Os riscos à vida e à saúde pela internação horizontal como medida contra COVID-19

06/04/2020 às 08:38
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O isolamento total pode trazer riscos que cause mortes ou agrave a saúde na quarentena. É necessária uma gestão de risco responsável aos gestores públicos encarregados das tomadas de decisões no gerenciamento de saúde pública de combate à pandemia do COVID-19.

No momento em que são necessárias tomadas de ações preventivas para evitar o risco de mortes em razão da pandemia do COVID-19 duas correntes de opinião surgem em aparente antagonismo sobre as medidas de internação, uma horizontal e outra vertical.

Os defensores do isolamento horizontal afirmam que a melhor maneira de se minimizar a perda de vidas é aplicando a todas as pessoas o auto isolamento e em detrimento dos defensores da internação vertical imposta apenas aos grupos de maior risco é que se trata de uma medida utilitarista com viés de favorecer a economia.

Dado ao ineditismo dos acontecimentos podemos apenas conjecturar se a premissa em desfavor do isolamento vertical tem apenas interesses econômicos, ou, ao revés, também há riscos à saúde e à vida no isolamento horizontal que pode ser mitigado pelo seu congênere o isolamento vertical.

Com base em estudos passados é possível afirmar que a pressão sobre o abastecimento de água e saneamento e a recessão e o desemprego causam o aumento na taxa de mortalidade.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que cerca de 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável. Nos países em desenvolvimento, esse problema aparece relacionado a 80% das mortes e enfermidades. 

Cerca de 28 mil pessoas ainda morrem no Brasil todos os anos por causa da contaminação da água ou de doenças relacionadas com a falta de higiene. O alerta é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que ontem publicou um levantamento mostrando que investimentos no tratamento da água poderiam economizar grande quantidade de recursos públicos.

No mundo, 6,3% das mortes ainda são causadas por doenças decorrentes da má qualidade da água. No total, são 3,5 milhões de mortes por ano no mundo que poderiam ser evitadas.

No Brasil, a taxa de mortos pela contaminação da água é menor que a média mundial: 2,3%. Mas o País tem uma proporção de mortos bem acima das economias industrializadas. Segundo a OMS, mais de 15 mil pessoas morrem por ano no Brasil em consequência de diarreia. Já em países como Áustria, Itália e Dinamarca, por exemplo, apenas 0,1% das mortes são decorrentes de doenças causadas por água contaminada.

No contexto da dimensão humana, a aplicação do Índice de Segurança Hídrica - ISH para o Brasil resultou na identificação de 60,9 milhões de pessoas (34% da população urbana em 2017) que vivem em cidades com menor garantia de abastecimento de água.

Da população em risco, a maior parte (cerca de 80%) está em situação de risco pós-déficit, ou seja, quando as fontes hídricas superficiais e subterrâneas não oferecem disponibilidade de água suficiente para o pleno atendimento às demandas. Uma parcela menor está em situação de risco iminente, risco esse que se eleva na medida em que a demanda se aproxima da disponibilidade. Esses resultados refletem, predominantemente, a pressão sobre os recursos hídricos devido à demanda das grandes concentrações populacionais urbanas, à escassez de água em algumas áreas, como no Semiárido, e ao aumento progressivo da taxa de urbanização do País, que pode se aproximar de 90% em 2020.

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Como se pode ver, já há normalmente um sistema deficiente para o suprimento da água tratada que, como dito, já produz cerca de 28.000 mortes por ano, supondo que seja mantido por longo período o confinamento de mais de 200.000.000 de pessoas em suas casas não será difícil supor que o sistema de abastecimento entrará em colapso e todos estarão sujeitos aos outros 50% da população que não tem água potável e, por conseguinte, à mercê de doenças contagiosas, inclusive o covid-19.

O outro fator de risco em destaque é a correlação existente entre o aumento do desemprego e recessão econômica advinda da paralisação das atividades não essenciais promovidas pela internação horizontal e a taxa de mortalidade.

O crescimento do desemprego associado à redução de investimentos públicos em saúde e em programas sociais fez aumentar a taxa de mortalidade entre adultos no Brasil, no período de 2012 a 2017. A constatação é de um estudo realizado pela Fiocruz, Universidade de Londres e Fundação Getúlio Vargas, que avaliou os efeitos da recessão no número de mortes e verificou se os programas de proteção social impactaram de alguma forma. A pesquisa foi publicada na The Lancet Global Health, uma renomada revista científica da área de saúde.

Para chegar aos resultados, os cientistas se basearam em dados do Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Sistema de Informações para o Orçamento Público em Saúde (SIOPS). A análise levou em consideração informações referentes a gastos com saúde e proteção social, além do número de mortes, em cada um dos 5565 municípios brasileiros. Considerou ainda as taxas de desemprego estaduais, que é a menor unidade geográfica para a qual existem dados regulares disponíveis para todo o Brasil.

Os resultados mostraram que a taxa média de mortalidade por município aumentou 8% no período analisado, passando de 143 óbitos para cada 100 mil habitantes, em 2012, para 154 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2017. Isso equivale a um total de 31.415 mortes em um universo de 7.069.242 óbitos ocorridos no período. A pesquisa mostrou que a relação entre aumento do desemprego e elevação da mortalidade foi evidenciada nos municípios que destinaram menos recursos para o Bolsa Família e tiveram menores gastos em saúde per capita.

“O estudo aponta para os efeitos de uma combinação entre recessão – que gera redução da atividade econômica e o desemprego – e medidas de austeridade -que é quando o poder público diminui os investimentos em saúde e programas de proteção social. É essa junção de perdas acarretou o aumento da mortalidade”, explica o pesquisador da Fiocruz Minas Rômulo Paes, um dos autores do estudo. Segundo ele, isso acontece porque é quando a pessoa perde o emprego, perde a cobertura do plano de saúde e encontra maior dificuldade de acesso aos serviços públicos e programas sociais. “Dessa forma, os investimentos nessas áreas deveriam ser reforçados, e não reduzidos como ocorreu em diversas cidades”, destaca.

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Considerando que os autônomos e ambulantes e informais seriam as primeiras vítimas do desemprego adicionariam algo em torno de 24 milhões de indivíduos (segundo o IBGE em reportagem da Agência Brasil em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-06/trabalhadores-autonomos-somam-24-milhoes-no-pais-diz-ibge), como o número de desempregados em janeiro de 2020 e de 11,9 milhões (vide em https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/28/desemprego-fica-em-112percent-em-janeiro-e-atinge-119-milhoes-diz-ibge.ghtml), então, poderia haver um aumento de ordem de 49,58% de desempregados, o que aumentaria a mortalidade em 24,79%.

Em conclusão, colocando as intervenções horizontal e vertical numa mesma moeda como medida útil à preservação da vida, é de verificar-se que a primeira pode produzir efeitos colaterais de aumento de risco à vida e à saúde das pessoas em razão da correlação entre o aumento de mortes e escassez de água e o desemprego, devendo os gestores públicos levarem em consideração para uma efetiva precaução ao combate à pandemia do COVID-19.

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Sobre o autor
André Santana

Advogado e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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