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Hans Kelsen:

disceptações pontuais sobre a teoria genética como representação de funcionamento do conjunto normativo jurídico

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4.Conclusão

            Sobre a teoria orgânica de Savigny e a teoria institucionalista de Saint Romano restam críticas firmes sobre a inteligibilidade e praticidade de tais estudos. Kelsen programou um modelo de representação de funcionamento do conjunto normativo que, se não chega à perfeição (uma meta impossível no Direito!), é, na comparação direta, sem sombra de dúvidas, o mais adequado para explicar racionalmente e de forma prática o fenômeno jurídico.

            Críticas localizadas podem ser lançadas a Kelsen, como podem fazer parte da doutrina de qualquer bom pensador jurídico. A desconfiança de que a norma fundamental talvez não dê conta de justificar o sistema de escalonamento de normas kelseniano é um ponto de sua vasta obra que gera interminável reflexão. Pondere-se também a respeito do abuso da sanção como caractere de obediência de normas, bem como a ausência de sensibilidade para mesclar os modelos dinâmico e estático na busca do referencial ideal para derivação de normas.

            Contudo, a lógica, coerência e primor metodológico do conjunto da obra kelseniana revelam-se ainda bases muito fortes para explicar e resolver crises do Direito nos tempos hodiernos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            HART, Herbert L.A. The concept of law. Oxford: Oxford Univesity Press. Trad: A. Ribeiro Mendes. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994

            KANT, Emmanuel. Kritik der Reinem Vernunft. Trad: M.P. dos Santos. Crítica da razão pura. Calouste Gulbenkian: Lisboa

            KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Trad: Luis Carlos Borges. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 1998

            _____________Reine Rechtslehere. Trad: J. Baptista Machado. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 1998

            ROMANO, Santi. L’ ordinamento giuridico. Studi sul concetto, lê fonti e i caraterri Del diritto. Pisa: Mariotti, 1917, §10

            SAVIGNY, Friedrich Karl Von. System des heutingem romischem Rechts. Tradução: Vittorio Scialoja. Torino: Unione tipografico editrice, 1886


NOTAS

            01

SAVIGNY, Friedrich Karl Von. System des heutingem romischem Rechts. Tradução: Vittorio Scialoja. Torino: Unione tipografico editrice, 1886, p.22

            02

SAVIGNY, op.cit.§7.

            03

ROMANO, Santi. L’ ordinamento giuridico. Studi sul concetto, lê fonti e i caraterri Del diritto. Pisa: Mariotti, 1917, §10

            04

Nesta passagem, embora Saint Romano e Savigny sejam defensores de teorias bem diferenciadas, é visível flagrante similitude. Ambos estão propensos a superar e desprezar singularidades. O que interessa é o "todo", seja o todo orgânico, seja o todo institucional.

            05

ROMANO, Saint. op.cit. §10

            06

HART, Herbert L.A. The concept of law. Oxford: Oxford Univesity Press. Trad: A. Ribeiro Mendes. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 6

            07

Argutos comentaristas de Kelsen conseguem aquilatar em sua obra influências, em variados momentos, de Kant, Freud, Weber, Merkl, Austin e até de Hobbes.

            08

O termo "validade" em Kelsen suscitou polêmicas e combates doutrinários. Segundo Kelsen, a validade da norma simboliza sua existência no conjunto normativo e sua obrigatoriedade. Dependendo do contexto de leitura, a inserção de existência e obrigatoriedade de forma muito parelha à validade pode gerar confusões e certos autores, tais como Alf Ross, não deixaram de expressar áspera crítica a este primado kelseniano.

            09

Quando se propõe a criticar o Direito Natural, Kelsen apresentou argumentos fulminantes: "Segundo a doutrina do ‘Direito natural’, a norma da justiça é imanente à natureza- a natureza do homem ou a natureza das coisas- e o homem pode apenas apreender, mas não criar ou influenciar essa norma. A doutrina é uma ilusão típica, devida a uma objetivação de interesses subjetivos". In KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Trad: Luis Carlos Borges. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 1998, p. 68

            10

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere. Trad: J. Baptista Machado. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 1998. p. 01

            11

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 09

            12

Mister destacar que a norma fundamental não é um ponto da teoria Kelseniana que tenha conseguido aceitação unânime nos meios acadêmicos. Muitos foram os ataques sofridos por Kelsen, com destaque talvez para o realista Alf Ross, que, dentre outras críticas, chegava até a enxergar um quê de jusnaturalismo na base do pensamento kelseniano. Com tal acusação, Ross deixava Kelsen em maus lençóis, afinal de contas Kelsen, um ardoroso algoz do Direito Natural, não poderia ter em suas bases qualquer elemento desta natureza. Um fato inusitado desta saga de Kelsen em relação à norma fundamental é o fato de que suas obras n final da vida dão menos relevância ao termo, que é objeto de menções bem menos expressivas do que em obras clássicas como "Teoria Pura do Direito" e há até o reconhecimento da norma fundamental como mera "ficção jurídica".

            13

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 33

            14

KANT, Emmanuel. Kritik der Reinem Vernunft. Trad: M.P. dos Santos. Crítica da razão pura. Calouste Gulbenkian: Lisboa

            15

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 24

            16

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 02

            17

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 02

            18

KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. op.cit.p. 67/68

            19

KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. op.cit.p. 69

            20

Kelsen, embora não reduza única e exclusivamente a vigência do Direito à sanção, de fato dá muita importância a sanção como fator de aderência da norma jurídica. Neste quesito Kelsen também encontrou muitos críticos. Uma ponderação crítica que pode ser mencionada é a de Hart, segundo o qual ~" (...) é óbvio que a previsibilidade do castigo é um aspecto importante das regras jurídicas; mas não é possível aceitar isto como uma descrição exaustiva do que se quer dizer com a afirmação de que uma regra social existe ou do elemento "ter de" ou "ter o deveder "abrangido nas regras. (...) Porque o juiz, ao punir, toma a regra como seu guia e a violação da regra como razão e justificação para punir o autor da violação. Ele não considera a regra como uma afirmação de que ele e outros previsivelmente punirão os desvios (...)" in The concept of law.op.cit.p. 15

            21

O uso insistente de termos ligados à "razão" demonstra o quão Kelsen pode facilmente ser enquadrado no rol dos iluministas.

            22

KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. op.cit.p. 73

            23

KELSEN, Hans. Reine Rechtslehere.op.cit.p. 04

            24

Uma grande e questionável objeção à idéia de um juiz que também crie normas vem de Montesquieu, o grande nome da teoria de separação de poderes e célebre cultor da máxima de que o juiz deveria se resumir a ser mera "boca da lei". As interpretações estritamente literais da lei fruto do hermetismo jurídico do Código Napoleônico e da Escola de Exegese não podem ser confundidos com o capricho metodológico da teoria kelseniana.
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Sobre o autor
João Fernando Vieira da Silva

advogado, professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum - Campus Leopoldina, especialista em Direito Civil pela UNIPAC - Ubá (MG), mestrando em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ, pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e do Viva Rio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Fernando Vieira. Hans Kelsen:: disceptações pontuais sobre a teoria genética como representação de funcionamento do conjunto normativo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 989, 17 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8110. Acesso em: 5 nov. 2024.

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