evolutiva: a construção do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal em matéria de crimes hediondos
Notícias interessantes sobre casos envolvendo o assunto podem ser encontradas no site do STF. Em uma delas, determinado empresário, preso na penitenciária I de Presidente Venceslau (SP), impetrou em setembro de 2004 (por conta própria) habeas corpus (HC n. 84801) requerendo a progressão de regime em condenação por crime hediondo. Em seus fundamentos, o impetrante alega que a decisão do STJ, que não lhe concedeu o benefício, fere os princípios da igualdade (CF, art. 5º, caput) e da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), salientando ainda que a Lei dos Crimes Hediondos "foi editada sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade". [31]
A Corte Constitucional brasileira, por meio do HC n. 82.959, inicia a interpretação evolutiva em matéria de crimes hediondos, a fim de concretizar o direito fundamental à individualização da pena. Nesse contexto, o habeas corpus foi julgado em 23.02.2006, cujo score de votação foi 06 votos a 05 a favor da progressão de regime para os crimes conhecidos como hediondos.
Com efeito, a Corte está deixando o "regime de transição" de seus julgados, no que se refere à inconstitucionalidade dos crimes hediondos, como prova o teor dos informativos n.(s) 355, 383 e 406, os quais mesmo apontando para a mudança de entendimento do Tribunal, proibiu a progressão de regime pelo fato do entendimento do Plenário (HC n. 69603) não ter ainda sido modificado [32], fazendo com que o § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90 tivesse maior importância que a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Ao contrário, o informativo n. 403 já contém decisão que permite a substituição de pena privativa de liberdade, em sede de crimes hediondos, pelas restritivas de direitos, desde que ausentes a violência e a grave ameça. Nesse sentido caminha a decisão do HC n. 85894 (informativo n. 411), a qual aguarda retorno da vista regimental pedida pelo Ministro Carlos Britto.
4.1 Progressão de regime de pena em crimes hediondos
O Ministro Marco Aurélio (Relator do HC n. 82.959), proferiu voto no sentido de declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, que veda a progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos, em razão dos princípios da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e da isonomia (CF, art. 5º, caput), observando ainda que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor somente se enquadram como hediondos quando cometidos com grave lesão ou seguidos de morte. [33]
Com efeito, o Ministro Carlos Britto detêm posição de que é possível a progressão de regime do cumprimento de pena em crimes hediondos, acompanhando o relator apenas no fundamento da inconstitucionalidade. Em seu voto, assevera que a progressão de regime finca raízes na vontade objetiva da Constituição de 1988, segundo o pressuposto da regenerabilidade de toda pessoa que se encontre em regime de condenação penal, seja em relação à privação total, seja referente à privação parcial da liberdade (CF, art. 5º, XV). [34]
Nessa perspectiva, o Ministro Carlos Britto ressalta o conteúdo essencial do "protoprincípio" da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), no sentido de este impedir a aplicação de pena de morte (CF, art. 5º, XLVII, a), salvo no caso de guerra declarada (consoante o disposto na CF, art. 84, XIX), e de caráter perpétuo (CF, art. 5º, XLVII, b). Por conseqüência, o conteúdo essencial da dignidade da pessoa humana impõe à execução da pena privativa de liberdade uma conotação reeducativa e ressocializadora, o que implica trazer para o contexto da execução a garantia da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), devendo existir um regime gradativo de redução dos rigores penais, visto que a hediondez do crime não deve ser confundida com a hediondez da pena, pois outros direitos fundamentais não são retirados pela condenação penal, como a saúde (CF, art. 6º c/c art. 196), a integridade física, psicológica e moral (CF, art. 5º, XLIX), a recração (CF, art. 6º), a liberdade de expressão (CF, art. 5º, IV), de preferência sexual e de crença religiosa (CF, art. 5º, VI, VIII). [35]
