Reflexões jurídicas dos efeitos da Covid-19

08/04/2020 às 19:15
Leia nesta página:

Há 2 meses seria impossível imaginar que o mundo iria parar, apesar de não estarmos numa situação de total lockdown, pois os serviços essenciais ainda continuam em plena atividade, o fato é que a chegada do COVID-19 já causou estragos financeiros imensuráveis até o momento e, com certeza,  deixará lições preciosas sobre os hábitos do nosso cotidiano, especialmente, nas relações interpessoais, empresariais e trabalhistas com a abertura de negociações e diálogos, cuja estratégia deve ser permeada pela solidariedade, onde todos devem buscar o ponto de equilíbrio. 

Parece ser óbvia tal constatação, porém, o ato de conceder e abrir mão de um direito na prática é muito difícil, em suas estratégias negociais o ser humano tem a tendência natural de obter alguma vantagem econômica, nenhuma parte cede a sua posição contratual se não for para ter um benefício ou contrapartida posterior. No caso específico da crise causada pela COVID-19, o que está em jogo é a sobrevivência do mercado, por esse motivo excepcional, os agentes econômicos estão mais propensos a aceitarem acordos comerciais que outrora jamais aceitariam, pois cientes de que a manutenção da posição contratual proporcionará danos maiores. 

Nesses dias de confinamento e quarentena, a mensagem que o filme da netflix “O poço” traz é bastante clara, o ser humano deveria pensar em solidariedade espontânea como forma de combater a desigualdade social e econômica, quem está na parte de cima com todos os privilégios e prerrogativas, amanhã, poderá estar na parte de baixo (vice-versa), por isso, fechar as portas para o diálogo não é melhor. Hoje, podemos estar numa posição privilegiada, mas, num futuro próximo, a situação poderá inverter-se. Sendo assim, uma das soluções poderia ser a mitigação dos direitos, de forma livre e espontânea, com a segurança de que a parte adversa possa retribuir o gesto de liberalidade feito pelo titular de uma posição privilegiada. 

Quando discutimos a relativização dos direitos trabalhistas, a suspensão do pagamento de alugueis, a prorrogação do pagamento de dívidas, isenção de juros e multa, entre outros atos de negociações diversos, o que estamos fazendo nada mais é do que, uma concessão forçada em razão da excepcionalidade causada pela COVID-19. Caso não estivéssemos em situação de pandemia, ninguém jamais cederia a sua posição contratual em benefício do próximo, isso representa um ato altruístico distante da realidade social e econômica. Aqui, não se quer pregar a ideologia socialista contra o lucro, muito pelo contrário, o modelo econômico de sucesso é o liberalismo e o capitalismo, logo, o objetivo principal da atividade empresária deve ser a busca pelo lucro, porém, não a qualquer custo, também, não se pretende ter a ilusão de que um agende econômico venha a ceder a sua posição contratual sem a perspectiva de uma reciprocidade proporcional da parte adversa.

Igualmente, problemas sociais relevantes da humanidade como a fome, o estado de pobreza e o saneamento básico não serão resolvidos com a simples doação de recursos financeiros. A humanidade precisa encontrar novos caminhos para solucionar velhos problemas, talvez, um destes caminhos seja a solidariedade espontânea aliada à reciprocidade de benefícios e concessões.

Agora,    como     aplicar    a    solidariedade    espontânea    nas    atividades empresariais, esse é o ponto central, o que iremos aprender com o COVID-19 para melhorar o fluxo das relações jurídicas e comerciais, isto é, quando passar a pandemia, os agentes econômicos estariam dispostos a iniciar negociações com objetivo de fazer concessões para evitar a falência ou extinção de uma empresa, grande parte dos processos de recuperação judicial resultam em falência, exatamente, em função da falta diálogo.

Recentemente, tivemos a oportunidade de tentar resolver alguns conflitos de forma amigável, pouco se vê no sentido de fazer concessão e/ou solidariedade de forma espontânea, mesmo com a ciência da paralização geral da economia, muitas pessoas recusam-se a abrir diálogo para um acordo, esse comportamento parte sempre de quem tem uma posição contratual mais privilegiada, independentemente da condição econômica seja o trabalhador ou empresário, ainda que a manutenção da avença possa levar a outra parte à extinção ou ter prejuízos irreparáveis. De outra feita, também não se verifica a presença de boa-vontade da parte adversa de garantir um benefício extra a quem lhe está cedendo por liberalidade um direito ou uma prerrogativa.

Se diante de tamanha pandemia, não somos capazes de sensibilizar-se com o sofrimento da outra parte, o direito posto surge como a tábua de salvação e a lei acaba sendo a chave liberdade.

A lição a ser guardada com os reflexos da COVID-19 é que não podemos fechar às portas para a negociação de acordos e uma vez superadas as tentativas de resolução amigável, o direito positivo é o caminho a ser seguido com os seus princípios garantidores do estado democrático de direito e da preservação da função social do contrato.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Silvio Dutra

Advogado. Mestre em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos