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Interpretando a cláusula penal desportiva

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16/03/2006 às 00:00
Leia nesta página:

6) A DECISÃO DO TST QUE ADMITE A BILATERALIDADE DA CLÁUSULA PENAL

            No último dia 18/02/2005 foi publicada a decisão do TST, que decidiu o Agravo de Instrumento no processo nº 1490/2002-022-03-40, movido pelo atleta Alexandre de Oliveira Silva contra o América Futebol Clube.

            Na mencionada decisão, os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho mantiveram a decisão dos membros do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região, que aceitaram a tese do reclamante alegando que "a cláusula penal prevista no artigo 28 da Lei nº 9.615/98 aplica-se tanto ao atleta quanto ao clube". Assim, além da multa rescisória regulada pela CLT (50% do que receberia até o termo do contrato), também foi determinado o pagamento da cláusula penal.

            Entretanto, não concordamos com a decisão do douto Julgador, aplicando a cláusula penal para o clube, bilateralmente, pelos motivos a seguir.

            A cláusula penal aplica-se somente ao atleta, ou seja, se a rescisão ocorrer por iniciativa do clube, não terá ele que pagar o valor da cláusula penal. Um dos motivos encontra-se no parágrafo 5º do artigo 28 da Lei Pelé, que determina:

            "§ 5º - Quando se tratar de transferência internacional, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação, desde que esteja expresso no respectivo contrato de trabalho desportivo."

            Este dispositivo aplica-se somente ao atleta que rompe o contrato com objetivo de transferir-se para clube estrangeiro, já que é evidente que só o atleta pode transferir-se, e não o clube.

            Mais adiante, o artigo 33 da Lei Pelé dispõe:

            "art. 33 – Cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei."

            Com uma simples leitura do artigo acima, percebe-se que a condição de jogo é dada ao atleta, "desde que acompanhada de prova de pagamento da cláusula penal". E esta parte final não deixa dúvidas de que a cláusula penal apenas é aplicada ao atleta, pois do contrário bastaria que o clube não a pagasse para que o atleta não tivesse condição de jogo, além de receber o que lhe seria devido.

            Na mesma Lei, encontramos outro dispositivo que retira qualquer dúvida de que a cláusula penal só se aplica ao atleta, qual seja, o inciso II do artigo 57 da Lei Pelé, que dispõe:

            "art. 57 – Constituirão recursos para a assistência social e educacional aos atletas profissionais, ex-atletas e aos em formação, recolhidos diretamente para a Federação das Associações de Atletas Profissionais – FAAP:

            II – um por cento do valor da cláusula penal, nos casos de transferências nacionais e internacionais, a ser pago pelo atleta;..."

            Sobre o assunto, assim se posiciona o nosso mestre Álvaro Melo Filho [01]:

            "É importante aduzir que a cláusula penas desportiva (art. 28) é aplicável apenas ao atleta que "quebra" unilateralmente o contrato, pois no caso de esse rompimento ser de iniciativa do clube, aplica-se multa rescisória (art. 31) em favor do atleta. Quanto o § 3º do art. 28 não fixar limite para avençar a cláusula penal nas transferências internacionais, deixa evidenciado que o transferido é o atleta, e não o clube, daí porque a cláusula penal incide exclusivamente sobre o atleta. Além disso, quando o art. 33 refere-se a condição de jogo (conceito aplicável tão-somente a atleta, e nunca a clube), que só será concedida com a "prova do pagamento da cláusula penal", reforça o entendimento de que a cláusula penal incide apenas sobre a resolução unilateral pelo atleta profissional. (...) o mesmo legislador no art. 57, II, dissipa qualquer dúvida ao grafar que cláusula penal será paga pelo atleta. Assim, vê-se, em face de interpretação sistemática, que a cláusula penal desportiva é devida somente pelo atleta ao clube nos valores pactuados no respectivo contrato profissional desportivo."

            E, mais adiante, continua:

            "Aliás, é preciso atender à finalidade visada pelas partes ao estipularem a cláusula penal desportiva, que é uma compensadora das perdas e danos que o clube sofrerá em face do não-cumprimento ou cumprimento parcial, pelo atleta, do contrato de trabalho desportivo profissional. Vale dizer, a cláusula penal, na esfera desportiva, dotada de colorações e conotações especiais, tem em mira compensar o custo que o clube terá com a contratação de outro atleta, no mínimo com a mesma qualidade técnica, para substituir aquele atleta que, unilateral e desarrazoadamente, recusa-se a cumprir o pacto laboral, muitas vezes abrindo uma lacuna de difícil preenchimento para o conjunto da equipe."

            Portanto, diante de tudo o que foi aqui exposto, não podemos concordar com a decisão do TST, aceitando bilateralidade da cláusula penal, esta de cunho exclusivamente unilateral.

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Notas

            01

MELO FILHO, Álvaro. "Novo Regime Jurídico Desportivo", Brasília, Brasília Jurídica, 2001, p. 128
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Sobre o autor
Ricardo Graiche

advogado especializado em Direito Desportivo em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRAICHE, Ricardo. Interpretando a cláusula penal desportiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 988, 16 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8102. Acesso em: 18 abr. 2024.

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