Não obstante, o Ministro Carlos Velloso não concorda com este entendimento, visto ter antecipado seu voto no sentido do indeferimento da ordem, o qual foi acompanhado pelo Ministro Joaquim Barbosa. [36]
Por sua vez, o Ministro Cézar Peluso acompanhou o Ministro Marco Aurélio, no sentido de declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8072/90 e ainda reforçar o entendimento de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor somente se enquadram como hediondos quando cometidos com grave lesão ou seguidos de morte, salientando, de um lado, o fato de que o momento de maior concreção da pena é o do seu cumprimento, não se limitando, portanto, à questão da dosimetria e, de outro, ser imperativa a adoção de interpretação restritiva a normas que reduzam direitos fundamentais, sobretudo as previstas nas leis dos crimes hediondos. [37]
A esse respeito, o Ministro Gilmar Mendes declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 em seu voto-vista, entendendo que a vedação de progressão de regime prevista na Lei dos Crimes Hediondos afronta o direito fundamental à individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) pois, ao não se permitir que considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba por afetar o núcleo essencial desse direito, limite ao qual a atuação do legislador estaria submetida, tornando inócua a garantia constitucional. [38]
Com efeito, o dispositivo impugnado, na ótica do Ministro Gilmar Mendes, também ofende o princípio da proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), em razão da desnecessidade da medida como instrumento de combate à criminalidade, haja vista a existência de outros meios eficazes e menos lesivos aos direitos fundamentais, além de apresentar incoerência, por impedir a progressividade mas permitir o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena. [39]
O Ministro ainda salientou a incidência do disposto no art. 27 da Lei n. 9.868/99 também no controle incidental, ressaltando que o efeito ex tunc conferido deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime de progressão, em virtude do reiterado posicionamento do Tribunal quanto ao reconhecimento da constitucionalidade da vedação da progressão de regime nos crimes hediondos e as possíveis conseqüências decorrentes da referida declaração nos âmbitos civil, processual e penal. [40]
No que diz respeito às demais questões levantadas, o Ministro Gilmar Mendes manteve a orientação da Corte no sentido de que o atentado violento ao pudor e o estupro, em suas formas simples, também são considerados crimes hediondos. Ademais, o Ministro deferiu a ordem, com a eficácia ex nunc, para devolver ao juízo de origem o exame sobre o preenchimento, pelo paciente, para as progressões de regime. Após, a Ministro Ellen Gracie pediu vista dos autos. [41]
4.2 O retorno da vista dos autos e o julgamento final
A Ministra Ellen Gracie retornou com os autos na sessão plenária de 23.02.2006, decidindo acompanhar a divergência levantada pelo Ministro Carlos Velloso e indeferiu o habeas corpus, alegando que a restrição não apresenta afronta à norma constitucional referente ao princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), representando apenas opção de política criminal. A Ministra foi acompanhada pelos Ministros Nelson Jobim e Celso de Mello, o qual sustentou que a fixação da pena e a estipulação dos limites oscilantes entre o mínimo e o máximo abstrato decorrem de uma opção legitimamente exercida pelo Congresso Nacional. [42]
Por sua vez, o Ministro Eros Grau, que votou em seguida, acompanhou o voto do Relator (ministro Marco Aurélio), deferindo o HC, ressaltando que a proibição da progressão de regime afronta o princípio da individualização da pena e sustentando que o legislador não pode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso a caso a pena do condenado. Assim, o cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses preceitos constitucionais". [43]
