Na semana passada, duas moças estavam caminhando na orla da praia quando foram literalmente "detidas" com base num suposto decreto do Poder Público. No mesmo contexto, um vendedor ambulante levou um verdadeiro "mata-leão" dos guardas, por estar vendendo milho verde na orla da praia.
No Estado de São Paulo, o Governador afirmou, em entrevista ao SPTV, que, a partir dessa semana (13/04), se o número de pessoas circulando nas ruas aumentar, caberá ao Poder Público: advertir o cidadão ou, em última análise, decretar voz de prisão àquele que descumprir o isolamento social.
Pois bem.
Será que há fundamento legal em nosso ordenamento jurídico para a prisão da pessoa que descumprir o isolamento social?
Existe uma certa controvérsia a esse respeito.
Por um lado, há uma corrente que defende sim a possibilidade de prisão com base no art. 268 do Código Penal:
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Por outro lado, há uma outra parcela da doutrina que diverge dessa possibilidade de prisão do cidadão.
Logo de ínicio essa corrente traz perguntas importantes, quais sejam:
Qual o alcance do conceito "determinação do poder público" contido no art. 268 do Código Penal?
Será que um decreto estadual teria o condão de impedir um direito fundamental de locomoção (de ir e vir)?
Há quem defenda que um decreto administrativo estadual ou municipal não poderia impedir um dos direitos fundamentais mais "valiosos" de um Estado Democrático de Direitos como o direito de ir e vir do cidadão.
Com efeito, independentemente da corrente adotada, não existe a menor dúvida de que todos os Entes Federativos tem o dever de proteção à saúde (art. 23, II, CF). Chamado federalismo cooperativo. Todavia, parece ser mais razoável conferir à União a tarefa de viabilizar o comando normativo previsto no art. 268 do Código Penal, até mesmo para garantir a aplicação uniforme da legislação criminal em todo o território nacional.
Para esclarecer qualquer confusão, vale a pena ainda recordar que o STF concedeu liminar na ADPF 672 (Rel. Min. Alexandre de Morais) autorizando aos Estados e aos Municípios imporem algumas medidas de "restrições pontuais" para evitar aglomerações (ex.: suspensão das aulas escolares, suspensão da presença física nos cultos religiosos, fechamento de shoppings e etc.), mas não se lhes conferiu o poder de "proibir" e impedir o direito de locomoção das pessoas, acima de tudo sob pena de prisão.