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Os objetivos dos processos e o critério de interpretação conforme o processo

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5. Escopos do processo e critérios de interpretação

Se o processo é instrumento, este possui critérios para ser utilizado na composição dos litígios havidos em sociedade. A interpretação é de fundamental importância na efetivação do processo como mecanismo de solução equânime dos litígios.

Define José Eduardo Carreira Alvim em consagrada obra:

"Interpretar uma norma é determinar a exata significação dos enunciados legais, com o objetivo de determinar-lhes o conteúdo. A interpretação da norma processual está subordinada aos mesmos cânones que regem a hermenêutica das demais ciências do direito (Frederico Marques)". In "Elementos de Teoria Geral do Processo", 3ª ed., Forense, 1995, p 259.

A interpretação pode ser gramatical (literal), lógica (teleológica/finalística), sistemática e histórica.

Se o Juiz deseja ser um eficaz instrumento a serviço da cidadania, não poderá se deter, apenas, no mero significado das palavras em um determinado dispositivo legal (interpretação gramatical/literal). Deverá fazer uso da interpretação teleológica, sistemática e histórica, compreendendo a norma na sua finalidade (finalística), dentro de um determinado contexto (sistemática) e em conformidade com a mens legis e legislatoris (histórica). Logo, este dispõe de uma série de formas interpretativas para adequar o fato levado ao seu conhecimento ao "justo", não simplesmente adequá-lo à lei.

Cabe ao magistrado atingir não a melhor interpretação "jurídica" (strictu sensu) para o caso em pauta. Compete a ele, e é o que espera a sociedade, atingir em suas decisões o "justo". Tal concepção não é "utopia alternativista". A própria lei, a exemplo do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, autoriza o magistrado a agir em conformidade com as exigências do bem comum. E será em tal sentido que a interpretação será utilizada.

As assertivas acima concretizam a "idéia instrumental" do processo civil hodierno. Como lembra Cândido Rangel Dinamarco, ao referir-se à "missão" do processo:

          "Sua missão mais elevada é a que tem perante a sociedade, para a pacificação segundo critérios vigentes de justiça e para a estabilidade das instituições". In "A instrumentalidade do processo", Malheiros Editores, São Paulo, 3ª edição, 1993.

E não se sustente que ao Juiz cabe apenas a "imparcialidade", como se esta fosse uma expressão "cabalística" que o enfeitiçasse, impedindo-o de ser axiológico, o que é, como legou Miguel Reale em sua "Teoria Tridimensional do Direito", fundamental na compreensão do fato social e da norma. O Juiz deve ter interesse na "verdade real" e no "justo", sob pena de, como já afirmado, ser um "mero ratificador´´ do statu quo vigente.

Enfim, o Juiz deve, sempre que possível, realizar uma interpretação a favor da cidadania.


6. Positivismo e interpretação: função declarativa ou criadora do Direito?

Inicialmente, deve-se redimir aquele que é considerado o "Pai" do Positivismo jurídico, o austríaco Hans Kelsen. Kelsen, ao contrário do afirmado por seus críticos, especialmente através de sua obra "Teoria Pura do Direito" buscou apenas resgatar o Direito, dando-o identidade própria, em uma época na qual todas as demais ciências atreviam-se a abordá-lo, muitas vezes sem a devida base epistemológica. Conduta semelhante levou outro grande pensador a resgatar a identidade da Sociologia, sendo este Max Weber.

Vale transcrever trecho da consagrada obra:

          "Quando designa a si própria como ´pura´ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Isto quer dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

...Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincrestismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto." In "Teoria Pura do Direito", Hans Kelsen, Ed. Martins Fontes, no Prefácio à Segunda Edição, 1991 (grifou-se).

A crítica não deve ser dirigida ao eminente jurista austríaco, mas ao mau emprego de suas idéias.

A utilização do argumento positivista, meramente declaratório, "ratificador dos interesses de uma classe dominante", merece os mais veementes ataques. O Direito e sua respectiva interpretação está acima dos interesses momentâneos de grupos, empresas ou classes.