A seu turno, o Ministro Sepúlveda Pertence também proferiu voto pela inconstitucionalidade da norma, ressaltando que o momento de aplicação de pena é diverso do da execução, em que se analisa a natureza do delito. Logo, assevera o Ministro Pertence que "esse movimento de exacerbação de penas como solução ou como arma bastante ao combate à criminalidade só tem servido a finalidades retóricas e simbólicas". [44]
Portanto, na prática, a decisão do Supremo, que deferiu o HC,se resume a afastar a proibição da progressão do regime de cumprimento da pena aos réus condenados pela prática de crimes hediondos. Caberá ao juiz da execução penal, segundo o Plenário, analisar os pedidos de progressão considerando o comportamento de cada apenado– o que caracteriza a individualização da pena. [45]
Como a decisão se deu no controle difuso de constitucionalidade (análise dos efeitos da lei no caso concreto), a decisão do Supremo terá que ser comunicada ao Senado (CF, art. 52, X) para que o parlamento providencie a suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional. O Plenário ressaltou, ainda, que a declaração de inconstitucionalidade não gerará conseqüências jurídicas com relação a penas já extintas, aplicando-se efeitos ex nunc à decisão, consoante as razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, previstas no art. 27 da Lei n. 9.868/99. [46]
4.3 O voto-vista proferido pelo Ministro Gilmar Mendes no HC n. 82.959
4.3.1 Prolegômenos
Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, o que se via nos meses em que antecedeu o julgamento (datado de 02.12.2004) era a instauração de um amplo debate institucional sobre a matéria, à época capitaneada pelo Governo, em virtude da rediscussão, pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a progressão de regime em crimes hediondos. [47]
A esse respeito, o Ministro Sepúlveda Pertence manifestou-se dessa maneira:
"(…) Individualização da pena, Senhor Presidente, enquanto as palavras puderem exprimir idéias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese." [48]
Assim, como visto no tópico anterior, entende o Ministro Pertence que a individualização da pena se esvazia e se torna ilusória em razão da interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação da pena pelo magistrado. Logo, de nada vale individualizar a pena no momento da aplicação se a execução, em razão da natureza do crime, "fará que penas idênticas, segundo o critério de individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução". [49]
Com efeito, para o Ministro Cézar Peluso, o princípio da individualização da pena compreende, perante a Constituição, pelo menos três fundamentos, a saber: (a) proporcionalidade entre o delito praticado e a sanção cominada de maneira abstrata no preceito secundário da norma penal; (b) dosimetria da pena, cuja individualização é aplicada segundo o ato praticado por agente em concreto; (c) individualização da execução da pena, compatível com a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), o comportamento do condenado no cumprimento da pena e à vista do delito cometido (CF, art. 5º, XLVIII). [50]
Dessa forma, tendo a individualização da pena o status constitucional, exceção à natureza da pena (em abstrato, em concreto e em sua execução) apenas poderia ser aberta por norma de hierarquia nomológica equivalente. [51]
O Ministro Gilmar Mendes, no entanto, vai mais além. Considera, em seu voto-vista, que o princípio da individualização da pena se trata, na verdade, de um direito fundamental da pessoa humana, o qual não se restringe à simples fixação da pena in abstracto, mas que se revela abrangente da própria forma de individualização (progressão), a ponto de se cogitar o limite à ação do legislador, indagando se ele poderia prescrever se a pena privativa de liberdade seria cumprida integralmente em regime fechado, ou seja, se na autorização para a intervenção no âmbito de proteção desse direito está implícita a possibilidade de eliminar qualquer progressividade na execução da pena. [52]
Assim sendo, é preciso observa o limite do limite da atuação do legislador em sede da dogmática dos direitos fundamentais, que nada mais é do que o princípio da proteção do núcleo essencial desses direitos.
Cumpre ressaltar que o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais, feitas pelo legislador. [53]
A esse respeito, Konrad Hesse propõe uma fórmula conciliadora, segundo o manejo do princípio da proporcionalidade, o qual não deve ser interpretado em um sentido de mera adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização entre essa finalidade e o direito afetado pela medida. [54]
Nessa perspectiva, o Ministro Gilmar Mendes acentua que mesmo o texto constitucional não estabelecendo expressamente a idéia de núcleo essencial, para o Ministro é certo que a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais decorre do próprio modelo de garantia criado pelo constituinte, pois ao não se admitir um limite para ação legislativa, tornaria inócua qualquer proteção fundamental. [55]
É de se observar que o modelo de política criminal previsto na Lei dos Crimes Hediondos afronta o direito fundamental à individualização da pena. Nesse sentido, o próprio Governo de FHC reconhece isso, ao apontar, na exposição de motivos do Projeto de Lei n. 724-A, de 1995, que a nova proposta permitirá o tratamento rigoroso, sem contudo inviabilizar a individualização da pena (que a Lei n. 8.072/90 inviabiliza!). [56]
Logo, a orientação da Política Criminal contida no projeto estabelece tratamento penal mais severo, que permite se ajustar ao sistema progressivo do cumprimento de pena, sem o qual torna-se impossível imaginar um razoável sistema penitenciário. [57] Assim,
"Se retirarmos do condenado a esperança de antecipar a liberdade pelo seu próprio mérito, pela conduta disciplinada, pelo trabalho produtivo durante a execução da pena, estaremos seguramente acenando-lhe, como única saída, a revolta, as rebeliões, a fuga, a corrupção." [58]
Dessa forma, o Ministro Gilmar Mendes aponta alguns fundamentos que indicam a desnecessidade do critério adotado no art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, o que enseja a inconstitucionalidade do dispositivo por violar expressamente o princípio constitucional da proporcionalidade. [59]
4.3.2 A eventual revisão da jurisprudência
A evolução da jurisprudência e a conseqüente mutação (interpretação evolutiva) da Constituição possuem uma inegável repercussão no plano material e constitui um desafio na esfera processual, especialmente no processo constitucional, sendo um dos temas mais ricos da Teoria do Direito e da moderna Teoria da Constituição.
Nesse sentido, Karl Larenz nos ensina que a alteração da situação normativa enseja a modificação da interpretação anterior, de forma que todas as relações fáticas nas quais o legislador se baseou para editar o ato normativo variaram a tal ponto de fazer com que a norma não consiga se ajustar às novas relações, notando-se aqui o fator temporal, porque qualquer lei está em relação atuante com o seu tempo. [60]
Assim sendo, a alteração da situação normativa, segundo Larenz, pode conduzir à modificação (restrição ou extensão) do significado da norma, existindo nos fatos (como modificações na estrutura jurídica do ordenamento) uma nítida tedência da legislação mais recente, um novo entendimento da razão legal ou dos critérios teleológicos-objetivos, bem como a necessidade de adequação do Direito pré-constitucional aos princípios constitucionais, os quais podem provocar uma alteração de interpretação. Logo, os Tribunais podem "abandonar" a sua interpretação anterior, ou por terem se convencido que era ela inadequada (em razão de premissas inadequadas) ou por levar em consideração o fator temporal, observando que antes uma interpretação era adequada e no momento atual, em virtude do âmbito de atuação da norma, ela não o é mais. [61]
No entanto, não é possível determinar quando certa interpretação deixou de ser adequada, pois para Larenz as alterações no sentido interpretativo são realizadas de maneira contínua e não de modo repentino, a ponto de, durante determinado tempo, coexistir a manutenção de uma interpretação e proceder a um novo entendimento adequado ao tempo, cabendo a escolha da interpretação que se coadune com o conteúdo da Constituição. [62]
No plano constitucional, o professor Inocêncio Mártires Coelho [63] faz uma releitura do fenômeno da mutação constitucional, ao tratar da diferença entre a lei e a Constituição, asseverando que são as situações da vida as responsáveis por determinar o significado das normas jurídicas, de forma que apenas no instante em que se as aplica nos casos concretos, consegue-se alcançar o sentido dos enunciados normativos, enfatizando que a norma jurídica não é um mero pressuposto, mas o resultado de um processo de interpretação.