As fontes do direito, especialmente a visão da jurisprudência, não pode ser dissociada, como reconhece o próprio Kelsen, na passagem anteriormente transcrita, de todo um contexto histórico e cultural capaz de obrigar o intérprete a fomentar a evolução do próprio Direito.

A alegada isenção do magistrado, como já afirmado, não representa "irresponsabilidade axiológica". Cândido Rangel Dinamarco, brilhantemente, afirma:

          " ‘Desinteressado’ é palavra que, nesse contexto, não pode significar ‘axiologicamente neutro’: o juiz, ser vivente na sociedade de onde vêm os fatos e as pretensões em exame, há de ser o porta-voz dos sentimentos que ali preponderam e, portanto, interessado em soluções condizentes com eles, sendo ‘desinteressado’, então, somente no sentido de ‘imparcial’, superior a sentimentos pessoais". In "A instrumentalidade do processo", Malheiros Editores, São Paulo, 3ª edição, 1993, p. 36.

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Logo, interpretar é exercer criativamente, dentro dos parâmetros autorizados pela própria lei e pelo Direito, a atividade jurisdicional, cabendo ao magistrado um fundamental papel na transformação das instituições jurídicas.

Outra crítica, também oriunda do mau emprego do argumento positivista, deve ser feita ao excessivo apego às formas. A formalidade processual, judicial ou forense não pode ser um obstáculo na concretização do fim maior do processo, a garantia do Direito, do "justo". Salvaguardar a cidadania, exercida através do processo, deve ser a diretriz maior na atividade jurisdicional. O mundo está mudando e o universo jurídico, igualmente, urge por transformações.

O Direito tem atualmente uma função criadora, pois está sendo obrigado a adaptar-se às urgências de um planeta globalizado, ou seja, cada vez mais integrado (O mundo está encolhendo!). A propósito, ao Direito não resta escolha, ou se adapta às necessidades da contemporânea praxis social, ou sucumbe, dando origem a uma nova forma de administração dos conflitos surgidos em sociedade.


Conclusão

Indiscutivelmente, as necessidades do mundo contemporâneo tendem a moldar novos operadores do Direito. Tanto aquele que provoca a atividade jurisdicional, como aquele que a presta, serão obrigados a uma profunda adaptação, ou mesmo revolução de seus valores jurídicos.

As urgências da sociedade de consumo estão impondo a criação de novas alternativas para se abordar o fenômeno jurídico. A forma passa a ser menos importante que o conteúdo, ou menos relevante que o resultado prático do processo.

Em todas estas mudanças, uma nova postura da magistratura diante dos meios de interpretação da norma será fundamental na consolidação desta nova etapa do desenvolvimento civilizatório das sociedades ocidentais, com profundos reflexos no Direito pátrio.


Referências bibliográficas.

          1. NERY JR., Nelson; Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 4ª ed. rev. amp., São Paulo, RT, 1997.

          2. BONAVIDES, Paulo; Direito Constitucional. 2ª edição, Forense, 1986.

          3. SILVA, José Afonso da; Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. rev. amp., RT.

          4. ALVIM, José Eduardo Carreira; Procedimento Sumário na Reforma Processual. Belo Horizonte, Del Rey, 1996.

          5. ALVIM, José Eduardo Carreira; Elementos de Teoria Geral do Processo. 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1995.

          6. ALVIM, Arruda; Manual de Direito Processual Civil. 5ª ed. rev. amp., v. 2, São Paulo, RT, 1997.

          7. DINAMARCO, Cândido Rangel; A instrumentalidade do processo. 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1993.

          8. KELSEN, Hans; Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1991.

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Sobre o autor
Cristóvam do Espírito Santo Filho

advogado em Goiânia (GO), sócio do Escritório Marques Siqueira & Espírito Santo Assessoria Jurídica, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Goiano de Direito Tributário e Universidade Católica de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍRITO SANTO FILHO, Cristóvam. Os objetivos dos processos e o critério de interpretação conforme o processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/808. Acesso em: 26 abr. 2024.

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