Com efeito, o Ministro Gilmar Mendes ressalta essas colocações com os ensinamentos do professor Peter Häberle, o qual considera a existência da norma como norma jurídica interpretada, observando que interpretar um ato normativo é adequá-lo no tempo e integrá-lo à realidade pública. Por essa razão, o professor Häberle introduz o conceito de pós-compreensão, como um conjunto de fatores temporalmente condicionados, em que com base neles é possível compreender supervenientemente uma norma. [64]
Nesse aspecto, essa concepção permite ao professor Häberle afirmar, em um sentido amplo, que toda a norma interpretada possui uma duração temporal limitada, ou seja, um texto confrontado com novas experiências se transforma em um outro. Assim, uma interpretação constitucional aberta necessita do conceito de mutação constitucional. [65]
Nessa perspectiva, a Corte Constitucional não poderá "fingir" que sempre pensara segundo o novo entendimento construído, devendo-se adotar uma técnica de decisão que traduza a mudança de valores. Conforme entendimento do Ministro Gilmar Mendes, esses casos de mudança de concepção jurídica, no plano constitucional, podem produzir uma mutação normativa ou a evolução na interpretação, permitindo o reconhecido da inconstitucionalidade de situações anteriores consideradas legítimas. [66]
Com efeito, registra-se as passagens colocadas pelo Ministro Gilmar Mendes do professor Peter Häberle acerca da problemática temporal vivida pelo Direito Constitucional, no que diz respeito ao processo de reforma constitucional, o qual deverá se realizar de modo flexível e a partir de uma interpretação aberta, pois "a continuidade da Constituição somente será possível se passado e futuro estiverem nela associados". [67]
4.3.3 Uma nova visão dos direitos fundamentais e suas repercussões
As novas concepções da sociedade ressoam, de certa maneira, na defesa dos direitos fundamentais, em razão da natureza destes institutos e do processo dialético que os envolvem. Nesse sentido, a própria interpretação do instituto fundamental pode ser realizada, em um primeiro momento, com a situação jurídica pré-existente, o que levará, por consegüinte, a discussão para o Tribunal Constitucional. [68]
No entanto, para uma Corte Constitucional, os procedimentos de argumentação jurídica utilizados em Tribunais civis nem sempre serão suficientes para a resolução de questões políticas de grande valor para a comunidade, o que enseja, na visão de Karl Larenz, a necessitade do juiz constitucional de se libertar de sua visão política pessoal e procurar decidir sob argumentos de ordem racional, a fim de garantir a função da Corte, qual seja, a responsabilidade política na manutenção da ordem jurídica e da capacidade de funcionamento do Estado de Direito. [69]
4.3.4 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade
O Ministro Gilmar Mendes, no voto-vista do HC n. 82.959, debate a possibilidade de aplicar a orientação do art. 27 da Lei n. 9.868/99 no controle incidental de constitucionalidade. O sistema difuso (incidental) de controle de constitucionalidade da Suprema Corte dos Estados Unidos (fundamento do sistema brasileiro) passou a admitir a mitigação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro, ressaltando-se, portanto, que o modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. [70]
Com efeito, o Ministro questiona em seu voto a possibilidade de se declarar, em um processo incidental (como um RE), a inconstitucionalidade restrita, com efeitos ex nunc. Nesse sentido, Gilmar Mendes não nega ao princípio da nulidade de lei inconstitucional o seu caráter de princípio constitucional. No entanto, ressalta que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar inadequado para o fim perseguido. E em razão de sua aplicação puder trazer danos ao sistema jurídico constitucional, como uma ameaça ao princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), é necessário realizar uma complexa ponderação entre estes princípios de status constitucional. [71]
Assim, a aceitação do princípio da nulidade da lei inconstitucional não impede que se reconheça no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de se adotar uma declaração de inconstitucionalidade relativa. [72]
Por fim, o Ministro entende que, por ser uma revisão de jurisprudência, o Tribunal deverá declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 de maneira restrita, com eficácia ex nunc, pois não considera os dispositivos impugnados como inconstitucionais à época em que foram criados, ressalvando que os efeitos do acórdão devem ser aplicados às condenações com situações suscetíveis ao regime de progressão da pena. [73]